segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

O Reveillon

Vendeu praticamente todos os bens que possuía, juntou o décimo terceiro salário, a economia que fizera durante o ano, tirou passaportes, juntou a família (mulher e dois filhos) e rumou para Paris, a cidade-luz. Iria realizar seu grande sonho: assistir, em Paris, o que ele considerava a maior festa de reveillon do mundo, com todas as luzes da cidade acesas, com as lojas iluminadas e uma grande queima de fogos. Era este seu sonho desde criança, quando viu, pela primeira vez na televisão, a festa dos franceses. E assim foi todo ano: a corrida de São Silvestre, para ele, não tinha a menor importância, o importante era ver a festa de Paris, mesmo que a televisão mostrasse apenas trinta segundos da mesma. Não tinha problema: o importante era ver a festa. E foi assim durante mais de trinta anos. Agora, com 45 anos de idade, filhos crescidos, dinheiro guardado, o sonho seria transformado em realidade. Iria ver, ao vivo, e à cores, diretamente de Paris, a festa que ele considerava a mais linda do mundo. Para ele, Carnaval era nada diante da beleza das luzes de Paris. O vôo até a capital francesa foi tranqüilo. A família estava feliz, realizada, e a chegada à cidade-luz foi um sonho real. Desceram no aeroporto e foram para o hotel. Chegaram dois dias antes da grande festa e poderiam fazer compras, mas preferiram ficar todo o tempo no hotel, “em regime de concentração”, esperando a hora da virada do ano, de ver as luzes se acenderem e ver Paris virar dia à meia-noite! O tempo passou logo e, lá pelas nove da noite do dia 31 de dezembro saíram do hotel e foram às ruas ver a festa. A alegria era grande no rosto de toda a família. Nas ruas, começaram a cruzar com pessoas, pessoas e mais pessoas. Todo mundo indo às ruas para festejar, para comemorar a chegada do ano novo. Primeiro, nosso herói deu uma “trombada” com um velho de bengala que caiu ao chão. Ao invés de socorrê-lo, nosso herói saiu do lugar, xingando. E foi xingando e trombando com outras pessoas que chegaram ao centro da cidade. Muita gente nas ruas. Carros buzinando e a família se aproximando, se aproximando, se aproximando e... recuando. Nosso herói pegou a mulher pelo braço, chamou os dois filhos de lado e reclamou: “tem muita gente aqui”. Os três olharam para ele, assustados com sua reação. Era quase onze horas da noite, a festa começava a “esquentar”, apesar do frio e da neve, mas nosso herói mudou o roteiro. Pegou a família, saiu pisando duro, com cara fechada e xingando “meio mundo”, e voltou ao hotel. Ali, ligou a televisão e viu, mais uma vez, ao vivo e à cores, a festa de reveillon mais linda do mundo: a festa de Paris. Era a mais importante da vida dele. E ele estava lá, em Paris, na cidade que tinha a mais linda festa de reveillon do mundo. Mesmo que ele estivesse assistindo tudo isso do hotel e pela televisão...

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Bodas de Ouro

Se existem músicas que marcam a vida de uma pessoa, pessoas marcam muito mais... mas a melodia é sempre o direcionamento. E só de ouvir a melodia, as lembranças resurgem, o tempo revigora. E a canção nos leva ao início, ao “onde tudo começou”. E Poços de Caldas não é tão longe assim. Era lá que os casais curtiam suas luas de mel, era lá o ponto turístico principal de São Paulo, Minas, Rio, de quase todo o Brasil. E foi lá que Virgínia e Décio se conheceram. E o começo, se não tinha cupido, tinha Gatão e Tia Cida. E foi há mais de meio século... Já parou para pensar? E os encontros começaram a ocorrer em Jundiaí, a vinda de Décio até a rua Frei Caneca, até o casamento há exatos 50 anos.Ela, uma linda menina, pois ainda não completara dezoito anos e ele com vinte e cinco homem independente vindo de Barretos morando sozinho em São Paulo , para a família uma preocupação pois se casando ela deixaria Jundiaí , mas era o sonho de Virginia ir para a capital. E assim foi. As viagens eram, agora, do casal para Jundiaí e isso significava que Rita e Márcia tinham que deixar o quarto onde dormiam para o novo casal. Era um festa ir para São Paulo visita-los, pois nosso querido pai Alcides era guarda trem e a família viajava de graça,e eles tinham televisão e moravam em apartamento na época era um luxo. Após dois anos a família cresce, claro! Sempre com as bênçãos e graças de Deus. E, com a chegada de Vinícius, o primeiro neto de Alcides e Graciosa, quem perde o lugar de rainha é a Rita que, com seus sete anos se sente rejeitada. Agora, o espaço é de Vinícius... Claro que tudo isso, gerado pelo ciúme infantil, mas Rita e Vinícius sempre brincaram juntos e é coberto de mimos pela tia Márcia que gastava seus trocados em carrinhos de plástico comprado na feira. E Vinícius cresce, a vida passa, os anos passam... dez anos , vinte anos , trinta anos... quarenta anos de casados... Teríamos muita coisa para falar deste casal, mas o essencial é que hoje comemoramos seus 50 anos de união com altos e baixos tristezas e alegrias e por fim uma grande vitória pois 50 anos de casamento isso sim hoje é uma raridade ou um desafio nos nossos tempos. Sempre se percebe a presença de Deus em cada momento, em cada ação. A vida nos proporciona sempre grandes e inesquecíveis momentos. Se há uma serenata ao luar e o luar de hoje é propício para isso, brindemos a Deus, brindemos a cada um de nós as alegrias de cinquenta anos de convívio, alegrias e amor de Décio e Virginia. (homenagem aos 50 anos de casamento de Décio e Virginia Araújo comemorados no dia 21 último)

sábado, 14 de dezembro de 2013

À procura de amor!

Quando o sol cedeu seu lugar à noite e partiu para seu descanso, ele apanhou seus apetrechos e iniciou sua volta ao lar. A caminhada era longa, cansativa, e ele não tinha esperança de chegar em casa antes da meia-noite. Colocou nas costas uma sacola de roupas que ganhara de uma família, juntou nas mãos duas sacolinhas de alimentos e iniciou a caminhada. Uma chuva o impediu de caminhar mais rapidamente, mas ele só queria chegar em casa. A procura por um emprego foi, mais uma vez, desgastante. Enquanto esperava, debaixo de um abrigo de ônibus pela melhora do tempo, percebeu que o movimento nas ruas era grande: carros passando, buzinando, pessoas se saudando. Foi então que lembrou que aquela noite era importante: era noite de Natal! Era dia de confraternização, de abraços de paz, de amor, de felicidade! Acelerou o passo para chegar logo em casa e foi cruzando com pessoas pelo caminho: algumas carregando pacotes com presentes, outras sorriam e se abraçavam, desejando feliz Natal. Nas casas, os pisca-piscas avisavam que ali era noite de festa. Lembrou dos cânticos natalinos de sua infância e juventude e sentiu duas lágrimas fugirem de seus olhos, quando percebeu que há muito tempo não comemorava um Natal. E sorriu! Sorriu porque teve uma brilhante ideia: pedir um prato aqui e outro acolá de comida quente, de comida preparada pelas famílias para festejarem o nascimento de Jesus. Fez o sinal da cruz e bateu na primeira casa. Quando alguém espiou pela janela, pediu: “tem um prato de comida para três crianças famintas?” A resposta foi um fechar brusco da janela. E voltou a caminhar. Bateu em mais uma, duas, três casas e percebeu que as pessoas não tinham nada a lhe oferecer. Sentiu dentro de seu coração a mesma tristeza do casal José e Maria quando procuravam um abrigo para o filho que iria nascer naquela noite. Sorriu de tristeza ao se comparar com este casal e percebeu que não tinha o direito de bater nas casas, pedindo comida, pois as pessoas estavam ocupadas, preparando as trocas de presentes. A chuva já havia passado e, quando fez a curva na última esquina, avistou seu barraco iluminado, coisa que não via há tanto tempo. Preocupou-se com a saúde de algum dos filhos e correu, imaginando uma notícia dolorida naquela noite em que o mundo festejava e ele já não sabia o quê, pois se fosse o nascimento de Cristo, deveria haver amor entre as pessoas, mas não foi isso que sentiu quando bateu de porta em porta. Só parou de correr quando colocou a mão no trinco da porta e se lembrou das sacolinhas sobre os ombros. Colocou-as no chão, forçou a porta e entrou! Mais lágrimas fugiram de seus olhos naquele momento, mas sentiu um aperto forte no coração: ao redor de uma pequena mesa, viu os filhos e a mulher e comida, muita comida! Esfregou os olhos para ver melhor e notou a presença das famílias dos barracos vizinhos. Todos haviam juntado um pouco do quase nada que tinham e se reuniram em sua casa para comemorar o nascimento do menino Deus. Abraçou os filhos soluçando, sabendo que não tinha como segurar as lágrimas, agradeceu ao aniversariante daquela noite e procurou esquecer os ricos sem tempo que cruzou pela estrada e que não tinham nada para lhe oferecer. Foi em sua casa que encontrou união, afeto, amor. Foi em sua casa que percebeu que, ali sim, havia um Cristo nascendo no coração de cada um. E comemorou o nascimento deste Cristo, com a certeza de que, nesta noite, a vida, para todas estas pessoas, seria melhor! (2° lugar no II Concurso Histórias de Natal do Movimento Vida Cristã, de 2004)

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Quando um gibi de Pedrão valia por dois! – No meu tempo de criança (VI)

Colecionar gibis, na década de 1960 era, para Pedrão que na época era Pedrinho, era “mil vezes melhor do que colecionar figurinhas...” Na verdade, não era bem colecionar gibis. O importante era a troca e o local onde isso acontecia. Pedrão sabia que valia a pena carregar dezenas de gibis, por quarteirões, sempre a pé, até chegar ao cinema. O saguão do cinema, uma hora antes do filme, repleto de meninos colecionadores, era o palco ideal para a troca de gibis. O filme era o menos importante. O que valia era a troca de gibis. E Pedrão já tinha lido, relido e até pintado as revistinhas em preto e branco que carregava. Flecha Ligeira, Roy Rogers, O Fantasma, Mandrake, Os sobrinhos do Capitão, Tio Patinhas, Pinduca, Recruta Zero, Popeye, Batman... ufa! Doado o que era seu e recebido o que não tinha lido. Claro que não havia preços, valores em dinheiro, mas havia fórmulas: um almanaque valia cinco, um extra ou bi valia dois. Ir ao cinema com trinta gibis e voltar com tantos outros diferentes era, realmente, uma aventura e tanto! E aquela troca fazia cosquinha! Claro que fazia... E entrar no cinema, ver o filme com as novidades debaixo do braço. Vontade de folhear, de ler, de ver, de sentir o novo... E isso só ia acontecer duas horas depois, chegando em casa, afinal as luzes do cinema se apagam, os gibis se amontoam colados no corpo e Pedrão suspira, transpira, nem percebe o que aparece na tela... Enfim, quanta alegria! Finalmente em casa!!! Estórias novas, personagens desconhecidos, mundos e situações estranhas e alucinantes. A leitura dos magazines ensina Pedrão que existe o bem contra o mal, a justiça contra a injustiça e que heróis não precisam ser espetaculares! E lá vem a noite e as emoções de nosso personagem se misturam com seus heróis, muitos deles apresentados no final da tarde, depois da matinê. As emoções surgem nos sonhos ao se deitar. E Pedrão sonha com ataques de índios, bala de prata do Zorro, a caixa-forte do Patinhas, a identidade secreta do Fantasma, a mala de detetive do Gilberto, sobrinho do Pateta, o quartel do Sargento Tainha... E tudo como num sonho, contar mais sete dias, ler as novas aventuras, reler as emoções... E como emoções em crianças são mais fortes. Pedrão, ainda Pedrinho, conta segunda, terça, quarta... e chega o novo final de semana, gibis separados, preparados, o caminho do cinema. De novo, sem viver as emoções da tela, mas na busca de outros gibis. O que importa é a emoção da troca, a sensação do novo, do diferente e o folhear de páginas desenhadas e desejadas. Como se o próprio Pedrão se transformasse em personagem. Só pra ser gibi uma vez! (Uma história de Pedro Luiz Oliveira. Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Pura e sua família certa - No meu tempo de criança (V)

