segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

À procura de amor!

Quando o sol cedeu seu lugar à noite e partiu para seu descanso, ele apanhou seus apetrechos e iniciou sua volta ao lar. A caminhada era longa, cansativa, e ele não tinha esperança de chegar em casa antes da meia-noite. Colocou nas costas uma sacola de roupas que ganhara de uma família, juntou nas mãos duas sacolinhas de alimentos e iniciou a caminhada. Uma chuva o impediu de caminhar mais rapidamente, mas ele só queria chegar em casa. A procura por um emprego foi, mais uma vez, desgastante. Enquanto esperava, debaixo de um abrigo de ônibus pela melhora do tempo, percebeu que o movimento nas ruas era grande: carros passando, buzinando, pessoas se saudando. Foi então que lembrou que aquela noite era importante: era noite de Natal! Era dia de confraternização, de abraços de paz, de amor, de felicidade!
Acelerou o passo para chegar logo em casa e foi cruzando com pessoas pelo caminho: algumas carregando pacotes com presentes, outras sorriam e se abraçavam, desejando feliz Natal. Nas casas, os pisca-piscas avisavam que  ali era noite de festa. Lembrou dos cânticos natalinos de sua infância e juventude e sentiu duas lágrimas fugirem de seus olhos, quando percebeu que há muito tempo não comemorava um Natal.
E sorriu! Sorriu porque teve uma brilhante ideia: pedir um prato aqui e outro acolá de comida quente, de comida preparada pelas famílias para festejarem o nascimento de Jesus. Fez o sinal da cruz e bateu na primeira casa. Quando alguém espiou pela janela, pediu: “tem um prato de comida para três crianças famintas?” A resposta foi um fechar brusco da janela. E voltou a caminhar. Bateu em mais uma, duas, três casas e percebeu que as pessoas não tinham nada a lhe oferecer. Sentiu dentro de seu coração a mesma tristeza do casal José e Maria quando procuravam um abrigo para o filho que iria nascer naquela noite. Sorriu de tristeza ao se comparar com este casal e percebeu que não tinha o direito de bater nas casas, pedindo comida, pois as pessoas estavam ocupadas, preparando as trocas de presentes.
A chuva já havia passado e, quando fez a curva na última esquina, avistou seu barraco iluminado, coisa que não via há tanto tempo. Preocupou-se com a saúde de algum dos filhos e correu, imaginando uma notícia dolorida naquela noite em que o mundo festejava e ele já não sabia o quê, pois se fosse o nascimento de Cristo, deveria haver amor entre as pessoas, mas não foi isso que sentiu quando bateu de porta em porta.
Só parou de correr quando colocou a mão no trinco da porta e se lembrou das sacolinhas sobre os ombros. Colocou-as no chão, forçou a porta e entrou! Mais lágrimas fugiram de seus olhos naquele momento, mas sentiu um aperto forte no coração: ao redor de uma pequena mesa, viu os filhos e a mulher e comida, muita comida! Esfregou os olhos para ver melhor e notou a presença das famílias dos barracos vizinhos. Todos haviam juntado um pouco do quase nada que tinham e se reuniram em sua casa para comemorar o nascimento do menino Deus. Abraçou os filhos soluçando, sabendo que não tinha como segurar as lágrimas, agradeceu ao aniversariante daquela noite e procurou esquecer os ricos sem tempo que cruzou pela estrada e que não tinham nada para lhe oferecer.
Foi em sua casa que encontrou união, afeto, amor. Foi em sua casa que percebeu que, ali sim, havia um Cristo nascendo no coração de cada um. E comemorou o nascimento deste Cristo, com a certeza de que, nesta noite, a vida, para todas estas pessoas, seria melhor!



(2° lugar no II Concurso Histórias de Natal do Movimento Vida Cristã, de 2004)

