domingo, 28 de setembro de 2014

Leite e leites

Ao ver hoje pessoas saindo de supermercados com caixas de leite longa vida, não posso deixar de me lembrar de quando este produto era vendido apenas nas padarias. Isso acontecia lá por volta dos anos 1950/1960. Supermercados não existiam, mas apenas armazéns. Algumas mercearias ou quitandas se aventuravam a vender o produto que chegava de madrugada aos pontos de venda e eram entregues em tonel ou barril. Acompanhava isso do portão de casa, mas muitas vezes me aproximava para ver de perto o descarregar do leite. Os leiteiros, que vendiam de porta em porta, também estavam ali, com suas carroças e os toneis vazios, esperando para serem trocados pelos cheios. Era leite mesmo. Puro! Produto descarregado corria para dentro da padaria com o pedido na ponta da língua: um litro de leite e um filão de meio quilo. O leite era colocado na vasilha que trazia de casa, mas com o passar do tempo compramos um litro e fazíamos a troca do vazio pelo cheio. Estes litros também estavam nas portas das casas de pessoas que esperavam pelo entregador passar e muitas vezes ele batia palmas para receber pelo produto. O leite e o pão eram marcados na caderneta que minha mãe conferia ao chegar em casa e guardada com carinho até o dia em que meu pai recebia o pagamento e a gente ia, feliz da vida, à padaria para pagar a conta. O pãozinho que hoje é o mais vendido tanto em supermercados como nas padarias a gente chamava de bisnaga, mas a procura por este era pequena até porque o filão era suficiente para famílias inteiras, pois tinha de três tamanhos: pequeno, médio e grande. O de meio quilo que a gente comprava era de tamanho médio. E ele vinha quentinho e a gente passava manteiga que estava embebida em água para conservar. E a gente nem tinha geladeira, pois era apenas para ricos. Televisão, na época em que falei acima, era coisa de poucos: um verdadeiro trambolho que tomava conta da metade da sala. Ideal mesmo, naquela época era o televizinho... Mas voltando ao presente sem esquecer do passado: existe muita diferença entre os leites aqui mencionados. Se naquele tempo havia apenas um tipo de leite, hoje as marcas chegam a centenas e vemos o desnatado, o integral, o semidesnatado e o leite em pó segue esta mesma quantidade de tipos, além das milhares de marcas. Tudo para o bem de sua saúde... Será?

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

No tempo da Admissão ao Ginásio

Quando chegava ao fim o primeiro semestre de aulas de minha quarta serie primária, imaginei que concluiria o curso e iniciaria minha vida profissional. Pensava em cursar o Senai e ir trabalhar numa indústria, talvez a Sifco que ficava perto de casa e “batia o martelo” dia e noite. Mas meu pai interrompeu este pensamento ao me informar que deveria fazer a Admissão ao Ginásio para continuar a estudar. Naquele momento, confesso, me senti frustrado. Não era este meu plano aos 11 anos de idade. O ano era 1961 e me lembro que os anúncios, no final do ano anterior diziam que “de cabeça para cima ou de cabeça para baixo, 1961 seria um grande ano”! Enfim, lá vou eu para o curso de Admissão ao Ginásio. A primeira reação, no primeiro dia de aula, foi encontrar duas professoras. Uma que lecionava Geografia e Português e a outra que ensinava Matemática e História. Achei que o curso era mais uma preparação para enfrentar mais do que um professor no Ginásio, totalmente diferente do que o Grupo Escolar ou curso Primário. É que no Primário, cada ano havia apenas um professor: no primeiro, dona Benedita, no segundo, dona Odete, no terceiro, dona Gemma e no quarto, dona Priscila. E no curso de Admissão, com dois professores, confesso que jamais guardei o nome das duas mulheres. E este curso era feito no período da tarde. De manhã, cursávamos o último semestre do quarto ano Primário, com dona Priscila, e à tarde, duas horas com as professoras de nomes esquecidos. O curso de Admissão desapareceu por completo de qualquer currículo escolar, mas é interessante lembrar sua existência, afinal era mesmo necessário? Jamais entendi sua existência, não me lembro de alguém que não o tenha feito e cursado o Ginásio. Mas como ocorrera em todo Primário, o curso era apenas para alunos, não havia mulheres na classe. Afinal, fiz tal curso no Ginásio Divino Salvador que, naquela época, não tinha alunas e, pelo que me recordo, nem professoras. Alguns anos depois tudo se transformou e as mulheres dominaram o, depois, Colégio, e o grande destaque foi a equipe feminina de basquete...

sábado, 13 de setembro de 2014

Meu pai era assim...