Pura, que nasceu Purificacion, nasceu em Granada, na Espanha, na metade da década de 1940. Claro que veio morar no Brasil, que constituiu aqui sua família, hoje com filhos e netos, mas relembrar de Granada, dos pais, dos irmãos... E as lembranças da infância de Pura não inúmeras, principalmente porque eram em 11 irmãos e ela, por conta do destino, era a caçula. E como caçula tem mais histórias que os outros... E como criança acredita no que ouve... incrível!!! E a pureza se confunde com o nome e a delicadeza de Purificacion mexe com sua preocupação. E é lá nos anos da década de 1950 que suas irmãs começaram a dizer que ela não era filha de seus pais e sim de uma família de ciganos que morava perto deles. Elas diziam que Pura tinha sido abandonada na porta da casa e isto a fazia chorar, chorar e chorar. Afinal, como criança, ela acreditava naquilo que as irmãs contavam. Afinal... e Pura se lembra muito bem disso, era diferente de todos: loira de olhos verdes... Nada desta história de “raspa de tacho”, de ser a mais feinha. Nada disso: Pura era uma criança linda! E o nome justificava seu jeito de ser: pura. Sempre! Um dia... um belo e triste dia... Pura decide mudar o destino de sua vida. Achando que realmente não era filha dos pais com quem vivia, arrumou as roupas numa cesta e foi embora de casa, com as irmãs mais velhas dando a maior força. Esta foi a parte triste do dia, a parte bela começa quando o pai – este que convivia com ela, que a carregava no colo, que brincava com ela – fica sabendo da partida de Pura. E lá vai ele em busca da filha sumida! A encontra oito quilômetros longe de casa. Na volta ao lar, o velho Rueda reune os filhos, dá umas boas palpadas em todos, inclusive na caçula e pronto! Ah este sangue espanhol!!! O acreditar passa por isso: por conta da busca implacável daquele senhor e das boas palmadas, como chamando a atenção de todos. Nunca mais se falou sobre isso e Pura acreditou ser filha do casal Rueda que ela amava tanto e que a deixava preocupada em imaginar que não tivesse ligação com eles. E como são belas as recordações de família: das tristezas que viram alegrias, das dúvidas que viram certezas e da pureza que vira Pura! Sempre Pura! (Uma história de Purificacion Rueda Perboni. Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

As esperadas viagens de Juliana – (No meu tempo de criança (IV)

Morar em uma cidade e ter parentes em outra chega a se transformar num desejo constante de viajar. Mas quando a viagem ocorre, com certeza, uma vez por ano, a aproximação da data acaba criando uma sensação que vai da expectativa ao sonho do encontro. E Juliana não via a hora de tomar o avião e visitar avós, tios e primas. O curioso é que, morando em Salvador, Bahia, fazia, no final do ano, a viagem inversa de quem quer conhecer uma cidade turística e curtir praias e pontos curiosos: embarcava no aeroporto desta cidade e tinha como destino São Paulo e, em seguida, viajar até Jundiaí onde estavam os referidos parentes. E todo final de ano era parecido: ela e os irmãos começavam a contar os dias e as noites para chegar a data da viagem a Jundiaí. Ela se lembra que todos contavam mais as noites, pois ainda não tinham noção da duração de um dia e ficavam esperando a noite chegar para saber que já podia contar um dia a menos na nossa espera. E a conversa destas crianças, exatamente no final da década de 1970 e toda a década de 1980 era sempre assim: Falta dormir quantos dias para viajar? E era assim: toda vez que se fazia esta pergunta, a ansiedade aumentava. Afinal, ficar um ano sem ver parentes tão queridos, toda vez que o fim de ano se aproximava, a alegria do reencontro criava um clima cheio de sensações diferentes. E os irmãos faziam questão de planejar e organizar tudo com antecedência. E não eram poucos os irmãos: Fabiana, Juliana, Mariana, João Paulo e Tatiana. Claro que na década de 1970, eram apenas as duas primeiras a se empolgar com as viagens. Mariana chegou no final da década, enquanto João Paulo e Tatiana passaram a fazer parte do time nos anos de 1980. E Juliana se lembra de detalhes incríveis: ela fazia até uma lista de roupas e objetos que deveria levar na viagem. E tudo isso, claro, com antecedência, para não esquecer de nada. Para os irmãos este era o grande evento do ano: compravam roupas novas ou até contratavam uma costureira para fazer “sob medida”. Afinal, era tempo de férias, de rever avós, tios, amigos e os primos que vinham chegando e fazendo a família aumentar. Claro que Juliana tem muitas histórias pra contar destas viagens, das muitas brincadeiras, dos muitos passeios, mas a reunião em família, o abraço na chegada, a ansiedade em contar primeiro as novidades são lembranças que ela não esquece. Claro também que as viagens continuam ocorrendo apenas na memória de Juliana. Mas existe nela a certeza de que as coisas boas da vida são doces e se transformam em gosto de quero mais. Mesmo que seja em doces recordações! (Uma história de Juliana Manzatto, texto de Nelson Manzatto)

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

De como a pitanga se eterniza na memória de Ester - “No meu tempo de criança” (III)

Não tinha porque ser diferente: rua das Pitangueiras só podia ter este nome por causa da grande quantidade de pés da fruta. Mas antes que a rua fosse cortada por avenida, as crianças que moravam naquela região se divertiam saboreando a fruta. Isso acontecia lá pelo final da década de 1960, início da de 1970. E a diversão envolvia Ester e seu grupo de amigos e amigas. Para quem não conhece, a rua das Pitangueiras, em Jundiaí, está na região do Vianelo, bem no entorno do Hospital que leva o nome da fruta e que pertence ao grupo Sobam. A brincadeira era simples, mas muito saborosa: Uma das crianças do grupo era escolhida para fazer a parte ruim para ela da brincadeira: enquanto as outras se juntavam debaixo de uma das pitangueiras. Olhos fixos na árvore e boca aberta. O objetivo do jogo era um só: a criança que não se posicionara debaixo da pitangueira, chacoalhava a mesma e as outras crianças corriam em busca da fruta, mas deveriam pegá-la com a boca! Ganhava a brincadeira, quem conseguisse pegar mais pitangas com a boca. Quem pegasse a quantidade menor da fruta, chacoalhava a árvore na rodada seguinte... E haja pitangas para serem devoradas pelo bando de crianças felizes!!! Ester nasceu ali, cresceu ali, viveu nesta região uma das melhores fases de sua vida. Haviam dias de se curtir a natureza por parte destas crianças: sentavam na calçada e ficavam vendo os pássaros cantando nos galhos, atraídos pelas frutas. E eram estas crianças e estes mesmos pássaros que muitos dias disputavam as frutas no pé. Claro que sabemos que as árvores não são eternas, que os pássaros que pousam em seus galhos têm um tempo limitado de vida e que as crianças crescem, mudam, buscam outros ares e o local, por conta do progresso se transforma. E hoje, ao cruzar aquela rua, a mesma rua das brincadeiras de “cata pitanga” que Ester se depara com uma nova realidade: algumas destas árvores foram queimadas, outras arrancadas e outras, incrivelmente envenenadas. E a rua se transformou! Aquelas dezenas de pés de pitanga deixaram de existir. Somente uma está lá hoje, para fazer Ester se recordar de um passado maravilhoso. E toda vez que passa por ali parece que ainda sente o gosto das pitangas em sua boca. E se Ester pudesse resumir uma cor, um sabor, um aroma de infância, certamente isto tudo seria de pitanga! (Uma história de Ester Benessutti; Texto: Nelson Manzatto)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Quando Tarzan enriquecia a vida de Josyanne! - “No meu tempo de criança” (II)

Brincar nas ruas do Umarizal, em Belém do Pará, era a realização de Josyanne. Para ela não importava quantas pessoas faziam parte de seu grupo de amigos na brincadeira. Podia até brincar sozinha! Afinal, ser criança é um sonho eterno de todos os humanos e crescer era tentar fazer o tempo voltar. Só pra brincar na rua outra vez... Num bairro onde o meio ambiente era parte da vida de todos, as árvores que floriam a rua onde a avó de Josyanne morava eram sua realização. Principalmente quando o caminhão da Prefeitura passava por ali e podava os galhos maiores, para deixar a rua mais limpa e as árvores mais frondosas. E era neste ponto que Josyanne se transformava! Árvores podadas, galhos deixados na calçada para outro grupo de funcionários fazer a limpeza, e Josyanne “virava Jane”, principalmente porque adorava os filmes de Tarzan e se metia no meio dos galhos e, “fazendo charminho” não escolhia ninguém para viver esta aventura com ela, brincando de “casinha” no meio dos galhos. As folhas das árvores eram como se fossem a cobertura de sua casinha e sua alegria era sonhar no meio de tanto verde. Mas... ah! Como existe sempre um mas... A brincadeira de Josyanne terminava e saia ela do meio dos galhos, com seus longos cabelos enfeitados de folhas... Podia até ser motivo de alegria estas folhas, mas não... não eram! Elas vinham enroscadas no cabelo e recheadas do inseto “maria-fedida”. Era a grande dor de Josyanne. As lágrimas rolavam por seus olhos por conta da gozação dos amiguinhos que se vingavam dela, já que não foram convidados para participar de sua “aventura” no meio dos galhos... Como se eles não fossem sair dali recheados de “maria-fedida”! Hoje, morando em Jundiaí, Josyanne pouco vai a Belém. Mas ela sabe que restam poucas das casas de seu tempo de criança. O local está cheio de prédios e mangueiras seculares tomando conta das grandes avenidas. Mas cada vez que alguém fala de Belém, de Pará ou de “maria-fedida”, os olhos de Josyanne se enchem de brilho. Um brilho úmido e cheio de saudade, transformando a doçura e a inocência de uma criança em um tempo que não volta mais. Apenas na doce lembrança de quem soube criar uma aventura num monte de galhos. Mesmo que isso lhe trouxesse uma marca triste, mas havia a esperança de que, em breve, o caminhão da Prefeitura estaria ali de novo, para cortar galhos e lhe permitir ser Jane outra vez. Só pra se aventurar no universo do faz de conta! (Uma história de Josyanne Rita de Arruda Franco; Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O vendedor da revista Ave Maria

A visita acontecia apenas uma vez por ano e a gente sabia que ela seria entre setembro e outubro. E o visitante tinha um objetivo: vender assinaturas da revista “Ave Maria”. Vender não era bem o termo, mas renovar o que minha mãe já fazia há anos! E líamos seu conteúdo porque, no final da década de 1950 e início da de 1960 e igreja era totalmente fechada aos fiéis e as revistas religiosas seriam para contar histórias de santos, milagres acontecidos e fotos que era o que gostávamos de ver. Mas o que acabava sempre provocando alguma briga entre os filhos de dona Angelina eram as palavras cruzadas e piadas que vinham publicadas na penúltima página da revista. Quando ouvíamos o bater palmas no portão e, pela janela da sala, víamos que era o homem de barbas brancas, batina marrom e um cinto branco com uma pasta preta nas mãos, sabíamos que era o vendedor da assinatura. Era hora de correr ao portão, beijar a mão do frei e trazê-lo para dentro de casa. A partir daí, a conversa era entre ele e minha mãe. Não participávamos da “negociação”. Mas a gente sabia que dona Angelina pagava a assinatura à vista e em dinheiro, principalmente porque o pagamento de meu pai vinha no bolso da calça e, em casa, era guardado em uma cômoda, na sala, no meio de uma revista “O Cruzeiro” onde meu pai guardava também os documentos, principalmente as certidões de nascimento dos filhos. Outra parte do pagamento ficava no quarto, no criado-mudo. Nunca debaixo do colchão... Depois que minha mãe definia os valores da assinatura e a contribuição para os freis, ela chamava os filhos à sala. Um a um tomávamos a benção do mesmo que passava a mão sobre nossas cabeças, fazendo uma leve cruz. Em seguida, abria a pasta preta e, como num passe de mágica, tirava de dentro delas, santinhos, medalhinhas, terços, folhetos com orações e pequenas imagens de santos. “Um apenas cada um”, dizia minha mãe. O frei sorria e quem escolhia uma medalhinha, ganhava um santinho. Mas pequena imagem não tinha como: era uma apenas e para todos. Santinhos escolhidos, medalhinhas separadas, esperávamos a benção do frei que retirava da bolsa uma garrafinha com água benta e, além das figuras dos santos, todos nós éramos abençoados. Bolsa fechada era hora da partida! Acompanhávamos o frei até o portão que, mais uma vez abençoava a todos. Depois da despedida, corríamos para dentro e ver o que cada irmão tinha escolhido e já trocando ideias para o que pedir ao frei na próxima visita. Mesmo sabendo que ela aconteceria somente um ano depois...