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Presente para a vida

Sentou-se para jantar e percebeu que os filhos já tinham ido dormir e chorou sentindo que o tempo estava passando rápido demais e não conseguia acompanhar o crescimento dos três meninos. Olhou a esposa que tricotava no sofá, enquanto a televisão mostrava algo que ninguém estava vendo. O prato esfriava em sua frente, enquanto soava o nariz e procurava conter as lágrimas que, com certeza, iriam se misturar ao feijão ralo que flutuava no prato.
Sentiu-se velho, apesar de ter completado 40 anos dez dias atrás e ouviu um gemido vindo do quarto onde os garotos supostamente dormiam. Antes mesmo de se mexer na cadeira, percebeu a esposa acendendo a luz do quarto para ver o que acontecia. Carlinhos, o filho mais novo do casal, chorava de dor de estômago, por absoluta falta de alimento. O caldo de feijão gelava do prato e o homem já não tinha mais como comer, não tinha mais como conter a fome...
A vontade de morrer cresceu em seu coração, mas sentiu que, se o fizesse, sua família seguiria o mesmo caminho, pois dependia dele para viver. Sentiu, então, que era hora de mudar de vida. Se catar lixo já não rendia tanto dinheiro como imaginava, precisava modificar sua ação. Não adiantava ficar culpando o mundo pela sua falta de sorte na luta para ganhar dinheiro. E mudou...
Nem bem amanhecera o dia, lá estava ele nas ruas, batalhando um emprego melhor. Sentiu que se oferecendo para fazer não resolvia, tinha mesmo era que agir. E o fez...
Enquanto recolhia lixo que seria vendido como reciclado mais tarde, limpou o jardim de uma casa, cortou galhos de uma árvore em outra e ganhou por isso. Se sentiu feliz ao chegar com mais dinheiro em casa naquela tarde e convenceu a mulher de que o tricô também poderia ser um motivo de melhorar o rendimento da família. O garoto mais velho, apesar de 11 anos, montou, com restos de madeira, uma caixa de engraxate e, depois da aula, corria à praça para trazer trocados para os pais.
Uma semana depois percebeu que o sol sorria no céu, mostrando que o importante era enfrentar as nuvens escuras se quisesse brilhar.
E naquele Natal, quando percebeu que a família rezava em volta do presépio, montado com peças feitas com material reciclado, surpreendeu a todos com um presente para cada um, inclusive para a esposa. O choro, agora, abraçado à família, era de alegria! Um choro de coragem, de conquista, da certeza de que as dificuldades só são superadas com perseverança e ação.

Foi seguindo seu exemplo que os filhos cresceram e ajudaram a transformar o mundo de miséria em fartura. Mesmo que o mundo fosse apenas aquela pequena família...

sábado, 28 de novembro de 2015

PERSONAGENS (30) A música de Áureo Cardoso

Minha convivência com Áureo Cardoso ocorreu durante as décadas de 1960 e 1970, na minha fase infantil e já adulta, mas tudo dentro da Igreja de Vila Arens. Neste período, fazíamos parte da Cruzada Eucarística Infantil que depois recebeu o nome de Juventude Cristã em Marcha. Comecei como criança, logo após a primeira comunhão, e Aureo já estava por lá, juntamente com sua esposa, dona Leonor. Ambos ligados à música, principalmente.
Aureo nunca frequentou uma escola de música, jamais conseguiu ler uma partitura por completo, mas tocava piano e acordeão como ninguém. Dentro de seu conhecimento musical, acabou sendo o responsável pela formação, já na segunda metade da década de 1970, do conhecido “G9”, grupo de cantores da paróquia e que cantavam em solenidades especiais. Era “Grupo Nove”, simplesmente porque cada horário de missa de final de semana, tinha um número: duas missas no sábado à noite (18 e 19horas), cinco nos domingos de manhã (5h30, 6h30, 7h30, 8h30, 9h30) e mais uma à noite (18 horas). O nove, portanto, era a escolha de integrantes de cada missa para compor o grupo especial. Chegamos a cantar até em latim, mas à custa de muitos ensaios e quatro vozes.
Aureo era dedicado e atencioso. Além disso, ouvia muito o que dona Leonor dizia, principalmente porque ele não tinha “leitura musical”, pois, como sempre dizia “tocava de ouvido”, mesmo que isso fosse com as mãos... Muitos ensaios ocorriam em sua casa, graças ao piano que tinha e depois as vozes se juntavam para ensaios na Igreja.
Foi ele que me ajudou na juventude, quando deixei de trabalhar na farmácia: uma vez por semana ia à sua casa, para aprender a encadernar livros, manualmente. Naquele tempo, vendiam-se muitos fascículos nas bancas e depois era necessário encadernar tudo isso. Pacientemente me ensinou todos os passos.  E acabei aprendendo este trabalho e que me rendeu alguns trocados.
Como presente de casamento de Aureo recebi, eu e minha esposa Rita, a missa cantada na cerimônia. O “G9” esteve presente e cantou as melodias que escolhemos, inclusive a Ave Maria.
Mas como a vida segue sempre em frente, acabamos nos separando quando me mudei para Campinas por conta de trabalho profissional e quando voltei, frequentamos paróquias diferentes, o que nos manteve distantes até o dia em que me despedi dele no velório municipal. Antes, falara com ele quando dona Leonor partiu.

