domingo, 31 de agosto de 2014

O pão nosso do fim de semana

Fim de semana em casa, no meu tempo de criança, era assim: logo depois do almoço de sábado, minha mãe começava a preparar o domingo. E ele vinha recheado de coisas: frango assado, arroz de forno, pão alemão ou bolo de chocolate, macarrão e pão doce ou pão comum feito em casa. E qualquer que fosse deste pão, tinha algo especial! Os filhos de dona Angelina não tinham muito jeito para colocar as receitas em prática, até porque, ela sabia todas de cor! Assim, era comum vê-la pensar no pão ou bolo e fazer o preparo. E pão era diferenciado... Massa sendo preparada, farinha, ovo, água, açúcar e fermento... Massa pronta, pão “montado” e lá ia dona Angelina preparar o forno para assar. O cheirinho da massa já percorria a casa toda, mas... dona Angelina não esquecia de saber a hora de colocar o pão no forno. Ele precisava crescer e crescer muito para deixar os seis filhos satisfeitos! Massa pronta e os pães eram colocados em formas para assar e deixados sob uma toalha para crescer. E para saber o “ponto”, uma pequena bolota – do tamanho de uma bolinha de gude – era colocada dentro de um copo com água, esperando subir... Assim que colocada no copo, a bolota afundava e ali ficava por um tempo. Mas dona Angelina sabia e já ensinara aos filhos que era preciso a bolota subir. E quando ela estava no alto do copo, flutuando na água, a gente sabia que o pão estava pronto para assar, pois já tinha crescido. E dá-lhe forno! Dá-lhe pão assando!! E... o que fazer com a bolota de massa? Seria uma guerra se nossa mãe não nos ensinasse o caminho certo! Bolota retirada da água, repartida em pedaços e distribuída pelos filhos que queriam. Nem todos gostavam de uma bolota de massa fria e molhada. Algumas vezes a gente colocava na ponta da forma para assar, mas a gente gostava mesmo era de comer aquele pedaço de massa. Sonhando com o pão assado e pronto! Ah! Antes que me esqueça: quando a massa era de bolo, a divisão do que ficou na travessa que não ia ao forno era igual: todo mundo passava o dedo para lamber o que não seria assado. Afinal, nada melhor do que sentir o gosto de tudo que era preparado! Fim de semana em casa, no meu tempo de criança, era assim: partilha!

sábado, 23 de agosto de 2014

Terezinha

Meus olhos só cruzaram com os seus nos meus sonhos! Jamais a vi, jamais ouvi sua voz ou senti o seu perfume. Não consigo imaginar a cor de seus cabelos ou de seus olhos, mas percebo e sinto seu sorriso! Você chegou muito cedo, chegou antes da hora e, como um cometa passou... Se chegou muito cedo, partiu sem dizer adeus e nem esperou a chegada dos outros irmãos que viriam depois! Foi em setembro, foi há 70 anos. Imagino que a gente deveria estar se preparando para, ao redor de uma mesa,te ver cortando o bolo, seus filhos, seus netos ao redor, cantando o “parabéns”, mas.... Mas você partiu sem dizer uma palavra, afinal, 20 dias de vida não comportaram tempo para brincar, correr, rir, cantar, sonhar... Sua vida passageira deixou marcas em papai e mamãe. Afinal, era a primeira filha do casal. E uma passagem tão rápida, imagino que tenha deixado dores. Meus olhos só cruzaram com os seus nos meus sonhos. As primeiras vezes, na minha infância! Correndo pelo quintal, rindo, brincando, cantando e sua mão protetora a me conter, a me segurar de alguma queda. Queda de criança que tropeça no nada e se esparrama no chão. Mas sua mão estava sempre ali me protegendo. Meus olhos, se cruzaram com os seus nos meus sonhos de criança, voltaram a marcar presença nos últimos tempos. Não posso dizer que foram sonhos de saudade. Não se sente saudade de quem nunca se viu, mas sinto isso, sinto saudade dos sonhos de criança porque você estava neles! Sei que seus 20 dias por aqui foram recheados de saudade nos corações de papai e mamãe. Eles sempre falaram de você e sei que você sempre soube disso. Afinal, quem está aí olhando e vigiando todos nós? Primeiro você, depois mamãe e, em seguida papai. Engraçado eu dizer papai e mamãe, não apenas pai e mãe. Afinal, nos meus mais de 60 anos de idade, fica meio estranho dizer papai… mamãe… Mas… como me referir a eles falando com você? Com seus 20 dias vividos apenas? Sabe que tenho saudade dos tempos em que corria até a goiabeira, lá no fundo do quintal – e você conhece todas as minhas histórias de goiabeira não? – só para saborear a fruta, mas imaginar uma divisão contigo, de igual para igual? Mas eu sorria quando imaginava você me dizendo “come tudo, come minha parte, você gosta mais de goiaba do que eu…” E eu me divertia com o sabor da fruta e tentando imaginar seu olhar. Sei que se lembra das vezes que eu chorava lá na árvore, porque queria ver seus olhos, tocar sua mão, pedir que me carregasse no colo como – imagino – meus irmãos mais velhos gostaram de fazer quando eu era bem pequenininho. Talvez com a sua idade… Terezinha: mamãe sempre foi devota desta santa que está aí ao seu lado e que te fez anja protetora destes que vieram depois de você por aqui. Diga pra ela que hoje, pela manhã, quando passava pelo jardim, encontrei uma rosa que ontem não era nem botão e que floriu assim… na rapidez de sua existência… Diga pra ela que senti seu perfume, mesmo sem nunca ter abraçado você… Diga pra ela que o vermelho da cor desta rosa não é de sangue, nem de dor, mas de uma saudade gostosa de sentir, principalmente quando o coração bate no compasso de seu sorrir. Terezinha: deixa um abraço aí pros velhos. Claro que sei que eles estão vendo tudo e sabendo tudo daí de cima, mas diz que a saudade aqui embaixo faz brotar lágrimas nos olhos, mas que a gente vai se ajeitando por aqui. Sempre que possível, um mais perto do outro, outro mais perto do um. Só pra juntos somarmos aquilo que fomos e que buscamos ser.

