sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Um novo Ano Novo!

Para que seu ano novo seja novo, é preciso que você seja novo, que se renove, que mude, que transforme sua vida, seus pensamentos, seus ideais. Para que o ano novo não seja repetitivo é preciso que os pensamentos caminhem para a realização! De que valem os projetos imaginados em 2013 se em 2014 eles ficarem nas gavetas? De que valem os sonhos se não acordar para a realização? Imagino que a vida não seja apenas um calendário, uma mudança de dia, uma rotina que, como ônibus de linha passe a todo o momento pelo mesmo local, apanhando os mesmos passageiros e os deixando um pouco mais à frente, mas sempre nos lugares de costume! Imagino que os projetos para 2014 sejam transformados em realidade. Não como promessas de campanha que se engavetam para serem executadas no último ano de mandato. Claro que não devemos nos robotizar e fazer maquinalmente aquilo que pretendemos. Se o poeta Vinícius de Moraes disse um dia que “a vida vem em ondas, como o mar”, importante é saber que as ondas nunca são iguais, que o movimento do mar se renova a cada momento. E é assim que deveria ser a vida: um renovar de atos e esperança, um renovar de sonhos e atitudes. E a vida é um constante transformar, como diz o poeta Lulu Santos, garantindo que “tudo que se vê não é igual ao que a gente viu há um segundo”. Esta é a transformação desejada, sonhada, esperada! Mudar sempre. Claro que seja sempre para melhor! Não adianta projetar 12 meses diferentes se a partir do Carnaval a rotina se faz presente e a mudança não ocorrer! É neste contexto que Roberto Carlos já disse que “é preciso saber viver” e o viver é mudar, é transformar, é buscar a felicidade. Uma vez li uma história onde um sábio perguntava a um garoto o que ele queria ser quando crescesse. E o menino simplesmente respondeu: “Quando crescer quero ser feliz!” Então que sejamos felizes. E que em 2014 esta felicidade caminhe ao lado de cada um de nós!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Natal de esperança

O sol já tinha desaparecido do outro lado do morro, quando seu corpo pendeu junto à calçada. Cansado de mais um dia de mãos vazias, ele não tinha coragem de chegar em casa sem comida para a esposa e filhos. A garoa fina que caía com o objetivo de amenizar o calor, se misturava em seu rosto com as lágrimas, diminuindo o gosto amargo da tristeza e da dor. A noite já se fazia presente quando sentiu que deveria retomar o rumo de sua casa, mesmo sem nada a oferecer, mas sabia que a família entenderia sua situação e dividiram, mais uma vez, os pedaços de pão ganhos no início da semana. Quando a garoa parou, seus passos ganharam o pé do morro que ele começou a subir, em busca do pequeno barraco em que morava. Foi então que lembrou que era noite de Natal, pois as pessoas percorriam o caminho contrário ao seu, felizes e sorridentes, rumando para a celebração na pequena igreja que ele passara desatento três quarteirões atrás. Interrompeu os passos ao notar sua mulher e seus três filhos menores, descendo o morro. Ficou envergonhado ao ver a alegria de sua família, ao perceber Júnior de camisa nova, Pedrinho calçando um tênis novo e Paulinha com um lindo vestido azul que ele nunca vira em casa. Sua mulher também estava de roupa nova e ele não precisou dizer uma palavra, ao perceber que sua roupa rasgada destoava diante de tanta beleza. Foi a esposa que explicou as doações ocorridas nos barracos durante o dia. E as novas roupas dele estavam em casa e ele precisava se trocar depressa, pois já estava atrasado para a cerimônia de Natal na igreja. Beijou a família e subiu o morro em busca de um banho e uma roupa nova. Não demorou a chegar à igreja. A missa já começara, mas a alegria era tanta que esqueceu a fome batendo em seu estômago. Foi então que o padre falou em partilha, na importância de todos serem irmãos e ele segurou as mãos da esposa, ao saber que, terminada a missa, um grande banquete seria servido na igreja. Para que todos tivessem um Natal cheio de felicidade. E foi então que se lembrou de agradecer o menino Deus que nascia naquela noite, só para mostrar ao mundo que a partilha é o melhor caminho para um mundo cheio de paz e felicidade. E aquele Natal transformou suas vidas e começou a mudar o mundo! (FELIZ NATAL A TODOS!)

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A arte de montar presépios

Antes do Natal no meu tempo de adolescência, era assim: eu e Fernando, meu vizinho amigo, saíamos no início da noite, aproveitando a abertura do comércio, para ver presépios na cidade. O objetivo era ver o que havia mudado de um ano para outro ou analisar a criatividade de cada um dos “montadores”. Seguia com Fernando, pois ele acompanhava a montagem do presépio de seu pai, Antonio, com monjolo, moinho e muita água percorrendo seu espaço. As luzes piscando, na década de 1960, estavam muito à frente dos tempos de hoje, graças à criatividade de seu Antonio. O roteiro começava pela igreja de Vila Arens, seguíamos para a Cica, depois a igreja Nossa Senhora do Desterro que ainda não tinha denominação de Catedral, descíamos o “escadão” para nos surpreendermos – sempre – com o presépio da Argos. Montado na praça logo na entrada da fábrica, entravamos correndo, atraídos como ímã pelo tamanho das imagens. Por ser o último lugar a ser visitado, era na Argos que começávamos a comparar os presépios. “O da Vila Arens tinha mais água no ano passado. Na Cica, este ano, esqueceram a iluminação. A casinha do menino Jesus, no centro estava muito escura, mas aqui na Argos... veja a água caindo do monjolo... Veja aquele Pastor, não tinha aquela imagem no ano passado!!!”. “É verdade”, concordava o outro. Encerradas as visitas, voltávamos para casa fazendo os últimos comentários. Quando Fernando me perguntava quando meu presépio ia ter um monjolo, eu dizia que o espaço era pequeno, as imagens também, mas com o aparecimento do papel pedra eu procurava criar mais algumas novidades, sempre com orientação de minha mãe. Mas o presépio que eu mais gostava de ver era do pai do Fernando. Único problema é que esta visita não fazia parte do roteiro descrito acima: seu Antonio liberava o presépio para visitação, apenas no dia de Natal. E foi num dia depois de Reis, quando eu já desmontava meu presépio, que seu Antonio bateu palmas no portão. Foi minha mãe que o recebeu, foi com ela que ele entrou, acompanhado de Fernando. E foi das mãos de seu Antonio que ganhei, de presente, um monjolo que ele acabara de retirar de seu presépio. “Já estou fazendo outro para o ano que vem, mas não deixe de colocar este monjolo no seu presépio, vou vir aqui ver no ano que vem”, me alertou seu Antonio. Não vou comentar que fiquei sem palavras e com os olhos cheios de lágrimas. Fernando sorria olhando minha felicidade, mas a vida nos surpreende de maneiras incríveis: entre aquele Reis e o Natal do ano seguinte, seu Antonio partiu repentinamente, sem deixar bilhetes. E ao montar meu presépio, perto do Natal, não me esqueci do monjolo e chamei Fernando para ver. Agora, as lágrimas saíram dos olhos dele...

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Em busca de um sonho

Quando o padre Alberto abençoou a gruta de Nossa Senhora de Lourdes procurei por Fernando na multidão que estava instalada na escadaria da igreja da Vila Arens, mas não o vi. A água descendo por entre as imagens e deitando no pequeno lago ao pé da gruta, me dava a inspiração de fazer algo parecido em casa, claro que num tamanho muito menor. Hoje, a gruta não existe mais, foi retirada do local com a informação de que a água estava minando dentro da igreja. Imaginei que a exclusão da água poderia ser uma solução, mas as imagens e volume de pedras que formavam o ambiente sagrado desapareceram. Não encontrei Fernando, pois ele não estava presente e decidi pela surpresa: busquei nas ruas do bairro pedras para iniciar meu projeto arquitetônico, mas encontrei apenas pedaços de tijolos. E foi com eles que iniciei a construção de minha gruta. O local escolhido foi ao lado de um pé de pêssego e os tijolos foram se formando. Talvez como na música que Chico Buarque faria anos depois: “tijolo por tijolo, num desenho mágico”. Difícil, prá mim, fora criar o lago, pois não imaginava a arte de cimentar o local. Pronta a gruta e colocada a imagem, chamei por Fernando para apreciar minha “arte”. O lago existia, mas a água, no contato com a terra, secava rapidamente, mas a engenhoca funcionava: eliminei o fundo de uma garrafa e a coloquei, com a boca para baixo atrás da gruta. Instalada, eu colocava com o regador que meu pai aguava a horta, a água na gar rafa. Esta descia, vinha pelo fundo da gruta, atravessava as pedras e caía no pequeno lago. Fernando olhou, se divertiu com a obra e foi embora pensativo. Senti isso, no silêncio dele. E o amigo vizinho retribuiu a surpresa: dias depois me chamou ao seu quintal e lá estava sua gruta, também feita com pedaços de tijolos, toda cimentada e a água estacionada no pequeno riacho. Antonio Fratezi, o homem que fazia presépios todo Natal, me segredou que fora ele quem fizera o lago. Curiosa a reação de uma criança: não fiquei satisfeito com isso, até porque, ele não colocara a garrafa sem fundo atrás da gruta e a água entrava lateralmente na gruta. Imaginei, também, que cada um faz aquilo que lhe é possível e decidi mudar tudo: cheguei em casa e destruí a gruta que fizera. Recebi orientações de meu pai, arrumei um pouco de cimento e areia e parti para a obra, mas em outro local: agora ao lado de casa, próximo a uma torneira: “tijolo por tijolo, num desenho lógico” e a gruta ficou pronta. Garrafa sem o fundo colocada no local, o pequeno lago cimentado e, no meio dele, um pedaço de cano, com uma tampa com alguns furos. A engenhoca era ligada a uma mangueira e, quando chegava alguma visita, eu corria para abrir a torneira, enchia a garrafa atrás da gruta e as pessoas ficavam maravilhadas com tudo isso. Mas era preciso mais: chamei por Fernando, descemos a rua José Maria Marin, ao lado das casas da Vila Agrícola, chegamos ao córrego ao lado da estrada de ferro e ali encontramos vitória regia. Duas eram suficientes: uma para a minha gruta e outra para a de Fernando e, para completar, imaginamos que os pequenos guarus do córrego sobreviveriam na gruta. Ao constatar que não, abandonamos a ideia, mas a vitória regia crescia, florescia, se multiplicava, sem riscos de dengue, uma doença do futuro... Fernando se foi repentinamente, me casei, fui embora para Campinas, mas nunca deixei de ver a gruta quando visitava meus pais. Quando o imóvel foi vendido, recolhi a imagem, mas nunca desisti do sonho: refiz a gruta depois de adulto, agora com pedaços de pedra. Com o risco da dengue, o lago não existe mais, mas uma pequena lâmpada ilumina a obra de arte no jardim de minha casa e é comum verificar pessoas passando e se benzendo diante da imagem de Nossa Senhora de Lourdes. E toda noite quando vou ao jardim rezar uma Ave Maria para a santa, retorno saudoso dos tempos, mas realizado por perseguir um sonho!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Torresmo e Nardo

Vida de criança não tem jeito, deixa marcas, deixa lembranças inesquecíveis, deixa personagens que se misturam, se confundem na mente infantil, além de provocar medo e preocupação. E dois personagens fizeram parte de minha infância que ainda surgem em minha mente e, agora, me provocam riso e questionamentos: onde estão Torresmo e Nardo? Torresmo era um homem de baixa estatura, não muito gordo, mas para uma pessoa que se vestia como pobre estava muito acima do peso. Passava praticamente todos os dias em frente à minha casa, na Vila Progresso, e vinha com um chapéu velho e rasgado na cabeça, camisa abotoada toda torta, uma blusa vermelha – e me lembro da cor, pois era sempre a mesma... – toda desabotoada, calça também rasgada e um sapato tão velho quanto o chapéu, mas a gente percebia rasgado dos lados. Nas mãos, ele tinha sempre duas sacolas e vinha não se de onde, mas seguia para a região do Jardim do Lago. Não sabíamos o que fazia. Como criança, imaginávamos que as sacolas tinham coisas que ele ganhava, como pedinte. Mas o comentário geral era de que Torresmo era muito rico e tinha algumas casas alugadas. Claro que isso nunca foi confirmado, mas me lembro que se alguém mexesse com ele, os palavrões ecoavam pela rua, assustando mães que saiam às portas, chamando por seus filhos. Entrávamos correndo em casa assustados com a reação do homem. No dia seguinte, quando ele aparecia na rua, para evitar confusões, entrávamos em nossas casas, esperando que ele passasse. E ele passava, olhando de um lado e de outro, procurando alguém. Nardo já era diferente de Torresmo: vivia mais na região da Vila Arens. Usava um quepe surrado que a gente imaginava ser da Polícia Militar e o uniforme rasgado também da mesma corporação. Um apito na boca era suficiente para Nardo se posicionar no meio da rua e “comandar” o trânsito. Com seus vinte e poucos anos, Nardo levava a vida cuidando de um trânsito de poucos carros e muitas bicicletas e sua alimentação era proporcionada por donas de casas que tinham pena do moço que, muitas vezes, encontrei dormindo nos bancos da praça da igreja da Vila Arens. Não me lembro de como e quando estas pessoas desapareceram de minha vida, mas no trânsito complicado de hoje em dia, a lembrança de Nardo me faz sorrir, imaginando que ele solucionaria os problemas. Já de Torresmo, me lembro das brincadeiras de crianças e quando a mãe de alguém chamava, a gente ria e dizia “vai ver o que sua mãe quer, senão a gente chama o Torresmo...” Rindo ou com medo, a verdade é que num segundo o chamado era atendido rapidamente.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Os aniversários onomásticos

