segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O quebra-nozes, o último ato

Almoço de Natal ou Ano Novo, em casa, no final da década de 50, começava na véspera, no início da tarde. Enquanto minha mãe misturava trigo e ovos, eu descia com meu pai até o açougue do Produtor, na Vila Arens, para comprar pernil. O local vivia lotado, com fregueses que vinham de todos os lados da cidade, mas com um atendimento muito rápido. “Um quilo de pernil aqui, quem vai querer?” gritava o homem do outro lado do balcão; “dois quilos aqui”, gritava outro e os fregueses erguiam as mãos e saíam com o produto, satisfeitos.
Em casa, minha mãe já terminara de preparar a massa da lazanha e, enquanto esta secava sobre a cama, o pernil era temperado para o almoço do outro dia. Com a mesa desocupada eu e meus irmãos jogávamos botão, vibrando com os gols, sempre de jogadores do Palmeiras.
E o dia seguinte chegava logo, até porque a gente dormia cedo para acordar mais cedo ainda e esperar o almoço. Se fosse dia de Natal, corríamos ao presépio para ver os brinquedos que sonhávamos ganhar. O triciclo que já fora de Ademir, de Ana e meu, estava agora pintadinho e pronto para virar presente do Osmar. Ademir ganhava raquete e bolinhas de ping-pong, Ana Maria, uma nova boneca e eu saía a montar um quebra-cabeça. E já era hora do almoço. Salada, lasanha, o pernil assado, mais um frango do quintal e duas garrafas de soda limonada Jun-Bra eram a refeição.
Barriga cheia, pratos vazios, copos do mesmo jeito, lá vinha meu pai com uma cesta cheia de frutas natalinas para serem saboreadas: castanhas, nozes e avelãs. Cesta colocada no meio da mesa, iniciávamos o último ato do almoço: o que chamávamos de “o quebra-nozes”. Mesmo que houvesse castanhas e avelãs. Nozes eram as frutas que davam mais trabalho para terem suas cascas quebradas e, portanto, tinham quebradores especiais: martelo de carne, batido com cuidado para não destruir as frutas; a própria garrafa de refrigerante, também com cuidado, agora para não quebrar a garrafa; o velho martelo que meu pai usava para pregar as tábuas do galinheiro e aquilo que mais irritava seu Alcindo: na falta de quebradores usávamos o batente da porta. Fruta colocada no cantinho e a porta era fechada para “apertar” e quebrar a mesma. A irritação tinha sentido: a porta ficava marcada!
Se a noz era quebrada com jeito, as duas metades eram usadas como “tartarugas” e colocadas no presépio. Se quebrada com muita força, levávamos muito tempo para tirar os pedacinhos da fruta do amontoado de cascas. Era comum ver uma avelã voando da mesa por causa de um descuidado que, na tentativa de quebrar sem acertar a mão, o fazia deixando a fruta solta: batida mal dada, fruta voando longe e gozação por parte dos outros.
Mas o que me deixava feliz era tentar esconder todos os quebradores. Fazíamos isso combinados: os martelos desapareciam, as garrafas ocupadas, obrigavam meu pai a pegar duas nozes na mão, apertar uma contra a outra e, na hora do “crac”, olhávamos para ver seu Alcindo retirando a fruta quebrada do meio da mão e colocando a mesma na mesa. Só para ver seus filhos dividindo os pedaços.
Mas no Ano Novo tinha sempre um ato a mais: depois do almoço já ia a família para a casa do vô José, na rua Marrocos, no Jardim Bonfiglioli, para “pedir Boas Festas” e, no final do dia, conferir quem havia ganho mais.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Vitrines