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

“No meu tempo de criança” (I) As conquistas de Alcides

Quem ouvia Alcides contar histórias, sabia que tudo era verdade, pois ele fazia questão de dar detalhes, de explicar a rua, as pessoas envolvidas, até as roupas que usava. E olha que as histórias não aconteceram ontem ou anteontem. Claro que Alcides se foi, não está mais aqui, mas foram quase 94 anos de muitas histórias, muitas delas recheadas de humor! Estudar teve pouca oportunidade, tanto que só fez o primário. “Estudei até o quarto ano”, costumava dizer. Seu primeiro trabalho foi ser barbeiro, mas a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí o chamou e foi ser guarda trem. Mas suas histórias de infância jamais serão esquecidas e se o título deste texto fosse “Peralcides”, podem ter certeza de que era isso mesmo: “Peraltices de Alcides”, tantas foram as artes que fazia. “Bater o pé da aula” era comum no seu tempo, assim como no tempo de todos nós. Mas as peraltices eram muitas quando ele e os amigos decidiam faltar da escola. Coisa de criança nem sempre é feita com maldade... mas para os envolvidos, “era maldade pura”, no modo de agir e pensar. E o grupo de amigos que decidia faltar à aula não tinha duas ou três pessoas. Eram oito, nove, dez. A classe, neste dia, ficava praticamente vazia. Morador da rua Regente Feijó, na Vila Arens, passou a infância neste bairro. Aliás, casou e viveu no bairro até mais de 60 anos e seu lazer favorito, quando pequeno era nadar! Junto com os amigos lá ia ele em busca da lagoa, perto da Vulcabrás que, imagino, nem existia na década de 1930. Perto da escola, já passava em algumas casas do bairro, roubava frutas das árvores e saía correndo, pois percebia a presença de alguém no local. E iam rindo da conquista. Não foram poucas as vezes que foi flagrado pela dona da casa na árvore colhendo frutas. Os amigos já tinham conseguido fugir, mas ele – sempre ele – ficava para trás. Não por ser o menor da turma, mas por querer mais... Apanhava da professora por faltar à aula e, depois, a mãe lhe puxava a orelha, pois ficava sabendo do fato. Certa vez o apagador “voou” da mão da professora, lhe atingindo a cabeça, assustando a todos, pois provocou um ferimento, chegando a sangrar. E outras vezes, ao invés de fruta, a ação a ser desenvolvida era outra: invadir o galinheiro e roubar ovos... E aí, o grupo atravessava a linha – e talvez isso o fez gostar tanto de trens... – e se dirigia para a lagoa. Mas quem acha que a ação terminava com o banho apenas, está enganado. No caminho para o local do banho o grupo encontrava latas – a maioria de banha, produto muito comum na época – e ali eram colocados os ovos. O grupo abastecia a lata com água, improvisava uma fogueira e colocavam os ovos para cozinhar. Enquanto isso, o grupo se divertia na lagoa. Banho tomado, rumo da casa... Mas antes, todos sentados ao redor da fogueira, comiam os ovos cozidos. Ao chegar em casa, sua mãe, ao perceber os cabelos despenteados e molhados lhe dava outra surra. Mas como ele dizia, apanhar da mãe não doía, o importante eram as conquistas daquele dia. (história vivida por Alcides Crivelaro “in memorian”. Homenagem especial na estreia do projeto)

domingo, 6 de outubro de 2013

A visita dos “Capuchinhos”

Posso estar equivocado, mas foi em 1961 que os missionários “Capuchinhos” estiveram em Jundiaí, mais precisamente na Igreja da Vila Arens, para uma visita. Claro que ela só podia ser de missões... E me lembrei disso porque estamos em outubro, o chamado “Mês das missões”. O movimento na Paróquia foi enorme. Visitas às casas, às escolas e celebrações todos os dias, além de reuniões e encontros com os missionários. Hábito marrom, cinto branco, prá realçar, na cintura e sandálias nos pés. Maioria deles com barba e sempre um sorriso permanente nos lábios. Antes da missa das crianças, no domingo, lá estava um deles no púlpito, ensaiando com todos. Objetivo era tornar a celebração mais alegre! E sempre um cântico novo. Mas desde o primeiro ensaio até o dia de irem embora, a música que mais marcou minha vida foi “Mãezinha do céu”. Claro que não me lembro os nomes dos missionários, mas o que ensaiava já chegava, da Sacristia, com o microfone na mão cantando “Mãezinha do céu eu não sei rezar, eu só sei dizer quero te amar, azul é teu manto, branco é teu véu, mãezinha eu quero te ver lá no céu...” e o coro de crianças arrepiava a igreja. Literalmente! Quando terminávamos de cantar e olhávamos um para outro haviam lágrimas nos olhos, os rostos estavam vermelhos, haviam crianças soluçando de emoção... E vinha a celebração, mais cânticos e a Paróquia ganhou de presente uma imagem de Jesus Crucificado que desceria da cruz na Semana Santa. Esta imagem fora colocada na porta central da igreja, com uma placa impressa, informando a época da visita. E outro dia, quando me lembrei das missões, corri até a Igreja à procura da imagem. Como não frequento mais esta igreja, já que morro em outro bairro, imaginei que a imagem estivesse ali, ainda. Mas não estava mais. Mas me lembrei da visita dos capuchinhos, da visita à escola, ao Grupo Escolar Paulo Mendes Silva. Na hora das classes formarem fila antes de seguir para a sala de aulas, à espera das professoras, o que vimos foi um grupo de capuchinhos seguindo em fila e puxando o cântico “Mãezinha do céu eu não sei rezar...” Confesso que até hoje talvez não tenha aprendido a rezar direito, divagando nos meus pedidos, nas minhas lamentações. Mas toda vez que ouço este cântico, toda vez que a Igreja fala em missões, me lembro do trabalho destes homens de Deus, pregando a palavra e deixando uma mensagem especial nos nossos corações...

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Colecionando figurinhas!!!

Colecionar figurinhas não era coisa fácil! Principalmente quando os álbuns a serem preenchidos eram de jogadores e times de futebol. Final dos anos 1950 e início dos anos seguintes, figurinha carimbada e assinada eram coisas difíceis de encontrar. Por isso até hoje se ouve dizer que “fulano é figurinha carimbada...”Apesar de, agora, ter significado diferente, ou seja: parecido com “arroz de festa”, que está em todas... Mas colecionar figurinhas era realmente interessante, empolgante. Mas em casa, quem fazia isso era meu irmão mais velho, o Ademir. Eu ficava na cola... Tentando descobrir quem tinha uma que faltava para preencher uma página ou até tentando ganhar. É que “bater bafo” era algo especial, diferente!!! Não era bom nisso, mas conhecia as “manhas” da brincadeira... Difícil é explicar prá quem não sabe o que era “bater bafo”, mas amontoava-se as figurinhas apostadas, com os personagens de rosto escondido. Com a palma da mão batia-se no monte e as figurinhas que virassem do outro lado, seriam ganhas pelo batedor. Álbuns de jogadores tinham prêmios ou quando se enchia a página ou quando de conseguia uma figurinha carimbada ou assinada. E a gente sabia quais eram estas figurinhas... Numa roda de trocas, buscava-se as mais difíceis. Era comum trocar uma figurinha difícil, por dez, vinte, cinquenta das fáceis. Mas me lembro que nunca conseguimos preencher um desses álbuns de jogadores e times de futebol. Haviam figurinhas que faziam história. E foi nesta época que foram lançadas as figurinhas sobre o filme “Ben Hur” e “Os dez mandamentos”. Estes filmes foram grandes sucessos nesta época. Tinham mais de quatro horas de duração! Por conta do tempo, os cinemas proporcionavam dez minutos de intervalo durante a exibição, para proporcionar descanso ao público. Nem estes álbuns conseguimos preencher. Nos dois, me lembro, ficaram faltando uma figurinha cada. Percorremos bancas da cidade, escrevemos para a empresa responsável pela distribuição. Não conseguimos completar tais álbuns... Mas era divertido colecionar figurinhas, principalmente se eram carimbadas. Assinadas então... Era motivo de festa!

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pena de ouro!

Passava pela adolescência quando o Brasil viveu a revolução de 1964 e, parecia, tudo ia melhorar... Dizia-se que tínhamos que ser patriotas e ajudar o país a sair da situação difícil em que se encontrava. Via-se soldados de prontidão nos quartéis ou com seus veículos oficiais circulando pelas cidades. Dizia-se que a democracia vinha para ficar. Jango deposto, Castelo Branco assumindo e o país mudando de cara... Para quem nunca tinha ouvido falar em política ou discutido o assunto, parecia tudo novidade, mas a intenção, então, era se inteirar do que estava acontecendo. Claro que o país passou pelo que passou, convivemos durante mais de 20 anos de ditadura militar, a democracia, enfim, retomou seu lugar, mas me lembro de um fato que marcou o ano em que a revolução começou. Rádio, jornal e a televisão, que ainda não tinha tomado conta do país, começaram a abordar o assunto: era fundamental salvar o Brasil! A imprensa dizia que a dívida externa tinha deixado o Brasil à beira da falência e que, como patriotas, tínhamos que mudar esta situação! E veio a campanha “Dê ouro para o bem do Brasil!” E a população saiu às ruas disposta a colaborar. Casais doavam suas alianças de casamento para ajudar, moças doavam pulseiras e correntes, enfim qualquer pedaço de ouro ajudava a salvar o Brasil. Quem participava, ganhava um anel de metal, onde estava grafada a frase “Dei ouro para o bem do Brasil”. Revirei minhas coisas para ver se tinha algo de ouro para participar da campanha. Também queria ajudar meu país. E na minha busca, encontrei uma pena de ouro que tinha sido usada nos primeiros anos do primário, depois de usar caneta de pau. Para quem não sabe, escrevíamos apenas a lápis e não podia haver erros: apagávamos com as borrachas até “pegar prática” de escrever, e depois começávamos a usar caneta de pau. Levávamos tinteiro à escola e sempre fazíamos a maior sujeira, mas existia o mata borrão que ajudava a limpar a tinta que sujava os cadernos. Mas não tinha mata borrão que salvasse quando o tinteiro caía e derramava tinta no uniforme... E depois da caneta de pau, começamos a usar caneta tinteiro e este não podia ir à escola. Exatamente para evitar a sujeira... Caneta saía de casa com a carga cheia e problema resolvido. Mas as penas não eram eternas e, na hora de escrever, de forçar no papel, era comum elas estourarem a ponta e não tinha mais como escrever, pois a letra ganhava dupla imagem, parecendo ao leitor que estava com a vista embaçada. E o destino da pena era o lixo. Não me lembro a origem desta pena de ouro, talvez tenha sido usada por meus irmãos mais velhos, ante de chegar às minhas mãos e fui responsável por seu fim de vida. Mas ela estava lá, guardadinha: a pena de ouro que tinha sido usada na caneta Parker. E a levei ao ponto de recolhimento das peças de ouro: no Solar do Barão, no Centro da cidade. Uma enorme balança registrava o peso de cada peça de ouro colocada no cofre. Claro que a pena de ouro não fez o ponteiro da balança se mexer, mas o anel de metal, colocado em meu dedo foi motivo de minha satisfação de ter ajudado o Brasil naquela ocasião. Claro que o total arrecadado nunca foi corretamente divulgado. Claro também que as doações não foram suficientes para reduzir a dívida do Brasil, pois ela crescia para todo mundo ver. Não tenho ideia, hoje, de onde aquele anel foi parar, nem sei se alguém ainda tem um parecido, guardado pela benfeitoria feita, mas sinto saudade da pena de ouro, cujo destino poderia ter sido outro...

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

O grande envelope de Ademir Fernandes

Conheci Ademir Fernandes no início da década de 1970. Enquanto eu era revisor no Jornal da Cidade, Ademir era o responsável pela área esportiva, praticamente cuidando de tudo sozinho. “Mosaico Esportivo”, um dos espaços mais lidos do jornal, era sua principal coluna e publicada todos os dias. Foi nesta mesma década que ele começou a viajar para São Paulo, trabalhando, inicialmente nos domingos no Jornal da Tarde. Uma legião de jornalistas de Jundiaí fazia viagem a São Paulo. Alguns trabalhando diariamente, outros acompanhando Ademir nos finais de semana. Brincalhão, alegre, Ademir fazia piada com tudo, até mesmo com seu grande Palmeiras e tinha um coração maior que seus quase dois metros de altura: ensinava os outros, orientava os principiantes e se divertia com o bom time de seu coração naquela época e com o Paulista de Jundiaí. As viagens viraram diárias, com o passar do tempo e ele deixou o Jornal da Cidade. Nossas conversas se resumiam a um ou outro telefonema e quando me mudei para Campinas, viraram saudade. Mas como o mundo não para de girar, voltei para Jundiaí e reencontrei Ademir que agora fazia o papel inverso: trabalhava todo dia em São Paulo e passava algumas horas no Jornal de Jundiaí. Uma das grandes histórias de humor de Ademir, ele me contou no mesmo dia em que relatou uma reportagem que fizera sobre um jogo do Palmeiras e colocou uma entrevista comigo, como torcedor, depois de uma vitória de nosso time. Claro que a entrevista nunca aconteceu, mas rimos muito desta passagem. E ele completou, relatando seu dia a dia em São Paulo. Conta ele que todo dia viajava com um grande envelope amarelo debaixo do braço, sempre com papéis de trabalho. Ou que trazia para resolver por aqui ou que levava pronto para lá. E numa sexta-feira, como precisava retonar a São Paulo no dia seguinte, o envelope ficou numa de suas gavetas e lá foi ele para a Marginal do rio Tietê, esperar pelo Cometa passar. Por conta do horário, o motorista, diz ele, praticamente era o mesmo todas as noites. O que, imaginava ele, fosse conhecido. Até porque, entrar, pagar passagem, esperar troco, trocar algumas palavras com o motorista, imaginava Ademir que tinha uma amizade grande com o condutor do veículo. Mas nesta sexta-feira, Ademir quase fez um escândalo na Marginal. O ônibus não parou para ele, apesar dos acenos com as duas mãos e quase entrar na avenida. Foi alguém, dentro do ônibus que alertou o motorista para o passageiro desesperado. Quando entrou no ônibus, o motorista se desculpou, alegando que não viu o envelope amarelo debaixo do braço. Ademir sorriu, pagou a passagem, encontrou um lugar para sentar, e comentou com o passageiro do lado: “Pensei que o motorista me conhecesse, nestes anos todos, mas ele conhecia o envelope, não a mim...” A vida porém nos prega peças tristes e terríveis. E Ademir foi embora mais cedo do que todos esperavam, vencido por um câncer. Mas deixou em todos uma saudade muito grande. Até quem não torcia para o seu Palmeiras, aprendeu a gostar do time. Exatamente por causa do jeito de ser deste grande Ademir!