A palavra pode parecer estranha, de difícil entendimento, mas desde pequeno me acostumei com ela. O pequeno que quero dizer é quando eu tinha 9 anos, fiz a Primeira Comunhão e entrei na Cruzada Eucarística Infantil de Vila Arens. Ali, duas vezes por ano tinha aniversário onomástico para comemorar. E já aprendíamos o significado desta festa: antigamente quando os seminaristas eram ordenados padres, trocavam de nome, significando que para se dedicar a Deus era necessário uma mudança total: a começar pelo nome. Dificilmente sabíamos o nome de batismo do padre, mas apenas o que adotavam após ordenação, assim como acontece com o Papa. Apenas após o Concílio Vaticano II é que a mudança de nome não se fez mais necessária. As duas comemorações na paróquia aconteciam no dia primeiro de abril, dia de São Hugo e 15 de novembro, dia de São Alberto Magno. Claro que Padre Hugo e Padre Alberto eram homenageados pelas diversas pastorais da igreja. O primeiro era coadjutor e o segundo o vigário. E pelo menos dois meses antes, dona Leonor, uma das dirigentes da Cruzada, reunia as cerca de 30 crianças e começava a realizar ensaios para apresentações no Salão Paroquial de Vila Arens. E ela era rigorosa nos ensaios, não permitindo brincadeiras, mas exigindo que decorássemos os textos. Durante a apresentação, ela ficava ao lado da cortina, como “ponto”, soprando as palavras que geralmente esquiamos. E era no palco do Salão Paroquial que nós, crianças, junto com outras pastorais, como congregados marianos, apostolado da oração, filhas de Maria, prestávamos nossas homenagens: uns com pequenas peças teatrais outros com grupos de música ou pequenos corais e preenchíamos a noite de homenagens que começava com a missa festiva na igreja e continuava no salão paroquial, completamente lotado, principalmente pelos pais orgulhosos de verem os “atores” se apresentando. Mesmo com toda minha timidez, eu conseguia subir ao palco e me transformar em ator. As peças de sucesso da Cruzada eram “Uma festa gorada”, “A chuva e o bom tempo” e “Os tamancos do diabo”. A primeira mostrava um grupo de meninas preparando a festa de aniversário da professora. Enquanto sorteavam num canto da sala quem faria o que, um grupo de meninos invadia a sala e comia o bolo, frustrando a homenagem final. A segunda mostrava a preocupação das mulheres com roupas no varal com a chuva enquanto outras torciam para que a água caísse e salvar a lavoura. E a terceira, onde eu era o personagem principal, pois me vestia de Diabo, era levar uma moça ao pecado. E os pecados eram os sete capitais: Soberba, Avareza, Luxúria, Ira, Gula, Inveja e Preguiça. E decorávamos estes pecados com facilidade, já que nas aulas de Padre Hugo, ele “criava” fórmulas para a decoração: escolhia a primeira letra de cada pecado e formava a palavra “saligip”. Na semana seguinte, sabíamos os pecados de cor. Mas na apresentação eu precisava o máximo cuidado, pois, encerrado o “espetáculo”, descíamos do palco e íamos cumprimentar o padre aniversariante e que estava sentado na primeira fileira. Dona Leonor já me orientara antes a minha reação: se o padre mostrasse o crucifixo, o diabo tinha que correr de medo. E eu desaparecia rapidamente das vistas do padre, me escondendo atrás das cortinas. Mas o tempo não para de caminhar. Depois de alguns anos, o salão virou o Cine Vila Arens, mas fechou as portas, foi reformado e voltou a ser Salão Paroquial, mas de menor tamanho. A saudade que ficou nos faz viajar pelos palcos da existência nos transformando em atores às vezes sem querer, mas a recordação dos ensinamentos passados pelas pessoas mais experientes mostra que tudo o que vivemos no passado é motivo de enriquecimento em nossas vidas.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Tempo!

Quando a noite bateu forte com toda sua escuridão, o dia já tinha caído, nocauteado pelo tempo. O piscar das estrelas me fazia refletir sobre a necessidade ou não de surgir a lua. Pensava comigo: para que pedir a lua se já tinha as estrelas? E elas estavam ali, com seu brilho, como se fossem lâmpadas de árvores natalinas, num constante pisca-pisca! Me lembrei dos anjos, carregando as estrelas, me lembrei do sobe e desce celeste e me dei conta de que, a cada movimento, a vida vai passando. Senti um calafrio na espinha ao imaginar um dia a menos na minha existência, mas percebi que não tinha como impedir o passar do tempo. Afinal, com toda evolução do ser humano, ninguém tinha inventado, fora do cinema, a máquina que pudesse parar ou fazer o tempo retroceder. Imaginei na possibilidade de recuperar tempo perdido, mas me dei conta de que não se recupera o que não volta. Quis sorrir com minha conclusão, mas senti que poderia sofrer com a mesma situação e me contive! Vislumbrei a chegada da madrugada como fonte de inspiração aos poetas, mas a ausência da lua reduziu o número de linhas escritas pelos sonhadores que não querem perder tempo buscando o sono. E quando o sol apareceu anunciando que o novo dia já era quase adulto, decidi que não havia mais tempo a perder, que era fundamental aproveitar o calor da natureza e buscar o calor humano, mesmo com a pressa de todos em buscar seu trabalho ou de suas conquistas. E conclui que depende do ponto de vista de cada um a forma de como se aproveitar o tempo. A vida não espera a decisão das pessoas. Ela vai caminhando, avançando, passando... E se o poeta já disse que “a vida passa no meu cigarro, quem tiver pressa que arranje um carro...” é fundamental saber fumar ou dirigir de acordo com os sonhos a serem realizados!

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Vida!

Passa das 20 horas deste dia 3, véspera de meu aniversário, quando dou entrada no setor de emergência do hospital. O batimento cardíaco está a 151 por minuto. O primeiro eletrocardiograma constata isso! O movimento é intenso no local, com médicos e enfermeiros cuidando de pacientes que chegam... 155... Médicos se reúnem e decidem aplicar uma dose de 6 mg de Ademosina, visando o batimento retomar o compasso normal. 81... 85... 144... Frustração! Na outra maca, outro paciente, outra médica: “ergue o braço direito... mais alto... mais... ergue o esquerdo... o senhor bebeu hoje?” As respostas são ininteligíveis... 155... O calor é intenso, sinto meu corpo ferver, o barulho do equipamento que monitora meu batimento cardíaco não me deixa dormir... 144... Médicos conversam, discutem. Se a primeira dose do remédio foi às 21h15, sinto que os médicos têm pressa de resolver meu problema. São 21h35, batimento a 155, quatro médicos se aproximam de mim, enfermeira com 12mg de Ademosina. Expectativa é da solução do problema: 120, 110, 91, 85... 144... Frustração! Os médicos se afastam, imagino que uma dose nova do remédio não é aconselhável, mas não questiono os médicos. Mais pacientes, mais questionamento, mais silêncio dos pacientes. “O senhor está com dor de cabeça?... Que horas o senhor caiu”. Não consigo ouvir as respostas, o equipamento que monitora meu batimento cardíaco me impede disso... 155... “Doutora preciso ir embora antes da meia noite. Amanhã é meu aniversário”, tento induzir a equipe médica de que é importante uma solução para meu caso. Dra. Danielle sorri, troca ideias com Dra. Carol e às 22hs45 recebo uma dose de remédio na veia. “Vamos tentar reverter isso”, me diz a primeira. “Aplica a dose bem devagar, deve demorar dois minutos...” A enfermeira me diz que vai fazer melhor e conclui a medicação três minutos depois... 155... Me remexo na maca, meu corpo começa a pedir um banho, o barulho do equipamento continua dizendo que estou vivo... 132... 120... À distância as duas médicas olham para o monitor, não para mim. Tento dormir, uma ambulância estaciona do lado de fora, com a sirene ligada. Mais um paciente. “Que horas são?”, pergunto a uma enfermeira. “23h45”, diz ela e se afasta. Quero companhia! A solidão do lugar me deixa apreensivo... 98... “Conseguimos reverter”, me diz a Dra. Danielle, “vamos te mandar para casa, sua esposa deve estar preocupada lá fora!”. Respiro aliviado. O equipamento é desligado, fios ligados a meu corpo retirados. Me levanto com a ajuda de uma enfermeira e deixo a emergência! Apoiado pela minha esposa saio às ruas, os carros passam, a madrugada já vai alta. Passa das 2 horas do dia 4. Estou vivo!

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Novo caminho

Tem coisas na vida da gente que marcam profundamente nossa existência. Surgem pessoas que passam por nosso caminho e não são esquecidas facilmente. Alguém já deve ter ouvido falar da “Maria dos Pacotes”, que foi alvo de reportagem na imprensa. Surgiu também o “Miguel fala ó”. Na minha infância o que marcou – e por motivo especial – foi dona Nenê. Toda semana ela passava por minha casa, sempre no período da manhã, quando minha mãe corria prá preparar o almoço. Sentava numa cadeira junto à porta da cozinha, enquanto dona Angelina caminhava pelo local. Dona Nenê não tinha mais do que 40 anos, imaginava eu, nos meus 9 ou 10 anos. E chegava carregada de sacolas velhas, com pacotes dentro. Caminhava com dificuldade por causa do peso que carregava a caminho de sua casa. Às vezes, enquanto eu brincava na rua e via que dona Nenê vinha vindo, saía correndo pra dentro de casa. Não com medo da mulher que vinha vindo, mas porque ela sempre chegava no momento em que eu já deveria estar almoçando para ir à escola. E corria afobado, com medo de perder a hora, mas dona Angelina já tinha providenciado tudo: comida no prato esperando por mim... As histórias de dona Nenê giravam sempre em torno de pessoas que as duas conheciam, algumas delas, parentes da pobre mulher. E dona Angelina, enquanto conversava, não perdia o rumo das coisas que vinha fazendo e de repente aparecia com um prato pronto de comida. E dona Nenê agradecia com um sorriso nos lábios e comia rapidamente, esquecendo um pouco a conversa. Alimentada por minha mãe, dona Nenê dizia que precisava ir embora para ajeitar as coisas em casa. Muitas vezes eu a acompanhava até o portão ela saia segurando as sacolas que, às 10 horas da manhã, já estavam cheias, graças ao coração das pessoas. Claro que as coisas na vida da gente passam e nem sempre nos lembramos de quando tudo mudou. Um dia, quando almoçava para ir à escola, me lembrei de dona Nenê que fazia tempo que não aparecia. Perguntei a minha mãe o que tinha acontecido, se ela estava doente e, afinal, quem ela era. Minha mãe me olhou nos olhos, sorriu um sorriso doce que ela costumava fazer sempre que tinha algo especial a dizer e falou: “Dona Nenê não vem mais aqui, partiu para outra cidade. Seu filho tinha ido trabalhar fora, agora casou e tem como sustentar a mãe que morava num barraco ali perto da vila Esperança.” Terminei a refeição, apanhei o material da escola e, no caminho, fui recordando da história desta mulher que pouco sabia. Pobre, vivia sozinha num barraco à espera de dias melhores. Coincidência ou não, morar na Vila Esperança significava, para ela, sonhar com dias melhores. E foi isto que o destino lhe proporcionou. E sorri ao imaginar que minha mãe tinha ajudado esta mulher durante toda dificuldade que ela passara. O barraco talvez tenha sido ocupado por outra mulher, esperando uma vida melhor!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Alzheimer