Alto, forte, cabelos pretos a vida toda, sem nunca ter usado produtos para manter a cor, olhos verdes, um sorriso constante nos lábios. Era difícil ouvir sua voz. Suas broncas ocorriam apenas com um olhar. Sabíamos o que meu pai dizia ou queria com um olhar apenas. Era assim quando jogávamos bola no quinta e era hora do banho. Ele saia na porta da cozinha, olhava para todos os filhos e entrava. Não precisava falar, o jogo acabava e formava-se fila para o banho. Até porque, ele esperava todos tomarem banho para depois ser sua vez. Em dias de jogo do Palmeiras, time do coração seu e que transferiu como herança aos filhos, não precisávamos ouvir o jogo. Ele fazia isso por todos. Sentado ao lado do rádio que funcionava com válvulas, acompanhava o jogo. Chegávamos à porta da cozinha para saber o resultado e isso a gente via no seu olhar. Se havia um sorriso, era certeza de que o Palmeiras ganhava, mas se estava com olhar “amarrado”, a derrota era certa! Era preciso coragem para perguntar o resultado se a reação dele era a segunda. Ele resmungava, a gente não entendia e nem insistia na pergunta, porque ali não haveria resposta... Era assim o domingo de jogo. Suas atitudes eram transferidas para os filhos, ríamos, brincávamos, mas até a forma de ouvir uma partida de futebol, a gente acabou herdando. Mas – e como em tudo há sempre um mas – jamais ouvi meu pai dizer um palavrão ou “nome feio” como a gente aprendera na época! Como disse, era difícil ouvir sua voz, mas se ele xingava, o fazia baixinho, para não ser ouvido. Mas o que ele murmurava, muita vezes, a gente conseguia entender: “Bola murcha” ou “Quinta coluna!” eram os “nomes feios” preferidos dele. Como se isso fosse nome feio! A gente não entendia muito o significado, mas sabíamos que o primeiro ele dizia quando o Palmeiras perdia e o “elogio” era para os jogadores. O segundo, a gente imaginava que fosse para políticos, mas nunca chegamos a perguntar o significado. Era bom vê-lo nas manhãs de domingo antes de sairmos para a missa. Ele colocava a mão no bolso e apanhava algumas notas de cruzeiro e distribuía aos filhos, na quantidade igual para cada um, não importando quem fosse mais velho. E sorria ao ver os filhos agradecerem, colocarem o dinheiro no bolso e ver todos saindo rumo à igreja e dizerem, um de cada vez, “Bença mãe, bença pai!”, exatamente deste jeito. Ele sorria apenas e todos ouvíamos apenas nossa mãe dizer “Deus te abençoe!” Olhávamos um para o outro e saíamos na certeza de que dentro de seu coração, ele havia feito eco às palavras de minha mãe!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Os chapéus que meu pai usava

Preto ou marrom! E todo dia, toda hora, todo local. Era assim meu pai: sempre de chapéu na cabeça! Isso sempre aconteceu: sempre o vi assim, seja na década de 1950, 60, 70, 80... Chegou à década de 90, mas não avançou muito nela. E havia um chapéu para cada ocasião: um que o levava ao trabalho diário, na Estação da Santos-Jundiaí, outro para passeios, visitas a parentes e amigos ou missa dominical e um terceiro para usar em casa. Quando se aposentou, o que usava para ir ao trabalho, ficava para saídas rápidas, como ir à padaria, supermercado, farmácia ou uma “corridinha” da vila Progresso até o centro da cidade a pé... Quando ganhava um novo – e era sempre no Dia dos Pais (quer presente mais fácil para se comprar?), o mais velho era jogado fora, pois já estava muito usado e os outros desciam um degrau. E não tinha como: era só pensar em dar um passo fora de casa que suas pernas o levavam ao cabide para escolher o chapéu para aquele momento novo. Até para aguar plantas ele usava o chapéu. E neste uso constante de chapéu tinha um momento diferente, inesquecível! Era o dia de colocar ovos para serem chocados. Neste dia ele não estava com o chapéu na cabeça, mas o levava nas mãos: carregado de ovos! Era assim mesmo: os ovos tinham que ir para o ninho levados no chapéu! E meu pai separava todos: escolhia os mais bonitos, aqueles que tinha certeza que não iam falhar, contava 12 ou 15, dependendo dos tamanhos e do espaço preparado no ninho dentro do viveiro, colocava dentro do chapéu e ia até o galinheiro! A ação era feita com cuidado, pois os ovos não podiam se quebrar. A galinha choca já estava no viveiro e os ovos eram, então, colocados, um a um no local. Ninho pronto, galinha choca já iniciando seu trabalho e o chapéu que foi ao fundo do quintal na mão voltava para dentro da casa na cabeça. Na certeza de que, dali a 21 dias os pintinhos quebrariam as cascas para terem vida. E meu pai sorria diante de mais uma conquista. Graças à colaboração do chapéu! Aquele mesmo: de usar em casa!