Quando vi a programação da rádio, no meu primeiro dia de
trabalho, me surpreendi: é que às 18h30 entrava no ar o programa “Hora
Nipônica” e isso me mostrou algo que nunca tinha visto: um programa só para
japoneses em Jundiaí. Mas antes mesmo de o programa entrar o no ar, já imaginei
o lado positivo: toda a colônia estaria ligada na rádio. E assim que o programa
de esportes saiu do ar, vi um senhor entrar na técnica com alguns discos,
sorriso permanente nos lábios e seguir para o estúdio onde eu estava. Tudo isso
no ano de 1968, na rádio Santos Dumont e convivi com este senhor até final de 1969.
Iwao Miyahara tinha esta rotina diária: passar pela técnica,
deixar os discos, mostrar a sequencia musical e seguir para o estúdio. Era meia
hora de programa, com músicas japonesas, duas, três no máximo, discos de 45 rpm.
Nos intervalos entre uma e outra entravam propagandas lidas por mim. Ao término
da leitura, Iwao anunciava outra melodia, e com o braço assinalava para a
técnica soltar a melodia.
O sorriso permanente de Iwao é que me motivava a continuar a
trabalhar na rádio. Afinal, não haviam folgas nem feridos: de segunda a
segunda, tanto que decidi deixar a rádio e acabei me acertando no Jornal da
Cidade. Era comum ele chegar ao estúdio,
me cumprimentar e, colocar sua mão sobre meu ombro para dizer que “temos que
continuar”, no seu sotaque japonês. Certa vez, me esperou deixar a rádio. Ao
chegar ao portão, ele me segurou pelo braço, atravessamos a rua Coronel Leme da
Fonseca até a rua do Rosário e seguimos até a Barão do Triunfo. Logo na
esquina, apontou com o dedo: “minha mercearia!” Entramos, me apresentou ao seu
filho e preparou uma vitamina para mim. Me apoiei no balcão, como faziam todos
os fregueses, saboreei a vitamina, agradeci e vi seu sorriso se perpetuar na
minha memória.
No final de 1969 deixei a rádio e, no último dia, antes do
programa começar avisei Iwao de que seria nosso último trabalho junto. Ele
ficou sério o programa todo e, na hora de encerrar, olhou para mim e disse:
“encerra você!” Olhei para ele assustado, fez sinal e lá fui eu: “A Rádio
Santos Dumont encerra mais um programa Hora Nipônica. A todos os ouvintes
‘arigato’ e ‘sayonara’. A gargalhada dele só não foi ouvida por todos, porque a
técnica de som cortou o microfone. Mas todos nós rimos desta despedida que se
completou, pela última vez, em sua mercearia e com mais um copo de vitamina.
Foram muitas as vezes que deixava o jornal e subia até o
Centro pela Barão do Triunfo, para cumprimentar Iwao. Depois de minhas férias, ainda
na década de 1970, passei diante da mercearia para matar a saudade. A porta
estava fechada e nunca mais a vi aberta. Não sei se fora vendida ou se mudara
de local. Nunca mais ouvi o programa porque no horário estava trabalhando, mas
confesso que o sorriso e a cordialidade de Iwao Miyahara estarão sempre
presentes em minha memória.