No meu trabalho como ministro da Eucaristia na Paróquia do Cruzeiro, na Vila Progresso, acabei conhecendo dois idosos, portadores do mal de Alzheimer e sempre me sentia triste ao ver a situação de seu Pedro e dona Elídia. Ele com 88 anos e ela com 90, isso há quatro anos. Curioso é que percebia que não me conheciam toda vez que chegava às suas casas, mas na conversa com familiares, sabiam que toda semana o padre ia às suas casas. Dona Elídia jamais largava a pequena boneca nos braços, apenas a soltando no momento de receber o Corpo de Cristo. Seu Pedro estava mais debilitado, não saía da poltrona onde passava o dia vendo televisão ou apenas olhando para o aparelho ligado. Já dona Elídia era mais ativa: passeava pela casa, sempre observada pelos filhos e netos, mas mesmo assim era comum encontrar a chave do cadeado dentro da geladeira ou dinheiro escondido dentro de meias no guarda-roupa. Foi assim durante três, quatro anos: todos os domingos, tentando conversar, mas sem obter respostas. Foram poucas as vezes que ouvi “Amém!”. Os dois já estão no convívio de Deus. Algumas vezes voltei a rever os filhos de dona Elídia, mas depois que seu Pedro se foi, sua esposa, dona Maria, não resistiu à saudade e foi em busca do grande amor de sua vida. Se a doença proporciona esta “lavagem cerebral” não sei vislumbrar a intensidade disso, mas me lembro de um fato que entra neste contexto: um amigo, que era médico, visitava o pai, praticamente todos os dias em seu apartamento, onde morava com uma enfermeira. Numa dessas visitas, o pai chega na sala onde o filho acabara de entrar, os dois se cumprimentam, o doente sorri, algo que não fazia há muito tempo e diz ao filho que nem sempre sabe quem é: “Arrumei um amigo que acho muito simpático. Acabei de sorrir para ele e receber o sorriso de volta!”. O jovem quis saber onde o fato acontecia, onde estava o amigo, pois ali moravam apenas seu pai e a enfermeira. O velho sorriu e apontou uma porta no corredor: “Ali!” O rapaz seguiu pelo corredor, pensou em desistir quando sentiu onde estava chegando. Seus olhos ficaram cheios de lágrima, mas foi até o fim. A porta aberta denunciava que o local era o banheiro social do apartamento, o “amigo” estava no espelho, instalado no local.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A história de Sofia

Ela era assim... atabalhoada, agitada, preocupada. Sempre! Com uma pequena deficiência mental, Sofia vivia na igreja de Vila Arens. Aos domingos estava em todas as missas. Ora distribuindo folhetos na porta, ora na sacristia, esperando pelo padre. Quando Padre Arlindo foi vigário, na década de 1970, Sofia gostava muito de lhe dar presentes: meias, lenços e pentes, principalmente pentes, mesmo tendo o vigário poucos cabelos. “Ele disse que eu sou boazinha?” perguntava para as pessoas que ela via conversando com ele. Queria saber se gostara do presente, se gostava dela. Durante a semana passava pela Secretaria Paroquial só para recolher os papéis nas lixeiras, só para que o padre lhe dissesse “Bom dia Sofia!” E saia feliz, radiante... “ele falou comigo!” Interessante ver como agem as pessoas humildes, dóceis, prestativas, aquelas que são realmente bem aventuradas. E Sofia foi assim! Quando a missa terminava e o sacristão ia fechar as portas da igreja, lá ia ela, de banco em banco, para ver se não haviam sobrado folhetos de cânticos, deixados por algum fiel. Recolhia todos rapidamente e levava tudo para a sacristia. Deixava a igreja satisfeita com o dever cumprido. Conversava com todo mundo e se surgia o nome de algum padre, seu rosto brilhava de alegria e já queria saber se ele tinha dito algo a respeito dela. E se as pessoas são dóceis e humildes, nem sempre o destino corresponde a isso: um feio dia (porque belo seria se isso não acontecesse!), Sofia decidiu atravessar a rua atrás de um caminhão de concreto que ela imaginou estacionado junto à calçada. Mas ao colocar um dos pés na rua, o motorista engatou a ré e o que era dócil se acabou, se foi... E Sofia nunca mais apareceu na sacristia ou na Secretaria Paroquial. E na missa de sétimo dia, o padre fez questão de dizer a todos que Sofia tinha sido boazinha e que tinha garantido seu lugar no céu...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A arte de ensinar!

Para explicar o movimento de rotação, a professora, dona Gemma, reuniu alguns alunos na frente do quadro negro, colocou um no meio da roda e os outros girando ao redor dele. Era uma explicação simples, sem pesquisas em livros. Quando a aula terminou, os alunos deixam a sala de aula indo para casa e comentando no caminho a facilidade da explicação. Todos tinham entendido. Em casa, os alunos comentavam com os pais e se mostravam felizes com que dona Gemma dizia. No outro dia, alguns alunos – pois na década de 1950, as classes não eram mistas, ou seja, meninas não se misturavam com meninos – levavam flores ou Sonho de Valsa – único tipo de bombom existente na época – para a professora. Ela se sentia envaidecida, mas os que não levaram acabaram chamando os outros de “puxa sacos”. E aí, bem aí a professora não chamou nenhum grupo na frente para explicar a situação. Para ela, o mais importante era o aprendizado. Para alunos do terceiro ano primário entenderem o significado do movimento de rotação era mais importante do que flores e bombons. Mas servia para mostrar o reconhecimento dos pais ao ensinamento dado na sala de aula. A gente via no semblante da professora a satisfação do dever cumprido. E a reação de todos a levou às lágrimas, pois quando terminou de falar, os alunos, sem combinar, mas por instinto inexplicável, se puseram de pé e aplaudiram a mestra. O Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, na rua General Carneiro, esquina com a rua Fernando Arens, funcionava com alunos em três horários: das 8 às 11, das 11 às 14 e das 14 às 17 horas. E isso, de segunda a sábado. Por conta do grande número de alunos, uma classe funcionava em outro local: na rua Moreira César, num pequeno salão, próximo à farmácia do Arquimedes. E neste ano, a minha turma tinha aula neste prédio: um pequeno salão, com cerca de 30 carteiras duplas, abrigando os alunos. Sentíamos isolados e sempre que terminava a aula, os garotos subiam até o prédio principal apenas para rever colegas que haviam mudado de classe ou apreciar as meninas que entravam e saiam do prédio. Carrinhos de pipoca, de raspadinha ou de biju nunca desciam a Moreira César para satisfazer um grupo de alunos. Por isso – e este também é outro motivo – nos levava até o prédio central da escola. Lembrar de lágrimas de professoras significa perceber a sensibilidade das mesmas. Nem sempre havia vaso de flores sobre a mesa das professoras, até porque saía uma e entrava outra. Quando o sinal tocava para uma turma sair, a outra já estava no pátio pronta para seguir o caminho das salas de aula. E a gente via a professora saindo com o vaso com meia dúzia de flores. Feliz por ter certeza de que tinha cumprido seu dever: o de ensinar e educar as crianças... Os bombons, curiosamente, Dona Gemma repassava para alguns alunos que se destacavam durante a aula.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Mudança de vida!

Sentiu uma dor forte no peito. Apoiou-se no encosto da cadeira para se manter em pé. Quis gritar por socorro, mas o grito de dor foi maior e seu corpo deslizou, num pouso forçado no chão. A noite caia lá fora e a chuva forte avisava que não iria parar tão já. Relâmpagos e trovões misturaram-se ao grito de dor, enquanto a energia elétrica deixou o ambiente na escuridão. O gerador demorou ainda cinco minutos para ser ligado na empresa e, como ninguém podia ir embora, mesmo com o expediente encerrado, por causa da chuva, o corpo estendido no chão, na sala da presidência, acabou sendo descoberto pela secretária de diretoria e o ambiente mudou de preocupação com a chuva, com o que teria acontecido no local. Quando o médico da empresa, chamado às pressas e que por sorte estava ali por causa da chuva, constatou o infarto, o chamado da ambulância se fez necessário. Mas não se pode dizer que o destino prega peças às pessoas, pois, por causa da chuva, as principais ruas da cidade estavam congestionadas, dois acidentes, na avenida de acesso à empresa atrapalhavam qualquer solução para a chega de socorro. Uma maca do ambulatório ajudou a ajeitar o corpo do diretor infartado e havia a certeza de que não era fatal! Mas havia o alerta de que o fato poderia se repetir e isso preocupava as poucas pessoas ali presentes. Nos corredores e no pátio da empresa, o movimento já era grande, com funcionários indo em busca de seus lares, ignorando o que acontecia no prédio da administração. Encaminhado ao hospital e tendo recebido atendimento, chamou o médico da empresa para saber como repercutira entre os funcionários o que lhe acontecera. Após saber que os 200 funcionários em serviço na hora tiveram a informação e que apenas o médico, sua secretária e mais um diretor aguardaram notícias sentiu que era hora de mudar de postura. Refeito da enfermidade e tendo retomado o trabalho, logo no primeiro dia deixou sua sala e percorreu todas as repartições cumprimentando cada um dos funcionários e se desculpando por não prestar atenção na existência deles. Ao refletir que a vida era curta e que podia se acabar de repente, sentiu que a fraternidade e a partilha são essenciais para um mundo melhor. E mudou! As portas de sua sala passaram a ficar abertas a todos os trabalhadores e os finais de semana se transformaram em encontro de amigos, cada um dividindo a alegria de viver com outro.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Mudança?

Os plásticos fornecidos pelos garotos, agora com comida foram entregues a eles, com a desculpa de que aquilo era tudo que havia e que ela precisava sair, pois estava atrasada. Os garotos agradeceram e caminharam até a esquina. Ela trancou a casa e, acompanhada pelos dois filhos, passou por eles, orientando para que comessem tudo e desapareceu na curva da avenida. Quando retornou para casa duas horas depois, um susto terrível. Imediatamente um volume incontável de lágrimas rolou de sua face. Quando virou o trinco da porta da sala, percebeu que o imóvel estava revirado, que ladrões tinham estado por ali. Na cozinha, nada fora mexido, mas em seu quarto as gavetas estavam reviradas. Um velho chapéu de seu falecido pai que ela guardava com carinho, sumira. No quarto dos filhos, shorts e camisetas também. O choro virou coro dos três e o filho mais velho levantou a suspeita: “foram aqueles dois meninos que você deu comida!” A mãe olhou assustada para ele. Neste instante, uma viatura da polícia estacionava em frente à casa, atendendo solicitação do filho mais novo. Uma olhada geral e suspeitas de quem poderia ter sido foram levantadas pela polícia: no banheiro social, um vitrô estava quebrado, sinalizando que ali era o caminho. Vidro quebrado e aberto mostrava que, por ali, uma criança – e só podia ser uma criança por conta do tamanho do vitrô – poderia passar por ali. A porta da cozinha fora aberta normalmente, o que significava que alguém entrara pelo vitrô e abrira a porta para outro. A polícia recebeu uma rápida descrição dos dois e saiu em busca dos mesmos. Meia hora depois, o retorno com os dois meninos. Um momento único! Os meninos chegaram chorando, talvez por medo, e ela começou a chorar, talvez por pena! Um respirar difícil, triste, com sentimento de não saber o que. Pediu o velho chapéu de volta e, com o consentimento dos policiais, saiu com os dois para conversar. Ao retornarem, ela disse que não registraria queixa, que os meninos iriam mudar de vida. Um silêncio profundo tomou conta de todos. Dois pedidos de desculpas encerraram o fato. E uma dúvida surgiu no ar: é possível ao ser humano perdoar tão fácil e mudar de vida tão de repente?

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sol, chuva e lua

Quando caiu a tarde e as primeiras estrelas começaram a ser penduradas no céu pelas mãos divinas, o pequeno Cristiano imaginou que uma legião de anjos auxiliava nesta ação. Eram muitas, eram infinitas, eram incontáveis! Quando percebeu a lua se ajeitando e começou a aparecer grande e brilhante, imaginou que eram os arcanjos e santos que a empurravam para cima. Vermelha, redonda, completa! Cristiano olhava para o céu cheio de felicidade com tanto brilho e tanta luz. As estrelas piscavam para ele, uma a cada centésimo ou milésimo de segundo! Ele não tinha como contar tudo isso. A lua subia devagar em busca do ponto mais alto do céu. Cristiano se deliciava com tanta beleza. Procurava Deus em tudo isso. Sabia que estava ali, mas só via estrelas e lua. Forçava a vista, para saber se estava atrás das estrelas. Mas... e os anjos onde estavam? Sentou-se no beiral da porta, sem tirar os olhos da lua que subia lentamente. Ficou imaginando que um dia poderia estar ali, junto com os anjos, pendurando estrelas no céu. Sorriu com a ideia, pensou em carregar a lua junto com os arcanjos e de repente sentiu um calafrio na espinha, com sua imaginação: E se fosse escalado para fazer o sol subir? Como isso era feito? Se a lua já era pesada, pois demorava muito a subir, imagine o sol que, pelo tamanho e pelo brilho que estendia, deveria pesar não sabe ele quantas vezes mais. Seu pensamento estacionou agora no dia, pensando no trabalho que dava em carregar o sol sem queimar as mãos. E agora sente um outro arrepio e uma dúvida ainda maior: quem transportava as nuvens cheias de água para provocar a chuva? Será que os anjos do sol não brigariam com os da chuva? Quem tinha mais força? Onde Deus “entrava” para levar paz à situação? Pensou em perguntar para sua mãe, mas achou que iria atrapalhar a novela. Imaginou chamar o pai, mas ele estava lendo jornal, seu irmão Ricardo jogava no computador. E teve, enfim, uma ideia brilhante: perguntar a Deus como era tudo isso. Deu um beijo de boa noite na mãe, correu para o quarto e quis dormir, quis sonhar. E sonhou: um coro de anjos cantava para o sol subir. Quando cansavam vinham outros anjos cantar para a lua aparecer e esta legião era menor: tanto que a lua ficava menor, para um grupo descansar e tinha vez que todos descansavam e a lua não aparecia. E quando chovia, o grupo de anjos crescia de acordo com a necessidade de transportar nuvens. E sonhou se imaginando carregando nuvens de chuva no verão, só prá se refrescar...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Uma última vez!