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O bar último gole

Já comentei aqui sobre os bares da vida. Parece que, falando assim, sou frequentador dos mesmos. Mas preciso ser sincero: frequentei sim, muitos bares! Principalmente na infância e depois na juventude. Mas tem um bar que sempre ouvi falar, nunca frequentei, nunca soube exatamente onde era e nem sei se ainda existe, mas a verdade é que seu nome sempre me chamou a atenção! Já comentei aqui do bar do Bizuca, perto da Sifco, do bar do Engholm, em frente ao antigo campo, em frente às casas da Vila Agrícola, onde ocorriam muitos dos jogos Rua de Baixo contra rua de Cima. Falei também do bar do Japonês, em frente à Sifco, onde saboreava o melhor sorvete de coco queimado e outros bares de nomes desconhecidos. Mas como disse, este bar tinha um nome sugestivo, tudo a ver com sua localização: Bar Último Gole! Sei que existem alguns bares com este nome por ai, mas nenhum tão antigo como o que ouvi dizer, já que teria hoje mais de 50 anos. Sei também que o nome deve ser tão sugestivo quando o de Jundiaí, por ser o último! Não haver nenhum depois dele naquela região, rua ou cidade. E meu irmão mais velho, Ademir, foi quem me explicou um dia sobre ele: ficava na Estrada Velha de São Paulo, no Castanho, na divisa da cidade. “É o último bar da cidade, então, quem passa por ele não tem mais, aqui, onde beber, então toma, ali, o último gole”. Explicação clara, lógica, sem ter como contestar. Hoje, sem motivo algum, principalmente por não ser frequentador deste ambiente, mas sem discriminação aos usuários, me lembrei do “Último gole”. Pensei em percorrer a estrada, em busca do mesmo, mas não teria certeza de encontrar o mesmo, principalmente, como já disse, por não saber sua localização exata. Mas confesso que acabei rindo sozinho da inteligência do ser humano e ter a certeza de que o marketing já era grande há 50 anos.

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

As muitas vidas de Puppy

Se é verdade que gatos têm sete vidas, com certeza, Puppy não ficou muito atrás disso e nem era deste gênero animal. Até porque era comum ouvi-lo latindo, o que significava que era um cão... Filhote de perdigueiro com vira-lata ou qualquer cão com raça indefinida, Pyppy chegou em casa com um currículo invejável: tinha sido envenenado duas vezes. Mas estava ali, firme, forte, como se nada tivesse acontecido! Cão de grande porte, branco, com manchas amarelas e marrons pelo corpo, Puppy foi morar com minha família em Campinas, depois da morte de Pituca, uma cachorrinha pequinês que morrera, fazia pouco tempo, envenenada! E Puppy chegou no final dos anos 80, quando a casa de minha família, em Jundiaí, foi vendida e meus irmãos e meu pai foram morar num imóvel menor. E Puppy se adaptou facilmente à nova vida. Dócil, Puppy sempre se sujeitou a coisas que poderiam parecer impossíveis, como por exemplo brincar de cavalinho com meu filho de três, quatro e depois cinco, seis anos... Sua alegria era passear pela casa, mas tinha um problema sério: morria de medo de rojões. Certa vez, um grupo de garotos resolveu infernizar a vida dele, quando não estávamos em casa, jogando bombas no quintal. E Puppy chegou a atravessar uma grade, machucando seus ossos, para fugir desta maldade. E na metade da década de 90, quando voltamos a morar em Jundiaí, Puppy nos acompanhou e, por conta de seu jeito calmo de ser, deixávamos o portão da rua aberto, para que pudesse dar suas voltinhas na rua. Voltava, tomava água, comia sua ração e, quando cismava, lá estava novamente dando suas voltinhas. E foi numa delas que Puppy sumiu! Percorremos ruas, quarteirões, olhamos pelas casas, chamamos por seu nome e não haviam respostas. Mas foi num final de tarde que, lá na esquina, sujo, mancando, machucado, faminto... que Puppy apareceu. Dez dias depois... Nunca nos contou por onde andou, nunca ficamos sabendo, mas o fato é que três dias depois estava refeito das dores e brincando normalmente com todos. Se gostava de passear pela casa, Puppy tinha suas paixões. Um dia, no quintal de casa encontramos Jully, uma cadelinha que morava três quarteirões abaixo de casa. E imaginamos que os dois se conheceram nas idas e vindas de Puppy pelas ruas do bairro. Certa noite, quando Rita, minha esposa, rezava o terço com as vizinhas e explicava a elas o Evangelho, Puppy entrou pela porta da sala, sentou-se no meio dela, e ficou atento à pregação de Rita que fez um enorme esforço para não rir da cena. Mas como nada na vida é eterno, Puppy envelheceu, não conseguia mais enxergar, seus passeios se resumiam ao portão, ignorando a rua. Seu latido desapareceu, a alimentação era dada em sua boca, assim como a água, pois as pernas já não o ajudavam a dar mais do que três ou quatro passos. E no começo de 2000, depois de 12 anos vivendo conosco, Puppy deu sinais de que o fim estava próximo. Não adiantou carregá-lo até o carro e levá-lo ao veterinário. O silêncio dos últimos dias deixou marcas profundas,mas ficou a certeza de que um grande amigo não desaparece quando vai embora porque seu jeito carinhoso de agir se perpetua em nossas memórias e deixa recordações infindáveis!

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

O “cineminha” do Credi City

Apesar de ter nascido em 1950, a televisão ainda engatinhava no final daquela década e inicio dos anos de 1960. E era fundamental a propaganda como forma de divulgação de lojas e produtos. E Jundiaí teve um grande marqueteiro, focando sua propaganda na melhor maneira possível. Assim, no Centro surgiu o primeiro grande prédio da região, onde foi instalada a loja Credi City. Hoje, no local existe o Magazine Luiza, na rua Barão de Jundiaí, esquina com a rua da Padroeira. O texto poderia parecer mais um comentário jornalístico do que uma simples recordação de um tempo que só existe na memória de alguns. E a minha registra que, nesta época, por volta das 18 horas, quando a noite começava a chegar, a parede do prédio, localizada na direção da Catedral, no alto, à esquerda, tinha início a projeção de slides comerciais. Eram propagandas de lojas da região central, inclusive do próprio Credi City, muitas delas em forma de desenho animado. Mas tudo sem som. Rei das Roupas Feitas, Lojas Magalhães, Cines Marabá e Ipiranga, Cica eram algumas das propagandas exibidas e que a gente, da minha casa, na Vila Progresso, na avenida São Paulo, conseguíamos ver e que chamávamos de “cineminha”. A distância parece estranha, mas víamos sem problemas a exibição. Não haviam prédios nesta época, as árvores nas ruas ou não existiam ou eram pequenas, o que significava que não tinha como não ver o alto prédio do Credi City, bem no centro da cidade, projetando os slides comerciais. O melhor lugar para assistirmos era da janela do quarto de nossos pais. Subíamos, eu e meus irmãos, na cama, para ter uma visão melhor. Para não haver briga – e sempre havia... – uma vez cada um estava sobre a cama. O problema é que isso acontecia, como disse, no início da noite, o que significava que tínhamos que jantar. E meu pai era rigoroso com relação ao horário. E seis e meia era hora de jantar... O curioso é que sabíamos a sequencia dos comerciais... “Agora é da Cica... agora é do Rei...”, gritava um ou outro irmão, tentando adivinhar, mas já sabendo que iria acertar. E quem era mais rápido, vibrava com o acerto. Mas a exibição era rápida. Não passava de uma hora. A gente imaginava que era para chamar atenção de quem estava no Centro, saindo do trabalho ou procurando um dos cinemas para a sessão da noite. O horário de exibição só era prorrogado em dezembro, quando o comércio ficava aberto até mais tarde e o movimento no Centro era grande. Mas não tínhamos como assistir de casa, exatamente por conta do horário da janta. Então, uma vez por semana, pedíamos autorização para nossos pais para darmos uma volta na cidade, com a desculpa de ver vitrines. E chegando perto da Catedral, ao lado da Galeria Bocchino, parávamos para ficar vendo o que chamávamos de “cineminha”. Mas neste local, um grupo grande de crianças fazia a mesma coisa. Os adultos passavam comentando o que a criançada fazia, mas seus olhos passavam pelo alto do prédio do Credi City. Só para ver que comercial estava sendo exibido...

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

No meu tempo de criança!

Como participar do livro: A partir de outubro gostaria de publicar no meu blog, história de sua infância, transformada em crônica! Depois do blog esta crônica fará parte do livro “No meu tempo de criança!” (título provisório) e que deverá ser lançado na Bienal do Livro do ano que vem. O dinheiro arrecadado com a venda do livro será revertido para uma entidade assistencial. E você pode ir à Bienal e autografar a página onde está sua história! Para participar basta me encaminhar informações a respeito de um fato marcante de sua infância, como aquele tombo que você quis esconder de sua mãe por medo; ou o tempo em que você ia ao parque de diversões só prá sentar de graça na roda gigante; ou aquele bolo que você teve que comer na casa da vizinha, amiga de sua mãe, e dizer que estava uma delicia... Enfim, um fato marcante de sua infância que ainda hoje faz parte viva de sua memória! Você pode não escrever um livro, mas pode fazer parte dele! Envie detalhes de sua história inesquecível, participe do blog, do livro e esteja presente na Bienal do Livro de 2014. Você tem até o final deste ano para remeter sua história. Já tem gente mandando informações. Não fique de fora. Participe! Obrigado!

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Lembranças

Outro dia, ao olhar para o calendário, me deparei que julho, que estamos no Dia dos Pais e já se completaram 23 anos de sua partida. Uma partida sem despedidas, silenciosa, como foram muitos os momentos de sua vida. Silenciosa, mas sempre com ação, com atenção… - Vamos jogar peteca pai? Seu silêncio era… era assim… inexplicável… Sabíamos o que dizia, sem dizer uma palavra. Seu olhar mostrava os passos que tínhamos que seguir. Sua mão, calejada, mostrava que a vida era cheia de caminhos a serem seguidos, de trilhas a serem abertas, de flores a serem semeadas só prá gente colher… Mesmo que fosse uma margarida ou uma palma… prá gente levar ao cemitério em finados… - Olha a peteca pai. Não deixe ela cair… Isso! Rebate… Engraçado… Os terrenos hoje são substituídos por cimentados, garagens, casas, prédios. Não há mais terras para plantarmos margaridas, as batatas de palma apodrecem sem espaço. Mas a passagem pelo cemitério tem motivos especiais. Afinal, pai, é lá que estão seus restos mortais. Bem próximos aos de mamãe que partiu dois anos antes, exatamente do mesmo jeito: silenciosamente! - Opa! Desculpe pai. Deixei a peteca cair! Claro que me lembro de seu sorriso. Mas era também um sorriso silencioso! Como o barulho do encontro de sua mão com a peteca: não se ouvia! E lá corria eu atrás dela, prá ela não cair. E se acertava, fazia um barulho oco, pois a pancada era torta, sem direção. E lá vinha o senhor, sem grande esforço… prá jogar a peteca prá cima. Prá gente se preparar prá rebater e não deixar que ela caísse. - Caiu de novo pai! Derrubei mais uma vez! Nestes mais de 20 anos, pai, muita coisa mudou. Claro que o senhor sabe que a peteca sumiu muito antes deste tempo que o senhor está ausente. Ela foi substituída por videogames, computadores. Não há espaço prá jogar peteca! E eu era um dos primeiros a correr aos canteiros só prá ver o senhor semear rúcula, alface, almeirão. Lembra disso? Nem este espaço existe mais… Sei que se lembra, sei que sabe das petecas desaparecidas. Sei que se lembra das poucas vezes que nossos olhos se cruzaram na subida e descida da peteca e na torcida para que ela não caísse. - Lá vem a peteca pai! Não permita que eu deixe ela cair!!! Saudade!

