quarta-feira, 27 de maio de 2015

PERSONAGENS (12) A obra de Mariazinha Congílio

O título pode parecer estranho, já que Mariazinha Congílio não se restringiu a apenas uma obra. Ideal seria no plural, mas está como está porque foi por conta de uma obra que a conheci. Mas, pensando bem, todo o conjunto se transforma numa grande obra: a obra de Mariazinha Congílio. O ano era 1971 quando Mariazinha publicou o livro “Nem a favor nem contra, muito pelo contrário”. Foi o bastante para sugerir ao chefe de reportagem do Jornal da Cidade onde engatinhava como repórter, uma entrevista com ela. Entrevista aprovada e repórter escolhido: Eu!  Mariazinha morava na rua Senador Fonseca, o que significa que fui até sua casa, com fotógrafo, a pé, já que a redação ficava na Praça das Bandeiras, onde na época havia uma escolinha e uma praça com lindas árvores e muito bem cuidada!
O sorriso nos lábios da escritora durou toda a entrevista: o comentar da obra, os detalhes da inspiração, e o desejo de que seus textos atravessassem o oceano. Mariazinha era assim: simples e ousada: um sonho de ver o mundo lendo seus textos. Entrevista encerrada, a despedida e o sorriso em seus lábios se perpetuou na minha memória!
Meu contato com a escritora e jornalista foi pequeno: três, quatro, no máximo. O primeiro, um telefonema marcando a entrevista, o segundo, a realização da mesma, o terceiro o agradecimento dela, ligando à redação para dizer que gostou do que leu publicado e o quarto... mais de 30 anos depois, quando nos encontramos – na verdade uma vez – numa reunião da Academia Jundiaiense de Letras.
Entrei na Academia em 2002, mas nesta época Mariazinha vivia mais em São Paulo do que por aqui e me lembro dela apenas numa reunião, quando a cumprimentei. Sorriu quando falei da reportagem de tantos anos passados. O sorriso era o mesmo do dia da entrevista. E foi num dia da reunião da Academia, em agosto de 2004, quando surgiu a informação de seu falecimento que, mais uma vez, me recordei daquele sorriso.
Mariazinha teve mais de 50 livros publicados. Escreveu para o Jornal de Jundiaí, Correio Popular de Campinas, escreveu sobre televisão para uma revista especializada. Ah! Claro! Como sonhava, como desejava, seus textos se eternizaram em muitos países, principalmente Portugal. Mas ela chegou à Itália, avançou para a língua inglesa e conquistou o mundo! E teve, claro, muitos prêmios ganhos, graças à beleza de seus textos!

Falar de Mariazinha é não esquecer seu sorriso que hoje, com certeza, ilumina cada manhã de seus familiares e conhecidos, como o primeiro raio do sol e se eterniza no final da tarde, com o brilhar da primeira estrela no céu!