Ao rever cenas preservadas em minha memória, percebi que o tempo passou rápido demais e que surgiram ações que não tive como controlar e senti vontade de viver mais uma vez. E senti saudade, recordações, senti que um nó forte se amarrou em minha garganta, que as lágrimas tentaram rolar pelos olhos e fiz deste sentimento ou destes sentimentos uma série de desejos. E queria, pelo menos mais uma vez, passar pela avenida São Paulo, rever o local em que nasci. Mesmo que não haja mais aquela velha casa, os pés de caqui, abacate, laranja, jabuticaba. Mesmo que a pequena gruta que construí ao lado da casa também não exista mais. Afinal, a velha casa deu lugar a um barracão, transformado em depósito de sei lá o quê. E queria, pelo menos mais uma vez, passar pela rua General Carneiro, onde existiu o prédio do velho Grupo Escolar Paulo Mendes Silva. Mesmo que hoje, ali, não exista nem menção do que foi, pois o local se transformou numa série de moradias. E queria descer, pelo menos mais uma vez, pela mesma rua, estacionar meus sonhos em frente à escola do Divino e perceber que o velho professor Daniel não está mais lá para dar aulas de educação física, que o professor Storani não está mais para contar histórias de sua vida, que padre Gabriel não está mais dirigindo o local que tem hoje um visual diferente da década de 1960. E queria, pelo menos mais uma vez, descer aos porões da igreja da Vila Arens, só para acompanhar as lições de religião dadas por padre Hugo nos tempos da Cruzada Eucarística Infantil. E recordar a fita amarela, igual à do Batista, do Max, da Vitória, do Vicente, das Marias irmãs, só prá lembrar da primeira Eucaristia, com celebração do padre Alberto, com foto tirada no estúdio ao lado do Empório Bizarro, onde minha mãe fazia a despesa mensal com seu irmão e meu padrinho João. E queria, pelo menos mais uma vez, transitar pelo prédio atual do Paulo Mendes Silva, agora na avenida Fernando Arens onde fiz o ginásio no local onde funcionava uma espécie de filial do Geva. E passar, pelo menos mais uma vez, por onde funcionava o armazém do seu Valentim, onde comprava a pinga do garrafão e o cigarro Fulgor para meu pai. E queria, pelo menos mais uma vez, rever o prédio onde funcionou o Seminário Jordanianum, em Várzea Paulista, onde pensei que poderia ser padre, mas o destino desta vocação era para meu irmão. E queria, mais uma vez, rever a velha pintura da igreja da Vila Arens onde eu disse meu sim à minha esposa, Rita de Cássia, e rever as casas onde moramos nestes quase 32 anos de paz, só prá reviver cada plano desejado, cada sonho sonhado, cada passo dado. E queria, mais uma vez, rever o salão da capela São Cristóvão, em Campinas, onde meu irmão presidiu a cerimônia de batismo de meu filho, Tiago Alexandre. E queria, mais uma vez, rever o prédio no trevo desta mesma cidade, onde funcionou o jornal, onde trabalhei por longos dez anos e, porque não, rever, mais uma vez, o prédio da rua Major Quedinho, em São Paulo onde a profissão continuou. E rever o trem do subúrbio que tantas vezes me encurtou o caminho até a capital só prá gastar menos com a passagem que de ônibus. E queria, mais uma vez, atualizar a memória e rever as viagens feitas nas férias de trabalho, as praias, os mares, mesmo que todos eles sejam um só. Rever, mais uma vez, as vitórias literárias, as conquistas profissionais, só prá sentir o gosto de ser feliz duas vezes. E queria, mais uma vez, viver de novo todos os sonhos, todos os desejos, todas as alegrias, nem que fosse uma última vez!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Levando a vida!

Quando vi Valdir entrando na igreja e percebi sua cabeça totalmente branca, sentindo que seus cabelos haviam sido dominados pelo tempo e perdido a cor original, vi que o tempo tinha passado. Claro que havia anos que não o via, mas ver que todos os cabelos estavam brancos, senti que os meus seguiam o mesmo caminho. A surpresa foi igual quando encontrei com João, no centro da cidade e o percebi totalmente calvo. Me aproximei calmamente e o questionei se “se lembrava de mim”. A resposta veio rápida: “amigo, o tempo me fez perder os cabelos e voce ‘grisalhou’, como vou me lembrar quem é?” Claro que a conversa terminou em riso, lágrimas de saudade de um tempo que nos foge das mãos. Mas ficou um misto de tempo perdido nestas coisas da vida que passam como se imaginássemos importantes e não deixaram marcas imagináveis. E o papo girou em torno dos anos que as pessoas perdem longe umas das outras, envolvidas em situações que não se explicam. E não se explicam porque temos que trabalhar, ganhar o sustento, correr para não ser vencido pelo tempo, mas que, de repente, percebemos que perdemos para ele. Mas ver os cabelos tingidos de vermelho da morena Beatriz me fez ter certeza de que o tempo passou não só para os homens calvos ou grisalhos, mas para as mulheres que tentam esconder o que não volta mais. E se houvesse um debate para saber quem envelhece mais rápido, se homem ou mulher, diria que é a cabeça – não os cabelos – que definem a idade do ser humano. Não importa se 30, 60 ou 90 anos, o que vale, o que faz a pessoa viver é a mente. Rugas podem mostrar o desgaste do corpo, mas é a mente que define o tempo de vida que teremos pela frente. Mas é claro que isso não tem lógica. Percebemos que tempo passa para nós, quando nos deparamos na frente do espelho ou no visual do amigo ou da amiga, mas não podemos, nunca, definir o tempo que cada um tem para viver. Pode parecer incoerência o que acabei de dizer, mas a lógica do mundo faz-nos prever que nascemos, crescemos e, depois de muitos anos, deixamos este mundo de Deus para, dependendo da crença de cada um, passar para uma outra dimensão Mas a realidade nos mostra uma infinidade de diferenças. Às vezes ficamos sabendo que, há anos, um amigo se foi e só soubemos disso quando resolvemos marcar um encontro dos formandos do curso X. Definida a lista dos 40, descobrimos que parte deles já chegou à outra dimensão. E isso nos frustra, nos decepciona, nos mostra que passamos junto com o tempo. Refletimos sobre a vida que é só uma, que não há máquina do tempo que nos faça voltar para realizar o sonho que nos fugiu por entre os dedos. Percebemos que o dia de hoje rapidamente será ontem e que o amanhã já está batendo na porta, querendo entrar e passar. E passa, sem perguntar se pode ou se queremos que assim seja e desaparece deixando lembranças ou marcas que não se apagam jamais. Sem querer copiar Vinícius de Morais que dizia que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, lutamos para levar esta empreitada até o fim, mesmo que tenhamos que perder os cabelos ou deixá-los brancos. Mesmo que tenhamos que olhar no espelho e nos imaginarmos vencedores da batalha, sem que o juiz tenha dado o apito final.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Erros e acertos

Quando as portas do trem se fecharam e a mulher viu seu filho do lado de dentro, ficou desesperada. Descuidadamente soltara a mão do menino de cinco anos e, ao ver a porta do trem se abrindo, o menino imaginou ser seguido pela mãe. Antes mesmo de o trem deixar a estação do metrô, percebia-se a criança, assustada, colocada na porta, gritando pela mãe. Tive a impressão de que, no desespero, ela fosse saltar pela linha e correr atrás do trem que levava seu filho. Seguranças da estação aproximaram-se da mulher, para tentar tranquiliza-la. Duas mulheres, também funcionárias do metrô também a protegeram. “Um segurança já está cuidando de seu filho dentro do trem. Fique tranquila que em menos de cinco minutos seu filho estará contigo”. O fato me chamou a atenção. Não havia necessidade de me envolver mais com o caso, mas como todo ser humano, a curiosidade sobre o fim desta história do cotidiano, me fez entrar no mesmo vagão do próximo trem que já estacionava na estação. Os quatro funcionários do metrô – dois seguranças e as duas mulheres – entraram num dos vagões. A mulher já não chorava mais, me pareceu que se acamara. Entrei pela porta ao lado e fiquei observando a ação. Pelo rádio, um dos seguranças conversava com alguém. A impressão que tive é de que uma pessoa já segurava o menino pela mão na estação seguinte à espera da mãe. Antes de as portas se abrirem na próxima estação, já estava colado numa delas. Meus olhos estavam fixos naquelas cinco pessoas. As portas se abriram e sai muito rápido. Queria acompanhar o reencontro. Apesar da grande quantidade de pessoas na estação, não foi difícil visualizar o pequeno menino de mãos dadas com duas funcionárias do metrô. A mãe se desvencilhou muito rapidamente das pessoas que a acompanhavam. O filho voou de onde estava, agora chorando novamente, para os braços da mãe. O abraço foi forte, apertado. As lágrimas dos dois se misturaram. Os beijos da mãe tinham sabor de lágrimas, com certeza! Num segundo os dois estavam cercados por uma multidão de pessoas. A reação de todos foi uma só: aplausos para o desfecho! Me afastei na certeza de que erros acontecem, mas os acertos são sempre mais fortes e emocionantes, apesar dos riscos ocorridos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Calor!

O relógio marcava 18 horas e o sol já tinha se despedido. O inverno vivia seus melhores dias, com temperatura baixa e um vento que gelava até a alma. Tentou imaginar uma fórmula para que sua mão não ficasse congelada. O vento, se não gelava a alma, cortava os lábios. Nunca tinha sentido um frio tão forte como este. O movimento de pessoas era pequeno nas calçadas, mas as ruas estavam cheias de carros. Todo mundo dando jeito de não encarar o vento. Na primeira esquina que parou para tentar chegar ao ponto de ônibus do outro lado, se assustou: uma menina com não mais que 9 anos, levava pelas mãos seu irmão que tinha pouco mais do que a metade de sua idade. O susto não foi simplesmente por vê-los. O susto é que ambos estavam sem blusa indo não se sabe prá onde. Apesar do frio, sentiu seu corpo pegar fogo. Ficou sem ação com a imagem que via. O ônibus sinalizou lá na curva. O semáforo fechou para que os pedestres pudessem atravessar. Era a “deixa” para não perder a condução. Perdeu! Não sabe porque, mas tirou a jaqueta que usava e se antecipou às pessoas que caminhavam à sua frente, rindo não se sabe do que. “Menina!” se esforçou, gritando para ela. Parece que ela esperava isso de alguém! O menino tinha os lábios roxos de frio, seu corpo tremia todo. Jogou a jaqueta nas costas da menina que a estendeu para o irmão. Cada um, com uma mão, puxou as pontas,e abotoando o primeiro botão, reduzindo o frio. O menino sorriu, como que agradecendo. “Te devolvo amanhã”, disse a menina. O homem perdeu a fala. Sentiu que a jaqueta os aquecia e se afastaram. Se despediu da jaqueta, seguro de que ela os aqueceria durante todo o inverno. Ignorou a frase da menina. “Ainda bem que você tinha outra blusa”, disse sua mulher, já em casa, quando relatou a ela o que acontecera. Na manhã seguinte, ao abrir a porta, saindo para o trabalho, uma surpresa: no portão, a menina loira o esperava com a jaqueta na mão e uma blusa amassada aquecia seu corpo. O pequeno irmão também estava agasalhado. “Como achou minha casa”, perguntou surpreso, de posse, de novo de sua jaqueta. “Segui o calor de seu coração!”, completou a menina, subindo a avenida e seu irmão acenando, olhando para trás.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O garoto

Quando o menino atravessou a rua e veio me oferecer balas de goma por R$ 1, e, por causa da minha pressa – ou desculpa? – disse a ele que tinha Diabetes e que não poderia fazer uso do produto. Ele reduziu o passo, foi ficando para trás, mas ao invés de acelerar, parei! Me votei para ele, mas o movimento intenso de pessoas, fez com que ele desaparecesse. Não sei se por encanto ou por desencanto, mas ele estava longe da visão dos meus olhos. Senti remorso por não ajudá-lo naquele instante. Quando a consciência pesou, o busquei com os olhos, mas não imaginava que o desaparecimento fosse tão rápido. Voltei até a esquina, procurando lentamente por ele. Senti o gosto da bala de goma amargando minha boca. Decidi retomar o caminho quando uma voz me deteve “tio!” Me voltei rapidamente e ali estava ele, me olhando e sorrindo. - Quantos anos você tem? - Cinco! - Você só tem bala de goma para vender? - Agora não tenho mais. Consegui vender todas. - Mas ainda é cedo, já parou por hoje? - Não tio, vou buscar mais. - E por que me chamou? - Ia pedir desculpas, não sabia que o senhor era doente. Não consegui continuar o diálogo. Senti um nó na garganta. - Tchau! – Disse ele sorrindo. Consegui encostar minha mão em suas costas. Ele parou, me olhou, tomei-o pela mão e o levei a uma padaria. Não perguntei o que ele queria. Seus olhos brilhavam. “Escolha”, disse eu e o vi se deliciar com lanches e doces. Paguei a conta e saímos para a rua. “Tio, preciso ir, vou comprar um lanche pra meu irmão mais velho que está na escola. Obrigado pela comida. Acho que estava com fome”. Seu corpo escapou de minhas mãos. Não tive nem como dizer que comprava para ele também. Já do outro lado da rua movimentada, ele me acenou. Se misturou na multidão e desapareceu, sem me dar chance de agradecer pelo bem que me fizera.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Presente do Dia dos Pais