Aureo, além de entender tudo de música também trabalhou na igreja como ministro da Eucaristia e era o locutor oficial da rádio Difusora, quando havia missas ou alguma outra celebração religiosa que tinha transmissão por esta emissora. Rezava, explicava, comentava. Aureo foi assim: um pouco de tudo, mas um conhecedor de muito!

domingo, 22 de novembro de 2015

PERSONAGENS (29) A manchete de Fernando Dias

Conheci Fernando Dias quando era editor-chefe do Jornal de Jundiaí e ele repórter policial do Jornal da Cidade. Tínhamos praticamente a mesma idade, os dois já cinquentões, mas já ouvira falar dele muitas vezes. Conhecia seu trabalho, mas nunca o vira pessoalmente. Só vim a conhecê-lo, a cumprimentá-lo, quando a direção do JJ decidiu que deveríamos contratá-lo e assim ele ocuparia, também, os microfones da rádio Difusora. Não tinha muito o que orientá-lo, afinal, ele sabia tudo sobre o seu trabalho e sobre jornal. Assim, ficou fácil trabalhar com ele.
Falávamos-nos todos os dias, muitas vezes me ligava em casa para relatar um crime ou uma prisão ou – principalmente – um assunto que era exclusivo nosso. Ou dele! Sim, afinal, ele “brigava” pela informação. Sentia que ele queria publicar tudo sozinho, mas lhe dava toda força necessária para que o jornal onde trabalhávamos continuasse a ir bem nas vendas. Certa vez já estava em casa, por volta da meia-noite, quando me ligou para informar sobre um crime. Voltei à redação, demos manchete sobre o caso – que só nós tínhamos – e no dia seguinte transferi a ele os elogios da direção.
Mas Fernando Dias tinha um problema sério: a Diabetes não o deixava em paz e ele não conseguia lutar contra ela. Aliás, aceitava-a com a maior tranquilidade. Tanto que começou a ficar difícil a passagem dele pela redação: foi operado dos dois calcanhares, fazendo com seus passos fossem transformados numa caminhada de cadeira de rodas. Depois, veio a cirurgia que lhe amputou parte de uma das pernas, mas isto não o impedia de dirigir e de ir em busca da informação. Fernando era assim: apaixonado pela notícia!
Quando deixei o jornal, em 2007, enviei um e-mail a toda a redação me despedindo e agradecendo o apoio durante o tempo em que fiquei à frente da equipe. Mas esqueci que, como não ficava no jornal, Fernando não recebeu tal e-mail. Surpreendi-me dias depois quando vejo na caixa de mensagens de meu e-mail, um texto dele e era Fernando quem agradecia o apoio. Liguei para ele, falamos sobre o futuro do jornal e de cada um de nós. Sugeri que diminuísse o cigarro e como resposta ouvi um sorriso e um “até breve!”

Fernando não conseguiu enfrentar por muito tempo a doença. No inverno de 2010, exatos três anos de minha saída do jornal, ele o fez também. Mas de uma forma mais triste, já que a Diabetes o venceu. O jornalismo da cidade perdeu, naquele ano, um dos nomes mais importantes desta área na cidade. E se durante muitos anos fez e divulgou notícias, neste dia, Fernando Dias foi a notícia, a manchete do jornal.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

