terça-feira, 27 de maio de 2014

Decorando o catecismo da Primeira Comunhão (No meu tempo de Criança XXXIV)

- És cristão? - Sim, sou cristão pela graça de Deus. - Qual o sinal do cristão? - O sinal do cristão é o sinal da cruz. E lá ia a catequista perguntando e o aluno respondendo, exatamente como estava no catecismo da Primeira Comunhão. Decoradamente! E me lembro que, na primeira pergunta, alguém respondia... "És!" Certo ou não, a verdade é que terminávamos a catequese preparados para a Primeira Comunhão, que se realizaria no último domingo de outubro. Isso, claro, em 1959. O curioso, nisso tudo, é que tínhamos realmente que decorar a lição. E tínhamos uma semana para fazer isso e era como se fosse “chamada oral”. A catequista apanhava o catecismo da mão do aluno – que não podia esquecer em casa, pois tinha que ir buscar ou ficava com falta naquele dia. Fazia as perguntas e a resposta tinha que ser exatamente o que estava escrito no catecismo. Se respondesse tudo, corretamente, passava para a lição seguinte. Até terminar o catecismo. Naquele tempo, as aulas de catequese, na igreja de Vila Arens, ocorriam dentro do próprio templo, pois não existiam as enormes salas de hoje e, no porão, os espaços estavam tomados. A catequese era de segunda-feira à tarde e ia de agosto a outubro. Só “estava preparado” quem concluía o catecismo. Adilson Luis Colucci, que fazia o primário comigo, passou o catecismo inteiro umas cinco ou seis vezes: terminava e começava de novo. A catequista perguntava qual era a lição, se o aluno soubesse tudo, ela vinha com outra pergunta: “Sabe a lição seguinte?” Se soubesse ia em frente... - Quem é Deus? - Deus é um espírito perfeitíssimo, eterno e criador do céu e da terra. Pronto! Mais uma resposta certa, mais uma lição em frente... O curioso é que ficávamos atentos para decorar. E eu não era bom nisso. Foram inúmeras as vezes que saí frustrado da aula, tendo de estudar, de novo, para a próxima semana, enquanto via Adilson deslanchar lá na frente... Me lembro que consegui completar o catecismo no início de outubro. E ainda vi Adilson passar por ele inteiro, mais uma vez. Não consegui chegar, na segunda vez, aos Sacramentos, mas fui aprovado na escola de Deus, na base do “decoreba”. E o silêncio nas reuniões era total. Principalmente por quem ainda não tinha sido perguntado, pois aproveitava as perguntas dos outros, para continuar estudando, sem tempo para conversar com o colega do lado. E no domingo marcado, com jejum desde a noite anterior, suando frio e vestindo terno azul marinho de calças curtas e gravatinha borboleta, recebi, no meu coração, o corpo de Cristo que o padre não dizia como faz hoje, pois a missa era em latim e a gente não entendia uma palavra do que ele rezava. Mas a gente rezava o que sabia. (Uma história de Nelson Manzatto. Texto: Nelson Manzatto)

quarta-feira, 21 de maio de 2014

As lições de fraternidade que Ana Eulinda não esquece (no meu tempo de criança XXXIII)

Brincadeiras, aniversários, jogos e, claro, algumas briguinhas fizeram parte da infância de Ana Eulinda. Claro que tudo isso envolvia ela e seus três irmãos e eles se chamavam assim: Rita, Linda, To e Ma. E sempre com lembranças inesquecíveis! E como lembra Ana Eulinda, tudo coisa boba, mas que fizeram parte de sua linda infância. E as brincadeiras no quintal da casa, na rua Emile Pilon, na Vila Arens, nunca serão esquecidas. E o galinheiro que era o xodó da “nona” Eulinda e do vô Tercílio, era alvo diário de conversas. Três galinhas e um galo povoavam o local e era ali que os quatro irmãos passavam dia sim dia não para procurar ovos para que a mãe Durva fizesse para o almoço. Mas havia um problema: para tristeza das crianças que sonhavam com pelo menos quatro ovos, encontravam apenas dois. Afinal, quem ficaria com os ovos de ouro? Para Linda, para Rita, para To ou para Ma? E mãe Durva já tinha a resposta: “...pra todos, pois os quatro são meus lindos e maravilhosos filhos e devem aprender a dividir o que Deus nos deu, principalmente amor e solidariedade...” A lição é inesquecível, claro! O galinheiro ficava no mesmo quintal que tinha uma grande horta com várias hortaliças e alguns pés de frutas. O canteiro de couve era o mais procurado e a “nona” sempre colhia para colocar no refogado do feijão. O pé de figo era o querido de seu pai Onivaldo, tanto que até hoje, a mãe Durva faz doce; E ela mantém até hoje a doce divisão, pois o pé de carambola tem tanta fruta que seu suco é distribuído para os amigos e vizinhos. Para Ana Eulinda todos estes são momentos de amor, de ternura e de união e uma saudade grande de uma infância doce. Como diz Ana Eulinda: “Simples assim!” (Uma história de Ana Eulinda Marquesim Nóbrega. Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O “batizado” das bonecas da Rita (No meu tempo de criança XXXII)

