segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Rosa

Rosa era uma mulher silenciosa, totalmente diferente do marido, Zé Motta. O casamento reuniu apenas parentes, no início dos anos 1960, e os dois ocuparam a casa vizinha à minha! Disse que ela era diferente dele, pois era comum ouvi-lo gritando, logo cedo com seus cães de caça - quatro ou cinco - e o cavalo que ficava ali, como "condução"para a chácara e seu trabalho, geralmente em Várzea Paulista. Isto foi lá pelos anos de 1960. E Zé saia cedo, praticamente de madrugada. Na hora do almoço vinha para casa de kombi, para não cansar o anima. Rosa não saia à rua, se conversava com as vizinhas era pelo muro, às vezes com dona Carlota, de seu lado esquerdo ou dona Angelina, minha mãe, do lado direito, já que não existia telefone. E minha mãe era a mais procurada. Rosa sempre pedia que um dos filhos dela fosse ao armazém do seu Valentim, comprar "alguma coisa". Pó de café, arroz, feijão, ou até o açougue do Iotti, para meio quilo de carne, em bife, para o almoço. Não sei porque, mas quem estava sempre mais disponível nos horários em que Rosa chamava por minha mãe, era eu. Totalmente sem vontade, lá ia eu para a compra no armazém ou no açougue. Cheguei a ir numa mercearia, comprar verduras e legumes, principalmente numa época em que elas não existiam no meu quintal, pois se existissem, com certeza, minha mãe daria a ela com a maior alegria. E veio uma fase mais complicada: a gravidez de Rosa e o nascimento de Rosângela. Se antes eu tinha que fazer a compra no armazém e a passava pelo muro ou chamava Rosa ao portão, agora tinha que entrar, "invadir" a casa para entregar a compra. Às vezes nem via Rosa. Do quarto ela agradecia, perguntava quanto tinha de troco e dizia para eu ficar com um cruzeiro. Não sei avaliar, hoje, quanto vale este dinheiro, mas no final de semana eu conseguia arrecadar, dois, três cruzeiros, e comprava comprava algo para mim, ou na feira ou na saída da escola ou até mesmo sorvete de coco queimado, no bar do japonês, em frente à Sifco. E estas guloseimas eu as devorava em meu quarto, escondido dos irmãos. Absolutamente coisa de criança... Às vezes Rosa me chamava para o quarto, para ver o bebê, mas eu morria de medo de pegá-lo no colo. Poucas vezes encontrava Zé Motta em casa. O trabalho, com certeza, era muito. O tempo passou, Rosangela cresceu, Rosa tinha problemas cardíacos, como minha mãe. As duas conversavam sobre as dores no peito, os remédios. Rosa morreu cedo. Não sei precisar o ano ou sua idade, mas partiu antes de minha mãe, e era ainda nova. Rosangela já havia crescido, eu já tinha casado e mudado dali, os cães de caça desapareceram, o cavalo também se foi. Zé Motta comprou um caminhão e manteve a Kombi. Passei diante da casa dele na semana passada, onde minha casa foi substituida por um galpão, depósito de móveis de uma empresa. O portão da casa de Zé Motta estava aberto, carro saindo da garagem. Talvez o filho ou o genro de Rosangela saindo. Não vi mais ninguém! Mas a saudade de um tempo que não volta mais, me trouxe a lembrança de Rosa: quieta, doce, amiga, que agradecia com um sorriso, pois sua voz, difícil de se ouvir, repetia sempre a mesma palavra "obrigado". Rosa, quieta, doce, amiga, como a flor...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Reminiscências...

