sexta-feira, 28 de agosto de 2015

PERSONAGENS (21) Dona Benedita, a primeira mestra a gente nunca esquece

Se é verdade que ninguém passa pela vida de outrem por acaso, é correto dizer que Dona Benedita Alzira de Moraes Camunhas foi uma das pessoas mais marcantes em minha vida. Afinal, foi com ela que aprendi a ler e escrever. Meu contato com ela durou todo ano de 1958, quando fiz o primeiro ano primário no Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, num prédio que não existe mais e que estava localizado na rua General Carneiro, esquina com a avenida Fernando Arens. E isto ocorreu numa época em que não existiam pré-escolas, jardins da infância ou qualquer outro tipo de ensino: entrávamos no primeiro ano primário e as classes eram separadas por sexo: primeiro ano primário masculinho e tinha a classe feminina. Depois de alguns anos surgiram as classes mistas.
Mas o importante é falar desta mulher que entrava na classe com um sorriso imperdível nos lábios, dirigia-se ao quadro negro e começava a ensinar, com um jeito de quem sabia tudo o que estava dizendo. E lá ia ela: b-a... ba, b-e... be... e assim por diante. E a classe repetia e quando o aluno conseguia ler sozinho, formar palavras e frases, o sorriso de dona Benedita dobrava de tamanho. E foram muitos os dias em que ela deixava a classe com um sorriso de orelha a orelha. Dona Benedita era assim: uma incentivadora constante aos alunos. Elogiava o caderno de Ocupação – que ficava na classe e era distribuído aos alunos nos momentos de exercício na classe ou nos ditados temidos – ou no caderno de Dever de Casa que tinha a função óbvia. Mas o que a gente mais gostava e recebia o elogio constante era o caderno de caligrafia: letras desenhadas no espaço determinado no caderno, atenção na hora de escrever e as palavras dela vinham escritas junto com as notas: 100 (naquele tempo a nota maior era 100...) “Parabéns!”, “Linda caligrafia!”, “Continue assim!”, “Você faz melhor!”
Muitas vezes, para completar o elogio, chamava a diretora que ficava na sala ao lado de nossa classe para dizer que os alunos eram ótimos. Mostrava para a diretoria os cadernos de caligrafia, mostrava os ditados bem feitos, e lá ia ela para sua casa, com nossos cadernos debaixo do braço, para trazer no dia seguinte, com mais uma infinidade de elogios. Era assim, com seu jeito doce de ensinar que saíamos da escola realizados. E no ano seguinte, quando minha professora passou a ser dona Odete, confesso que passava em frente à sala de Dona Benedita,  só para ouvir o que dizia aos alunos. E isso me dava ânimo para seguir em frente nos estudos.
Os anos passaram, a vida foi passando e fui revê-la em 1998, quando lancei meu primeiro livro e fiz questão de convidá-la. E ela se lembrava de mim, comentou de outros alunos da mesma classe que eu já não lembrava mais seus nomes, mas que ela me “refrescou” a memória. Rimos juntos de um tempo que não volta mais, mas que fica perpetuado em nossas memórias e a vi ir embora folheando o livro, imaginando que ela iria guardar junto ao meu caderno de caligrafia cujas letras eram totalmente diferentes da dedicatória deixada junto ao autógrafo.
Num dos meus aniversários, na redação do jornal, atendi uma ligação, uma voz me disse rapidamente: “parabéns, grande escritor”. Tive que perguntar: “quem é?” e, do outro lado, depois de um breve sorriso, ela respondeu: “sua primeira namorada, não lembra não?” Não tive dúvidas: “dona Benedita?”.  O sorriso dela confirmou e trocamos meia dúzia de palavras, para ela dizer, ao final, que mantinha meu livro guardado entre as relíquias de sua vida.

E numa manhã, ao ler o jornal, me surpreendi com um comunicado de missa de sétimo dia. Era desta mulher incrível, que tinha partido em silêncio para deixar na minha memória uma lembrança doce e cheia de doces momentos. Dona Benedita era assim: cheia de vontade de viver e que não esquecia as alegrias que a vida nos proporciona. Mesmo que seja um simples caderno de caligrafia...

