segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um doce presente!


Quando ergui o pano que circundava a mesa, sobre a qual estava montado o presépio, tive minha primeira frustração na vida: não havia presente ali, conforme tinha ouvido dizer um dia: os brinquedos ficam debaixo do presépio e a hora que acordar é só ir buscar... A vontade de chorar foi grande, me lembro até hoje, mesmo que este fato tenha acontecido há mais de 50 anos.
Ouvi meus pais conversando na cozinha, enquanto preparavam o almoço de Natal e procurei meus irmãos mais velhos para ver do que brincavam: eles também conversavam. Apenas Osmar, com pouco mais de um ano, brincava com um caminhãozinho, carregando e descarregando terra no quintal.
Me contive, mais uma vez, para segurar duas lágrimas que tentavam fugir dos meus olhos. Pensei em perguntar para os meus irmãos se a gente era muito pobre e não tinha presente. Se o que meu pai ganhava não dava para comprar brinquedos para a gente. Mas achei que esta não era uma pergunta boa para ser feita. Olhava pelo muro, lá na rua, crianças brincando com bicicleta, com triciclo, com boneca, com carrinho e pensei em ir fazer companhia a elas, mas achei que não era o certo deixar meus outros irmãos em casa, mesmo que fossem mais velhos do que eu, sem terem brinquedos para se divertir.
Percebi, mais uma vez, as lágrimas tentando fugir e tomei uma decisão: espiar de novo debaixo do presépio. Corri até lá, imaginei que tinha presente sim e levantei, mais uma vez, o pano. Nada!
Olhei para o pequeno menino Jesus no presépio e imaginei que ele talvez nunca tivesse tido um brinquedo ou nem tivesse tempo para brincar e me controlei. Mas não sei se vocês percebem, tem muitas vezes que não conseguimos controlar nossas emoções. Pois é, aquelas duas lágrimas escaparam dos olhos e percebi que atrás delas vinham mais...
Passei correndo pela cozinha para que meus pais não percebessem o que estava acontecendo comigo, quase trombei com Osmar que já estava cansado de brincar e vinha guardar o caminhãozinho e fui até o fundo do quintal. As lágrimas desciam em fila, parecia até que vinham de mãos dadas, tão próximas estavam umas das outras. Respirava fundo para segurar o choro, mas não conseguia. Olhei os galhos da goiabeira, passei debaixo da ameixeira, pensei em colher uma manga, mas achei que não devia.
As lágrimas se acabaram e comecei a sentir que estava voltando ao normal. Cantarolei alguma musiquinha para esquecer a frustração e fui para casa, imaginando que meus olhos não estavam mais vermelhos.
Quando chegava perto da porta da cozinha, minha mãe pediu para me sentar à mesa, pois o almoço de Natal seria servido. Vieram Ademir e Ana Maria, meus irmãos mais velhos, e nos sentamos para almoçar. Quando todos já estavam à mesa, meu pai se levantou e foi até seu quarto e voltou com duas caixas. Entregou uma a Ademir e outra para Ana Maria e disse que eram presentes de Natal. Os dois abriram rapidamente: Ademir ganhara um jogo de ludo, Ana Maria uma boneca nova. Nos meus cinco anos senti, mais uma vez, vontade de chorar. Virei o prato, disfarçadamente para esperar a comida, quando meu pai disse para eu até meu quarto, que meu presente estava lá.
Derrubei a cadeira na hora de deixar a mesa, quase pisei no caminhãozinho que Osmar deixara ao lado de seu cadeirão, e corri, corri, corri e não me contive: chorei, chorei e chorei! Ao lado de minha cama estava o triciclo de meus sonhos... Bati o joelho nos pés da cama, mas nem sentir a dor. Montei e já saí pedalando. Na mesa, meus irmãos e meus pais cantavam “Noite Feliz”, que virou tradição na família sempre antes da refeição de Natal. Parei ao lado da mesa para tentar cantar junto, mas como não sabia a letra, saí pedalando. Não me importava se aquele triciclo tinha sido de Ademir e já passado pelas mãos de Ana Maria. O que interessava é que agora era meu, mesmo que dali a dois anos, fosse dado de presente ao Osmar. O importante era aquele momento. Um presente só meu! A realização de um sonho. Mesmo que tivesse sido com tanto sofrimento, com uma frustração inicial que se transformou no meu primeiro Natal inesquecível.