domingo, 4 de agosto de 2013

Na venda do seu Valentin

Fazer compras fora do dia da despesa do mês já tinha lugar definido: era na venda do seu Valentin, que ficava a menos de um quarteirão de casa e nós, crianças, não tínhamos dificuldades em carregar os produtos para casa. Isso, no final da década de 1950... Se a compra fosse grande, era necessário que dois irmãos fossem ao local das compras. Diferente dos dias de hoje, os produtos eram vendidos a granel. E lá vinha: um quilo de feijão, um quilo de arroz, um quilo de farinha de milho, um quilo de farinha de trigo. Gostoso era pedir um quilo de pó de café: e seu João ligava a máquina para moer o produto na hora e o cheiro se espalhava por toda a venda... E a gente corria para casa para que nossa mãe fizesse um cafezinho novo, prá gente não perder o cheiro transformado agora em sabor... Seu João era um dos vendedores, depois tinha o Jayme e o Bruno que eram irmãos e cunhados do primeiro. Os dois, por serem mais jovens eram jogadores de futebol e disputavam o Campeonato Amador da cidade, pelo Primavera. O Primavera “mandava” seus jogos no campo do Dragão Mecânica que hoje é um espaço a mais da Sifco do Brasil. A entrada principal do campo era em frente à Farmácia do Moacyr, próxima à Padaria União, onde seis horas da manhã eu levantava para comprar pão fresquinho e mandava marcar na caderneta... Mas na venda do seu Valentin não tinha caderneta: era tudo pago com dinheiro vivo! E seu Valentin, ficava sentado num caixote na porta da venda e acompanhava o movimento do local. Gostoso na hora da compra era ser atendido por seu João. Mais brincalhão, pegava o saco de papel, enchia a colher do produto e ia até a balança. Dizia que “o que passasse de um quilo” era de graça. A gente aceitava a brincadeira, mesmo sabendo que o peso seria preciso, pois a experiência na quantidade de produto era uma prática do vendedor. Mas algumas vezes seu João entrava na brincadeira e fazia o feijão ficar cem gramas mais pesado, mas o preço cobrado era o de um quilo. “Só pra agradar o cliente”, dizia ele quando a gente saía da venda todo feliz... Mas quando surgiu o tempo do pegue e pague, com o aparecimento dos mercados e supermercados, com os filhos e genro tendo herdado toda a venda, mas já aposentados, as portas se fecharam, o progresso acabou com os pequenos armazéns, mas as lembranças permaneceram firmes dentro de nós. Principalmente sentindo ainda hoje o cheiro do café moído na hora...

domingo, 28 de julho de 2013

Calvos e grisalhos

A vida nos proporciona momentos de alegria em qualquer situação. Mesmo que eles ocorram 40 anos depois de muita convivência e recordações. E se o tempo vai passando e vamos sentindo a idade avançar, o reencontro tantos anos depois, nos proporciona reviver uma fase da vida que ficou gravada em nossa memória. E a lembrança é tão doce quanto o momento vivido. Nos proporciona paz, alegria e uma felicidade que nos faz atropelar as palavras na hora de lembrar os fatos, a atropelar o outro, porque quer dizer algo mais vibrante, algo mais forte ou antecipar em contar aquilo que imaginou fosse ouvir do outro... E foi assim: perto de 40 anos depois de ter me tornado fã da RJ – Revolução Jovem – e ter confessado aqui o privilégio de ver e ouvir este grupo cantando e rezando, fui convidado a participar do terceiro encontro do mesmo. A gente imagina que coisas vividas na infância ou juventude fiquem guardadas apenas na memória, mas o integrantes da Revolução Jovem, que nasceu na Igreja de Vila Arens em 1969/1970, continuam a se encontrar até hoje: mais de 40 anos depois. Maioria deles, calvos e grisalhos, mas que na convivência diária não se chega a notar com tanta intensidade, como o rever alguém somente depois deste tempo todo. E foi o que vi: os calvos e grisalhos relembrando as velhas cabeleiras dos tempos dos Beatles e riem do que o destino lhes proporcionou. Não que a calvície ou o grisalho seja marca que não se esconde, mas lhes proporcionou grandes amizades, tanto que muitos continuam se encontrando sempre: a cada dois, três meses há sempre um motivo para um oi, um abraço apertado marcado pela saudade ou pelo carinho criado durante a juventude. Muitos constituíram família, mas todos se tornaram amigos inseparáveis. E a rede social serviu para ponto de encontro quase diário. E o encontro serviu para se reviver mais uma vez os tempos da missa das 9h30 na Vila Arens, com reuniões com o Padre Victor, com brincadeiras dançantes, com cuba libre, sem contar as madrugadas de vigília na igreja. E todos, sempre, com sorrisos nos lábios. Se para mim foi um encontro que serviu para rever um grupo de jovens - agora de calvos e grisalhos – para todos serviu para mostrar, como o slogan do grupo que “o amor de Cristo nos uniu!” E esta união é para sempre!

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Comendador Matinelli

Quando João Carlos iniciou suas colocações sobre seu pai, o comendador Hermenegildo Martinelli, me lembrei de fatos de minha juventude, época em que conheci este senhor. As palavras de João Carlos foram proferidas durante reunião da Academia Jundiaiense de Letras e faziam parte do “Momento Saudade” onde figura importante da cidade, já falecida, recebe homenagem. E Hermenegildo é patrono de uma das 40 cadeiras da Academia. Homenagem, absolutamente correta! E ao relatar fatos relacionados à vida de seu pai, João Carlos me fez lembrar exatamente de como era o velho Martinelli. Meu contato com ele era praticamente diário, pois eu ocupava o cargo de locutor comercial na antiga rádio Santos Dumont e Martinelli apresentava programa diário, intitulado “Sorrisos de Nossa Senhora”, que ia ao diariamente às 18 horas. Era eu, diante do microfone, que dizia: “Em Jundiaí pontualmente 18 horas! Neste instante a Rádio Santos Dumont leva ao ar o programa ‘Sorrisos de Nossa Senhora’, apresentado pelo comendador Hermenegildo Martinelli.” A técnica de som cortava para se ouvir Aguinaldo Rayol cantando “Ave Maria” e eu deixava o estúdio para, do lado de fora, acompanhar as palavras do comendador. Isso, entre os anos de 1968 e 1969. Um seleto grupo de padres católicos da cidade dividia o horário com o comendador. Algumas vezes, por conta dos trabalhos em suas paróquias, os padres faziam suas reflexões pelo telefone. Mas Martinelli sempre esteve presente nos estúdios, acompanhado de seu livro de orações. E o comendador, que percorria a cidade fazendo caridade, como visitando presos e doentes em hospitais, sempre chegava à rádio dez minutos antes do horário. Nunca houve necessidade de a técnica improvisar neste horário. Martinelli nunca faltou! Sempre de terno e usando sua gravata borboleta que o tornava inconfundível onde quer que fosse. Vereador, jamais ocupou os microfones para fazer campanha política. Sua campanha era para chamar a atenção das pessoas para a existência de um pai celeste. Não me lembro de quando o vi pela última vez. Deixei o emprego na rádio, iniciei meu trabalho em jornal mas sempre que possível, nos finais de tarde, sintonizava a rádio para ouvir a voz do comendador e recordar a introdução que fazia: “Em Jundiaí pontualmente 18 horas...!”

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O sucesso das radiovelas

Nunca foi comum o rádio de casa ligado para ouvir novela. Primeiro porque, no final da década de 1950 e início da seguinte, havia apenas um aparelho de rádio em casa, funcionando a energia elétrica e com grandes válvulas instaladas no aparelho que ficava na sala. Se queimasse uma... a correria para consertar era grande, simplesmente porque não sabíamos que era televisão! Nossa sorte é que no quarteirão próximo de casa, havia uma oficina de consertos e, muitas vezes, a válvula era trocada na hora. Minha mão nunca foi muito de novelas, mas de ouvir comentar na vizinhança, às vezes se interessava por alguma. O horário nobre do rádio sempre foi no período da manhã e às 10 horas entrava no ar a novela “O direito de Nascer”, que já tinha ido ao ar na década de 1940 e voltava agora, anos depois, pouco antes do sucesso de “Redenção”. Esta segunda novela tinha como personagem principal Francisco Cuoco que iniciava carreira artística. “O direito de nascer” foi para a televisão e tinha no dr. Albertinho Limonta e na Mamãe Dolores, os personagens centrais. As rádios Nacional, Excelsior, São Paulo, Piratininga, Tupi e Aparecida eram “campeãs de audiência” na apresentação de novelas. A Nacional tinha os grandes nomes, tanto que mais tarde virou rádio Globo. Silvio Santos tinha seu programa diário, ao meio-dia e tinha em Ronald Golias seu coadjuvante. No período da tarde, as rádios São Paulo e Aparecida apresentavam suas novelas, mas muitas vezes com cunho religioso. Rádio Aparecida só era sintonizada em ondas curtas e, na maioria das vezes, o som do rádio desaparecia. O chiado era enorme e nem antena externa ajudava muito. Mas era comum ouvir comentários das amigas de minha mãe que naquele dia o almoço tinha atrasado por conta da novela. E isso acaba sendo motivo de riso. Mas as meninas falavam dos artistas que acabavam aparecendo nas revistas, principalmente na “Capricho” que tinha sua fotonovela Mas nós crianças ficávamos ligados ao que vinha à noite. Na rádio Piratininga ia ao ar o seriado “Juvêncio, o justiceiro do sertão”. Juvêncio tinha como companheiro seu cavalo “Corisco” e era assunto nas brincadeiras de “mocinho e bandido” no quintal de casa. Galopando no cabo de vassoura, a gente gritava agitando o chicote: “eia! Vamos Corisco....” E o “cavalo” galopava pelo quintal. E depois da brincadeira, silêncio dentro de casa, pois estava no ar... “Redenção”, a radionovela que mais tempo ficou no ar, e que fez sucesso na televisão no ano de 1966. Também batendo recorde no número de capítulo no ar.

sábado, 6 de julho de 2013

Bença mãe, bença pai!

A frase era diária e era exatamente dita deste jeito “Bença mãe, bença pai” E saía eu de casa ou para a escola ou para a missa dominical ou, mais tarde, já adulto, para o trabalho ou para a faculdade ou até mesmo para namorar. Não tinha outro jeito: costume era costume. E lá ouvia ela responder de lá de onde estivesse “Deus te abençoe, meu filho!” E o fazia duas vezes, pois meu pai pouco ouvia e se ouvia respondia baixinho que mal ele podia ouvir. E minha mãe, Angelina, fazia as vezes dele, respondendo também por ele e abençoando a mim e a meus irmãos, quando saíamos de casa. Antes de dormir, a rotina se repetia. Mas só com minha mãe, pois meu pai já se recolhera, exatamente na hora em que terminava o “Repórter Esso”. E o “Bença mãe, bença pai” era rotina. Às vezes era motivo de riso, pois para andar um quarteirão para ir à padaria, o costume nos impunha um “bença mãe”, pois meu pai Alcindo se mantinha na luta, na área de conferente, na Estrada de Ferro Santos a Jundiaí. O “Deus te abençoe” sai com um sorriso, mas era motivo de alegrar o ambiente, pois a gente sabia que Deus estava ali conosco. Sempre! O passar dos anos nunca alterou esta rotina e me lembro que, no dia de meu casamento, saindo de casa, com o carro parado na porta me esperando, abracei minha mãe e disse que estava saindo de casa para começar uma nova vida e que ela precisava me abençoar. Senti uma emoção forte nela naquele instante e o “Deus te abençoe” soou com um respirar bem fundo, para conter uma eventual lágrima e o abraço afetuoso nos fez mais felizes. Seu Alcindo olhou tudo isso dois metros mais longe de nós, ainda acertando o nó da gravata. E o abraço e o “Deus te abençoe” também foi seguido de uma grande emoção. Mas hoje, quase 34 anos depois deste “Bença mãe, bença pai”, ainda ecoa dentro de mim, toda noite, quando me deito para dormir, o “Deus te abençoe, meu filho!” dito com um sorriso doce por minha mãe e também visualizo o jeito sorridente de meu pai, observando toda cena.

sábado, 29 de junho de 2013

Manza? É o Mazza!

Faz exatamente um ano que um amigo em particular se foi. Vivemos alguns anos trabalhando junto na imprensa local, exatamente na década de 1970. Eu era chefe de reportagem e ele, em início de carreira, um simples foca, aprendendo a ser jornalista. Um belo dia, o dono do jornal me chama em sua sala e pede a definição sobre os focas que trabalhavam no jornal: Sidney Mazzoni e um colega deste do colegial. Optei por manter na equipe Mazzoni, alegando ao dono da empresa que este tinha mais características para ser jornalista. Acertei na mosca! Na década seguinte, ele era editor-chefe do jornal e já trabalhava no Jornal da Tarde. Mas o tempo de trabalho junto não foi longo. Ele deixou a empresa para servir o Exército Brasileiro e, quando retornou, eu já não estava mais neste jornal. Mas apesar de não trabalharmos mais juntos, o contato nunca foi perdido. Era comum, onde quer que estivéssemos, um ligar para o outro para conversar. O assunto inicial era sobre o velho Palmeiras, time do coração de ambos, e que tantas tristezas e alegrias proporcionava a cada um. Vencido o assunto futebol, vinha o objetivo da ligação telefônica. Ah! Claro! Esqueci de dizer: quando um atendia o telefone, lá vinha o outro se identificando: “Manza? É o Mazza!” ou ao contrário, se a ligação partia de mim... E Mazza sempre esteve na primeira página de minha agenda telefônica, mesmo não fazendo parte da ordem alfabética. Mas fazia parte da ordem preferencial. Em 1984, quando perdi emprego num jornal em Campinas, foi ele quem me socorreu: “Manza? É o Mazza! Tem vaga prá você aqui quando quiser.” Fiquei feliz com a ligação, agradeci, mas não deu certo trabalhar com ele novamente. Aliás, nunca mais deu certo. Ele se mudou profissionalmente para São Paulo e no final do século passado, retornei a Jundiaí e acabei assumindo o Jornal de Jundiaí, um sonho que ele tinha de comandar. E foi o que fez em 2007, me substituindo no posto. E voltou de vez para Jundiaí e fez muito bem seu trabalho neste jornal. Mas se o mundo dá muitas voltas, tem algumas que a gente não sabe dizer porque foi interrompida. E Mazza não teve tempo de me ligar ou não quis me preocupar, pois no dia 30 de junho de 2012, quinze minutos antes da meia-noite, se desfez das mochilas, abandonou as teclas do computador e se foi depois de uma forte dor no peito! E agora, um ano depois, tem vezes que ouço o telefone tocar e ouvir do outro lado a voz firme e forte do amigo que se foi sem adeus: “Manza? É o Mazza! Saudade dos bons tempos!!!”

domingo, 23 de junho de 2013

Eu era fã da RJ!