quarta-feira, 20 de maio de 2015

PERSONAGENS (11) Um mestre chamado Adelino Brandão

Quando vejo a biografia deste homem, sinto orgulho de ter sido seu amigo, seu colega de trabalho, seu aluno na questão de redação, na paciência, na ética. Conheci o professor Adelino Brandão na década de 1970 quando ele fazia os editoriais do Jornal da Cidade e eu era um mero repórter e diagramador. Por conta da função de diagramar as páginas internas do jornal, chegava à redação logo às 8 horas e já encontrava ali, trabalhando seu texto, o professor Brandão. Um rápido “bom dia” e ficava acompanhando com os olhos o datilografar do texto do professor que, no dia seguinte, era destaque na página 4 do jornal.
Algumas vezes ele não estava cedo na redação. No início, imaginei que fossem aulas no Instituto, mas um belo dia, por volta das 11 horas, chega ele sorrindo e vem até mim para dizer que “fui chamado lá em cima”, disse sorrindo. “No Cia.Com?” pergunto eu. “Não, no G.O.”, diz ele sorrindo. “Queriam saber o que quis dizer no editorial de hoje”, sorria mais uma vez e sentava para escrever. Cia.Com era a 2ª Companhia de Comunicações, o quartel, na rua do Rosário e G.O. era o quartel que foi para Santos e em seu lugar veio o 12º GAC. Vivíamos, na década citada com os militares no poder. E enquanto “Estadão” e “Jornal da Tarde” mostravam receitas de bolos ou poemas de Camões, Adelino Brandão era chamado para explicar o que escrevera. Afinal, a imprensa era a grande preocupação dos militares, tanto que a censura se fazia presente constantemente.
Nossas conversas não se limitavam a política – da qual nunca fomos fãs, mas aprendemos a conviver por necessidade – mas principalmente com o escrever. Euclides da Cunha sempre foi uma referência para Adelino Brandão. Era comum vê-lo entregar um texto sobre o autor de “Os sertões” e depois o Editorial. Quando me entregava o texto do dia, brincava com ele: “atrasado hoje professor?”. Rindo, Brandão completava: “Não! Euclides da Cunha hoje é mais importante!”.
Tivemos uma longa convivência nesta década. Deixei o jornal, me mudei para Campinas e fui reencontrá-lo já neste milênio. O professor me liga para me dar os parabéns ao ver meu nome no expediente do Jornal de Jundiaí. Relembramos épocas passadas no outro veículo de comunicação, falamos sobre os velhos militares e dos quartéis que deixaram a cidade e ele me pede um favor: publicar um texto sobre Semana Euclidiana. “Seu amigo Euclides professor?”, brinco, lembrando outros tempos. “Não consigo não falar sobre a obra deste homem”, completa Brandão.

Premiado em vários concursos literários, autor de uma infinidade de livros, a maioria sobre Euclides da Cunha, Adelino Brandão também fez parte da Academia Jundiaiense de Letras. Não nos encontramos lá, mas nunca perguntei por que deixou sua cadeira. Uma noite de novembro de 2004 quando estou de folga do trabalho, numa noite de sábado, meu celular toca e o editor de plantão pergunta se poderia dar como manchete a morte de Adelino Brandão. Fico surpreso com a notícia. Na minha memória vem toda a história vivida com este homem. Não me lembro o que respondi ao editor, mas acabo vendo este homem andando pelos corredores do Jornal da Cidade com pastas debaixo do braço, muitas delas cheias provas de alunos que aproveitava para corrigir na redação e outras com material sobre Euclides da Cunha. Assim era o professor, historiador, folclorista, advogado Adelino Brandão. Ou simplesmente um amigo inesquecível!

quarta-feira, 13 de maio de 2015

PERSONAGENS (10) Os artigos de Aldo Cipolato

Conheci Aldo Cipolato em 1970. Tinha feito exame de seleção com outros dois candidatos a uma vaga no escritório da Ferráspari, na Vila Arens e fui aprovado! Assim, fui encaminhado a ele, que era chefe do setor, para me passar os documentos necessários para registro e início de trabalho. Trocamos duas palavras e marcamos o dia seguinte para entrega dos documentos e detalhamento do trabalho. Mas no mesmo dia recebi convite para trabalhar como revisor no Jornal da Cidade. Me senti tentado a ir para o jornal e, no outro dia, me desculpei com ele pela mudança de trabalho. Me olhou, convidou a sentar, perguntou minha idade e completou: “trabalhar em jornal é desgastante, já fiz muito isso, mas é uma profissão sensacional. Sou jornalista e, imagino, terá mais sucesso do que ficar aqui, datilografando cartas”, profetizou ele.
Pouco mais de um ano depois voltei a vê-lo. Tinha crescido no trabalho, já era repórter e diagramador e ele apareceu na redação, principalmente porque viu uma reportagem assinada por mim. Mas não veio só me abraçar. Queria falar, cumprimentar, contar histórias de redação e me deixou um texto seu. “Publique se achar interessante.” No dia seguinte estava na página 4 do Jornal da Cidade e às 8 horas em ponto o telefone toca na minha mesa e era ele agradecendo. O fato se tornou corriqueiro. Ele vinha, sorria, cumprimentava, perguntava sobre o jornal, sugeria uma pauta e entregava um envelope. “Publique se achar interessante”, repetia ele. E a ligação também se repetia no outro dia.
Cabelos brancos, voz forte e pausada, Cipolato não cansava de me convidar para visitá-lo em sua casa, na rua Moreira César, Vila Arens. Conversamos duas vezes no portão da mesma. A primeira, ele estava saindo, com pressa. Me convidou para entrar, mas achei melhor não atrapalhar seu compromisso. Trocamos duas palavras sobre os artigos. Na segunda vez, estava no carro de reportagem, indo fazer matéria e ele estava chegando em sua casa. O motorista parou, a pedido meu, o chamei de dentro do carro, cumprimentamos e seguimos nossa rotina do dia.
O tempo, o destino, as situações nos afastam. Me mudei para Campinas em 1980 e só voltei a Jundiaí em 1994. Não revi Cipolato, apesar de saber que continuava morando na mesma casa. O dia a dia acaba tirando oportunidades de encontrarmos pessoas e, quando entrei na Academia Jundiaiense de Letras e vi a lista dos integrantes da mesma, me lembrei dele, pois fazia parte da mesma. Mas não chegamos a nos ver. Ele não participava das reuniões nesta época, estava adoentado e faleceu pouco tempo depois.