Mesmo que fosse um presente que já passara por outras mãos. Mas sabia que meu pai havia pintado inteirinho, para mostrar que era novo. E presente é sempre presente! Principalmente para quem nunca tinha ganho um. E me lembro que, depois de várias voltas pelo quintal, voltei para almoçar. Mas antes de levar broncas, me atirei nos braços de meus pais que estavam sentados próximos na mesa. E não teve jeito: as lágrimas se deram as mãos e fugiram de meus olhos novamente.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Jesus nasce no coração de todos!

Os bancos da igreja começaram a ficar lotados de fiéis, mesmo faltando uma hora para o início da Missa do Galo. As pessoas chegavam sorridentes, se cumprimentando, desejando Feliz Natal. As crianças corriam pelos corredores, trombando com os mais idosos ou procurando o presépio montado no fundo da Igreja. O vigário estava na porta da matriz, esperando a chegada dos fiéis. Às vezes, uma criança menos tímida pulava no colo do sacerdote, perguntando por que o menino-Jesus não estava no presépio. “Ele só nasce à meia-noite”, respondia sorridente o padre.
Quando faltavam 20 minutos para o início da cerimônia, com a igreja já completamente lotada, um fato estranho aconteceu. O padre, ainda na porta da Igreja, visualizou uma mulher subindo os degraus com uma criança no colo. Até aí, a cena poderia ser considerada comum, não fosse o que aconteceu depois.
A mulher aproximou-se do sacerdote e, depois de desejar Feliz Natal, queria entregar o bebê ao padre. “Não tenho como criar ele”, dizia nervosa a mulher. “Não posso assumir isso”, dizia o padre, alegando que, no dia seguinte, ela poderia mudar de ideia e querer a criança de volta. “Já tenho cinco, não dá para criar mais este com meu marido desempregado”.
O padre coçou a barba, ajeitou os óculos sobre o nariz e resolveu assumir a criança, com uma condição: que a mulher participasse da missa até o final!
Compromisso assumido, o padre vai para a sacristia vestir os paramentos para iniciar a cerimônia. A criança ficara na sacristia aos cuidados de uma paroquiana, enquanto a mãe-desistente ajeitava-se no último banco.
Durante a homilia, o padre falou da importância do Natal, lembrando que o menino-Deus não tinha onde nascer e acabou vindo ao mundo, numa pequena manjedoura. Lembrou da importância de ser mãe, contou a história de Maria e sua disponibilidade em aceitar ser a mãe de Deus, mesmo não conhecendo homem algum. Depois da comunhão, o padre fez os fiéis se sentarem, dizendo que, finalmente, o menino-Jesus, seria colocado no presépio. As luzes da Igreja se apagaram, as crianças se ajeitaram nos bancos e os mais idosos ameaçaram derramar algumas lágrimas, pois a cena seria igual a de todos os anos: uma criança entrava na Igreja com a imagem do menino-Jesus e a colocaria no presépio.
Mas desta vez o fato foi diferente e fez com que todos se levantassem em pé, quando o próprio padre deixou o altar e reapareceu, um minuto depois, na porta dos fundos da Igreja, com um bebê no colo. Um holofote foi acesso exatamente onde o padre estava e todos viram um vulto se mexendo em seus braços. Apenas uma toalha envolvia a criança.
O sacerdote caminhou alguns passos em direção ao presépio. Todo mundo queria ver o bebê que se mexia em seus braços, mas não chorava. As pessoas percebiam um homem trêmulo, emocionado, levando o bebê. Com jeito, ele esticou os braços e colocou o recém-nascido no local onde deveria estar o menino-Jesus. Ouviram-se alguns soluços pela igreja. O padre afastou-se e voltou para o altar. Dali, ele deu a mensagem final. A mensagem de encerramento da missa: “meus filhos: hoje nasce aqui, o menino-Deus. Aquele que vai salvar a humanidade. Mas, como há dois mil anos, ele foi rejeitado pelo mundo, pelas pessoas, por todos...”
No último banco da igreja, um choro forte se ouviu. As pessoas se voltaram para trás e viram a mulher correr em direção ao presépio e apanhar seu filho. Soluçando se dirigiu ao padre, se desculpou pelo que dissera e garantiu que criaria seu filho como um homem digno. O padre relatou a todos o que acontecera antes da missa começar e, como num milagre de Deus, todos os fiéis se dispuseram a ajudar a criar o bebê.