 Você já passou diante de uma vitrine e sonhou com o que seus olhos viam? Quer um vestido, uma blusa, uma calça, uma camisa? Com certeza já... E no meu tempo de garoto, o que mais gostava era de passar diante de uma vitrine para ver se tinha algo, ali, que me pudesse fazer sonhar. Loja de brinquedo, claro, era meu sonho. E nas noites de dezembro, quando o comércio ficava aberto até mais tarde – e dinda fica -, lá ia eu e meus irmãos passear pelas ruas da cidade. Ônibus lotado de pessoas, empurra-empurra na hora de subir e descer, mas... depois... um alívio interior que não dá para se medir. Apenas sentir!!!
E lá iam meus irmãos para as vitrines de lojas de roupas. Jundiaí tinha apenas uma grande loja de roupas por volta dos anos 60. “Rei das roupas feitas” vivia cheio de gente e, no Natal, todo mundo saia vestido igual... Mas eu não via a hora de sair dali, depois de experimentar uma, duas camisas, não gostar de nenhuma, mas achar que eram ideais para meu uso diário – uma – e missa dominical – a outra.
Mas criança mesmo quer mais é passar diante da vitrine daquela loja, ver aquele brinquedo sonhado. E pronto! Roupa comprada, o caminho era as vitrines de brinquedos, mesmo sabendo que não compraria nada daquilo, meus olhos brilhavam ao imaginar o que poderia estar na vitrine do meu sonho...
E estacionava diante das vitrines. Bicicletas, triciclos, bolas de capotão, de borracha, caminhãozinho de madeira, jogo de tômbola, de varetas, dominó, quebra-cabeça de madeira... Um sonho, um doce e interminável sonho!
Enquanto meus irmãos olhavam brinquedos “para maiores”, me deliciava com meus sonhos de criança... Descendo a avenida com o triciclo, enquanto meu irmão olhava dos dois lados da rua para ver se não aparecia nenhum veículo mais “maluco” do que eu. E a bola rolava o campo... mesmo que fosse um rapadão. O ideal era jogar, chutar, marcar, comemorar. E, depois, correr no açougue, pedir um pedaço de sebo e deixar a bola de capotão “oficial” brilhando...
E lá vem o caminhãozinho carregado de pedras para se construir uma linda casa... E pronto! O sonho terminou. Meus irmãos já tinham verificado o que queriam ganhar e pedir para nosso pai colocar debaixo do presépio na noite de Natal. “E você, o que quer?”, perguntava Ademir. Eu, me afastando da vitrine, olhava pra trás, imaginava os sonhos, respirava fundo e seguia em busca do ônibus “não sei, não tenho idéia de preço, não sei o que papai pode comprar pra mim...”

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Mulher!

Outro dia ouvi dizer que todo mundo tem uma história de amor. E história de amor é sempre cheia de emoção, de paixão, de momentos inesquecíveis. E, claro, nem toda história de amor te início, meio e fim. História de amor é quase sempre eterna. Não “eterna enquanto dure”, mas eterna “para sempre”. Mas se existe história com princípio, meio e fim, também é história de amor. Afinal, amor é amor. E cada um sabe a intensidade dele...
E imagino que, quem não teve sua história de amor, pulou este capítulo da vida. Ou tentou ignorá-lo.
A minha história de amor pode ser considerada, para muitos, comum, mas considero eterna “para sempre”. Ela começou na década de 70, exatamente na metade dela. E na capa desta história, como se fosse um livro – é, um livro, porque, na verdade, um capítulo é muito pouco – tem a foto dela: da personagem principal que selou, em definitivo estas páginas de uma história sem fim. Nesta foto ela aparece meiga, doce, terna. Se é possível dizer suave, ela aparece suave; se é possível dizer leve, ela aparece leve. Como uma pluma! Diria que o marcante nela, que se tornou minha mulher e me transformou em coadjuvante desta história de amor, é sua personalidade: decidida, forte. E se sou coadjuvante, ela só pode ser principal, pois é única! Por isso ela aparece em primeiro, por isso ela é capa deste livro. Por isso ela é principal. E eu apenas um coadjuvante...
Essa história de que elas são sexo frágil, só pode ser coisa de quem não conhece esta mulher forte, decidida, resoluta. Sabe o que quer, sabe o que faz! E foi sempre assim nestes anos todos de convivência, iniciados com um namoro, depois de um ano de paquera e consolidados com o casamento há exatos 32 anos.
Uma convivência que tem muitos momentos maravilhosos e outras situações atribuladas, difíceis, principalmente quando o dinheiro desaparecia dos bolsos. Mas sempre aparecia ela para transformar tudo num momento de paz e tranqüilidade. Uma convivência cheia de união, de paz, de amor, de entendimento em apenas um olhar! E um sorriso constante, brilhando em seus lábios, iluminando seu rosto...
E é deste olhar meigo e singelo que me lembro do primeiro dia em que a vi e a transformei em capa deste livro que contém nossa história de amor. Um olhar de menina-moça que virou mulher...
Um olhar que conquistou meu coração.
O coração não!!! Todo meu ser!
Me envolveu, me dominou.
É interessante perceber como ela transforma uma rotina em novidade.
Dinâmica, criativa, viva. Ah mulher das emoções, das paixões, dos corações!!!
Relembrar dia a dia estes anos todos, folheando este livro, seria difícil e exagerado, mas diria que toda manhã, quando o sol nasce lá fora ou mesmo quando os pingos da chuva batem suavemente na janela do quarto, sinto um, dez, vinte, não sei quantos, perco a conta, de tantos beijos de amor que recebo dela. E é isso que transforma a rotina, é isso que dá ânimo à vida! Uma vida bela, doce, rica!
E na chegada do filho, a transformação, a redobrada de atenção, de emoção, de carinhos. A mulher-esposa, a mulher-mãe. Super esposa, super-mãe!Bela, doce, rica!
E não me canso de olhar seus olhos, seu sorriso, seu jeito singelo, sincero e, claro, não me canso de agradecer a Deus que a colocou no meu caminho.
Dinâmica, criativa, viva!!! Bela, doce, rica!
É assim esta mulher: esposa, mãe, enfermeira, psicóloga, médica, motorista, cozinheira, professora.
Ah! Esse brilho nos olhos... esse jeito doce de agir, de falar, de amar. Dinâmica, criativa, viva!!! Bela, doce, rica! Rita!
E, como muita história de amor, esta é real. E, como muita história de amor, esta não tem fim. E, como muita história de amor, esta é inesquecível.
Uma história bela, doce, Rita! Rita de Cássia. (homenagem aos 32 anos de casados - Eu e Rita de Cássia - que são comemorados neste dia 20 de dezembro)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Alegrias de um novo Natal!