O ano, imagino, seja o início de 1970. E foi um padre, com pouco mais de um metro e meio de altura que assumiu uma revolução na Vila Arens, em Jundiaí. E a revolução envolveu um grupo de jovens que seguiu os caminhos da oração e da canção. E nasceu a Revolução Jovem, a RJ, que citei aqui dia desses. Se o mundo vivia suas guerras e revoluções, Jundiaí ganhava a RJ, comandada pelo padre Victor Silva, um apaixonado pela música e pela oração! E estes jovens passaram, então, a comandar a missa das 9h30, chamada de Missa dos Jovens. Com música, muita música e animação. Jovens subindo e descendo as escadarias principais da igreja da Vila Arens, jovens sorrindo ao se cumprimentar, jovens que lotavam os bancos e participavam da celebração. Na maioria das vezes, acompanhados pelos pais. Meu grupo era formado por crianças e adolescentes, que participava da missa das 7h30, seguida de reunião semanal, terminando exatamente no horário em que começava a missa dos jovens. E sabíamos que nossa reunião deveria terminar, quando o primeiro canto, iniciado pelos violões chamava os jovens à celebração: “Sempre encontrando, sempre encontrando, sempre encontrando nosso irmão...” E o silêncio imperava na igreja para ouvir os jovens cantando... Terminando a reunião das crianças, eu subia os degraus da igreja e me postava na porta da mesma para ver e ouvir os jovens cantores: “Se uma boa amizade você tem, louve a Deus pois a amizade é um bem”. Os violões dos jovens e as vozes afinadas tinham, com certeza, a orientação do Padre Victor. E vinham melodias para provoca emoções: “Para mim a chuva no telhado é cantina de ninar...” ou ainda “fica sempre um pouco de perfume nas mãos que oferecem rosas...” e até mesmo “Porta Estandarte”, “Fica mal com Deus” ou ainda “Alô, bom dia!” eram algumas das canções que o coral jovem interpretava e os fiéis acompanhavam. O tempo passa, as pessoas se separam, se afastam umas das outras. Algumas nunca mais cruzam pelos nossos caminhos, mas outras se perpetuam em nossas mentes e corações. E no final da década de 1970 me casei, mudei para Campinas e, por sorte do destino, encontrei Padre Victor, comandando a paróquia Divino Salvador, no Cambuí. E foi ali que tive uma convivência maior com ele e aprendi a conhecer a força espiritual deste padre. E sempre que ele chegava ao altar para a celebração, mesmo sem cantar os perfumes das rosas que ficam nas mãos e sem cantiga de ninar, surgia diante de meus olhos o grupo da RJ tocando e cantando a beleza da vida... Pena que ele se foi tão cedo para poder formar o coro dos anjos no céu!

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Na Legião de Maria

Início dos anos 60 meu irmão Ademir entrou na Legião de Maria, uma entidade religiosa que tinha como objetivo realizar ações de apostolado e de caridade. Mas Ademir já trabalhava e estudava e isso lhe dava pouco tempo para se dedicar às reuniões e a cumprir estas ações semanais que deveriam ter, no mínimo, uma hora. Com tantas atividades, Ademir me levou com ele para a primeira reunião e já começamos juntos nossa missão. Não haviam muitos membros na Legião e as reuniões aconteciam numa sala no Colégio Divino Salvador, ao lado da Igreja da Vila Arens. Além das reuniões semanais havia, uma vez por ano, um encontro municipal, com um evento, na tarde de um domingo, nesta mesma igreja ou na do centro da cidade que ainda não era catedral. Estes encontros deixavam a igreja lotada, pois haviam os membros ativos – que participavam das reuniões e realizavam ações de apostolado e de caridade – e os passivos, que apenas faziam as orações da “Catena Legionis”, chamadas de Tessera. Semanalmente, então, Ademir arrumou uma atividade para nós: dar catequese para crianças uma vez por semana! E estava decidido: chamaríamos as crianças que moravam perto de casa e começaríamos a catequizá-las! Na semana seguinte começamos os encontros: meia dúzia de meninos, com idade entre 5 e 9 anos apareceram em casa. Nos empolgamos com a reação, mesmo que pequena, mas o importante não era a quantidade, mas o que conseguiríamos fazer com os garotos. E na reunião semanal da Legião, fazíamos relatório do aprendizado das crianças, dizendo quantos compareceram, qual o assunto tratado e quanto tempo durou o encontro. E não poderia passar de uma hora! O catecismo adotado era o único existente: o da Primeira Comunhão! Explicávamos a lição, pedíamos para estudar em casa e, na semana seguinte, fazíamos perguntas a respeito do assunto. Haviam três irmãos que acabaram ficando mais tempo com a gente, mesmo depois que deixamos de ser membros ativos da Legião. Osni, Pedro e Zezé apenas atravessavam a rua, pois moravam bem em frente à nossa casa, na Vila Progresso. Depois de algum tempo os garotos se mudaram para outro bairro. Algum tempo depois integraram o grupo Revolução Jovem – conhecida mais por “RJ” na Vila Arens, comandada pelo padre Victor, já falecido. Hoje, mais de 50 anos depois do início desta amizade, a gente se cruza nas rede sociais que o mundo cria, não sei se para reaproximar pessoas ou para manter uma de cada lado da tela do computador, mas nunca perguntei a eles se este fato passa por suas memórias. O importante, porém, é saber que nossas ações serviram para dar um caminho à vida das pessoas.

domingo, 9 de junho de 2013

Histórias de Padre Hugo

Alguns dias antes de minha Primeira Comunhão, em outubro de 1959, padre Alberto, o vigário de Vila Arens, chamou as crianças para a frente da Igreja e chamou para conversar com a gente um padre que eu ainda não conhecia e que tinha o nome de Hugo. Com um sorriso nos lábios, padre Hugo deixou a sacristia e apareceu diante do altar mor da igreja, para conversar com as crianças. E seu objetivo era um só: convidar a todos para participar da Cruzada Eucarística Infantil. E a conversa foi tão produtiva, pelo menos para mim, que cheguei em casa anunciando que, feita a Primeira Comunhão, pertenceria à Cruzada. Falei com entusiasmo do padre que acabara de conhecer e da conversa que ouvira dele. E no primeiro domingo depois da Primeira Comunhão, lá estava eu de terno azul marinho, gravatinha borboleta, camisa branca, integrando o grupo de cruzados. Padre Hugo comandava as reuniões dominicais após celebrar a missa das 7h30 que era a das Crianças e que tinha como orientador da celebração, o padre Alberto, já que as missas ainda eram em latim, fazia o mesmo nas tardes de segunda-feira, quando os mais novos se reuniam para aprender mais da Doutrina Cristã e incentivava a vocação sacerdotal. Apesar do grupo de zeladoras – moças com mais tempo de Cruzada e que ajudavam a tomar conta das crianças durante a missa -, padre Hugo mantinha tudo sobre seu comando. Com o passar do tempo, comprou uma sonata, várias coleções de discos com aulas de catequese e fazia as reuniões de domingo. Abria a reunião com orientações básicas da semana, ligava a sonata, colocava o disco, verificando o tempo de duração do mesmo, deixava as zeladoras tomando conta e ia atender confissões. Jamais falhou: cinco minutos antes de terminar o lado A do disco, estava ele de volta à reunião para colocar o outro lado. Mal respirávamos nas cadeiras! Era preciso atenção, pois não sabíamos o que ele iria perguntar ao final do outro lado do disco. Voltava, questionava e dispensava as crianças,sempre com a orientação de que era fundamental obedecer o pai, a mãe, a professora e as catequistas e jamais mentir prá quem quer que fosse. Sabíamos que nas primeiras sextas-feiras de cada mês, ele saia cedo, visitando os doentes da paróquia e levando comunhão a cada um deles. Isso se repetia muitas vezes aos domingos, quando não precisava ir, de bicicleta, até a então capela de Nossa Senhora Aparecida – hoje Santuário de Aparecida – na Vila Rami, para celebrar a missa das 10 horas. Foi nesta visita aos doentes de toda primeira sexta-feira que meu irmão Antonio, que sempre chamamos de Toninho, se encantou com o trabalho e se ordenou padre em 1982. Padre Hugo celebrou a primeira missa junto com ele, depois de muitos anos longe de Jundiaí. Padre Hugo que deixou seu nome de ordenação para retomar seu nome de batismo – José – por orientação da Igreja, tinha ido trabalhar em Machado, interior de Minas, sua terra natal. Antigamente quando os padres se ordenavam, mudavam de nome para mostrar a mudança de vida e a seguir os passos do Cristo. Como acontece até hoje com os papas... E padre Hugo voltou a ser José! Mas no final da década de 1990, um grupo de criminosos o matou, quando atravessava um rio, de barco, em sua cidade natal, onde ia visitar doentes. O confundiram com uma outra pessoa. A surpresa e a tristeza tomaram conta de quem o conhecia... Mas hoje, acabei me emocionando ao me lembrar novamente deste homem e ao fazer uma busca na internet, descobri que sua cidade natal o homenageou, dando seu nome a uma escola municipal. E a escola faz exatamente como ele fazia: ensinava os outros...

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Tempo de festa junina

Mês de junho, recheado de festas dos santos era motivo de alegria para a garotada e para as famílias da rua de casa. Por termos um quintal muito grande onde até chegávamos a jogar bola, envolvendo dez a doze crianças, era ali que acontecia a festa junina das famílias vizinhas. E o local era realmente especial: por termos fogão à lenha, meu pai era responsável por separar alguns galhos e muitas folhas de árvore, tocos de madeira e juntar tudo, de tal maneira que a fogueira acabava virando atração na redondeza. Amigos de Ademir, meu irmão mais velho, alguns colegas da Cruzada Eucarística – formada por meninos e meninas de 8 a 14 anos e que frequentavam a missa das crianças na igreja da Vila Arens – entre as décadas de 1950 e 1960 e os vizinhos, que eram amigos de meu pai e minha mãe e os filhos que muitas vezes jogavam futebol, principalmente nas conhecidas partidas de “Rua de baixo contra rua de cima”. Além da fogueira armada no quintal, minha mãe era a responsável para fazer o quentão. Pinga, comprada no armazém do seu Valentim, gengibre que tinha sido plantado por meu pai, limão também do nosso quintal e água, muita, água para a criançada não ficar embriagada. Havia, ainda, refrigerante ou Q-suco de morango, pipoca, batata doce, bolo de milho, canjica, amendoim torrado e pé de moleque. Como não tínhamos aparelhos de som, o jeito era cantar as músicas tradicionais, um ajudando o outro. E começávamos com a tradicional “Coma filha de João, Antonio ia se casar...”, depois alguém se lembrava de “Eu pedi numa oração, ao querido São João que me desse um matrimônio. São João disse que não! São João disse que não! Isso é lá com Santo Antonio...” E vinha ainda “Pula a fogueira Iaiá. Pula a fogueira ioiô!” E a noite avançava... Quadrilha a gente não dançava, preferia ir ao “Dragão Mecânica” onde o fato acontecia sempre na noite de São João. O gostoso era que, depois de acender a fogueira, a batata doce era colocada ali para ser assada. E tinha sempre alguém tomando conta da batata. E quando estava pronta, era retirada com cuidado, a casca praticamente se soltava e comíamos a batata quentinha. Como era também do quintal, tinha batata doce para todo mundo... Mas se tinha algo que a gente não conseguia fazer era atravessar a fogueira, pisando nas brasas... Isso nenhuma criança tinha coragem de fazer e os adultos “davam o exemplo” sem praticar este ato. Mas pular a fogueira ahhhhh... isso a gente fazia e fazia com gosto. Vinha correndo e saltava por cima, procurando principalmente onde ainda tinha fogo. E isso tudo, claro, sob os olhares atentos dos pais da criança corajosa... E como nem tudo que é bom dura prá sempre... estas grandes festas juninas sobrevivem em nossas memórias, provocando risos e lágrimas ao mesmo tempo, já que a emoção é sempre forte neste momento.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Fim dos Dias Santos