E mesmo que o final tenha sido diferente daquele vivido pelo pequeno Jesus, as pessoas se abraçaram, desejando um Natal mais santo, mais vivo, mais cheio de amor. Principalmente porque todos viram a chegada do pequeno Jesus, porque “tudo que fizerdes ao mais pequenino dos seres, a mim o fazeis!” E todas as mães presentes à missa se sentiram um pouco Maria e os pais um pouco José...
(2° lugar no I Concurso Histórias de Natal, do Movimento Vida Cristã, em 2003)


sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Bolacha Maria ou "o corpo de Cristo"

Pequeno, não mais do que quatro anos de idade e, não sei porque, sério! Apesar de criança, muito criança, já tinha ideia do que ia ser no futuro. E era no seu tempo de criança que, ao invés de brincar como outros de sua idade, preferia reunir os irmãos mais velhos para fazer algo que gostava muito: rezar a missa!
Reunia dentro do quarto eu, Ana Maria e Osmar, já que Ademir trabalhava e Bertinho ainda não tinha nascido, e lá ia Toninho, com um lençol branco enrolado no corpo e amarrado na cintura com a ajuda de nossa mãe, fazer sua "celebração". Compenetrado, entrava para celebrar, segurando nas mãos um copo com água e groselha, para representar o vinho e, em cima de um pires, que substituía a patena, uma bolacha Maria que, mais tarde, se "transformaria" no Corpo de Cristo. A "missa" começava com as orações do folheto que ele "fazia de conta" que lia e nós respondíamos o "e contigo também" ou "Glória a vós, Senhor", sempre que o "padre" solicitava. A homilia era rápida, cinco palavras, no máximo. Nos esforçávamos para não rir, pois Toninho mantinha seu ar sério!
Na hora da "Consagração" fazia a gente ajoelhar, erguia a bolacha que mais se parecia com a hóstia que o padre mostrava na missa, fazia as orações em voz baixa e pronto: agora mostrava o "corpo de Cristo". A inocência de nossos corações nos permitia, em seguida, comer um pedaço da bolacha, torradinha, e bebericar um gole da água com groselha que, agora, se transformara “em sangue de Cristo”.
Quebrava a bolacha, mostrava para nós e dizia "o corpo de Cristo"; com seriedade, respondíamos "amém!"
Claro que esta inocência acabaria virando, hoje, motivo de riso, mas vivo olhando aqueles olhos serenos, aquela barba agora branca, que ele permitiu que o tempo assim a deixasse, e percebo como Deus faz as coisas tão certas. É que tinha que ser ele, com sua voz pausada, a celebrar, mais tarde, a Missa de Ação de Graças pelos 40 anos de casamento de dona Angelina e seu Alcindo. E a cerimônia ocorreu na igreja de Vila Arens. Igreja onde ele foi batizado, fez a Primeira Comunhão, foi crismado e acompanhou, passo a passo, os caminhos do padre Hugo.
As ações que realizamos em nossa infância, nem sempre resistem ao tempo: desaparecem da mente, se perdem nas atividades do dia-a-dia, se esquecem no trabalho ou em qualquer outro ato de nossas vidas. Mas para Toninho isso nunca desapareceu: criou dentro de si uma necessidade de transformar sua brincadeira de infância preferida em realidade, e transformar o meigo e doce olhar de dona Angelina, numa alegria sem tamanho quando da celebração de sua primeira missa, num novembro que já vai há 29 anos, completados nesta data.
Foi acompanhando os passos de seus irmãos mais velhos que entrou na "Cruzada Eucarística Infantil", na Vila Arens, e foi se apaixonando pelo Cristo, pelas pessoas, pela vida. E, sendo uma espécie de sombra de Padre Hugo, decidiu dedicar sua vida a Deus.
Não era apenas um dia por mês que seu trabalho aparecia. Toda primeira sexta-feira do mês saía de casa por volta das 6 horas da manhã e só voltava na hora do almoço. E isso tinha sentido: é que este dia era dedicado ao Sagrado Coração de Jesus e padre Hugo levava a comunhão para um número muito grande de doentes. Chegava esfomeado, morrendo de sede, mas sempre feliz.