Quando o relógio bateu meia-noite, peguei meu pequeno Tiago nos braços e o levei até a sala. Era seu primeiro Natal com a gente e tinha apenas nove meses de existência. Uma enorme caixa – para o pequeno tamanho dele – o assustou. Mas percebemos, eu e Rita de Cássia – que o susto era de alegria. O sorriso nos lábios e os braços abertos querendo “pular” para o chão e abrir o pacote eram sinais claros de sua felicidade. Pedaços de papel rasgado voaram por todos os lados e ficamos, eu e minha amada, apreciando a alegria deste pequeno ser humano.
A cada pedaço de papel rasgado e jogado longe, ele nos olhava como que interrogando-nos se o que fazia era correto ou não. A alegria em nossos rostos mostrava claramente que deveria continuar o que estava fazendo. Depois de meia dúzia de rasga-rasga, Tiago já percebera o triciclo que aparecia, como num passe de mágica à sua frente. Mágica porque o pacote deixava de existir e era substituído por um brinquedo novo, uma alegria que Tiago sentia e que transferia também para nós. E era uma alegria de todos: dele, pelo presente ganho e de nós, pelo presente que recebemos de Deus nove meses antes.
Papel rasgado, triciclo livre e lá vai Tiago usar pela primeira vez seu brinquedo. A sala seria pequena para suas “pedaladas” que, na verdade, não eram pés no pedal, mas pés no chão e o movimento não era para frente, era para trás. Sem noção exata de para onde ir, o triciclo seguia as orientações do “piloto”. E o “piloto”, com os pés, seguia para trás. As explicações foram rápidas, com a colocação dos pés no pedal e o movimento para frente. A alegria em seu rosto era tanta que sentimos, eu e Rita de Cássia, nossos olhos se umedecerem de felicidade. Sorrimos um para o outro, nos demos as mãos e oramos a Deus a graça recebida. A graça de ter conosco um pequeno anjo de Deus, transformado em ser humano e que modificou para sempre nossas vidas.
As pedaladas e o horário acabaram cansando o pequeno Tiago que foi dominado pelo sono e dormiu nos braços da mãe. Mas a brincadeira seria retomada quando o sol surgia forte e quente do outro lado do mundo. E não percebemos o tempo passar naquele Natal, só acompanhando a alegria do filho.
Já perceberam como um filho transforma a vida das pessoas? Todas as ações são feitas exatamente se pensando nesta nova pessoa: ações que visam, sempre, sua alegria. E a alegria do filho é, também, a felicidade dos pais.
E a alegria deste primeiro Natal em três é revivida a cada ano, sempre se lembrando de agradecer a Deus o complemento maior de uma família. E filho é sempre uma benção de Deus.
Obrigado, meu Deus, por me fazer pai; obrigado, meu Deus, por transformar Rita de Cássia em mãe; obrigado, meu Deus, pela alegria de Tiago ser nosso filho.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Presente do coração

