segunda-feira, 28 de setembro de 2015

PERSONAGENS (24) A Hora Nipônica de Iwao Miyahara

Quando vi a programação da rádio, no meu primeiro dia de trabalho, me surpreendi: é que às 18h30 entrava no ar o programa “Hora Nipônica” e isso me mostrou algo que nunca tinha visto: um programa só para japoneses em Jundiaí. Mas antes mesmo de o programa entrar o no ar, já imaginei o lado positivo: toda a colônia estaria ligada na rádio. E assim que o programa de esportes saiu do ar, vi um senhor entrar na técnica com alguns discos, sorriso permanente nos lábios e seguir para o estúdio onde eu estava. Tudo isso no ano de 1968, na rádio Santos Dumont e convivi com este senhor até final de 1969.
Iwao Miyahara tinha esta rotina diária: passar pela técnica, deixar os discos, mostrar a sequencia musical e seguir para o estúdio. Era meia hora de programa, com músicas japonesas, duas, três no máximo, discos de 45 rpm. Nos intervalos entre uma e outra entravam propagandas lidas por mim. Ao término da leitura, Iwao anunciava outra melodia, e com o braço assinalava para a técnica soltar a melodia.
O sorriso permanente de Iwao é que me motivava a continuar a trabalhar na rádio. Afinal, não haviam folgas nem feridos: de segunda a segunda, tanto que decidi deixar a rádio e acabei me acertando no Jornal da Cidade.  Era comum ele chegar ao estúdio, me cumprimentar e, colocar sua mão sobre meu ombro para dizer que “temos que continuar”, no seu sotaque japonês. Certa vez, me esperou deixar a rádio. Ao chegar ao portão, ele me segurou pelo braço, atravessamos a rua Coronel Leme da Fonseca até a rua do Rosário e seguimos até a Barão do Triunfo. Logo na esquina, apontou com o dedo: “minha mercearia!” Entramos, me apresentou ao seu filho e preparou uma vitamina para mim. Me apoiei no balcão, como faziam todos os fregueses, saboreei a vitamina, agradeci e vi seu sorriso se perpetuar na minha memória.
No final de 1969 deixei a rádio e, no último dia, antes do programa começar avisei Iwao de que seria nosso último trabalho junto. Ele ficou sério o programa todo e, na hora de encerrar, olhou para mim e disse: “encerra você!” Olhei para ele assustado, fez sinal e lá fui eu: “A Rádio Santos Dumont encerra mais um programa Hora Nipônica. A todos os ouvintes ‘arigato’ e ‘sayonara’. A gargalhada dele só não foi ouvida por todos, porque a técnica de som cortou o microfone. Mas todos nós rimos desta despedida que se completou, pela última vez, em sua mercearia e com mais um copo de vitamina.

Foram muitas as vezes que deixava o jornal e subia até o Centro pela Barão do Triunfo, para cumprimentar Iwao. Depois de minhas férias, ainda na década de 1970, passei diante da mercearia para matar a saudade. A porta estava fechada e nunca mais a vi aberta. Não sei se fora vendida ou se mudara de local. Nunca mais ouvi o programa porque no horário estava trabalhando, mas confesso que o sorriso e a cordialidade de Iwao Miyahara estarão sempre presentes em minha memória.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

PERSONAGENS (23) A paz de Ida Lehner

Conheci Ida Lehner de Almeida Ramos em setembro de 2002, quando tomamos posse na Academia Jundiaiense de Letras. Na ocasião, tive só a oportunidade de cumprimentá-la, pois já a conhecia de nome: era colaboradora do caderno Estilo do Jornal de Jundiaí, onde eu era editor-chefe. Também já me conhecia do mesmo jeito – de nome – pois acompanhava minhas crônicas que eram publicadas no mesmo jornal, aos domingos, mesmo dia que seus textos saíam no caderno Estilo. Nesta apresentação, acabamos tendo a oportunidade de conhecer alguém que só imaginávamos pelas letras, pelos textos. Senti em Ida uma paz incrível, apesar de sua dificuldade de andar.
Foi exatamente por conta desta sua dificuldade, que poucas vezes esteve presente nas reuniões da Academia, mas sempre nos comunicávamos, por conta dos textos que publicávamos no mesmo jornal. Apesar desta “comunicação” eram poucas as vezes que nos falávamos ao telefone: ela enviava o texto e confirmava o recebimento com a editora do caderno, Luciana Alves, que sentava ao meu lado na redação. E Luciana acaba sendo, na maioria das vezes, a intermediária entre nós dois: ou Ida por estar com pressa ou eu por estar iniciando processo de fechamento da edição do dia. Mas Luciana dizia uma palavra a mim, que repetia a Ida o meu recado. E este recado era sempre um elogio ao texto publicado. Ou meu ou o dela. E a resposta era sempre um agradecimento.
Quando falávamos ao telefone – e foi no máximo duas vezes – sempre senti uma paz incrível nesta mulher. Apesar de seus textos serem publicados apenas uma vez por mês no jornal, parecia, a mim, que eram constantes, tal a calma de suas palavras, a leveza de seus poemas ou crônicas.