Porém aos domingos é que a dedicação também era grande: depois da missa das crianças, que começava às 7h30, e da reunião da "Cruzadinha" que ia até 9h30, Toninho fazia questão de ver o que padre Hugo tinha programado para aquele dia. Às vezes, Toninho chegava para almoçar, depois do meio-dia, mas nunca seu Alcindo bronqueou, apesar de gostar de ver todos na mesa, para almoçar, no horário de costume!
E foi com esta dedicação que, numa tarde, chegou em casa acompanhado pelo dono da oficina mecânica onde trabalhava, aos 16 anos, para dizer que aquela não era a vida que queria. Que não se sentia bem trabalhando atrás de uma escrivaninha, sentindo o cheiro da graxa. Mas que aquela bolacha Maria representava para ele muito mais do que um trabalho que renderia dinheiro e sustento para sua família.
E hoje, quando o vejo no altar, com aquelas roupas todas, coçando a barba desarrumada, é que procuro lá no alto, num cantinho do céu, os olhos azuis de dona Angelina brilhando de alegria e seus lábios doces "soprando" frases que ele transmite aos fiéis...
(homenagem aos 29 anos de ordenação sacerdotal de Antonio Manzatto, meu irmão, comemorado neste dia 19 de novembro)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Conto de uma noite de Natal

A mesa estava pronta para a ceia desde as 21 horas. O chefe da cozinha transpirava com o calor e a preocupação de deixar tudo em ordem para a família não ter problemas com as visitas. Para agradecer o ano de trabalho, o empresário resolveu convidar os gerente e seus familiares para passarem a noite de Natal em sua casa, numa ceia que teria frutos do mar, vinho e champanhe franceses. As massas já estavam prontas, peru, leitão e carneiro estavam no forno, apenas para manterem-se aquecidos para as 23 horas, horário em que a refeição deveria ser posta à mesa. O movimento de empregados era grande por toda a casa. A árvore de Natal estava enfeitada e os piscas funcionando normalmente, para dar mais brilho àquela noite.
As visitas deveriam chegar por volta das 22 horas, quando os aperitivos deveriam começar a ser servidos. Empresário e esposa estavam na suíte se preparando para o acontecimento. Depois de um ano de muito trabalho e muito dinheiro, era importante agradecer aos gerentes que tão bem comandaram a empresa. Eram quase 22 horas, quando a mulher percebeu que os dois filhos, um com 19 e outro com 18 anos não estavam em casa e não tinham dado sinal de vida. Os celulares desligados impediam que ela os encontrasse e começava a ficar amargurada ao imaginar que eles não estariam em casa no horário combinado para agradar aos chefes da empresa.
O movimento nas ruas, àquela hora, era de pessoas seguindo para casa de parentes para a ceia ou de outras que se diriam ou voltavam das igrejas. O comércio já fechara as portas, bares e restaurantes e cinema seguiam a mesma linha de raciocínio, simplesmente para permitir que todos passassem a noite com seus familiares. Afinal, era noite de Natal!!!
Na casa, o movimento começou a crescer, campainha tocando, carros estacionando em frente à mansão e o casal anfitrião recepcionando os convidados. Na sala, o uisque já rodava solto com canapés; mulheres preferiam uma champanhe mais doce. Os filhos dos gerentes foram convidados a visitar a sala de jogos onde computadores e televisores com games estavam preparados para serem utilizados. O empresário mostrava-se feliz com a recepção que proporcionava aos homens e mulheres de confiança que o deixaram, aquele ano, muitos dólares mais rico. Sua esposa, porém, insistia em ligar nos celulares dos filhos que os mantinham desligados. Não eram filhos revoltados, não tinham motivo para isso, pois sempre tiveram tudo que quiseram. Poderia, talvez, faltar um pouco de atenção por parte dos pais, mas os garotos sempre demonstraram que entendiam a situação. Tudo bem que, uma semana antes do Natal, ficaram sabendo da ceia com o primeiro escalão da empresa e questionaram se poderiam levar alguns amigos também para compartilharem este momento. Claro que o velho empresário negou, terminantemente, que isso acontecesse. Afinal, o encontro era especial para as pessoas que fizeram a empresa deslanchar naquele ano.