O comércio estava fechando mais cedo naquele dia, por ser véspera de Natal. E ele sabia que tinha que acelerar os passos para chegar em casa, pois pretendia levar toda a família na Igreja para participar da Missa do Galo e queria descansar um pouco, pois o movimento nas lojas tinha sido muito grande e se vestir de Papai Noel, com o calor que faz no Brasil, realmente é uma loucura!
Por executar este tipo de serviço pela primeira vez, não podia avaliar se fora ou não melhor que os outros anos. Sabia apenas que tinha se desgastado demais para ganhar o pequeno salário que recebera. Não podia, na verdade, reclamar, pois estivera trabalhando. Apenas o preocupava a semana seguinte, pois estaria, novamente, desempregado. A experiência, para ele, fora interessante. Conversara com muitas pessoas no período em que trabalhara como Papai Noel. Ouviu muitas histórias curiosas, principalmente as contadas por crianças. Lembrou-se vagamente de uma menina que lhe dissera ter um problema de pulmão, sentir dificuldade para respirar. Lembrou-se também que a mesma menina, que lhe dissera chamar-se Juliana, que não estava na fila do Papai Noel para pedir presente. Isso ela tinha bastante... Estava na fila, mesmo, era para conversar com outras crianças – e fizera isso durante a espera – e queria, também, ouvir uma palavra amiga daquele homem barbudo e simpático.
Foi assim que ela o chamou, quando sentou-se em seu colo. Disse que tinha uma infância com poucas amizades, por ser filha única, e queria sempre ouvir uma palavra de apoio, pois a dor que sentia lhe provocava lágrimas a todo momento. E Papai Noel ou o homem barbudo e simpático, lhe disse simplesmente que a alegria de viver deveria ser maior que a dor que sentia. Que o importante era conter as lágrimas da dor, que elas deveriam ser substituídas pelas lágrimas da felicidade. E que não poderia haver alegria maior do que ter uma família.
Juliana olhou nos olhos daquele barbudo e simpático, sorriu suavemente, limpou os olhos que queriam lacrimejar novamente, e lhe perguntou como era sua família. Ele coçou a barba postiça, sorriu para a menina, e lhe disse que estava fazendo aquele trabalho, simplesmente por estar desempregado há seis meses e tinha, em casa, quatro bocas de crianças para sustentar. E que o trabalho de faxina da mulher não era suficiente para todos se alimentarem. O gordo e simpático disse que, dependendo do dia, ele ou a esposa não se alimentavam... Naquele dezembro, houve um pouco mais de alegria. Ninguém ficara, em casa, sem comer.
A menina levantou-se de seu colo, beijou a bochecha vermelha do homem simpático, fez um carinho em sua barba e, antes de dizer adeus, lhe fez uma promessa: “Papai Noel, meu pai vai lhe dar um emprego de presente ainda este ano!” E saiu correndo pela loja, desaparecendo na porta.
O homem, agora retornando para casa, não soube porque pensara naquela menina àquela hora. Sabia apenas que não podia perder o ônibus, para a família não ficar sem jantar e a missa não se perder. Nem bem entrou no coletivo e a porta se fechou em suas costas, pois não cabia mais ninguém ali. Desceu rapidamente perto de casa, chegou com algumas sacolas do supermercado e viu alegria no rosto de toda sua família. Beijou um a um os quatro filhos, abraçou e beijou a esposa e, depois do banho e do jantar, reuniu todo mundo para o caminho da igreja.
Teve sorte este ano, pois chegou e nem todos os bancos estavam lotados ainda. Sentou-se com toda sua família e aguardou a celebração. Sentiu um calafrio no corpo, quando o padre sugeriu, ao final da missa, que as pessoas procurassem alguém especial dentro da igreja para desejar Feliz Natal. Depois que abraçou e beijou e chorou junto com sua família, virou-se para ver se visualizava alguém especial. Conhecia muita gente da igreja, mas não tinha em mente, alguém diferente, alguém especial. Quando tirou as costas da mão dos olhos, que enxugaram as lágrimas, soluçou mais forte: diante de seus olhos, com um envelope na mão, e um largo sorriso nos lábios, estava Juliana, aquela menina dos tempos de Papai Noel.
Juliana lhe entregou o envelope, beijou-o no rosto e disse que, ali, estava o emprego que precisava. O homem perguntou como o reconhecera, já que uma almofada fizera o preenchimento da “gordura” em sua barriga e a barba branca e postiça já não estava mais em seu rosto. A menina olhou nos olhos daquele homem e respondeu simplesmente “te reconheci pelo seu coração!”