Início de semestre na escolinha de futebol de salão em Campinas, onde meu filho Tiago cresceu, era cheio de surpresas. Depois das férias de julho, na primeira aula de agosto, Valdir, o professor da escolinha Eta, informava aos alunos e aos pais presentes – e eu não perdia uma aula... – que no sábado seguinte haveria a premiação dos melhores do primeiro semestre e um jogo de confraternização entre os pais, já que a aula ocorreria na véspera do Dia dos Pais. Camiseta, shorts, meia, tênis e lá vamos eu e meu filho, com seus seis anos de idade, para mais uma aula. Sabia que seria difícil jogar, mas o importante era ver a avaliação do desempenho de meu filho no semestre anterior. Não havia esperança de vê-lo premiado, até porque ele chegou a jogar algumas vezes no gol e outras vezes como atacante. Mas poderia, imaginava eu, vê-lo como uma medalha de honra ao mérito pela dedicação e desempenho. Não sonhava vê-lo nos campos, se transformando em jogador profissional, mas o importante era o contato com a bola, as novas amizades. E Tiago sempre foi um “criador de amigos”. Mesmo com poucas palavras, os garotos gostavam de brincar ou conversar com ele. Era comum minha casa se transformar em “área de lazer” do bairro, por conta do grande número de garotos que vinham jogar botão, andar de bicicletas – e às vezes o passeio esticava até a rua -, assistir televisão ou, na época certa, construir pipas e rabiolas. O começo da premiação foi uma rotina conhecida: o agradecimento aos presentes, os parabéns aos alunos pelo desempenho e, em seguida, um pano branco libera a mesa onde estão os troféus e medalhas a serem entregues aos jogadores: melhor jogador, goleiro menos vazado, artilheiro, jogador com menor número de faltas, melhor jogador e pronto! Pelo grande número de medalhas dava para imaginar que cada garoto teria a sua, principalmente para incentivar a presença e participação. Com seus cinco anos de idade, percebia seus olhos brilhando, olhando a mesa com os prêmios. Mas... não havia prêmio de “honra ao mérito” como eu sonhava. Começada a premiação, as medalhas desapareceram rapidamente da mesa, contemplando todos os participantes e sendo chamados seus pais para entregarem as medalhas. A alegria foi geral, com todo mundo contemplado. E lá vem o prêmio de artilheiro, de goleiro menos vazado e Valdir chama Tiago para receber o troféu. Me surpreendi, pois nunca o imaginei jogando de goleiro, tanto que nunca me preocupei em contar, durante as aulas, os gols que sofrera. E, de repente, a surpresa maior: Valdir chama, a mim, para entregar o troféu de melhor aluno do semestre. E Tiago foi chamado para receber o troféu. Claro que quase o troféu caiu de minhas mãos no momento da entrega, mas o abraço de agradecimento de meu filho, imagino ter transferido para mim o prêmio. Depois disso não tinha como pais jogarem entre si, mas, por longos dez minutos, ficamos em quadra, “tentando” mostrar que sabíamos jogar. Emocionados, os garotos ficaram sentado nos bancos ao redor da quadra, gritando as mesmas frases de incentivo: “vai pai!” “chuta pai!” “faz o gol pai!”... Obedientes, os pais se desdobravam na quadra e o 0 a 0 no final, mostra o que foi o jogo. No dia seguinte, no café da manhã, acordado pela mãe, Tiago traz sue presente: uma pequena pedra pintada por ele para ser usada como peso de papel. Um abraço e a frase inesquecível: “Pai, aqueles troféus que ganhei ontem, eu divido com você!"

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A água do vinho

Uma das lições que aprendemos na vida era de que o primeiro milagre de Jesus foi transformar a água em vinho. Um fato relatado na bíblia e que é motivo de leituras em celebrações religiosas, principalmente em casamentos, já que o milagre aconteceu num deles. Mas confesso, quando era criança, imaginava que meu vizinho, Antonio Torelli, fazia o mesmo milagre! Claro que não era exatamente igual, por isso não fazia parte de nenhuma celebração religiosa. Mas quando a gente ouvia Ana chamando meu pai, sabia que o vinho estava pronto. Não, não o vinho milagroso! O milagroso vinha num outro garrafão que meu pai entregava para Ana, pelo muro. Não me sinto louco ao relatar isso mais de 50 anos depois e com a mesma reação da época: “vou tomar vinho hoje!” Quando seu Antonio retirava o vinho que fizera às escondidas no barracão em seu quintal, sua filha Ana ia até o muro, chamava por meu pai e pedia dois garrafões. O movimento em casa era grande: um dos garrafões era para meu pai, com este vinho feito às escondidas. O outro garrafão era para nós, os filhos, tomarmos! E o “milagre” de seu Antonio era simples: quando ele retirava da cartola o liquido curtido e transformado em vinho, sobravam os bagaços da uva. Estes bagaços ficavam na cartola, já que não passavam pela filtragem feita por seu Antonio e que jogava o vinho nos garrafões de cinco litros, sendo destinados às encomendas já preparadas pelo “produtor”. Agora vem o relato do “milagre de seu Antonio”: O bagaço da uva era lavado antes de ser jogado fora e esta “lavagem” transformava a água numa cor vermelha, clarinha e com gosto de vinho fraco, destinado às crianças e mulheres. Esta “lavagem” a gente chamava de água do vinho. Afinal, tinha a mesma coloração, mesmo que mais clara, pois meu pai orientava a colocar bastante água para nenhuma criança passar mal. Enquanto os garrafões não voltavam para casa, ninguém dizia uma palavra. Era um silêncio total, imaginando o que iria vir. E Ana, novamente no muro, chamava por meu pai que escolhia um dos filhos – geralmente Ademir, o mais velho – para acompanhá-lo até a casa ao lado. Sabíamos que era dia de festa! O vinho estava pronto! Ademir voltava segurando o garrafão com as duas mãos e feliz da vida, pois já tinha degustado o “nosso” vinho, diretamente do produtor. Meu pai entrava com o outro garrafão, separava alguns litros e já mudava o produto de lugar, “para descansar”. “Nosso” vinho também passava para litros e já podia ser provado: por orientação de nossos pais, açúcar para deixar o vinho menos amargo, como se aquela água pudesse embriagar alguém. Mas a gente saboreava, às vezes colocando mais água para ficar mais fraco, dependendo da idade da criança. E o “milagre” estava completo: aquela água tinha, agora, um sabor de vinho especial!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Decorando o catecismo

- És cristão? - Sim, sou cristão pela graça de Deus. - Qual o sinal do cristão? - O sinal do cristão é o sinal da cruz. E lá ia a catequista perguntando e o aluno respondendo, exatamente como estava no catecismo da Primeira Comunhão. Decoradamente! Certo ou não, a verdade é que terminávamos a catequese preparados, sabendo exatamente o que estava acontecendo e o que ia acontecer, principalmente no último domingo de outubro quando acontecia a missa de Primeira Comunhão. O curioso, nisso tudo, é que tínhamos realmente que decorar a lição. E tínhamos uma semana para fazer isso e era como se fosse “chamada oral”. A catequista apanhava o catecismo da mão do aluno – que não podia esquecer em casa, pois tinha que ir buscar ou ficava com falta naquele dia. Fazia as perguntas e a resposta tinha que ser exatamente o que estava escrito no catecismo. Se respondesse tudo, corretamente, passava para a lição seguinte. Até terminar o catecismo. Naquele tempo, em 1959, as aulas de catequese, na igreja de Vila Arens, ocorriam dentro da própria igreja, pois não existiam as enormes salas de hoje e, no porão, os espaços estavam tomados. A catequese era de segunda-feira à tarde e ia de agosto a outubro. Só “estava preparado” quem concluía o catecismo. Adilson Luis Colucci, que fazia o primário comigo, passou o catecismo inteiro umas cinco ou seis vezes: terminava e começava de novo. A catequista perguntava qual era a lição, se o aluno soubesse tudo, ela vinha com outra pergunta: “Sabe a lição seguinte?” Se soubesse ia em frente... - Quem é Deus? - Deus é um espírito perfeitíssimo, eterno e criador do céu e da terra. Pronto! Mais uma resposta certa, mais uma lição em frente... O curioso é que ficávamos atentos para decorar. E eu não era bom nisso. Foram inúmeras as vezes que saí frustrado da reunião, tendo que estudar, de novo, para a próxima aula, enquanto via Adilson deslanchar lá na frente... Me lembro que consegui completar o catecismo no início de outubro. E ainda vi Adilson passar por ele inteiro, mais uma vez. Não consegui chegar, na segunda vez, aos Sacramentos, mas fui aprovado na escola de Deus, na base do “decoreba”. E o silêncio nas reuniões era total. Principalmente por quem ainda não tinha sido perguntado, pois aproveitava as perguntas dos outros, para continuar estudando, sem tempo para conversar com o colega do lado. E no domingo marcado, com jejum desde a noite anterior, suando frio e vestindo terno azul marinho de calças curtas e gravatinha borboleta, recebi, no meu coração, o corpo de Cristo que o padre não dizia como faz hoje, pois a missa era em latim e a gente não entendia uma palavra do que ele rezava. Mas a gente rezava o que sabia...

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Lembrança

O galpão com pintura nova mostra que o local passou por uma reforma recente. De cada lado, duas residências antigas dão sinais de que, o galpão, apesar de aparentemente novo, já teve outra "cara" e que, antes, ali existia uma casa igual aos imóveis ali ainda existentes. E tive que parar ali, remexer em minha mente e recuperar fotos antigas que mantemos dentro de nós. E revi filmes de minha infância, recuperei fotos memoráveis que encontrei no arquivo de minha mente e senti uma saudade forte, uma vontade de entrar por aquele galpão e tentar encontrar a porta de meu quarto, as janelas da sala, a porta da cozinha. É que...é que... onde existe este galpão hoje, havia uma casa. E nesta casa moraram meus pais, meus irmãos e eu... A ausência do imóvel provocou uma pequena dor no peito que controlei para impedir que fosse maior. Senti que duas lágrimas iam rolar face abaixo, mas tomei fôlego. Senti que precisava ir em frente, que tinha que continuar, porque a vida não parava e nem parara naquele local. Já se passaram quase 33 anos que deixei o local para formar minha família atual. Já se passaram quase 25 anos que minha mãe se despediu de todos, certa de que cumpria sua missão, e 22 que meu pai foi em busca do grande amor de sua vida. E foi no intervalo da partida de um e de outro que a casa foi negociada. Até porque, dos seis filhos seu Alcindo e dona Angelina, um se ordenara padre, três já estavam casados e aquela casa ficara grande demais para meu velho pai e meus dois outros irmãos. E a casa passou a fazer parte de nosso passado... Não sei se o leitor consegue lembrar algo que já não existe mais. Lembrar uma cozinha, com pessoas conversando, enquanto dona Angelina preparava o almoço de domingo e seu Alcindo chegando do quintal com alguns pés de alface para a salada. E a verdura vinha da própria horta. Do quintal daquela casa, cujo terreno tinha mil metros quadrados e era ali que colhíamos verduras e muitas, muitas frutas diferentes: abacate, manga, goiaba, laranja, limão, caqui, pêssego, ameixa, jabuticaba. Enfim, uma infinidade de frutas que muita gente imagina que só existe na feira... E a casa virou saudade, virou lembrança. E aquelas lágrimas que disse ter tentado segurar, agora deslizaram face abaixo. E me lembrei, também, de uma conversa em família, quando comentei que chorava de saudade triste e fui acarinhado por um de meus irmãos que me garantia que "lágrimas não são de saudade triste, mas de emoção de compreendermos o quanto foi bom ter vivido aquilo." E percebi, então, que ele tinha razão. Que sempre que falamos em saudade, parece haver uma dor de tristeza dentro de nós, mas concluímos que ela não pode ser encarada assim: triste é não termos vivido, triste é passarmos em branco por aqui, triste é não termos compartilhado, triste é passarmos ao lado e não junto com os fatos. Aí meu irmão me puxa pelo braço, me mostra o céu azul, com nuvens formando imagens de felicidade, e completa seu pensamento, dizendo que, junto com tudo que vivemos existe sempre o sentimento de agradecimento. Claro que a gente não queria que o tempo passasse, que aqueles momentos passassem ou, hoje, a gente queria que voltasse... Mas - e este mas é fundamental - foi bom ter vivido tudo isso e estar aqui, neste instante, para lembrar. E a lembrança provoca emoções e reações diferentes em cada ser. Eu peço licença e desculpas a todos, olhar novamente para aquele galpão, visualizar em seu lugar minha antiga casa e chorar. Um choro de agradecimento a Deus por ter vivido ali...