A esposa percebera os olhares tristes dos garotos, mas teve a impressão de que tinham acatado a decisão. Não se falou mais no assunto até o meio-dia daquele 24 de dezembro, quando o pai lembrou os rapazes de que, às 22 horas, os convidados começariam a chegar e era importante que os dois também estivessem em casa. Poderiam trazer as namoradas e seus pais. Apenas! Já que a comida seria oferecida, de forma especial, aos homens fortes da empresa. Os dois rapazes desapareceram por volta das 18 horas, afirmando que iriam à missa de Natal e retornariam antes da ceia ser servida.
Na sala, o movimento das sete famílias convidadas transformava aquele ambiente sempre calmo, numa verdadeira festa. O aparelho de CD, com um volume não muito alto, para não atrapalhar a conversa, tocava melodias suaves. E já se aproximava das 23 horas e os garotos não chegavam. A mulher se desesperava, enquanto o empresário ia e voltava da cozinha para acompanhar o trabalho dos empregados no atendimento às visitas. Seu olhar de satisfação se contrapunha ao amargurado da esposa. Mas ele nem percebera isso...
O casal anfitrião, finalmente, por volta das 23 horas, convidou a todos para se dirigirem à sala de jantar, onde a ceia seria servida. Mais garrafas de champanhe e vinho foram colocadas à mesa. Os pratos quentes deixaram o forno para seguirem para ocuparem seus espaços na mesa. E os convidados começaram a tomar seus lugares. O empresário propôs, então, um brinde a todos. E iniciou seu discurso, com o copo e champanhe francesa à mão. A seu pedido, o aparelho de som foi desligado, para que nada atrapalhasse sua fala. Agradeceu a todos pelo trabalho, sugeriu que levantassem suas taças e brindassem àquela noite especial de tantas conquistas. Foi nesta hora que a porta da sala se abriu. O filho mais novo entrava, pela casa, segurando nos braços uma imagem do menino Jesus. O outro filho, desligou o relógio de energia da casa, deixando tudo na maior escuridão e, com um pequeno holofote nas mãos, iluminava o rapaz que, acompanhado da namorada, adentravam à sala de jantar, como se aquela fosse a Sagrada Família.
O empresário sentiu o sangue ferver no rosto. Sua esposa chorava do outro lado da sala, não sabendo ainda se de decepção ou de alegria por ver aquela cena. Os irmãos cantavam “Noite Feliz”, acompanhado por um coro... formado por todos os funcionários da empresa. Todos, desde o pessoal do escritório até o pessoal da limpeza. O empresário, agora, perdeu a fala. O casal de jovens que transportava a imagem do menino Jesus parou diante da mesa cheia de comida. Para estes jovens, não importava, naquele momento, se a comida iria esfriar ou não. O filho mais novo retirou do meio da mesa duas garrafas de champanhe, abriu espaço entre as travessas de comida e colocou ali a imagem daquele menino que tinha os braços abertos, como querendo abraçar a todos. A letra da música foi substituída apenas por um murmurar de vozes, agora mais suaves, exatamente para que o filho mais velho, que já desligara o holofote e fizera as luzes da casa se acenderem e o pisca-pisca voltar a dar sinais de vida, pudesse transmitir a todos a mensagem que preparara.
O rapaz procurou no bolso a folha de papel onde colocara sua fala, mas percebeu que a tinha esquecido ou perdido em algum lugar. Respirou fundo, olhou nos olhos do pai, chamou seu outro irmão e sua mãe e convidou aquele homem, vermelho de raiva talvez, para vir até ali, se juntar a eles. De mãos dadas, os quatro, pais e filhos, olharam nos olhos de todos os funcionários da empresa que não lotavam apenas aquela sala de jantar, mas toda a casa. O rapaz que perdera o texto sorriu para todos e disse que tinha uma mensagem especial para dar naquele momento. Lembrou que o menino Deus, que nascia naquela noite, não veio ao mundo sozinho. Precisou de uma mãe – Maria – e de um pai – José – para poder transformar em realidade o sonho do Pai Celeste que era reaproximar os homens de Deus. Lembrou que ninguém seria alguém no mundo se não tivesse ajuda de outro. Parabenizou o pai pela idéia de reunir todos os funcionários da empresa naquela noite, pois, se Deus se dera de presente para toda a humanidade, nada mais justo do que aquele homem, que vira sua empresa crescer tanto aquele ano, dar aquela ceia de também como presente de agradecimento a todos. Indistintamente. Lembrou, agora quase soluçando, pois sentira que lágrimas escorregavam pelo rosto de seu pai e que sua mãe passava o lenço nos olhos, que se os gerentes foram felizes na criação dos projetos de crescimento que nada teria sentido se todos os demais funcionários não estivessem ali para executar isso.