Período anterior à revolução política no Brasil era cheio de feriados e dias santos. O ano já começava assim, com a festa dos Reis, no dia 6 de janeiro. Mesmo não sendo período escolar, as crianças curtiam a data com a missa logo pela manhã e a chegada dos reis magos até o menino Jesus e comendo as últimas frutas natalinas, que hoje não dá para comprar... Castanhas, nozes, avelãs faziam a festa da garotada. Falei em revolução pois foi com ela que os Dias Santos se acabaram no calendário. Depois da Páscoa, a Ascensão de Jesus também era Dia Santo e o trabalho e aula era suspenso. Missa com homilia apropriada e diversão o resto do dia. Mas bom mesmo era mês de junho, com muita quadrilha, festa junina e feriados escolares. Dia 13, Santo Antonio, dia 24, São João e 29, São Pedro. Na véspera de cada um desses dias vizinhos se reuniam para dançar quadrilha, pular fogueira, tomar quentão, comer batata doce, pinhão, bolo de fubá e se divertir contando balões no céu. E o gostoso é que no outro dia não tinha escola. Depois de junho porém, os feriados diminuíam, quase desapareciam. Tinha apenas os de hoje: 7 de setembro, em outubro não tinha, pois o Governo instituiu após a visita do Papa ao Brasil, em novembro o feriado era nos dois dias: 1º e dia 2: Todos os Santos e Finados. Nestes dias, todas as linhas de ônibus iam até o cemitério, mas a passagem ficava mais cara. Foram criados outros feriados agora, por conta dos governos do Estado, do Município e do Federal. O Estado criou o 9 de julho, o Municipal criou o 15 de agosto e o Federal, o 20 de novembro. A outra vantagem de hoje em dia é que as escolas não têm aulas aos sábados, como acontecia nas décadas de 1950 e 1960. Mas os feriados, hoje, emendam-se com os finais de semana. Em alguns locais – e isso já aconteceu por aqui – o feriado do dia 15 de novembro caindo de quinta e o do dia 20, caindo na terça, era comum ver pessoas saindo do trabalho numa quarta e só voltando na quarta seguinte. Tudo para se curtir datas comemorativas!

quarta-feira, 22 de maio de 2013

As velhas propagandas

Ver televisão no início dos anos de 1960 era algo especial. Primeiro, porque nem todo mundo tinha televisão e segundo porque tinha propaganda que definia o que deveria acontecer em casa. Eu e meus irmãos nos dirigíamos à casa de seu Antonio, nosso vizinho, para assistir o que ele queria e o silêncio tinha que ser absoluto na sala. Mas as propagandas eram marcantes. Hoje, por conta do controle remoto, muda-se de canal nesta hora e volta ao de origem, quando terminarem os comerciais. Mas nos tempos do televizinho, principalmente para meus irmãos era diferente: a mudança de canal só acontecia junto ao aparelho e girava-se o seletor do 2 ao 13 – os canais da chamada TV aberta – para buscar algo diferente. Mas quem mudava de canal no nosso vizinho era dona Ana, portadora de paralisia infantil e que a obrigava a se levantar, girar o botão segundo as ordens de seu pai Antonio e retornar rapidamente onde acontecia o programa preferido daquela noite. Assistíamos, me lembro os nomes, “A marca do Zorro”, “Rin Tin Tin”, “Vigilante Rodoviário”, “Legionários Toddy” (por conta do patrocinador), “Alô Doçura”, “Moacyr Franco Show”, “Programa Luiz Vieira” e a novela “2-5499 Ocupado”, que tinha Tarcísio Meira, Glória Menezes e Lolita Rodrigues no elenco. Por falar em Lolita, assistíamos também “Clube dos Artistas”, apresentado por ele e pelo marido Ayrton Rodrigues. Mas como dizia no início, as propagandas marcara época e sabíamos o momento de dizer “boa noite” e ir embora. Bastava entrar no ar a propaganda dos “Cobertores Parayba”, pois sabíamos da hora de irmos para casa. “Já é hora de ir dormir, não espere mamãe mandar...” começa a propaganda e saíamos, comentando algum momento interessante dos programas assistidos. Tinha ainda o programa “Bola do dia”, com um minuto de duração e era mais um momento de humor, patrocinado pela Estrela. E lá dizia “Estrela Pim Pam Pum Estrela...” Mas as propagandas não tinha a tecnologia de hoje. Algumas eram simplesmente feitas por desenhos fotografados e postados na tela. “Xarope São João” era uma delas. E o “Como vai a senhora dona tosse? Aqui quem fala...” e seguia o comercial com “é o Xarope São João.. Alô, pronto, fugiu hem?” Ríamos do comercial e comprávamos o xarope... “Ducal” era outra propaganda constante na televisão e ficávamos felizes em saber que tinha esta loja na cidade. “Quem bate?” “É o frio....” e lá vinha propaganda das Casas Pernambucanas. A Cica, com fábrica em Jundiaí, tinha propaganda do extrato de tomate, com o Elefante imitando o “bem me quer, mal me quer”, separando o produto com “Você vai, você fica...” e me lembro, ainda do “É hora do lanche que hora tão feliz... queremos biscoito São Luiz” Mas hoje em dia são tantas propagandas na televisão e, com certeza, uma melhor do que a outra que não me lembro do comercial que vi ontem à noite. Aliás, assistia um filme no DVD...

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Celebrações de maio

Já relatei aqui fatos ocorridos no mês de maio nos meus tempos de criança. Dona Ana, minha vizinha, percorria as casas próximas e, com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, rezava o terço, a ladainha e, em procissão íamos em busca de outro morador para a reza do dia seguinte. Mas outro fato não era único: na Igreja da Vila Arens a cena era parecida: todas as noites de maio havia procissão de entrada com entrega de flores a Nossa Senhora. A procissão tinha à frente as moças que faziam parte das “Filhas de Maria”, um grupo de mulheres solteiras e, vestidas de branco, com véu da mesma cor sobre a cabeça, uma fita azul no pescoço e outra na cintura e entregam pela nave central da Igreja. À frente seguia a bandeira das “Filhas”, seguidas pelas moças e depois por todos os fiéis que depositavam as flores nas cestas colocadas junto ao altar e retornavam aos bancos, cantando hinos a Maria. Estas flores, no dia seguinte, estavam nos vasos ao redor da imagem de Nossa Senhora que estava em destaque no altar. Encerrada a procissão, era hora da reza do terço e os fiéis acompanhavam tudo isso ajoelhados, num símbolo de fé a Maria! Quando a cerimônia terminava, contavam-se os dias que faltavam para terminar o mês. Nesta data havia a coroação da imagem de Maria e sempre uma criança era a escolhida para fazer isso. E como havia apenas o grupo de crianças da Cruzada Eucarística, todos os dias lá estávamos rezando o terço. Uma semana antes de terminar o mês, a coordenadora das Filhas de Maria procurava a coordenadora da Cruzada para a escolha da criança que faria a coroação. Eram necessárias cinco crianças: uma para segurar a coroa, outras três para segurar flores e uma outra para fazer a coroação. A que estava com a coroa passava para a outra coroar Maria. E sempre a menor de todas fazia a coroação. Mas claro que as meninas tinham preferência, principalmente porque estavam vestidas de branco, também com véu sobre a cabeça. A diferença era a cor da fita: amarela. Mas um dia, a falta de segurança nas ruas, o crescimento da venda de televisão acabou tornando estas datas como simples recordação de todos nós! E as noites de maio ficaram marcadas em nossas memórias como algo que não volta mais...

sexta-feira, 10 de maio de 2013

O primeiro presente!

Quando meu filho Tiago Alexandre chegou em casa na sexta-feira, me chamou num canto e, na sua ingenuidade dos quatro ou cinco anos, me disse que tinha um presente para o Dia das Mães e que eu não precisaria comprar nada naquele ano. Tomei-o no colo e fomos até seu quarto para mexer na bolsa e ver o que havia ali. No meio do caderno, lá estava um cartão! Abri com cuidado, enquanto ele procurava explicar o que fizera: a professora entregou o cartão com a flor desenhada para as crianças colorirem. Usado os lápis coloridos, os alunos escreviam uma frase: “Eu te amo!” Quando li o conteúdo do cartão, acabei me emocionando, imaginando o que aconteceria no domingo de manhã, data que o comércio criou o “Dia das Mães”! Como o sábado era dia de escolinha de futebol, lá fomos nós curtir uma curta caminhada: dois quarteirões de casa, lá estava a escolinha de futebol de salão onde o professor Waldir passava as instruções para a garotada. Manhã terminada, aula curtida e Tiago não via a hora de o dia seguinte chegar para entregar seu primeiro presente para sua mãe. E o dia finalmente chegou. Acordamos Tiago, por volta das 8h30 para que ele acompanhasse a gente na missa das 9 horas. Pronto para o ato religioso, minha esposa, Rita de Cássia, foi, finalmente se arrumar para sairmos. Faltavam 15 minutos para a celebração, mas a igreja era praticamente do lado de casa: em frente à escolinha de futebol de salão. Tiago me olhou, como pedindo ajuda, e lá fomos para seu quarto pegar o “presente”. Com o cartão na mão, escondido nas costas, entrou no quarto onde a mãe acabava de calçar os sapatos. Não disse uma palavra: estendeu a mão e entregou para ela! Um sorriso brotou nos lábios dela, abaixou-se para apanhar o cartão e receber o abraço. O conteúdo do cartão, ele disse prá ela: “Te amo!” Uma troca de beijos e um abraço mais apertado, transformou o momento em lágrimas que borraram a pouca maquiagem que Rita costumava e costuma usar. Cartão aberto, frase lida em voz alta e, como uma surpresa, Tiago apanha de minhas mãos uma rosa que eu mantinha escondida e entrega a ela. “Tudo do cartão aqui”, disse ele. Mais emoção, mais lágrimas, mas um momento de pura e doce alegria de todos. Claro que a missa já tinha começado quando chegamos à igreja, mas Deus entendeu o verdadeiro espírito do amor entre mãe e filho!

terça-feira, 7 de maio de 2013

Velhos tempos

Quando decidimos colocar à venda o imóvel onde moramos depois do falecimento de meu sogro, não esperávamos ver um número tão grande de pessoas procurando ver o mesmo. Mas dia desses me chamou a atenção uma visita diferente: um casal que mora em outra cidade, procurando imóvel, pois pretendia voltar a morar em Jundiaí. Durante a visita a conversa surgiu em torno de família e o homem, após saber meu sobrenome, me questionou se era parente de Ademir. Quando confirmei, me perguntou se eu era Nelson. E pronto: a cabeça começou a voltar no tempo... Como não o reconheci, perguntei por seu nome e ao se identificar como Afonso Maria Pastro, transferi minha memória para cinquenta anos atrás, pelo menos. Em poucas palavras, pois o casal tinha pressa, recordamos os tempos da Cruzada Eucarística, na Vila Arens, onde atuamos juntos. E ele relembrou os tempos dos Marianinhos – chamados pelos jovens rapazes que participavam deste movimento, comandado pelo hoje padre José Brombal e pelo já falecido José Bigardi. Falamos dos Pastros que frequentaram a Cruzada e Afonso se foi à procura de outro imóvel, já que minha casa foi considerada grande de mais para ele e a esposa. Quando o carro deixou o espaço diante de minha casa e desapareceu de minha vista na primeira esquina, busquei na memória a figura do garoto que agora, já com mais de 60 anos, recordara rapidamente pouco tempo de convivência que tivemos no passado. Busquei na minha mente outros rapazes da época – Max Geringher, Roberto Luiz Batista, Roberto Bertolano Domingues, Francisco Zorzi, João Cardoso – e uma infinidade de outros com nomes que já não conseguem mais serem relembrados e garotas como Maria Aparecida Zorzi, Maria Josefina Gaspar, Maria de Lourdes Gaspar, Maria Tereza Gaspar e outras que o tempo apagou seus nomes de minha lembrança. E não esquecendo de Padre Hugo de Souza Ribeiro que comandava rigorosamente as ações de cada cruzado. Alguns sei que já deixaram este mundo, outros que, como Afonso Maria Pastro devem cruzar comigo nas ruas e não nos reconhecermos, mas fica a eterna lembrança de tempos que não voltam, mas que ficam gravados na memória e ressurgem em surpreendentes ações deste mundo de Deus. E como a vida é algo passageiro, a lembrança nos faz viajar e reviver um tempo que não volta mais...