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Capucheta e maranhão

Não tenho vergonha de dizer que jamais consegui fazer um papagaio ou pipa. Mas no meu tempo de criança, era papagaio mesmo! Nem quando meu filho era pequeno! Boa vontade, não nego, tinha, mas na hora de cortar o papel de seda, amarrar as varetas e de passar a cola, era um desastre. O máximo que conseguia fazer era empinar a pipa. Sempre acompanhava o trabalho de meu irmão Ademir. Depois ele me dava carretel e papagaio, aí, não tinha jeito: ele subia para o céu... Mas aquele que eu achava que era mais fácil de subir era o maranhão, feito com três varetas de bambu apenas: uma cruzando a outra e uma menor, mais abaixo. A maior das duas tinha um formato de arco. Elas eram presas uma à outra e a linha dava uma volta em ambas. Em seguida, colava-se o papel de seda, fazia-se o estirante, a rabiola e era hora de brincar. Mas domingo à tarde, quando Ademir saía com os amigos para a matinê e eu não o acompanhava, era um terror: queria empinar papagaio, mas não havia nenhum em casa. Até porque esta não era a brincadeira preferida de meu irmão mais velho. O jeito, então, era partir para algo diferente: uma folha de jornal dobrada ao meio, um recorte com a tesoura, formando uma espécie de bico, um estirante unindo as duas pontas, uma rabiola de papel e pronto: a capucheta já podia subir. Apesar de morar na região mais baixa da vila Progresso, o vento se fazia presente sempre, principalmente nos meses de julho e agosto, em pleno inverno. Por causa do grande quintal, ficava fácil colocar o papagaio ou a capucheta no ar. Ela não tinha muito recurso, subia cinco, dez, vinte metros, no máximo! Agora, o papagaio maranhão ia longe: carretel inteiro de linha. E a linha tinha que ser 24, comprada na lojinha da dona Duvica! Opção diferente era sair da missa, no domingo de manhã, passar pela feira e procurar algum maranhão à venda. Se não encontrava, sabia que não era tempo de papagaios e que os ventos eram fracos. O gostoso, ainda, era a competição: quem conseguia colocar o papagaio no ar em primeiro, quem conseguia fazer um mais bonito, quem conseguia mandá-lo mais longe, qual ficava mais tempo no ar... A alegria da brincadeira estava, exatamente, em sentir o domínio sobre o papagaio. Soltar a linha quando se percebe que o brinquedo está “puxando”, pois o vento é forte. Claro que muitas vezes o papagaio dava cambalhotas e era preciso recolher a linha e aumentar a rabiola. Mas estas dicas ninguém precisava falar, eu ficava de olho no movimento de meu irmão ou dos outros garotos da rua e aprendia rapidamente as ações. E era lindo ver o papagaio subindo, dançando no céu, de um lado a outro. E se sentir superior, em dominar o brinquedo. O triste – e isso ninguém conseguia fazer as lágrimas pararem de descer pelo rosto – era quando quebrava a linha e o papagaio ia embora, desaparecia do outro lado das casas, numa distância que não conseguia ver, pois as lágrimas embaçavam os olhos e atrapalhavam a visão. Só conseguia me acalmar quando vinha a idéia de fazer a capucheta. Mas a dor voltava a ser mais forte, quando o vento passava e a capucheta não saía do chão. Nem correndo de um lado para outro do quintal. Nem suando em bicas para ver aquele pedaço de papel voando sob meu comando. O jeito era sentar no portão, olhar para o céu e procurar um papagaio parecido com aquele que acabara de perder. Às vezes até torcer para alguma linha se quebrar para um papagaio cair bem ali, pertinho de onde eu estava. E lá ia o papagaio dançando no céu, subindo, circulando, bailando, balançando, subindo, rumo às nuvens, rumo ao céu azul, rumo a um sonho inatingível!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Corte de cabelo

Nem sempre as coisas que minha mãe mandava fazer eram aceitas imediatamente por mim e meus irmãos. Às vezes, se era para dar um pulo no armazém do seu Valentim, a gente já dizia “manda meu irmão”. E dona Angelina não conseguia ficar brava, mas sabia que, um minuto depois a gente se arrependia do que dissera e corria ao armazém. Culpar outros por alguma coisa mal feita era algo que dona Angelina sabia quem dizia a verdade ou não. A vida sempre ensina que “o mais novo é sempre o culpado”, já que em brincadeira de criança mordomo não tem vez, principalmente quando são crianças que moram em bairro afastado do Centro... Mas dona Angelina, com seus olhos azuis, vislumbrava a verdade dos fatos e sabia quem era inocente e quem era culpado. Mas se tinha algo que não dava para “escapar” era na hora de cortar o cabelo. E dona Angelina fazia questão que a gente não deixasse o cabelo crescer demais. Primeiro porque os Beatles ainda não existiam e segundo porque “cabelo comprido é coisa de mariquinha”... Dinheiro trocado no bolso lá íamos para o salão do seu Waldemar. Na verdade, eu não gostava muito de ir cortar o cabelo, principalmente porque não gostava muito de conversar e porque seu Waldemar vivia perguntando coisas, contando histórias. E eu não via a hora de levantar daquela cadeira... Gostava de ouvir o barulho do motorzinho passando pela cabeça, cortando o cabelo. E os tipos de cortes eram variados: a gente tinha que cortar “topete” que eu odiava, mas que não tinha como fugir dele: criança tinha que usar o corte “topete”. Meia dúzia de fios de cabelo na frente e o resto o motorzinho cortava. Outro corte que a gente gostava, mas dona Angelina achava que crescia rápido e logo tinha que pagar de novo era o corte “escovinha”. Para justificar o crescimento rápido, ela dizia que este tipo de corte de cabelo a gente poderia usar quando estivesse no Quartel. Por último, o estilo “americano”, quando o motorzinho “tirava” dois ou três centímetros do cabelo, na parte debaixo, depois a tesoura reduzia o volume todo e penteava-se de lado, com uma divisão no lado esquerdo da cabeça. Este corte era usado para quem já estava trabalhando, pois ficava mais “com cara de homem”. Mas depois de um tempo penteava-se tudo para trás e, com o pente dava uma “puxadinha” em uns fios de cabelo que caíam na testa. Só para ver se as menininhas olhavam para a gente. Mas não me lembro de pessoas tirando sarro dos cortes de cabelo que usávamos. Primeiro porque seu Waldemar cortava direitinho e era uma pessoa paciente. Quantas e quantas vezes ele teve que parar o corte, pois a gente tinha vontade de ir ao banheiro e não podia esperar. E seu Waldemar, pacientemente, esperava pela gente. Dava vontade de ir embora, mas a loção de barba que ele usava para desinfetar a ação da navalha era suficiente para fazer a gente “ir até o fim” no corte. Seu Waldemar só conheci na infância. Primeiro, com um salão na avenida São Paulo, na casa da família Motta, depois quando construiu o salão na frente de sua casa, na rua da Várzea. Depois disso, na metade da década de 60, quando ainda curtia a adolescência, o salão visitado era dos irmãos Durães, na avenida São Paulo, perto da Sifco. Ali o corte de cabelo tinha um gosto especial: tinha jornal para se ler ou revistinha do pato Donald ou do tio Patinhas. E isso a gente podia levar até a cadeira na hora do corte. Isso significava que não precisava ficar conversando com ninguém. Fazia de conta que estava lendo e pronto! E o barbeiro sabia respeitar a vontade do freguês...

sábado, 30 de junho de 2012

A comadre e o sacristão

Dona Josefa e seu Pedro tiveram uma vida muito próxima à de minha família. Seu Pedro, por ser o sacristão da igreja de Vila Arens, onde eu e meus irmãos frequentávamos as missas dominicais. Dona Josefa era sua esposa. Uma mulher meiga, religiosa acima de tudo. E ela e minha mãe se davam muito bem. As duas tinham algo em comum: filhos nos seminários, com o sonho de se ordenarem padres. Claro que tendo mães como dona Josefa e dona Angelina, estes sonhos se tornariam reais. E hoje, dona Angelina, lá do céu, inspira o filho Toninho durante as missas, e dona Josefa está ao lado dela, juntamente com padre Hélio. E dona Angelina e dona Josefa sempre se trataram po r “comadres”, mesmo antes de serem. Quanto meu irmão caçula, o Alberto, tinha ainda 2 ou 3 anos de vida e passava parte do dia brincando junto ao portão da casa, era por ali que, diariamente seu Pedro passava para ir à igreja. E era ali que conversavam – não sei se um entendia o que o outro dizia, mas conversavam... E esta amizade entre eles fez dona Josefa sonhar com seu Pedro sendo o padrinho de crisma de Alberto. E foi isso que aconteceu. E dona Josefa virou “comadre”, literalmente, de dona Angelina... Vi sempre seu Pedro como um homem sério, calado, trabalhador. E gostava de estar na sacristia, preferencialmente antes da missa, pois tinha oportunidade de subir até a torre da igreja e tocar o sino, pendurado numa corda. E seu Pedro se sentia feliz ao ver a gente feliz com o badalo do sino... Mas acompanhar conversas de dona Angelina com dona Josefa, a certeza era uma só: os filhos caminhando para o sacerdócio. Era tudo que elas sonhava m, era a oração diária delas. E Deus fez isso acontecer em suas vidas. Para a realização total. Padre Toninho, meu irmão, vive e trabalha em São Paulo. Padre Hélio teve a mesma rotina, mas faleceu no ano passado. Dois padres daqui trabalhando para Deus na Capital. Mas uma lembrança forte da grande amizade das duas comadres é o dia 20 de março de 1988. Foi neste dia que dona Angelina, vendo realizado todos seus sonhos, com filhos estudados, formados e um deles padre, que foi fazer companhia a Maria Santíssima. E neste dia, com nó na garganta, nenhum dos filhos tinha força para, em voz alta, conclamar os amigos a orarem pela alma de dona Angelina. E era dona Josefa que, com o mesmo nó na garganta, mas com uma força e coragem que ela sempre teve, que rezou o terço pela alma de dona Angelina. E a cada mistério, a cada invocação, ela fazia questão de dizer “para que a alma de comadre Angelina descanse em paz...” Quer uma certeza mais for te da união de duas comadres do que esta? Meus olhos procuraram por dona Josefa pelo velório para agradecer as orações. Não tive força nem voz para agradecer, mas senti, no seu olhar, que percebeu meu agradecimento. Lentamente, aproximou-se de mim, colocou a mão em meu ombro para me dizer, bem baixinho: “a comadre já está com Deus”. São estas coisas consideradas pequenas por nós, mas que são uma enormidade diante da grandeza de Deus que imagino aquele sorriso meigo e doce vendo, ainda hoje, padre Hélio celebrando suas missas no céu, com as participações das duas comadres e de seu Pedro, sacristão.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

E o balão não subiu...

Dia, mês e ano me lembro muito bem. A hora já nem imagino mais qual seria. Afinal, ninguém é perfeito!!! Mas posso dizer que foi no dia 29 de junho de 1958, quando o Brasil venceu a Suécia, por 5 a 2 e conquistou o primeiro título mundial de futebol. A outra certeza que tenho é de que o fato ocorreu após o final do jogo, quando o Brasil já comemorava a conquista. Mas tudo começou na manhã daquele domingo. Ademir, meu irmão mais velho, passou algumas horas trabalhando. E o trabalho era sério: confeccionar um “balão caixa de oito folhas”. Naquele tempo, soltar balão não era proibido. Eram balões pequenos... Só depois veio a orientação sobre os riscos dos balões na rede elétrica... Ademir comprou o papel, dividiu em duas cores: quatro amarelas e quatro verdes. Recortou, colou e montou o balão com carinho. No meio do mesmo escreveu “Brasil” e, em baixo “Suécia”. A idéia era colocar o placar e mandar o balão para o céu, assim que terminasse o jogo. Balão pronto, foi deixado sobre a cama de Ademir, com a orientação de ninguém mexer. Até a hora de o jogo acabar. E rola a bola... Suécia 1 a 0! Meu pai Alcindo levanta da cadeira, apanha um cigarro e dá a primeira tragada. Ademir coça a cabeça, talvez sonhando com o balão não subindo. Brasil 1 a 1. Brasil 2 a 1; Brasil 3 a 1... Brasil 5 a 2! E o jogo termina. Brasil campeão!!! Ademir recorta os números 5 e 2, cola no balão, na frente dos nomes dos países, apanha a tocha, feita com estopa, cera e parafina, embebida no querosene, prende com arame na “boca do balão” e chama todo mundo para ajudar a soltá-lo! Como os irmãos eram todos pequenos – eu tinha 7 anos e Osmar, abaixo de mim, tinha apenas 4. Ana Maria preferia olhar de longe, minha mãe Angelina pedia cuidado, seu Alcindo sorria feliz com a conquista e Ademir corre em busca de amigos na rua, para por o balão no céu. Aparecem rapidamente Adilson, Nê (irmão de Cipó) e Luciano, primo de Adilson. No portão aglomeram-se pessoas para assistir e isso deixa todo mundo concentrado no balão. Cada um segura em duas pontas. Osmar também quer segurar e isso me faz cuidar dele. Como somos pequenos, seguramos duas pontas debaixo, bem perto da boca. Ademir ajoelha-se, risca o fósforo e encosta na tocha. “Tem fogo!”, grita ele. E todo mundo se concentra mais ainda. O balão estufa, um calor enorme toma conta das pontas do balão. E Nê grita do outro lado “tem fogo no papel”. E sai correndo. Luciano solta a outra ponta, dona Angelina grita da porta da sala, Ademir rola pelo chão e se afasta do fogo que consome o balão. Me lembro de ter puxado Osmar pelo braço, que chora, reclamando que a perna estava ardendo. A tocha queima no chão. Sozinha! O balão não existe mais... Um ar de frustração toma conta do local. A solução foi continuar olhando para o céu e contando os balões que brilhavam no alto. Eram balões de muitas espécies: caixa, estrela, cruz, chapéu de padre, peão. Balão com bilhetinho pendurado e lá vou eu contando: 120, 130, 150 balões. E quando a noite já está avançada e é hora de dormir e contabilizo 225 balões durante todo o dia é que me lembro do balão do Ademir que não subiu. Já com a cabeça no travesseiro, olho para Ademir talvez pensando no balão subindo, subindo que faço a mesma coisa: olho para o teto de minha casa e fico vendo o balão verde e amarelo, subindo e indo cair bem longe, bem longe, na Suécia. E Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo comentando a beleza das cores, o resultado do jogo, aparecendo com destaque e imaginando quem teria tido tanta imaginação para fazer um balão tão bem feito... Viro de lado com um sorriso nos lábios e tendo a certeza de que a imaginação de uma criança vai muito mais longe do que um balão verde e amarelo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A Quadrilha no Dragão Mecânica