O murmúrio dos funcionários se transformou novamente em letra musical e o som forte de “Noite Feliz” tomou conta da casa. Todos os que ainda estavam sentados se levantaram para abraçar os colegas de trabalho, os funcionários até desconhecidos de alguns, os filhos pobres dos outros. O empresário puxou os filhos e a esposa de lado, elogiou a atitude dos garotos, mas lamentou que a comida não daria para todos. Os dois rapazes chamaram o chefe da cozinha que, rapidamente abriu a porta da copa de onde saíram pratos de salgados e refrigerantes que os funcionários trouxeram de suas casas, para partilhar aquela ceia. Mais uma vez o empresário sentiu as lágrimas deslizarem por seu rosto e não se conteve: soluçou abraçando sua família.
E todos os funcionários aplaudiram ao ver a alegria de uma família unida, principalmente quando todos pensam na mesma direção.

(1° lugar no I Concurso Internacional de Contos de uma noite de Natal, promovido em 2005 pelo Grupo Elo, de Santos) 

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Montando o presépio

Quando o calendário marcava novembro, mais precisamente dia 10, se não fosse domingo, martelo, pregos e serrote começavam a trabalhar na casa vizinha. Seu Antonio chegava do serviço, no final da tarde, e já começava a movimentar os apetrechos para montar o presépio bem antes do Natal. A previsão era deixar tudo pronto no dia 1º de dezembro...
Mesmo brincando em casa com meus irmãos ou me preparando para os exames de final de ano, me concentrava no trabalho de seu Antonio: madeira serrada, madeira se juntando, prego separado, martelo trabalhando... trabalhando... encaixe pronto, madeira serrada, madeira se juntando, prego separado, martelo trabalhando, trabalhando... e lá ia o dia de seu Antonio. Era comum ouvir o barulho também à noite. E quando eu não ouvia o martelo ou o serrote, tentava imaginar o que ele estaria fazendo.
Mas no sábado eu conseguia matar a curiosidade: Fernando, filho mais novo de seu Antonio, passava em casa, me chamava e lá íamos colher sapé que seria usado para a cobertura, principalmente, da casinha onde ficaria a imagem do menino-Jesus.
Seu Antonio ia na frente, caminhando em busca do material necessário. Eu e Fernandinho - era assim que todo mundo o chamava - quase corríamos para não perder seu Antonio de vista.
Descíamos até a rua da Várzea, entrávamos na rua José Maria Marin até a linha férrea e lá, nos terrenos baldios, seu Antonio escolhia o sapé necessário.
Material cortado, amarrado e lá íamos, eu e Fernandinho, em direção a um pequeno córrego perto da Vulcabrás. Ali, encontrávamos guarus e, com pequenos sacos plásticos, recolhíamos meia dúzia de peixes cada um e íamos brincar no tanque onde dona Irene, a mulher de seu Antonio, lavava roupas. Nos distraíamos com os peixinhos até que me lembrava do presépio. Pronto!
Fernandinho ficava sozinho brincando, enquanto eu espionava seu Antonio. O sapé secava no quintal e ele começava a espalhar serragem, a instalar a fiação para as lâmpadas, o monjolo e um enorme moinho. Gostava, na verdade, do tamanho das imagens: elas tinham em torno de 40 cm de altura cada uma. Em casa, elas não passavam de 15cm.
Me distraía vendo seu Antonio colocando e testando lâmpadas. Moinho no lugar, monjolo em outro e lá ia ele testar a água que passava pelo córrego que, pacientemente montara.
O trabalho de montagem era longo. Mas antes dos últimos testes e das colocações das imagens, seu Antonio fechava as portas e o presépio só abria para visitação no dia de Natal. Até placa no portão ele colocava, convidando as pessoas para verem seu presépio. E aquilo me tomava tempo para ver: luzes piscando ao redor da armação, dentro da casinha onde estava o menino-Jesus e coberta com o sapé que ajudei a encontrar, moinho rodando, monjolo batendo, água escorrendo, moinho rodando, luzes piscando, monjolo batendo, água escorrendo, luzes piscando... Olhos perdidos em busca de um melhor visual...