domingo, 28 de abril de 2013

O segredo do vinho de laranja

Meu pai era uma pessoa sem muita conversa, talvez tenha aprendido com ele este jeito de ser. Observador, tinha a impressão que ele, antes de dizer algo, analisava quem falava com ele. Voz baixa, pausada, analisava antes de dizer o que imaginava. Era assim que fazia no seu dia a dia, sempre procurando ver se tinha algum filho por perto para acompanhar suas ações. E era assim que trabalhava suas atitudes: quando chegava do serviço sabia exatamente o que ia fazer em seguida. E fazia! Exatamente como pensou e planejou! Um dos planejamentos envolvia a elaboração do vinho de laranja, uma receita que nenhum dos filhos questionou de onde viera. E a colheita da laranja era feita no próprio quintal: a árvore do fruto, ele chamava de laranja caipira. A colheita era feita rapidamente: ele segurava duas ou três sacolas no chão e fazia um dos filhos subir na árvore para efetuar a colheita. Geralmente, o filho escolhido ou o que estava sempre mais perto dele era eu. E lá subia eu na laranjeira. Subia rapidamente em busca dos galhos mais altos. Parecia divertido isso, mas sempre ouvido as orientações dele: esta laranjeira tem espinhos, cuidado com eles. E a colheita começava. Ele abria a sacola, lá no chão e, do alto da árvore, lançava a fruta. Se fosse jogador de basquete, confesso que seria um ótimo profissional, pois não jogava uma laranja fora do alvo. Claro que ela estava bem abaixo de mim e era só soltar o fruto, mas isso requeria um certo treinamento intelectual: não errar o alvo para não ser chamado a atenção! Após um certo número de frutos jogados, meu pai começava a repassar as laranjas para uma caixa: a sacola servia apenas para receber o fruto: duas ou três laranjas se chocando poderiam sofrer ferimentos e isso afetar o sabor do produto final. Colheita concluída, começava o processo número dois que era o de tirar o suco da laranja, misturar com o açúcar e colocar para fermentar num garrafão de, imagino, trinta litros. E este processo era fiscalizado apenas por meu pai. Só ele sabia o tempo certo de fermentação, só ele sabia o certo como estava o andamento do preparo. Só ele sabia quando todo o processo estava concluído. Por curiosidade, às vezes eu controlava o tempo para saber quantos dias aquilo ficava fermentando. Mas segredo industrial é segredo industrial. Ele não falava para mim e eu não perguntava para ele. Concluído o processo de fermentação, meu pai engarrafava o vinho, lacrava a boca da garrafa com parafina e colocava num baú no barracão existente no quintal para “descansar”! Quando apareciam pessoas especiais – e isto só meu pai sabia quem era especial para ele – ganhava um litro do vinho. E haviam garrafas de vinho que ficavam anos estocadas no baú e quanto mais velhas – e isto é regra geral para os vinhos – a qualidade melhora. Às vezes, numa visita, ele chamava um dos filhos e dizia para ir ao baú e pegar a terceira garrafa da quarta fileira, por exemplo, pois ele sabia, exatamente, a data de produção de cada uma e porque o amigo que recebia tal brinde tinha este privilégio. E era assim que seu Alcindo, meu pai, curtia seu vinho, sempre atento, sempre cuidando das garrafas, sempre procurando presentear alguém em especial. E o vinho de laranja de meu pai era realmente especial, pois eram poucas pessoas que sabiam produzir um vinho de tal qualidade. Mas o melhor disso tudo era esperar meu pai chamar, abrir uma garrafa e nos fazer provar o novo vinho. E a gente saboreava com prazer, vivendo em cada gole o sabor de aventura de preparar tudo aquilo.

sábado, 20 de abril de 2013

As primeiras mestras

Com certeza, frequentar sala de aula hoje é algo totalmente diferente do que nos finais dos anos 1950 e início de 1960. Meus primeiros professores foram no Grupo Escolar. Hoje existe Berçário, Jardim, já ouvi falar em pré-primário e aí vão outros títulos criados para significar nível de instrução. E nos anos que citei existiam o Grupo Escolar, o Ginásio, o Colégio e a Faculdade que Jundiaí não conhecia ainda. Saía do Colégio e o destino era frequentar a faculdade “de Campinas para lá” ou na Capital Paulista. Mas o Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, as aulas aconteciam de segunda a sábado em três horários: das 8 às 11, das 11 às 14 e das 14 às 17 horas e não haviam classes mistas: eram Primeiro Ano Primário A, Masculino, o mesmo referente ao Feminino e assim por diante. Meninos e meninas só se encontravam na entrada da escola quando se formavam as filas ao toque da sineta ou na saída, quando as crianças se misturavam no pátio da escola ou na rua. E Paulo Mendes Silva, como disse aqui outro dia, era na rua General Carneiro, esquina com a Fernando Arens. E lá vinham as professoras: Primeiro Ano dona Benedita, segundo dona Odete, terceiro dona Gemma e quarto dona Priscila. Cada uma com sua característica, seu jeito especial de ensinar os alunos. Dona Benedita, por ser a primeira mestra de todos, era a mais paciente, menos exigente. Aquela que, se fosse preciso, sentava na carteira, colocava o aluno no colo, prá ensiná-lo a escrever corretamente. Se comparado com ela, dona Odete era o oposto: austera, rigorosa, que não permitia erros dos alunos e muito menos conversas em sala de aula. Mas sempre que possível, deixava a classe, colocava um aluno para marcar no quadro negro o nome dos conversadores e depois exigir de todos, silêncio na sala de aula. Dona Gemma era também especial, doce no jeito de ensinar e amiga de todos. Por ser sua classe fora do prédio da rua General Carneiro, mas numa sala na rua Moreira Cesar, imagino que se preocupasse mais em dar mais assistência aos alunos que sentiam isolados dos quase mil colegas que estavam a um quarteirão acima. Dona Priscila era uma dona Odete em tamanho menor. Pequena, mas brava como a outra e trabalhando com a mesma energia. Por serem alunos do quarto ano, sua exigência era ainda maior. Me lembro que à quartas-feiras havia aula de religião, na meia hora final. Quem não era católico deixava a sala e já podia ir para casa, mas os católicos eram obrigados a acompanhar a aula que era dada pelas próprias professoras. Como dona Priscila não era católica, se não viesse uma catequista, ela mesma continuava com a aula normal que vinha dando, geografia, história, matemática ou português. Numa quarta-feira, apareceu o padre Alberto, pároco da Vila Arens. Entrou na sala e só depois percebeu que a aula não era de religião. Dona Priscila deixou a classe e o padre continuou suas explicações religiosas. No dia seguinte, dona Priscila pediu desculpas aos alunos e sugeriu que quando não houvesse catequista, cada aluno falaria um pouco sobre religião. Foi difícil, mas os alunos gostaram da ideia. Bravas, rigorosas, brincalhonas, doces, sensíveis. Era assim que as professoras passavam conhecimento aos mais de 40 alunos da classe.

domingo, 14 de abril de 2013

João da madrugada!

Seu João sempre foi prestativo, atencioso, preocupado com todos. Foi não, é, continua sendo! Mantém contato com todos os vizinhos, sem restrições! A madrugada era destinada ao atendimento a Luky, um labrador cor de mel, que brincava com todo mundo da rua. Às vezes assustava alguns, por causa de seu tamanho, mas era só alegria e bondade. E era por conta deste cão, que seu João acordava de madrugada para levar o mesmo para as ruas, fazer suas necessidades. E Luky caminhava, chegava em casa cansado. Dava para ouvi-lo bebendo água e comendo ração. E isso, às vezes, ocorria duas vezes na madrugada. Bastava seu João perceber Luky choramingando na janela, e lá iam os dois para as ruas. Não faz muito, passou por uma cirurgia do coração. Dr Ligabó foi o responsável pela ação. Conta a lenda verdadeira que, ao final da cirurgia, no momento de a equipe começar a costurar os pontos, o coração de seu João resolveu dar trabalho e parou! O médico já se preparava para deixar o centro cirúrgico quando o alvoroço tomou conta de todos. Seu João conta que o dr. Ligabó reanimou seu coração nas mãos... fazendo massagens e, com certeza, dona Beverly, a esposa, e suas amigas de orações, também colaboraram para que isso ocorresse, com sucesso! E seu João voltou à vida normal. Por um tempo, Luky não teve a companhia do amigo nas madrugadas, mas era seu companheiro dentro de casa... Até que... até que um dia as pernas de Luky se enfraqueceram, o corpo cansado e ele se foi, e seu João abandonou as madrugadas, para não lembrar das alegrias que elas lhe proporcionavam: chuva, frio, vento eram personagens constantes nas madrugadas de Luky e seu João. Agora, seu João passa parte da manhã tratando de seus negócios ou fazendo a feira para ajudar dona Beverly, além de levar a neta Letícia para a escola. Ao completar neste dia 14 de abril, mais um ano de vida, seu João tem certeza de que tudo nesta vida vale a pena: entre tantas coisas boas que aconteceram em sua vida, inclusive passear de madrugada com o cão amigo ou relembrar a história de Ligabó ressuscitando seu coração!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Os bares da minha vida!

Não sou nem nunca fui, nem me imagino sendo frequentador de bares. Existem espaços na cidade onde as pessoas sentam nas calçadas, pois os bares não comportam mais que dois fregueses e me vejo na obrigação de ir pelas ruas nas minhas caminhadas, pois formam-se rodinhas, bate-papos e um grupo grande de homens bebericando que desvio disso. Sem discriminação, pois cada um leva a vida que bem quer! Mas me lembro de algumas situações visitas por mim em bares durante minha vida: a primeira delas foi na minha infância quando na rua debaixo onde morava existia o bar do pai de um grande amigo meu, agora já na idade madura. Digo isso, porque numa de nossas conversas, ele perguntou como ia meu irmão Ademir. Quis então saber como conhecia meu irmão, e ele disse que o pai dele era dono do bar na rua da Várzea, em frente ao campo das casas da vila Agrícola onde aconteciam alguns jogos “Rua debaixo contra rua de cima”. E foi então que me lembrei dele. Era neste bar que, religiosamente, todo domingo comprava uma garrafa de limonada Jun-Bra gelada para dividir com meus irmãos no almoço. Após o almoço, no verão, comprávamos sorvetes ali e foi ali que vi em 1959 o Palmeiras ser campeão paulista sobre o Santos, no chamado “Supercampeonato”, pois as duas equipes terminaram a competição com o mesmo número de pontos. Outro bar que passou em minha vida foi o do japonês, em frente à Sifco, na avenida São Paulo. Era ali que também religiosamente, todo domingo, comprávamos sorvetes de coco queimado. E isso já contei aqui. Enquanto estes dois bares passaram pela minha infância, teve um que existiu em minha vida, já no início da vida adulta. Fazia faculdade e todos os dias ia até o bar do Mário, saborear um lanche para poder frequentar a faculdade à noite, já que trabalhava o dia todo na antiga redação do Jornal da Cidade e tal bar ficava ao lado. Saboreava ali um cachorro quente ou um lanche de frios e um copo de leite para garantir até o final da noite. Mas houve um bar, ainda, que nunca coloquei o pé dentro dele e nunca cumprimentei seu proprietário: era o Bar do Bizuca, que ficava na avenida São Paulo, próximo à antiga escola do Sesi que a Sifco transformou em estacionamento da fábrica. Não era grande o movimento de fregueses ali, mas uma mesa de sinuca era ponto de encontro dos amigos que além de jogar, tomavam suas bebidas favoritas. Situações curiosas de nossas vidas que nos envolvem com pessoas e coisas que nos marcam na memória e ficam registradas para sempre no nosso existir!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Nos tempos da raspadinha

Se existem lembranças que sobrevivem ao tempo, o sabor de uma rapadinha é, com certeza, uma delas. Saída ou chegada ao Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, na rua General Carneiro, esquina com a Fernando Arens, num prédio que hoje não existe mais, tinha sempre um sabor diferente: encontrar o vendedor de raspadinha! Outras guloseimas estavam à venda no portão da escola: pipoca – que é uma das poucas coisas que sobrevive ao tempo, mesmo não sendo na lembrança –, quebra-queixo, algodão doce, e outras já esquecidas pelos mais de 50 anos passados. Biju também era especial, era diferenciado, pois havia uma roleta sobre o tambor que continha o produto a ser consumido com números. O comprador girava a roleta e levava o número de bijus apontado ali. A maioria ganhava apenas um, mas era o preço de cada rodada, mas o número mais alto era 9. E só conheço uma pessoa que conseguiu os 9, mas ao correr feliz para casa para mostrar aos irmãos, o vento havia levado tudo pelos ares. Esta história inclusive já contei aqui, mas é um fato inesquecível! E raspadinha era o carrinho mais procurado pela garotada: o gelo raspado e colocado no copo de papel e a garotada escolhendo o sabor: abacaxi, laranja, uva e o preferido por todos: groselha. Groselha era o preferido pela cor, mas tinha meninos ou meninas que pediam ao vendedor para colocar todos os sabores, mas “fechar” com groselha. E o sabor era diferenciado: a doçura da groselha, o gelado na boca... Claro que sempre vinha orientação de casa: não tomar muito gelado para não ficar resfriado, mas a gente tentava tomar cuidado: saboreava a groselha, sentindo o gelo descendo pela garganta e lembrando a orientação da mãe: tomar um gole de água para amenizar o gelo. Mas na escola, naquele tempo, não havia recreio, não se levava lanches, e os bebedouros eram, também, com água gelada, o que significava que nada reduziria o impacto da raspadinha que a gente não saboreava uma só. Resultado: no dia seguinte, garganta raspando – talvez para ser igual à “raspadinha...” - por conta do excesso de gelo e o “castigo” de ficar dois ou três dias sem o produto. Mas se até acabar a aula a garganta estivesse melhor, a alegria seria maior porque o carrinho da raspadinha estaria lá fora. Esperando pela gente...