Já disse aqui que o Dragão Mecânica fez parte importante na minha vida. Na minha infância, passava diante dela pelo menos duas vezes por semana ou quando fugia de um colega que classe ao manter seu nome na lousa quando a professora se ausentava da sala de aula. Além de assistir o futebol que era jogado todo domingo, uma vez por ano eu adentrava o outro portão do Dragão para assistir, no mês de junho, a festa junina que se resumia ao casamento caipira e a dança da quadrilha. Tinha gosto de assistir esta dança, pois a sanfona provocava as pessoas, fazia com que elas se movimentassem e o abre e fecha do instrumento me deixava “babando” ao ver a agilidade daquele senhor de quem sempre tive receio de me aproximar e pedir prá tocar uma musiquinha qualquer e ver o movimento dos dedos do músico. Nos meus tempos de infância, o calendário era motivo de alegria: os dias dos três santos – Antonio, João e Pedro – eram feriados em todo o país. E a noite anterior a festa acontecia em todos os cantos. Rojões, fogos, balões de todos os tamanhos invadiam os céus. Em 1958, por exemplo, quando o Brasil ganhou o primeiro mundial de futebol, os balões forraram o céu, mas ninguém disse que a Serra do Japi fora afetada. E era dia de festa na quadra de futebol de salão no interior do prédio do Dragão Mecânica... A gente sabia que isso ia acontecer, porque Edson Claudio Zeni e sua irmã Maria Angela, que moravam ao lado do Bar do Bizuca, na avenida São Paulo, chegavam na hora do almoço na casa dos avós Angelina e Antonio para se arrumarem para a quadrilha. E a presença dos dois no evento era fundamental: eles iam à casa dos avós para se vestirem de noivos, pois o casamento caipira abria o caminho para a grande roda, a grande dança. Como morava na casa ao lado dos Torelli, imaginava que alguma coisa estava por acontecer, quando seu Antonio, dona Angelina e dona Ana, a filha portadora de paralisia infantil, se acotovelavam no muro, olhando de um lado e do outro o movimento na avenida São Paulo. Morávamos a uns 400 metros da quadra, a rua ainda era de terra e o casal de irmão já vinha chegando para a quadrilha. Um silêncio toma conta da casa vizinha, durante pelo menos duas horas. Imaginava eu, sentado nos degraus do portão, que os “noivos” estivessem se preparando para o casamento. De repente, na esquina da Senador Bento Pereira Bueno, uma carroça aparece e, lentamente, vai parando em frente à casa dos Torelli. Imediatamente me coloco de pé, sem fazer grande barulho, chamo por meus irmãos. Todos correm para o muro. Seu Alcindo e dona Angelina acompanham da porta da cozinha. Os irmãos Zeni descem a escadaria da casa e sobem na carroça. Maria Angela chega vestida de noiva sobe em primeiro, auxiliada pelo carroceiro. Edson sobe em seguida, com remendos por todo o terno e o carroceiro parte para o Dragão Mecânica. Vontade de subir na carroça nunca me faltou, mas sempre cheguei primeiro ao portão do Dragão que a carroça. É que o carroceiro ia devagar, chamando atenção das pessoas que se acotovelavam nas janelas ou nos portões prá ver os noivos passando. Já no local do evento, os noivos descem e seguem até a quadra. As crianças que vão participar da quadrilha já estão prontas. Abrem espaço no meio por onde seguem os noivos. O velho Bizeto, ajeita o chapéu de palha na cabeça, liga o microfone e anuncia o início da festança. A cerimônia se realiza com risos na plateia. Os noivos são declarados casados e começa a quadrilha, com o sanfoneiro dando o tom da dança e o velho Bizeto cantando o “balance... tur... cavalheiro cumprimenta a dama... segue o caminho... a ponte caiu... é mentira...” a gente já sabia todas as falas da quadrilha, às vezes falava antes do Bizeto... Quando ele anuncia a grande dança para encerrar a festa, espero no meu canto por meus irmãos que “mergulharam” no meio da garotada para dançar. Em casa, vejo a noite chegando, e sinto o cheiro da pipoca preparada por minha mãe, sentindo o gosto da batata doce ainda não pronta e enquanto todos comentam a festa que o bairro inteiro acompanhou no Dragão Mecânica, ainda sinto forte em meu ouvido o som da sanfona e uma vontade de dançar, mas uma coragem que nunca tive nesta vida!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Parque de Diversões Monte Castelo

Quando o primeiro caminhão chegava no terreno baldio da rua Miguel Basile, entre as ruas Santa Catarina e Senador Bento Pereira Bueno, a gente sabia que ficaria três meses sem jogar futebol ali. Mas sabia, também, que neste período o local ganharia o Parque de Diversões Monte Castelo. A garotada deixava o local, se posicionava no meio da rua e acompanhava a montagem do parque. A cada estrutura montada, um sonho passava por minha cabeça... E lá vinha o carrossel: base montada, estrutura sendo preparada, os cavalinhos amontoados no chão e eu me aproximava daquilo, olhando cada movimento dos homens que trabalhavam na montagem de tudo aquilo. E era um passe de mágica: claro que um passe lento, pois não terminava assim... como o condão da fada madrinha: “faça-se...” Às vezes o sonho continuava no dia seguinte, logo cedo, antes do início das aulas às 11 horas: cavalinhos sendo colocados no lugar e o sonho do galope, do pocotó pocotó pocotó. Olhava atendo o movimento dos montadores que juntavam as peças, testavam a energia elétrica e partiam para a montagem de um outro brinquedo. E eu ficava ali olhando, sonhando, galopando... Às vezes o dono do parque me apanhava no colo e levava para o carrossel, eu escolhia o melhor cavalo, sentava, fechava os sonhos e sonhava com um desejo louco de não acordar... Hora da aula, falta de atenção nas palavras da professora, volta para casa e uma corrida até o outro quarteirão para ver como estava a montagem do parque. Carrossel pronto, carrinhos perfilados no outro tablado, roda gigante sendo montada, barraca de tiro ao alvo finalizada e mais dois dias o parque estaria pronto. Mais uma noite de sonhos, mais um dia de trabalho e de aula sem interesse e quando a tarde de sábado começa a dar lugar à noite, sentado no portão de casa à espera de não sei o que, quando ouço uma música vindo do outro quarteirão e o locutor anunciando: “Este é o serviço de alto falante do Parque de Diversões Monte Castelo. Estamos iniciando, mais uma vez, nossas atividades. Alô alô garotada! É hora de diversão...” Esta última frase eu já ouvia debruçado nas grades que envolviam o carrossel. Roda Gigante me metia medo. Não tinha uma vez que não passava mal. Por mais que meus irmãos insistissem, por mais que me prometessem me proteger, temia cair de lá de cima... principalmente quando a roda parava no ponto mais alto. Era ali que a garotada se divertia, olhando para todos lááááá do alto. E era ali que eu fechava os olhos, segurava onde podia e rezava para o manobrista colocar a roda em movimento. Mais meia volta e lá estava eu, fora do medo e de volta ao sonho do carrossel. Um saquinho de pipoca na mão, um milhão de histórias contadas e que não terminavam antes de chegar em casa, o relato de tudo aos nossos pais e, na hora de dormir, mais um sonho, uma imaginação fértil percorrendo a mente ainda ouvindo o locutor informando “Este é o serviço de alto falante do Parque de Diversões Monte Castelo. Venham se divertir no carrossel”. Parece que ele falava aqui só prá mim...

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Troféus e medalhas

Quem não te m um troféu ou uma medalha ganho na infância, me desculpe: não passou por ela. Troféu e medalha que quero dizer são marcas no corpo, provocadas por ferimentos: um tombo, um arranhão mais profundo ou até mes mo a marca da vacina no braço. Esta, acredito, a maioria das pessoas possui. Mas infância traz sempre marcas que ficam para sempre e são ações inesquecíveis de um tempo que não volta mais, apesar de a gente insistir em ligar a máquina do tempo do cérebro para rever mais uma vez aquela cena. Lá em casa, só o Toninho teve um braço quebrado: caiu do pé de goiaba vermelha e, de medo de levar uma bronca, continuou brincando no quintal, apesar da forte dor. Nossa mãe só ficou sabendo quando o chamou para almoçar e ele chegou à mesa com o braço inchado. Foi uma correria até o Pronto Socorro! A maioria das marcas da infância está em nossos joelhos: sempre era ele que chegava primeiro ao chão. Já Ademir, além da marca da vacina no braço direito, tem no braço esquerdo dois pontos que levou quando caiu do quarador quando fazia bolinha de sabão. A minha medalha, e esta é inesquecível, está no lado esquerdo da barriga: foi um tombo num jogo de futebol, quando eu atuava como goleiro. Por ser o jogador mais novo e não ter espaço para sair driblando os outros, minha posição acabou sendo no gol. E, quando a bola passou entre os dois tijolos que demarcavam o espaço do gol, lá fui eu correndo atrás. Me lembro como se fosse hoje: a bola correndo e eu, tentando alcançá-la Primeiro ela passou por uma calçada de terra, mas com muito mato; fiquei feliz pois, isso reduziu a velocidade da bola. Quando ela atingiu a parte cimentada veio a tragédia: tinha sido feita há poucos dias e ainda estava cheia de areia espalhada. Por ser calçada nova, apresentava um degrau mais alto do que a calçada de terra e foi um tropeção terrível: caí inteiro no chão. Quando me levantei senti dores no corpo: vi o joelho sangrando e pensei em chorar, mas senti a camiseta grudada no corpo. Ademir veio correndo em minha direção. Meus olhos já estavam cheios de lágrimas quando ele começou a levantar minha camiseta que estava grudada na barriga e cheia de sangue. Para não esticar muito o assunto, diria apenas que o jogo acabou. Ademir teve que me levar para casa e o medo foi maior que a dor: o que meu pai e minha mãe diriam disso? Surra? Bronca? Nada disso!!! Dois olhares de preocupação e a hora do curativo: água oxigenada e mais lágrimas, mercúrio cromo e mais lágrimas. A cena continua viva na memória e a marca, o troféu, continua no corpo. Mas a maior de todas as marcas surgiu quando passei da infância para a adolescência e comecei a trabalhar: dois meses de trabalho e levei um tombo inesquecível. Caí de um ônibus em movimento e dei com a boca no chão. Resultado: três dentes quebrados e uma marca no lábio superior que resiste ao tempo. Trabalhava em uma farmácia e era meu último trabalho daquele dia. Por ser segunda-feira de Carnaval, ganharia o resto do dia livre. Tinha ido à Droga Orlando, no Centro, para comprar remédios e, ao descer o degrau com o pacote na mão, o motorista deu um tranco no veículo, me desequilibrei. Acabei ficando uma semana em casa, depois de passar por uma cirurgia na boca, para extração dos dentes e de um pedaço de osso que trincou com o impacto da boca contra o solo. Enfim, são recordações que não esquecemos, que ficam na memória e registram marcas no corpo. Para sempre!!!