As imagens brilhando, limpas, claras, coloridas... aquilo era obra de arte. Olhava para seu Antonio feliz por ser vizinho de uma pessoa importante...
Em casa eu olhava meu presépio preparado por minha mãe, meus irmãos e até por meu pai. Apesar de as imagens serem pequenas, tínhamos muito carinho com elas: não havia luzes piscando, não havia água, mas a lamparina acesa mostrava a devoção que tínhamos por aquilo tudo. E no dia de Natal, logo cedinho, a gente corria para levantar o pano que escondia a mesa do presépio para procurar o presente. Mas dona Angelina, na hora do almoço, fazia todo mundo cantar o "Noite Feliz!", anos mais tarde com Ademir, acompanhando com o violão. (Este texto faz parte do livro "Contos e Crônicas de Natal", de minha autoria)

sábado, 5 de novembro de 2011

O chofer do carro verde

Andar de carro no final da década de 1950 era algo especial. Como a maioria das ruas era, ainda, de terra, os veículos que circulavam com mais facilidade eram os ônibus, depois vinham as carroças, bicicletas e, por último, os carros. E o sonho de criança era andar de carro, sentir o cheiro do banco novo, soltar o peso do corpo e relaxar... Mas valia a pena fazer pose, principalmente se, do lado de fora, lá na calçada, estava algum garoto conhecido.
O carro que eu e meus irmãos mais cobiçávamos era o carro verde no ponto de táxi na pracinha, perto de casa, bem ao lado do campo Dragão Mecânica. Para ficar mais fácil visualizar, no local onde começa a rua da Várzea, na avenida São Paulo, Vila Progresso.
O motorista, ou chofer como a gente costumava dizer, mantinha seu Chevrolet impecável. Quando não havia passageiro, o carro ficava ali na praça, parado, enquanto o chofer passava seu paninho mágico. A gente percebia que o carro brilhava!
Andar de táxi, para nós era difícil, mas sonhar com aquele carro...
Tinha dia que a gente passava horas e horas olhando o Chevrolet no ponto! E quando percebia que tinha surgido algum passageiro e o carro ia sair, sentado no portão de casa, eu acelerava o ronco do motor com a boca e saía correndo pela rua, como se estivesse dirigindo.
Muitas vezes, no próprio degrau do portão, eu me fazia passar pelo chofer do carro verde. Cumprimentava meus irmãos que seriam os passageiros, perguntava qual era o destino, dava o preço da corrida, enchia o pulmão de ar, e saia roncando, "cantando pneu".
Quando o chofer do carro verde casou não ficamos sabendo, mas tivemos notícias uns meses depois quando, no terreno vazio em frente à nossa casa, teve início a construção de um imóvel. E como toda criança curiosa, passávamos o dia observando os pedreiros levantando as paredes, fazendo massa, concretando. Até que um dia o chofer do carro verde parou bem defronte ao nosso portão e foi observar a obra. Tínhamos descoberto quem iria morar em frente de casa.
Ele sabia que vivíamos observando seu carro e quando voltou da construção, entrou no veículo, abriu a porta de passageiro e nos convidou para uma volta. Ademir, Ana Maria e eu corremos para dentro do carro. Esquecemos até de limpar os pés, pois naquele tempo andar descalço era sinal de saúde.
A corrida era de graça, mesmo que fosse apenas uma volta no quarteirão; quando o carro voltou para o local de onde tinha saído, desci correndo para contar à minha mãe o acontecido. E foi aí que levei a bronca. Mamãe me olhou, sorriu daquela maneira que já fazem muitos anos que não vejo, e perguntou se tinha agradecido ao chofer do carro verde.
Disse que não e saí correndo para o portão quando cruzei com meus irmãos voltando para casa. O homem do Chevrolet já tinha ido embora trabalhar.
Voltei de cabeça baixa, mamãe me olhou de novo, mas Ademir corrigiu a situação, dizendo que tinha agradecido em nome de todos. E como lição de mãe fica sempre na lembrança, jamais esqueci este fato.
Mas só consegui agradecer quando, no dia da mudança, carreguei algumas caixas para dentro da casa. O chofer agradeceu a ajuda, e neste momento lembrei-me de fazer o mesmo pela carona. Mas parece que ele nem lembrava mais disso...