Tardes de domingo de Rita de Cássia, na década de 1960, eram em família, mas tem uma especial que marca e deixa uma saudade. Foi assim naquele dia quando ela e sua irmã, Márcia, pegaram suas bonecas, tomaram a mãe Graciosa pelo braço e seguiram para a casa da Tia Cida preparar o momento especial. E este momento era o “batizado” das bonecas. A tia Cida, toda alegre, proporcionou a festa com muita guloseima, envolvendo lanchinhos de pão Pulmann e muito, mas muito brigadeiro, sem esquecer o tradicional bolo de batizado. As duas irmãs deram banho, pentearam e arrumaram suas bonecas que, apesar de simples, ficaram lindas com roupinhas que mãe Graciosa e as tias Cida e Gina prepararam. Duas bonecas em especial eram novas e tinham nomes: Jaqueline da Rita e Monique de Márcia. A espera ansiosa pela irmã mais velha, Virgínia, que morava em São Paulo, não foi tão longa. E ela chegou com o marido, Décio, que seria o “padre” na cerimônia de batizado. Uma capa preta de chuva serviu de batina e um livro antigo de orações completou a indumentária para a celebração. No quintal, ao lado do tanque, foi colocada uma mesa com as guloseimas e aconteceu o “batizado” de cada uma das bonecas. Madrinhas escolhidas com carinho: tia Gina, tia Cida, a irmã Virgínia, a mãe Graciosa além de Márcia e da própria Rita. O “padre” Décio, com aquela voz de locutor de rádio, parecia mesmo um religioso, falando em latim e brincando ao jogar água na cabeça das bonecas, dizendo a frase “eu te batizo...” Uma diversão inesquecível, com muita alegria e os olhos de Rita voltados para as bonecas batizadas e, claro, para os docinhos feitos com tanto carinho pela tia Cida. Sem dúvida uma tarde de domingo cheia de doces recordações e o coração de Rita, hoje, relembra, com saudade as tias inesquecíveis e que lhe proporcionaram sempre bons momentos, que até hoje vive agradecendo. O agradecimento ocorre numa comida diferente que faz, com receitas de tia Cida, ou até mesmo nos momentos de lembranças de família quando tia Gina aparece, trazendo pão com mortadela e turbaina. Estas mulheres estão sempre presentes na vida de Rita de Cássia e ela, cheia de saudade, não esquece de dizer... “obrigado tias queridas”. (Uma história de Rita de Cássia Crivelaro Manzatto. Texto: Nelson Manzatto)

segunda-feira, 5 de maio de 2014

As pescarias noturnas de Marlon (No meu tempo de criança XXXI)

Era divertido pescar. Pelo menos era isso que Marlon achava, apesar de ser um pretexto para ficar próximo ao rio e à natureza. Além, claro, de atirar pedras n’água. Tudo começou em um camping, onde seus pais os levava para passear nos finais de semana. Com eles, passeavam sempre um casal de tios que por sinal se misturam bem entre as historias. O Camping era o “El Sombrero” em Bragança Paulista. Os acampamentos da família começaram com a barraca Capri para 5 pessoas com avancê de estilo canadense. Depois, evoluiu para uma carreta barraca que era mais prática. Anos mais tarde, foi a conquista de possuir um pequeno lote para construir um chalé de alvenaria. Marlon lembra ainda hoje das tardes investidas para montar os inúmeros encaixes das armações. Esticar a lona, observar o melhor local pensando no escoamento da água, caso chovesse. Incidência do sol. Próximo ao vestiário porque naquela época naturalmente eles eram coletivos. O Camping era perfeito: piscina, campo de futebol, espaço para correr e brincar descalço de pega-pega ou esconde-esconde, parquinho trivial: balança, gira-gira, macaco. Mas havia uma atividade que particularmente atraiu Marlon: pescar. Junto com o tio saia à tardinha para encontrar um local e montar as tralhas para permanecer pescando até cansar. E as tralhas eram formadas por minhocas, miúdos de frango, varas, lampião de carboreto, banquinhos e alimentação, formada principalmente por frutas, pão, frios e água. E o carboreto do lampião tinha um sentido especial: Segundo seu tio e seu avô, o cheiro do carboreto espantava os bichos e Marlon acreditava que isso significava proteção. E era ali, ao seu lado, em meio à expectativa de um peixe ser fisgado, num cenário onde só se conseguia enxergar os contornos das árvores e o brilho da lua refletindo rio Jaguari, ele ouve um barulho alto de algo caindo sobre as águas. O que poderia ser? Procura o lampião que estava apagado, o fósforo sumira e a busca da lanterna que seu tio achava desnecessária! Ele nascera em Ipeúna, interior de São Paulo e adaptado ao espaço rural, enquanto Marlon vivia acostumado à luz artificial. Afinal, a vida é um querer ver coisas, enxergar tudo, ter a certeza do que existe. Talvez os olhos verdes claros do tio substituíssem qualquer lanterna. A busca por uma luz lhe pareceu uma eternidade, mas já com a lanterna na mão, clareou o rio, ainda com mais medo. Enfim, a descoberta, muitas vezes é mais assustadora do que qualquer coisa, pois o ser humano é criado a uma falsa segurança. E o barulho instigante e que proporciona pânico foi embora da mesma forma que surgiu. Ao iluminar o rio, o pequeno Marlon percebeu as águas calmas do rio descendo suavemente. Sua mente imaginou uma capivara, uma cobra, um animal terrestre qualquer, pois o barulho lhe pareceu um mergulho. Estranho tudo isso! Mas ali estavam as águas calmas do rio Jaguari. Tempo bom, enquanto existiu! Tempo bom mesmo agora como flashes de memórias. Para ele, o que é mais maravilhoso é lembrar-se de sua ingenuidade e alegria. (Uma história de Marlon Beisiegel. Texto: Nelson Manzatto)