Se é verdade que ninguém passa pela vida de outrem por
acaso, é correto dizer que Dona Benedita Alzira de Moraes Camunhas foi uma das
pessoas mais marcantes em minha vida. Afinal, foi com ela que aprendi a ler e
escrever. Meu contato com ela durou todo ano de 1958, quando fiz o primeiro ano
primário no Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, num prédio que não existe mais e
que estava localizado na rua General Carneiro, esquina com a avenida Fernando
Arens. E isto ocorreu numa época em que não existiam pré-escolas, jardins da
infância ou qualquer outro tipo de ensino: entrávamos no primeiro ano primário
e as classes eram separadas por sexo: primeiro ano primário masculinho e tinha
a classe feminina. Depois de alguns anos surgiram as classes mistas.
Mas o importante é falar desta mulher que entrava na classe
com um sorriso imperdível nos lábios, dirigia-se ao quadro negro e começava a
ensinar, com um jeito de quem sabia tudo o que estava dizendo. E lá ia ela:
b-a... ba, b-e... be... e assim por diante. E a classe repetia e quando o aluno
conseguia ler sozinho, formar palavras e frases, o sorriso de dona Benedita
dobrava de tamanho. E foram muitos os dias em que ela deixava a classe com um
sorriso de orelha a orelha. Dona Benedita era assim: uma incentivadora
constante aos alunos. Elogiava o caderno de Ocupação – que ficava na classe e
era distribuído aos alunos nos momentos de exercício na classe ou nos ditados
temidos – ou no caderno de Dever de Casa que tinha a função óbvia. Mas o que a
gente mais gostava e recebia o elogio constante era o caderno de caligrafia:
letras desenhadas no espaço determinado no caderno, atenção na hora de escrever
e as palavras dela vinham escritas junto com as notas: 100 (naquele tempo a
nota maior era 100...) “Parabéns!”, “Linda caligrafia!”, “Continue assim!”,
“Você faz melhor!”
Muitas vezes, para completar o elogio, chamava a diretora
que ficava na sala ao lado de nossa classe para dizer que os alunos eram
ótimos. Mostrava para a diretoria os cadernos de caligrafia, mostrava os
ditados bem feitos, e lá ia ela para sua casa, com nossos cadernos debaixo do
braço, para trazer no dia seguinte, com mais uma infinidade de elogios. Era
assim, com seu jeito doce de ensinar que saíamos da escola realizados. E no ano
seguinte, quando minha professora passou a ser dona Odete, confesso que passava
em frente à sala de Dona Benedita, só
para ouvir o que dizia aos alunos. E isso me dava ânimo para seguir em frente
nos estudos.
Os anos passaram, a vida foi passando e fui revê-la em 1998,
quando lancei meu primeiro livro e fiz questão de convidá-la. E ela se lembrava
de mim, comentou de outros alunos da mesma classe que eu já não lembrava mais
seus nomes, mas que ela me “refrescou” a memória. Rimos juntos de um tempo que
não volta mais, mas que fica perpetuado em nossas memórias e a vi ir embora
folheando o livro, imaginando que ela iria guardar junto ao meu caderno de
caligrafia cujas letras eram totalmente diferentes da dedicatória deixada junto
ao autógrafo.
Num dos meus aniversários, na redação do jornal, atendi uma
ligação, uma voz me disse rapidamente: “parabéns, grande escritor”. Tive que
perguntar: “quem é?” e, do outro lado, depois de um breve sorriso, ela
respondeu: “sua primeira namorada, não lembra não?” Não tive dúvidas: “dona
Benedita?”. O sorriso dela
confirmou e trocamos meia dúzia de palavras, para ela dizer, ao final, que
mantinha meu livro guardado entre as relíquias de sua vida.
E numa manhã, ao ler o jornal, me surpreendi com um
comunicado de missa de sétimo dia. Era desta mulher incrível, que tinha partido
em silêncio para deixar na minha memória uma lembrança doce e cheia de doces
momentos. Dona Benedita era assim: cheia de vontade de viver e que não esquecia
as alegrias que a vida nos proporciona. Mesmo que seja um simples caderno de
caligrafia...