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Moacyr, Arquimedes e Orlando

Infância e farmácia podem ter finais de palavras parecidos, mas significam rejeição, medo, injeção, dor, choro. Mas as farmácias dos anos 50 tinham uma curiosidade especial: os farmacêuticos eram como se fossem médicos da família, que faziam visitas em casa, aplicavam injeções e conquistavam os pacientes, principalmente se fossem crianças, por conta do medo e adultos, por conta da confiança nos mesmos. Na minha infância, me lembro de dois médicos: dr. Fredini e Toledo. Depois deles, só seu Moacyr e seu Arquimedes, farmacêuticos próximos à minha casa. Não sei porque, mas os farmacêuticos me inspiravam maior confiança, talvez por brincarem mais, por rirem com a gente, ao contrário da seriedade dos médicos. E não foi só uma vez que vi seu Moacyr na minha casa, ou examinando um ou aplicando injeção em outro. E tanto este como seu Arquimedes, que na verdade se chamava Lázaro de Almeida e que foi um dos mais populares vereadores de Jundiaí, tiveram ações fundamentais em minha vida: Moacyr cuidou de um ferimento em minha cabeça, quando, nos meus 8 anos de idade, joguei um bambu na goiabeira para colher a fruta mais linda que tinha no pé e este caiu na minha cabeça, provocando sangue, desespero e lágrimas. A outra, também regada a sangue e lágrimas, ocorreu com meu irmão Ademir, que rasgou o braço num arame farpado e acabou levando um ponto no lugar ferido, ponto este, de responsabilidade de seu Arquimedes. Talvez estas ações tenham provocado em mim um interesse pela área, tanto que meu primeiro emprego foi atrás de um balcão de farmácia, vendendo remédios, tentando ler receitas, sem conseguir, mas traduzidas por seu Moacyr, atento em me explicar para que determinado remédio era bom. E foi neste trabalho que percebi a agitação destes farmacêuticos, mas a calma com o paciente, ouvindo histórias, fazendo perguntas, medindo pressão e temperatura, mas o que me assustava era a hora em que ele pegava o palito de madeira para examinar a garganta. Só de sentir o palito tocando minha língua, já sentia ânsia. E foi esta calma e paciência que me permiti aprender a aplicar injeções e acabei arrumando alguns pacientes. E foi também, nesta função, que conheci seu Orlando, dono da droga Orlando, que ficava no centro da cidade. Era ali que eu ia praticamente todos os dias, comprar os remédios que faltavam nas prateleiras da farmácia de seu Moacyr. E o comum nos três era a agitação e a paciência. Pelo menos era isso que sentia. Quantas vezes via seu Moacyr correndo atrás do balcão em busca de um remédio, mas a calma seguinte, em explicar o que significava aquele produto, a orientação para se tomar e o sorriso de confiança recebido do paciente. Seu Arquimedes era igual: o atendimento às crianças sempre terminava com um passar de mão pela cabeça, desajeitando os poucos cabelos ou o apertar da bochecha, desde que o paciente fosse uma menina. E nos meus 14 anos de idade, com meu primeiro emprego, via seu Orlando atravessando a farmácia em busca de um remédio, subindo a escada para pegar o produto láááááááá em cima... e o descer pacientemente para orientar o freguês. Foram três pessoas que marcaram minha vida, exatamente por este estilo de agir. Seu Arquimedes dedicou sempre parte de seu tempo à política, seu Orlando vendeu sua farmácia a uma família de chineses e me chamou para ajudar a contar os produtos das prateleiras, para avaliar o estoque existente e seu Moacyr cansou do balcão, fechou as portas, vendeu o prédio e viu o mundo seguir seu rumo. Deixei de lado a difícil arte de cuidar dos doentes e me transferi para o campo das letras, seguro de que não colocaria em risco a vida das pessoas... até porque não tinha a paciência destes anjos de carne que Deus colocou no mundo!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Tio João

À primeira vista, pode parecer propaganda de arroz, mas não é. Na verdade, é isso mesmo: meu tio João! E outra verdade é que tive dois tios com este nome e os dois foram meus padrinhos: um de batismo e outro de crisma. O de batismo era o mais velho e a madrinha era sua esposa, minha tia Maria. Uma verdadeira história infantil, olhando por este lado: João e Maria. Para identificar os dois, eu dizia tio João, o novo, ou tio João, o velho. Ou ainda, o de batismo ou o de crisma. João, o velho, era casado com a irmã de meu pai e João, o novo, era irmão de minha mãe. Convivi pouco com o mais velho, até porque morava mai s longe e, como condução era difícil, a gente só se via no final de ano, perto do Natal. Mas por estar sempre adoentado, era minha tia Maria que me visitava e trazia um presente. Como eu morava na Vila Progresso e ele no Anhangabaú, achava que era rico, principalmente por causa do bairro, não me incomodando com a casa velha, precisando de reforma. Quando ele morreu, eu cursava o primeiro ano primário e me lembro que, depois do enterro, voltamos para casa de ônibus. Me lembro de minha tia chorando, do velório em casa e, pouco antes do enterro, as pessoas rezando pela alma de meu tio João. Me lembro de seus poucos cabelos, sorriso constante nos lábios e um olhar triste, motivado, imaginava eu, por sua doença. Por não haver velório na cidade, os corpos eram velados nas casas e, após o sepultamento, durante três noites seguidas, rezava-se o terço na mesma casa, pela alma do falecido e todos participavam da missa de sétimo dia e recebiam uma lembrança com foto e datas de nascimento e morte da pessoa. Fui o primeiro de meus irmãos a perder um padrinho, mas sabia que me restava a madrinha Maria e ainda meu outro tio João, este mais novo e que morava mais perto, visitando a gente mais vezes com sua bicicleta, com um banquinho adaptado na frente, onde levava o filho Celso para passear e eu, como afilhado, aproveitava a situação e quase sempre ganhava carona. O tio João, mais novo, trabalhava num armazém, na Vila Arens, bem em frente à igreja e era lá que minha mãe fazia a despesa mensal e era lá que eu ganhava balas e doces, mas era em sua casa que terminávamos a tarde de domingo, já que morava perto de meu avô José. Meu avô morava no jardim Bonfiglioli, na rua Marrocos e meu tio quase sempre estava por lá.. Mas quando não estava, a gente passava em sua casa, na rua Pitangueiras, que deu lugar à avenida e que era caminho de volta para a Vila Progresso. Diria que os dois tios não eram de muita brincadeira! Mas gostavam de contar histórias e acho que é isso que cativava a criança: ouvir histórias! E tio João, o velho, era um típico contador de história... Fazia o ouvinte sentar em sua perna e gesticulava, contando detalhes. E tio João, o novo, não ficava atrás nessa de contar histórias. Tinha muito de meu avô, José, um descendente de italiano que adorava histórias, principalmente sobre sua infância. Mas seu filho João não contava histórias com ninguém sentado em sua perna. Fazia isso sentado no chão, no degrau da escada, para o “ouvinte” se sentir à vontade. Mas se colocasse um tabuleiro de dama em sua frente, mudava de fisionomia. Se concentrava no jogo e não permitia barulho, para não atrapalhar o raciocínio. E não gostava de perder, mas quando o adversário era uma criança, fazia questão de ensinar o lance certo, mesmo que isso provocasse sua derrota. Sua alegria era ver alguém que tivesse ensinado o jogo, vencendo outros adversários... Já fazem alguns anos que João, o novo, ou o padrinho de crisma se foi. Revi seu olhar sereno, seus cabelos brancos, o pequeno bigode da mesma cor e senti que este mundo acaba nos tirando pessoas de bem. Mas nos deixa a certeza de que, se alguém passou por aqui, e nos deixou marcas que não desaparecem é porque foram pessoas abençoadas. E ter tios com o nome João é uma dupla alegria. É a certeza de que seguindo seus passos a vida é carregada de êxitos e conquistas.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Te pego lá fora!!!

Tímido, medroso e assustado. Assim era eu nos primeiros anos de escola. Lembrar do Primário no Grupo Escolar Paulo Mendes Silva é um fato histórico, principalmente porque o prédio, na rua General Carneiro, esquina com a avenida Fernando Arens, não existe mais. Foi ali que fiz os quatro anos do Primário e, por causa deste jeito tímido de ser, pouco conversava com os colegas de classe. Outra diferença é que as carteiras comportavam dois alunos ao mesmo tempo. E, claro, minha conversa se restringia a este colega. As aulas tinham três horas de duração: eram das 11 às 14 horas, inclusive aos sábados. E, diante do meu "bom comportamento" era o escolhido pelas professoras para marcar o nome dos colegas que conversavam sempre que uma delas tinha que deixar a classe. Dona Benedita fazia pouco isso. No primeiro ano, por minha classe ser ao lado da Diretoria, sempre que dona Benedita precisava se ausentar, chamava alguma secretária da Diretoria para evitar "bagunça". Mas dona Odete tinha classe do outro lado do prédio, bem longe da Diretoria e todo dia tinha que deixar a classe. E lá ia eu escrever, no quadro-negro, o nome dos alunos que conversavam. Nos primeiros minutos de ausência da professora, a classe conseguia manter o silêncio, mas como só haviam meninos na classe (naquele tempo era primeiro ano A masculino, primeiro ano B feminino e assim por diante), a bagunça se fazia presente. Rezava para a professora aparecer logo, pois a gritaria era geral. Se não escrevesse os nomes na lousa, com certeza, levava bronca da professora e se fizesse o contrário, sofria ameaças: "tira meu nome daí senão te pego lá fora!!!" O nome ficava no quadro-negro e me preparava para o pior . Confesso que tremia de medo, mas me gabava de minha esperteza: terminada a aula, saía correndo da sala. Sabia que, por ser pequeno, de pernas curtas, não conseguiria ir muito longe. Quando ouvia o sinal, meu material estava dentro da bolsa. Rapidamente me levantava e já estava na rua... Meu amigo Amaury me dava cobertura. Quando soava o sinal, ele corria até o ameaçador para puxar assunto, distrair a atenção dele, assim eu podia sair rapidamente da escola. Era comum carrinhos de pipoca e raspadinha estacionados em frente ao portão da escola. Até porque, por onde saíam os alunos de um horário, entravam os do horário seguinte. E este era meu esconderijo: atrás de um dos carrinhos. Me colocava de frente para o portão, para ver o desafeto sair à minha "caça". Escondido atrás do pipoqueiro, seguia com os olhos seus passos. Enquanto ele subia a Fernando Arens, me procurando, eu descia a General Carneiro, entrava na Frei Caneca, sempre atento nas calças curtas azul-marinho, camisa branca e rumava para casa. Perto da Sifco entrava na avenida São Paulo e corria para casa. Esta caça, na verdade, acontecia toda semana, e foi sempre um risco que corri. Em casa, nunca ninguém soube disso. Chegava feliz, vibrando de alegria pela minha coragem de manter o nome do bagunceiro na lousa, apesar de não encarar uma briga. Tudo bem que era uma briga desnecessária, mas para os colegas de classe eu não passava de um medroso, de um fujão. Mas isso só fui analisar anos mais tarde. No dia seguinte nem olhava para a cara do "valentão", só comentava como tinha conseguido fugir da briga para o Amaury. Durante a aula, porém, minha preocupação era uma possível ausência de novo da professora e voltar a correr risco. E, claro, correr para me esconder...

segunda-feira, 14 de maio de 2012

O caminhão da economia

O tempo passa depressa, mas tem coisa que não muda muito. Ainda hoje vemos caminhões ou peruas vendendo frutas e verduras na periferia da cidade, apesar do crescimento dos supermercados e da feira livre chegando a todas as regiões. Mas Vila Progresso, na década de 1950, tinha algumas coisas inesquecíveis: tinha o bananeiro, que passava duas vezes por semana, em sua carroça puxada por um obediente cavalo. E feira, na região, só acontecia nos domingos e haviam poucas mercearias por perto. Tinha também o peixeiro, seu Magatão, que passava sempre no final da manhã, mas que trabalhava com encomendas, já que o transporte dos peixes era feito numa sacola e não tinha muito jeito de conservar, simplesmente porque ele fazia seu trabalho numa bicicleta. Uma pequena balança servia para pesar o produto que era embalado num pedaço de jornal e lavado e limpo com cuidado em casa. Até hoje não se sabe porque, as crianças do bairro tinham medo deste homem sério e trabalhador que ganhava a vida vendendo peixes. Mas o que mais chamava a atenção da garotada e das donas de casa era o “Caminhão da economia”. Toda quinta-feira, por volta das dez horas da manhã, ele fazia a curva, descendo a rua Maestro Bovolenta e entrava na avenida São Paulo, passando defronte a minha casa e com o alto-falante a todo vapor e seu motorista cantando: “Dona Antonia vai chamar dona Maria... chegou, chegou o caminhão da economia...” Numa só frase, o sucesso estava garantido: donas de casa saiam com suas sacolas, rodeavam o motorista que descia rapidamente para atender a todas e, com seu sorriso banguelo nos lábios, ia pesando os tomates, contando as bananas para completar uma dúzia, separando os pés de alface. E a garotada rodeava o caminhão. Não com o desejo de ganhar alguma fruta, mas a vontade era esperar todas as mulheres receberem suas compras, pagarem as suas contas e o motorista entrar na cabine, ligar o microfone e esticá-lo para os garotos que se acotovelavam na porta para repetir a frase musical de maior sucesso no bairro em todas as décadas: “Dona Antonia vai chamar dona Maria... chegou, chegou o caminhão da economia...” E lá ia o homem que nunca tivemos a coragem de perguntar o nome, desaparecendo no final da rua, lá do lado da sede do Primavera, ainda em construção. Voltávamos para casa, repetindo a frase e rindo de alegria de ter “cantado” no microfone. E o desejo, agora, era esperar a semana passar rapidinho para novamente, na quinta-feira seguinte repetir a velha canção. Triste mesmo era quando o dia chegava ele não aparecia. Pior que isso, porém, era quando o horário de escola coincidia com a visita do “caminhão”. Aí não tinha jeito: era esperar as férias escolares para poder “saborear” a velha canção.