quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Erros e acertos

Quando as portas do trem se fecharam e a mulher viu seu filho do lado de dentro, ficou desesperada. Descuidadamente soltara a mão do menino de cinco anos e, ao ver a porta do trem se abrindo, o menino imaginou ser seguido pela mãe. Antes mesmo de o trem deixar a estação do metrô, percebia-se a criança, assustada, colocada na porta, gritando pela mãe. Tive a impressão de que, no desespero, ela fosse saltar pela linha e correr atrás do trem que levava seu filho. Seguranças da estação aproximaram-se da mulher, para tentar tranquiliza-la. Duas mulheres, também funcionárias do metrô também a protegeram. “Um segurança já está cuidando de seu filho dentro do trem. Fique tranquila que em menos de cinco minutos seu filho estará contigo”. O fato me chamou a atenção. Não havia necessidade de me envolver mais com o caso, mas como todo ser humano, a curiosidade sobre o fim desta história do cotidiano, me fez entrar no mesmo vagão do próximo trem que já estacionava na estação. Os quatro funcionários do metrô – dois seguranças e as duas mulheres – entraram num dos vagões. A mulher já não chorava mais, me pareceu que se acamara. Entrei pela porta ao lado e fiquei observando a ação. Pelo rádio, um dos seguranças conversava com alguém. A impressão que tive é de que uma pessoa já segurava o menino pela mão na estação seguinte à espera da mãe. Antes de as portas se abrirem na próxima estação, já estava colado numa delas. Meus olhos estavam fixos naquelas cinco pessoas. As portas se abriram e sai muito rápido. Queria acompanhar o reencontro. Apesar da grande quantidade de pessoas na estação, não foi difícil visualizar o pequeno menino de mãos dadas com duas funcionárias do metrô. A mãe se desvencilhou muito rapidamente das pessoas que a acompanhavam. O filho voou de onde estava, agora chorando novamente, para os braços da mãe. O abraço foi forte, apertado. As lágrimas dos dois se misturaram. Os beijos da mãe tinham sabor de lágrimas, com certeza! Num segundo os dois estavam cercados por uma multidão de pessoas. A reação de todos foi uma só: aplausos para o desfecho! Me afastei na certeza de que erros acontecem, mas os acertos são sempre mais fortes e emocionantes, apesar dos riscos ocorridos.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Calor!

O relógio marcava 18 horas e o sol já tinha se despedido. O inverno vivia seus melhores dias, com temperatura baixa e um vento que gelava até a alma. Tentou imaginar uma fórmula para que sua mão não ficasse congelada. O vento, se não gelava a alma, cortava os lábios. Nunca tinha sentido um frio tão forte como este. O movimento de pessoas era pequeno nas calçadas, mas as ruas estavam cheias de carros. Todo mundo dando jeito de não encarar o vento. Na primeira esquina que parou para tentar chegar ao ponto de ônibus do outro lado, se assustou: uma menina com não mais que 9 anos, levava pelas mãos seu irmão que tinha pouco mais do que a metade de sua idade. O susto não foi simplesmente por vê-los. O susto é que ambos estavam sem blusa indo não se sabe prá onde. Apesar do frio, sentiu seu corpo pegar fogo. Ficou sem ação com a imagem que via. O ônibus sinalizou lá na curva. O semáforo fechou para que os pedestres pudessem atravessar. Era a “deixa” para não perder a condução. Perdeu! Não sabe porque, mas tirou a jaqueta que usava e se antecipou às pessoas que caminhavam à sua frente, rindo não se sabe do que. “Menina!” se esforçou, gritando para ela. Parece que ela esperava isso de alguém! O menino tinha os lábios roxos de frio, seu corpo tremia todo. Jogou a jaqueta nas costas da menina que a estendeu para o irmão. Cada um, com uma mão, puxou as pontas,e abotoando o primeiro botão, reduzindo o frio. O menino sorriu, como que agradecendo. “Te devolvo amanhã”, disse a menina. O homem perdeu a fala. Sentiu que a jaqueta os aquecia e se afastaram. Se despediu da jaqueta, seguro de que ela os aqueceria durante todo o inverno. Ignorou a frase da menina. “Ainda bem que você tinha outra blusa”, disse sua mulher, já em casa, quando relatou a ela o que acontecera. Na manhã seguinte, ao abrir a porta, saindo para o trabalho, uma surpresa: no portão, a menina loira o esperava com a jaqueta na mão e uma blusa amassada aquecia seu corpo. O pequeno irmão também estava agasalhado. “Como achou minha casa”, perguntou surpreso, de posse, de novo de sua jaqueta. “Segui o calor de seu coração!”, completou a menina, subindo a avenida e seu irmão acenando, olhando para trás.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