sábado, 16 de agosto de 2014

As ondas curtas do rádio

Final da década de 1950, início da seguinte, ouvir rádio em ondas curtas era difícil. Primeiro porque o som era baixo e no vai e vem das ondas do rádio, não se ouvia o que se falava e difícil era tentar imaginar as palavras do locutor ou de quem quer que seja. Só sei que no momento mais importante, o som ia embora e quando voltava... o assunto já era outro. Ouvir futebol por ali era sofrer e chorar, principalmente porque quando o som voltava o gol já tinha saído... Mas a rádio preferida, em ondas curtas, para se ouvir, era a Aparecida. E quem mais ouvia era minha mãe até porque nesta época, meu pai ainda trabalhava na Estrada de Ferro. E a missão começava dez minutos antes do horário: sintonizar a rádio e rezar para o som permanecer limpo e claro. Claro que naquele tempo o rádio era a válvula... E como queimava a válvula do rádio... Quando estava perto do meio-dia, minha mãe já lembrava de que a rádio tinha de ser sintonizada. O programa era “Os ponteiros apontam para o infinito” com o padre Vitor Coelho de Almeida. Era um programa de oração de um padre que hoje tem processo de beatificação. Não mais do que quinze minutos de programa e depois era esperar 14 horas para ouvir “Marreta na bigorna” com Padre Rubem Galvão. A gente chamava de “padre bravo”, pois ele sempre tinha alguma coisa para criticar. Até por conta do nome do programa! Padre Vitor voltava às 15 horas, com “Consagração à Nossa Senhora Aparecida!” A rádio ainda tinha “Clube dos sócios” e uma rádio novela que não me recordo o nome, mas era baseada numa música. Sempre no dia 12 de outubro, o horário previsto para se ligar o rádio era de manhã, pois era importante, ao meio-dia, estar sintonizado para não perder a benção especial do Dia da Padroeira. Lá fora os rojões festejavam a data e padre Vitor, emocionado gritava “Viva Nossa Senhora Aparecida!”, “Viva a Padroeira do Brasil!”. Em casa, olhávamos um para outro e completávamos: “Viva!” E sempre, toda vez que a rádio estava sintonizada, era importante silêncio na sala! Às vezes o som sumia e vinha voltando bem baixinho e o silêncio ajudava a prestar atenção naquilo que o padre dizia. Hoje, pra sintonizar qualquer emissora de rádio, basta ter internet, entrar no site e ouvir o que deseja. Mas não há mais as orações de Padre Vitor nem as broncas do Padre Galvão!