Passei minha infância, adolescência e juventude na região da vila Arens e vila Progresso. Nasci no segundo bairro, mas foi no primeiro que frequentei os primeiros anos escolares e participava de atividades religiosas na igreja de vila Arens, seguindo aquilo que meu pai e minha mãe ensinaram. A escola primária foi o Paulo Mendes Silva, na esquina da avenida Fernando Arens com a General Carneiro. Era comum, na minha rotina, seguir pela avenida São Paulo, subir a General Carneiro até a escola. O retorno era pela Fernando Arens até a Senador Bento Pereira Bueno e chegar em casa. Assim, no meu caminho existia o armazém do Kachan, no início da Rua da Várzea, passava em frente ao campo do Dragão Mecânica, a farmácia São Paulo, de Moacyr de Paula, que foi meu primeiro emprego e seguia, cruzando com as casas do Japy, onde moravam funcionários da mesma fábrica, cujo prédio, hoje, está cai não cai. A Sifco sempre esteve no meu roteiro, inclusive à noite com o martelo batendo todas as horas. Cruzava ainda com a sapataria São Paulo, do Irineu Calegari, os armazéns do Contesini e Ferrazo faziam concorrência dois quarteirões à frente. Uma escadaria tirando espaço de metade da calçada era o acesso a uma pensão na esquina seguinte e, na outra, vinha a farmácia Progresso do senhor Arquimedes, sem esquecer do Clube Ipiranga, que ainda hoje sobrevive no bairro. O prédio da farmácia mudou o visual interno, o dono, mas ocupa, ainda o mesmo espaço, na esquina da rua Moreira César, junto ao Largo da Feira. Nesta rua, até a Frei Caneca existia a oficina de seu Vicente Rossi, o “velho foieiro”, pai do cardeal Rossi. Vizinho havia um açougue e, ao lado, uma papelaria. Claro que não me lembro do nome dos donos destas casas comerciais, mas elas se mantém claras em minha mente, mais de 50 anos depois. Entre a Moreira César e a Igreja de Vila Arens existiu o prédio da antiga loja Tranquilo, substituído pelo prédio onde existe o banco do Brasil. Em frente, onde hoje há o estacionamento do Russi, havia o consultório dentário do doutor Arnaldo Lemos, meu primeiro dentista. Era em frente à igreja que o foto Star fazia sucesso nos dias de batizado e primeiro comunhão. Ao lado, existia o Empório Bizarro, onde minha mãe fazia sua despesa mensal. Um pouco mais abaixo surgia o prédio da Rádio Lux e mais abaixo, a “eterna” bicicletaria do Tico. Onde hoje existe a Caixa Econômica e o Banco Itaú, João Filippini tinha sua loja onde madeira, pregos e parafusos faziam sucesso em vendas. Era na madeireira que eu gostava de passear, de procurar pedaços de caibros ou de vigas e inventar alguma coisa no quintal de minha casa. Coisa de criança, claro! Havia ainda o Cine República, Bebidas Caldas, Ferráspari e do outro lado, a Casa Garcia. Sem esquecer, que em frente ao Filippini, havia o bebedouro onde os cavalos recuperavam suas forças para subir a rua Olavo Guimarães e seguir rumo aos bairros mais distantes do centro. Passou o tempo, a maioria destes comércios desapareceram, mas o filme continua exibindo na memória, cenas de capítulos que não voltam mais no nosso caminhar.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Doação!

Não é a época nem o dia, mas sabe quando algum fato vem à sua cabeça sem pedir licença e provoca em você uma reflexão sobre o cotidiano das pessoas? Pois é, apesar de ser início do ano, me lembrei de um fato ocorrido numa missa de Domingo de Ramos quando o padre, para mostrar que o Cristo estava doando sua vida à humanidade, começou e relatar ações de pessoas que tinham atitude parecida. Eram exemplos que ele fazia questão de mostrar aos fiéis que o morrer não é, necessariamente, deixar de respirar, ir para um caixão e voltar a ser pó! E as perguntas ele fazia às pessoas presentes na igreja, do tipo “Quem daqui cuida de um parente doente?” E alguém, timidamente, erguia a mão e dizia: “Tenho minha mãe de cama há dois anos. Estou aqui na igreja, hoje, porque minha irmã veio do Rio passar a Semana Santa aqui, então ela ficou com minha mãe.” Não era necessário aplauso para este tipo de ato. Bastava analisar a doação da pessoa... E mais perguntas e mais respostas: “Meu filho nasceu com deficiência mental. Eu e meu marido o acompanhamos em todos os momentos de sua vida”. As pessoas olham para o lado, para ver quem falava. E o padre dizia que estas pessoas eram como o Cristo que doara sua vida por nós. E mais perguntas e mais respostas: Uma senhora levanta-se, lá no fundo da igreja e mostra a mãe sentada ao seu lado e diz simplesmente: “Alzheimer!” As pessoas presentes na igreja olham e contemplam a dedicação, a doação. E são assim os humanos: doadores de vidas! Muitas vezes sem pensar, sem cobrar. Vidas que deixam de ser deles para completar a dos outros. Vidas que deixam de ser! Na volta para casa, com um ramo de oliveira na mão e a reflexão na mente, fez-me perceber a grandeza deste ser criado à imagem e semelhança de Deus. Está claro que o mundo tem seus problemas. E eles podem ser maiores que as soluções, mas ao ver e ouvir estes relatos me permite perceber que tudo tem solução. Basta aos humanos se sentirem como tais. Basta aos humanos partilharem um pouco de seus momentos de paz!