sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A água do vinho

Uma das lições que aprendemos na vida era de que o primeiro milagre de Jesus foi transformar a água em vinho. Um fato relatado na bíblia e que é motivo de leituras em celebrações religiosas, principalmente em casamentos, já que o milagre aconteceu num deles. Mas confesso, quando era criança, imaginava que meu vizinho, Antonio Torelli, fazia o mesmo milagre! Claro que não era exatamente igual, por isso não fazia parte de nenhuma celebração religiosa. Mas quando a gente ouvia Ana chamando meu pai, sabia que o vinho estava pronto. Não, não o vinho milagroso! O milagroso vinha num outro garrafão que meu pai entregava para Ana, pelo muro. Não me sinto louco ao relatar isso mais de 50 anos depois e com a mesma reação da época: “vou tomar vinho hoje!” Quando seu Antonio retirava o vinho que fizera às escondidas no barracão em seu quintal, sua filha Ana ia até o muro, chamava por meu pai e pedia dois garrafões. O movimento em casa era grande: um dos garrafões era para meu pai, com este vinho feito às escondidas. O outro garrafão era para nós, os filhos, tomarmos! E o “milagre” de seu Antonio era simples: quando ele retirava da cartola o liquido curtido e transformado em vinho, sobravam os bagaços da uva. Estes bagaços ficavam na cartola, já que não passavam pela filtragem feita por seu Antonio e que jogava o vinho nos garrafões de cinco litros, sendo destinados às encomendas já preparadas pelo “produtor”. Agora vem o relato do “milagre de seu Antonio”: O bagaço da uva era lavado antes de ser jogado fora e esta “lavagem” transformava a água numa cor vermelha, clarinha e com gosto de vinho fraco, destinado às crianças e mulheres. Esta “lavagem” a gente chamava de água do vinho. Afinal, tinha a mesma coloração, mesmo que mais clara, pois meu pai orientava a colocar bastante água para nenhuma criança passar mal. Enquanto os garrafões não voltavam para casa, ninguém dizia uma palavra. Era um silêncio total, imaginando o que iria vir. E Ana, novamente no muro, chamava por meu pai que escolhia um dos filhos – geralmente Ademir, o mais velho – para acompanhá-lo até a casa ao lado. Sabíamos que era dia de festa! O vinho estava pronto! Ademir voltava segurando o garrafão com as duas mãos e feliz da vida, pois já tinha degustado o “nosso” vinho, diretamente do produtor. Meu pai entrava com o outro garrafão, separava alguns litros e já mudava o produto de lugar, “para descansar”. “Nosso” vinho também passava para litros e já podia ser provado: por orientação de nossos pais, açúcar para deixar o vinho menos amargo, como se aquela água pudesse embriagar alguém. Mas a gente saboreava, às vezes colocando mais água para ficar mais fraco, dependendo da idade da criança. E o “milagre” estava completo: aquela água tinha, agora, um sabor de vinho especial!

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