Agora, ao procurar seu nome nas coletâneas da Academia duas coincidências: minha primeira participação foi a última dele. A segunda é que, se vivo estivesse, neste dia 24 de maio faria cem anos. Mas o destino o tirou de nossa presença. Ficaram os artigos, as lembranças e a casa na rua Moreira César,  hoje, não existe mais...

quarta-feira, 6 de maio de 2015

PERSONAGENS (9) O professor Nelson Cardin

“Fala Xará!” Não tinha outro jeito de Nelson Cardin me cumprimentar. E não faltava, claro, aquele sorriso nos lábios. Short, camiseta e tênis eram seus trajes diários a qualquer hora do dia. E isso tinha lógica: Nelson Cardin era professor de tênis no Clube Jundiaiense. E, na década de 1970, a quadra de trabalho de Cardin era na sede central. Hoje, ela não existe mais! Ao lado da quadra, uma sala onde ele ficava entre uma aula e outra e dali até a redação do Jornal da Cidade não lhe tomava muito tempo. E sempre com seu velho Fusca bege...
Além de professor de tênis, Nelson Cardin acabava sendo um assessor de imprensa do Clube, pois era comum vê-lo circulando pela redação do jornal. E não só com resultados de tênis, mas de todos os esportes e muitas vezes trazia consigo o diretor social para divulgar um próximo baile. Interessante era perceber sua rapidez ao resolver os assuntos: não se demorava muito para decidir: a situação acontecia na hora.
E foi nesta ida e vinda constante à redação que acabamos afinando nossa amizade até que ele teve a ideia de criar um jornal para o Clube. Afinal, dizia ele, seus amigos eram eu, Plínio Vicente e Aurélio Rodella, todos jornalistas, todos da redação, todos os dias juntos. E sua conversa com o presidente do Clube – o inesquecível Romão de Souza – acabou definindo a estreia do novo produto. E não era difícil fazer o jornal: Cardin colhia as informações, eu e Plínio – que deixou o grupo a partir da segunda edição – fazíamos os textos e Aurélio era o fotógrafo do grupo.  Mas entre idas e vindas, o grupo acabou se resumindo em Cardin e eu. E ficamos juntos até o início dos anos 80, quando me mudei para Campinas.
Mas no meu retorno a Jundiaí, quinze anos depois o reencontro, como sempre sorrindo e repetindo o “fala Xará!” E neste retorno ele fez questão de me presentear com uma encadernação completa das edições do jornal do Clube que fizemos juntos.
Se existem fatos inesquecíveis numa amizade, não posso deixar de citar algo curioso. Numa manhã quando Cardin passou pela redação, eu estava ao telefone, recebendo a informação de que minha carta de motorista estava pronta. E o “Xará” ouviu a conversa e foi rápido: “te levo lá, vamos”, disse ele. Apanho a carta e retorno ao Fusca bege, mas ele já está sentado no lugar do passageiro. “Senta aí Xará. Você agora pode dirigir!” Rindo e tremendo acabei apanhando o volante e retornando à redação.

Prestativo, cordial, alegre, atencioso. Assim era Nelson Cardin. Não faz muito que partiu. Mas deixou a certeza de que a vida é curta, que precisa ser aproveitada ao máximo e que as amizades se formam em pequenos gestos ou frases. Mesmo que seja um simples “Fala Xará!” que ficou gravada na minha memória, mas que será repetida por ele, com certeza, no nosso encontro na eternidade!