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

PERSONAGENS (20) A jornada de Ademir Fernandes

Conheci Ademir Fernandes na redação do Jornal da Cidade em 1970. Estava começando como revisor e ele já era repórter e editor de esportes, além de viajar todo dia para São Paulo, onde trabalhava no Jornal da Tarde. Alegre, didático, adorava trocadilhos e se divertia com o grande Palmeiras daquele início de década. Jamais deu bronca em alguém por conta do serviço. Fazia isso com humor e elegância que deixava o outro sem jeito de retrucar.
Num tempo que não havia internet, o radinho de pilha era uma de suas fontes de informação. Era por este meio que acompanhava os jogos do Paulista quando a partida era fora de Jundiaí. E naquele tempo, assim como o Palmeiras, o time da cidade não chegava a decepcionar. Mas por conta dos jogos serem à noite e meu trabalho ser à tarde, eram poucas as vezes que a gente se encontrava. Acontecia com mais frequência nas segundas-feiras, quando ele fazia um caderno de esportes, já que não havia edição do jornal nestes dias. E o caderno circulava na terça com grandes destaques para o Paulista, o Amador da cidade e os times que disputavam ou o Paulistão ou o Brasileiro.
Um envelope amarelo era seu companheiro de todas as horas. Chegava à redação com ele, ia para São Paulo e voltava no dia seguinte ao jornal sempre com ele nas mãos. Dentro dele, informações, assuntos ligados à sua área de trabalho. Nos separamos quando o trabalho cresceu em São Paulo, me mudei para Campinas e voltamos a nos ver mais de 20 anos depois, já na segunda metade de 1990. Claro que o envelope era outro, mas a cor era exatamente a mesma. E agora já havia internet, arquivos no computador, mas sua fonte estava ali, naquele envelope.

Já tinha os filhos crescidos e tanto Ellen como Elton seguiram os passos do pai e se tornaram jornalistas. E ele sempre “batalhou” para que os mesmos sempre estivessem bem empregados. E como a vida nos prega peças terríveis, Ademir partiu prematuramente já há 15 anos. Havia uma vontade de trabalhar incrível neste homem que jamais rejeitou uma pauta a mais em sua rotina. Tinha ainda uma vontade grande de ajudar os outros. Era comum vê-lo levar jornalistas de Jundiaí para trabalhar em São Paulo e quando sabia que algum deles estava desempregado, negociava com os colegas de profissão para contratar quem quer que seja. Sua partida deixou uma lacuna grande na imprensa da cidade e na Capital, mas deixou a certeza de que devemos batalhar sempre, até o fim, em busca de nossos objetivos. Ademir era assim: competente, alegre, um bom amigo, destes que, se for preciso tiram a blusa e entregam ao outro para que este não sinta frio.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

PERSONAGENS (19) A “Revolução” do Padre Vitor

Conheci Padre Silva quando ainda era Vitor no final da década de 1960, na paróquia de Vila Arens, em Jundiaí, onde ele criou a Revolução Jovem, a conhecida RJ. Conheci, mas não tinha contato com ele, já que participava de outro movimento religioso e os horários das nossas missas eram diferentes. Enquanto a minha era às 7h30 a dele era duas horas depois, o que significava que a gente nem na sacristia se cruzava. Mas o via celebrando quase todo domingo. Celebrando e cantando, que era o ele gostava de fazer. E fazia muito bem, exigindo o máximo do grupo de jovens, principalmente na hora de cantar.
Baixa estatura, mas austero, rigoroso. Mas isso tudo era uma “casca”, pois a doçura de seu jeito de ser fazia com que todos esquecessem este rigor. Rigor porque queria a missa sempre bem celebrada por todos, com boas leituras e cânticos muito bem afinados pelo coral dos jovens que existe até hoje. Claro que não mais jovens porque a idade nos faz mudar da juventude para a vida adulta. Mas a força deste padre faz com que estes agora senhores continuem a se encontrar sempre.
Recordo vagamente de sua ordenação, na mesma década de 1960 quando seis ou sete diáconos mudavam de fase e se ordenavam padre. Isso no seminário Salvatoriano, em Várzea Paulista. Mas como toda congregação religiosa, Padre Vitor acabou sendo transferido, a igreja liberou o nome assumido na ordenação e ele deixou de ser Vitor para ser Padre José Silva, seu nome de batismo. Silva ficou sendo mais fácil para todos e fui reencontrá-lo na Paróquia Divino Salvador, em Campinas, já na década de 1980, quando minha profissão me fez mudar de cidade. Assumi, eu, minha esposa e mais um outro casal, um grupo de adolescente nesta paróquia e padre Silva passava muitas vezes pela sala de reuniões, pelo menos para lembrar que no final da tarde – isso no sábado – era fundamental todos participarem da missa. E o grupo o fazia com muita alegria.
O agora Padre Silva comandava tudo na paróquia: as missas, os casais, os movimentos religiosos e o coral, claro. Estava envolvido também com o coral da Unicamp. Na paróquia, sempre, ao final das missas, os frequentadores passavam pelo salão ao lado da igreja para saborear um café, comer uma bolacha ou um pedaço de bolo e conversar com este padre que não se cansava nunca. Era comum, também, ver jovens de Jundiaí que pertenceram à RJ participando das missas em Campinas. Não tinha como não conviver com este padre, apaixonado pelo que fazia.

Mudamos de bairro, de paróquia, perdemos contato com ele, ficamos sabendo de sua doença repentina e de sua partida prematura. Tenho contato com muitos participantes da Revolução Jovem. E toda reunião, todo encontro quer seja um ensaio ou uma confraternização o nome do Padre Vitor é lembrando. Sempre com muita emoção e saudade por todos!