Como disse, foram poucos os contatos que tivemos. Deixei o jornal e só soube de sua partida no dia seguinte, quando fui dizer adeus a um amigo que também se fora. E no cemitério, percorri as ruas em busca de onde Ida Lehner estava sepultada. Vi ainda as flores sobre seu túmulo, mas senti, ao parar diante do mesmo, a paz que ela sempre me transmitiu todas as vezes que nos falamos, quer pessoalmente, quer por telefone. Uma paz tão grande que não consigo medir!

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

PERSONAGENS (22) Histórias de Padre Hugo

Alguns dias antes de minha Primeira Comunhão, em outubro de 1959, padre Alberto, o vigário de Vila Arens, chamou as crianças para os bancos da frente, na Igreja, e apresentou a todos um padre que eu ainda não conhecia e que tinha o nome de Hugo. Com um sorriso nos lábios, padre Hugo deixou a sacristia e apareceu diante do altar principal da igreja, para conversar com as crianças. E seu objetivo era um só: convidar a todos para participar da Cruzada Eucarística Infantil.
E a conversa foi tão produtiva, pelo menos para mim, que cheguei em casa anunciando que, feita a Primeira Comunhão, pertenceria à Cruzada. Falei com entusiasmo do padre que acabara de conhecer e da conversa que ouvira dele. E no primeiro domingo depois da Primeira Comunhão, lá estava eu de terno azul marinho, gravatinha borboleta, camisa branca, integrando o grupo de cruzados.
Padre Hugo comandava as reuniões dominicais após celebrar a missa das 7h30 que era a das Crianças e que tinha como orientador da celebração, o padre Alberto, já que as missas ainda eram em latim. Fazia o mesmo nas tardes de segunda-feira, quando os mais novos se reuniam para aprender mais sobre a Doutrina Cristã e incentivava a vocação sacerdotal.
Apesar do grupo de zeladoras – moças com mais tempo de Cruzada e que ajudavam a tomar conta das crianças durante a missa -, padre Hugo gostava de comandar tudo. Com o passar do tempo, comprou um aparelho de som, várias coleções de discos com aulas de catequese e fazia as reuniões de domingo. Abria a reunião com orientações básicas da semana, ligava a sonata, colocava o disco, verificando o tempo de duração do mesmo, deixava as zeladoras tomando conta e ia atender confissões. Jamais falhou: cinco minutos antes de terminar o lado A do disco, estava ele de volta à reunião para colocar o outro lado.
Mal respirávamos nas cadeiras! Era preciso atenção, pois não sabíamos o que ele iria perguntar ao final do outro lado do disco. Voltava, questionava e dispensava as crianças, sempre com a orientação de que era fundamental obedecer o pai, a mãe, a professora e as catequistas e jamais mentir para quem quer que fosse.
Sabíamos que nas primeiras sextas-feiras de cada mês, ele saia cedo, visitando os doentes da paróquia e levando comunhão a cada um deles. Isso se repetia muitas vezes aos domingos, quando não precisava ir, de bicicleta, até a então capela de Nossa Senhora Aparecida – hoje Santuário de Aparecida – na Vila Rami, para celebrar a missa das 10 horas.
Mas o tempo fez com que ele deixasse Jundiaí e fosse trabalhar em Machado, interior de Minas Gerais, sua cidade natal, isso já no início da década de 1970. Fui revê-lo em 1982, quando veio participar da celebração da primeira missa de meu irmão Antonio, que estava se ordenando padre.  E nesta época já era Padre José, retomando seu nome de batismo. Antigamente quando os padres se ordenavam, mudavam de nome para mostrar sua nova vida e a seguir os passos do Cristo. Hoje em dia, apenas o papa altera seu nome.
Nunca mais o vi! Mas no final da década de 1990, um grupo de criminosos o matou, quando atravessava um rio, de barco, em sua cidade natal, onde ia visitar doentes. Segundo os culpados pelo crime, o confundiram com outra pessoa.  O fato tomou conta de quem o conhecia...

Mas hoje, acabei me emocionando ao me lembrar deste homem e ao fazer uma busca na internet, descobri que sua cidade natal o homenageou, dando seu nome a uma escola municipal. E a escola faz exatamente como ele fazia: ensinava os outros...