(5° lugar no III Concurso Histórias de Natal do Movimento Vida Cristã, em 2005)

domingo, 4 de dezembro de 2011

Natal é família unida

Estava cansado demais aquele dia para continuar a trabalhar. A noite já ia longe, sabia disso, mesmo sem ter relógio, pois a estrela Dalva já estava presente, como que anunciando uma nova manhã. Precisava descansar, dormir, pois o novo dia lhe traria mais trabalho e novas agonias, já que era véspera de Natal. Estava afastado da família já fazia anos, pois tentava ganhar um dinheiro extra para reunir-se novamente com todos. Tentara isso muitas vezes, mas as crises na economia do país acabavam chegando sempre na hora de tentar resolver seu problema. Chorava sempre de saudade dos filhos, da esposa que não via já não tinha mais noção de quanto tempo. Imaginava que os filhos já estivessem grandes, pois percebia seus cabelos cada vez mais brancos e o corpo mais e mais cansado.
Escrevia sempre para eles, recebia fotos, mas nada como o contato direto pele-a-pele. Sonhava com a família novamente unida. Não sabia quando isso ia acontecer, mas imaginava que não poderia demorar, pois a vida é tão curta e não vale tanto a pena a distância, a saudade, a tristeza, a dor de uma ausência.
Já tinha na mente que seria a última vez que isso aconteceria. Que, mesmo sem ter dinheiro suficiente, retornaria ao convívio da família ou traria todos para junto de si. A distância tinha que terminar...
Depois de algumas horas de sono retornou ao trabalho. O sol, como sempre, batia forte em seu corpo, aumentando ainda mais o cansaço. Mas a disposição era muita, a decisão de mudar de vida lhe dava mais ânimo de ir em frente. Sabia que não teria muito tempo de recolher material reciclável, de vender, arrecadar dinheiro e trazer sua família de volta. O movimento na cidade crescia cada vez mais, as buzinas de carro, a alegria nos olhos das pessoas, lhe davam ânimo maior. Fechou seu dia de trabalho mais cedo, apesar do propósito de conquistar mais dinheiro para o futuro. E correu para telefonar para a família. A saudade era muito grande e queria, mesmo que mais cedo, desejar a todos um feliz Natal e garantir que este seria o último que estaria separado de todos.
Quando a vizinha atendeu o telefone e avisou que seus parentes não estavam, o desânimo bateu forte em seu coração. Quis chorar, mas sentiu que não tinha lágrimas naquele instante. Teve vontade de gritar, mas a voz saiu rouca e sem força. Quis correr para casa, mas sentiu as pernas enfraquecerem. Sentiu um suor frio escorrer pelo rosto e a vista embaralhar e teve medo. Imaginou que nem viveria o Natal que estava tão próximo. Sentou-se no banco da praça para refazer as forças e acabou caindo no sono. Quando acordou a noite já estava presente, mas não pensou em lágrimas, em gritos e muito menos em corrida. Queria apenas chegar em casa e comer alguma coisa para se recuperar do desgaste daquele dia.
Caminhou alguns passos, encontrou um outro orelhão e fez nova ligação, a cobrar, para a vizinha. A resposta foi a mesma da outra vez: ninguém em casa! Resolveu deixar a ligação para o dia seguinte, para a manhã de Natal, antes do almoço... Seria um bom horário para cumprimentar a todos, para ouvir vozes saudosas, para chorar junto com todos.
Na curva da esquina, lá embaixo, do outro lado dos barracos, onde costumava parar para olhar o local onde morava, sentiu as pernas tremerem. Havia luz em seu barraco e imaginou que tivesse saído cedo e esquecido de apagá-la. Pensou numa conta maior naquele mês e uma dificuldade muito grande de viajar depois. Quis correr, mas se sentiu frágil para isso. Sentiu as pernas tremerem. Não sabia se de medo ou de que?
Dois passos antes da porta percebeu que ela se abrir lentamente. O medo aumentou, pois imaginou um ladrão, mas sorriu ao pensar que este não passaria por um barraco vazio. Deu um passo à frente, esticou o braço e empurrou devagar a porta, para ver, lenta e suavemente... sua mulher e seus três filhos, já crescidos, ao redor de uma mesa, esperando por ele.
O batimento do coração acelerou, a voz se misturou com um soluço em lágrimas e seus braços voaram para os corpos pequenos e franzinos das pessoas que ele tanto amava. Não interessava saber como a família conseguira dinheiro para estar ali com ele. E soube que todos trabalharam forte aquele ano para conseguir mais dinheiro e todos passarem o Natal juntos. Lamentou sua falta de sorte em não ter conseguido ganhar o suficiente, mas percebeu que o dinheiro de todos serviu para unir a família de novo. E chorou com todos, lágrimas de uma promessa de nunca mais separar as pessoas que mais se amam.
E para que a separação se esta vida voa como o pássaro em busca de outro lugar para repousar? E a família comemorou o primeiro de muitos natais juntos. Natal de felicidade. Natal de nascimento de esperança de uma vida melhor. Juntos, e com Deus no coração!