O garoto

Quando o menino atravessou a rua e veio me oferecer balas de goma por R$ 1, e, por causa da minha pressa – ou desculpa? – disse a ele que tinha Diabetes e que não poderia fazer uso do produto. Ele reduziu o passo, foi ficando para trás, mas ao invés de acelerar, parei! Me votei para ele, mas o movimento intenso de pessoas, fez com que ele desaparecesse. Não sei se por encanto ou por desencanto, mas ele estava longe da visão dos meus olhos. Senti remorso por não ajudá-lo naquele instante. Quando a consciência pesou, o busquei com os olhos, mas não imaginava que o desaparecimento fosse tão rápido. Voltei até a esquina, procurando lentamente por ele. Senti o gosto da bala de goma amargando minha boca. Decidi retomar o caminho quando uma voz me deteve “tio!” Me voltei rapidamente e ali estava ele, me olhando e sorrindo. - Quantos anos você tem? - Cinco! - Você só tem bala de goma para vender? - Agora não tenho mais. Consegui vender todas. - Mas ainda é cedo, já parou por hoje? - Não tio, vou buscar mais. - E por que me chamou? - Ia pedir desculpas, não sabia que o senhor era doente. Não consegui continuar o diálogo. Senti um nó na garganta. - Tchau! – Disse ele sorrindo. Consegui encostar minha mão em suas costas. Ele parou, me olhou, tomei-o pela mão e o levei a uma padaria. Não perguntei o que ele queria. Seus olhos brilhavam. “Escolha”, disse eu e o vi se deliciar com lanches e doces. Paguei a conta e saímos para a rua. “Tio, preciso ir, vou comprar um lanche pra meu irmão mais velho que está na escola. Obrigado pela comida. Acho que estava com fome”. Seu corpo escapou de minhas mãos. Não tive nem como dizer que comprava para ele também. Já do outro lado da rua movimentada, ele me acenou. Se misturou na multidão e desapareceu, sem me dar chance de agradecer pelo bem que me fizera.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Presente do Dia dos Pais

Início de semestre na escolinha de futebol de salão em Campinas, onde meu filho Tiago cresceu, era cheio de surpresas. Depois das férias de julho, na primeira aula de agosto, Valdir, o professor da escolinha Eta, informava aos alunos e aos pais presentes – e eu não perdia uma aula... – que no sábado seguinte haveria a premiação dos melhores do primeiro semestre e um jogo de confraternização entre os pais, já que a aula ocorreria na véspera do Dia dos Pais. Camiseta, shorts, meia, tênis e lá vamos eu e meu filho, com seus seis anos de idade, para mais uma aula. Sabia que seria difícil jogar, mas o importante era ver a avaliação do desempenho de meu filho no semestre anterior. Não havia esperança de vê-lo premiado, até porque ele chegou a jogar algumas vezes no gol e outras vezes como atacante. Mas poderia, imaginava eu, vê-lo como uma medalha de honra ao mérito pela dedicação e desempenho. Não sonhava vê-lo nos campos, se transformando em jogador profissional, mas o importante era o contato com a bola, as novas amizades. E Tiago sempre foi um “criador de amigos”. Mesmo com poucas palavras, os garotos gostavam de brincar ou conversar com ele. Era comum minha casa se transformar em “área de lazer” do bairro, por conta do grande número de garotos que vinham jogar botão, andar de bicicletas – e às vezes o passeio esticava até a rua -, assistir televisão ou, na época certa, construir pipas e rabiolas. O começo da premiação foi uma rotina conhecida: o agradecimento aos presentes, os parabéns aos alunos pelo desempenho e, em seguida, um pano branco libera a mesa onde estão os troféus e medalhas a serem entregues aos jogadores: melhor jogador, goleiro menos vazado, artilheiro, jogador com menor número de faltas, melhor jogador e pronto! Pelo grande número de medalhas dava para imaginar que cada garoto teria a sua, principalmente para incentivar a presença e participação. Com seus cinco anos de idade, percebia seus olhos brilhando, olhando a mesa com os prêmios. Mas... não havia prêmio de “honra ao mérito” como eu sonhava. Começada a premiação, as medalhas desapareceram rapidamente da mesa, contemplando todos os participantes e sendo chamados seus pais para entregarem as medalhas. A alegria foi geral, com todo mundo contemplado. E lá vem o prêmio de artilheiro, de goleiro menos vazado e Valdir chama Tiago para receber o troféu. Me surpreendi, pois nunca o imaginei jogando de goleiro, tanto que nunca me preocupei em contar, durante as aulas, os gols que sofrera. E, de repente, a surpresa maior: Valdir chama, a mim, para entregar o troféu de melhor aluno do semestre. E Tiago foi chamado para receber o troféu. Claro que quase o troféu caiu de minhas mãos no momento da entrega, mas o abraço de agradecimento de meu filho, imagino ter transferido para mim o prêmio. Depois disso não tinha como pais jogarem entre si, mas, por longos dez minutos, ficamos em quadra, “tentando” mostrar que sabíamos jogar. Emocionados, os garotos ficaram sentado nos bancos ao redor da quadra, gritando as mesmas frases de incentivo: “vai pai!” “chuta pai!” “faz o gol pai!”... Obedientes, os pais se desdobravam na quadra e o 0 a 0 no final, mostra o que foi o jogo. No dia seguinte, no café da manhã, acordado pela mãe, Tiago traz sue presente: uma pequena pedra pintada por ele para ser usada como peso de papel. Um abraço e a frase inesquecível: “Pai, aqueles troféus que ganhei ontem, eu divido com você!"

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A água do vinho

Uma das lições que aprendemos na vida era de que o primeiro milagre de Jesus foi transformar a água em vinho. Um fato relatado na bíblia e que é motivo de leituras em celebrações religiosas, principalmente em casamentos, já que o milagre aconteceu num deles. Mas confesso, quando era criança, imaginava que meu vizinho, Antonio Torelli, fazia o mesmo milagre! Claro que não era exatamente igual, por isso não fazia parte de nenhuma celebração religiosa. Mas quando a gente ouvia Ana chamando meu pai, sabia que o vinho estava pronto. Não, não o vinho milagroso! O milagroso vinha num outro garrafão que meu pai entregava para Ana, pelo muro. Não me sinto louco ao relatar isso mais de 50 anos depois e com a mesma reação da época: “vou tomar vinho hoje!” Quando seu Antonio retirava o vinho que fizera às escondidas no barracão em seu quintal, sua filha Ana ia até o muro, chamava por meu pai e pedia dois garrafões. O movimento em casa era grande: um dos garrafões era para meu pai, com este vinho feito às escondidas. O outro garrafão era para nós, os filhos, tomarmos! E o “milagre” de seu Antonio era simples: quando ele retirava da cartola o liquido curtido e transformado em vinho, sobravam os bagaços da uva. Estes bagaços ficavam na cartola, já que não passavam pela filtragem feita por seu Antonio e que jogava o vinho nos garrafões de cinco litros, sendo destinados às encomendas já preparadas pelo “produtor”. Agora vem o relato do “milagre de seu Antonio”: O bagaço da uva era lavado antes de ser jogado fora e esta “lavagem” transformava a água numa cor vermelha, clarinha e com gosto de vinho fraco, destinado às crianças e mulheres. Esta “lavagem” a gente chamava de água do vinho. Afinal, tinha a mesma coloração, mesmo que mais clara, pois meu pai orientava a colocar bastante água para nenhuma criança passar mal. Enquanto os garrafões não voltavam para casa, ninguém dizia uma palavra. Era um silêncio total, imaginando o que iria vir. E Ana, novamente no muro, chamava por meu pai que escolhia um dos filhos – geralmente Ademir, o mais velho – para acompanhá-lo até a casa ao lado. Sabíamos que era dia de festa! O vinho estava pronto! Ademir voltava segurando o garrafão com as duas mãos e feliz da vida, pois já tinha degustado o “nosso” vinho, diretamente do produtor. Meu pai entrava com o outro garrafão, separava alguns litros e já mudava o produto de lugar, “para descansar”. “Nosso” vinho também passava para litros e já podia ser provado: por orientação de nossos pais, açúcar para deixar o vinho menos amargo, como se aquela água pudesse embriagar alguém. Mas a gente saboreava, às vezes colocando mais água para ficar mais fraco, dependendo da idade da criança. E o “milagre” estava completo: aquela água tinha, agora, um sabor de vinho especial!