PERSONAGENS (28) Alegria de viver de Norberto Perboni

Tive uma primeira fase de convivência com Norberto Perboni lá pelos anos de 1963 quando trabalhei dois meses na oficina mecânica de seu pai. Norberto estava fazendo ou tinha acabado de concluir o curso de mecânico no Senai e já passava parte de seu dia debaixo dos carros, procurando problemas e resolvendo os mesmos. Não havia um dia em que não estivesse cantando debaixo dos carros. Ou então contanto histórias ou piadas! Norberto era assim: um jovem cheio de alegria e uma vontade de fazer o que gostava. Sempre! Naquele tempo, o via debaixo dos carros, mas por conta de nossa diferença de idade – ele era cinco anos mais velho que eu – passados estes dois meses, nos afastamos. Apenas nos víamos e pouco falávamos quando nossos pais nos levavam à casa dos pais do outro para uma visita familiar. Afinal, meu pai era irmão da mãe de Norberto. Então, éramos primos de primeiro grau. Mas o contato maior de Norberto era com meu irmão mais velho, Ademir, que era alguns meses mais novo e que durante um bom tempo trabalhou na mesma oficina.
Lembro-me do casamento de Norberto, com festa no Colégio Divino Salvador, muita gente presente e muita alegria. E a partir de então, nos víamos bem menos. Depois que me casei e mudei para Campinas, perdemos o contato. Mas não nos esquecemos. Quando voltei para Jundiaí, voltei a ver Norberto nas ruas da cidade, durante minhas caminhadas, principalmente já neste milênio, com ele já aposentado e eu passando diante do prédio onde a oficina já não existia mais. E os papos giravam em torno, sempre, de família: lembrando de nossos pais e falando de nossas famílias atuais. Mas a maioria das vezes encontrava Norberto onde ele mais gostava de estar: na feira do Vianelo. Era ali que o encontrava saboreando o pastel. Comentava dos sabores e daqueles que mais gostava. E pastel era um dos “pratos” preferidos de Norberto.
Outro local onde encontrava Norberto era do lado de fora dos mercados. Era comum encontrar Lúcia, sua esposa, fazendo compras, cumprimentá-la e perguntar por ele. A resposta era simples: está lá fora me esperando... Norberto era assim: gostava de fazer amizades. Então, enquanto sua esposa fazia as compras, ele batia papo do lado de fora. E não tinha assunto que ele não gostasse de conversar: mas família era o primeiro, o melhor.  Gostava, principalmente de falar da Lúcia, sua esposa, das filhas, dos netos, mas ultimamente falava de sua mãe, minha tia Eliza, falecida há exatos dois anos.
Mas Norberto, imagino, sentiu saudades dela. Sim, porque agora em 2015, em abril último, ele se foi. Imaginava que conseguiria passar por uma cirurgia e voltar a viver normalmente. Mas não deu tempo. Norberto partiu deixando uma saudade grande de seu jeito bonachão de ser. Um riso permanente e uma vontade grande de curtir sua família.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

PERSONAGENS (27) Meu padrinho João Munarolo

Além de padrinho de Crisma, João Munarolo era meu tio: irmão de minha mãe! Sorriso constante nos lábios e seu jeito de trabalhar me deixava orgulhoso de ser seu parente. Parecido com meu avô José, João era mais alto, como a maioria da família. Imagino que minha mãe e meu tio Waldemar eram os únicos a seguirem meu avô na altura. E se quase todos os domingos à tarde, meus pais fossem visitar meu avô José, na rua Marrocos, ali no Jardim Bonfiglioli, a volta dificilmente era feita por outro caminho a não ser passar pela casa de meu tio João. Claro que a maioria das vezes eu o encontrava na casa de meu avô.
Por sermos crianças, nossa presença acabava sendo envolvida por brincadeiras, enquanto os adultos conversavam na sala, tomavam café na cozinha e, quando a tarde começava a cair, cada um tomava o rumo de sua casa. E era bom não existir televisão – claro que já existia, mas era cara demais nas décadas de 1950 e início da seguinte – afinal, o bate-papo era fundamental. E não se conversava até acabar o assunto, conversava até acabar o tempo de ir para casa. Como telefone também era raridade, as conversas eram assim: olho no olho, cumprimentos, abraços, apertos de mão.
Mas o que me chamava a atenção em meu tio João era sua cordialidade, seu jeito de me colocar no assento extra de sua bicicleta e me levar para dar uma volta. Sabia que aquele banquinho estava ali para meu primo passear, mas nada impedia meu tio de me levar dar uma volta. Mesmo que fosse apenas no quarteirão. Gostava de acompanhar minha mãe quando ela ia fazer a despesa do mês. Afinal, a compra era feita no Empório Bizzarro, localizado em frente à Igreja de Vila Arens. E era ali que ele trabalhava: lápis atrás da orelha, bloco de nota fiscal no balcão e lá ia ele, lendo os produtos e minha mãe confirmando quantidades. De vez em quando ele ia até o outro lado do balcão, apanhava duas ou três balas e me entregava. Sabia que gostava de bala de mel e era esta que me trazia sorrindo.
João gostava de jogar damas. Era um verdadeiro “campeão”. Conhecia todas as jogadas. E quando ia à minha casa, lá aparecia eu com o tabuleiro para “desafiá-lo”. Claro que criança tem preferência. Estas coisas de “café com leite”, que se dizia na época, e aí eu ganhava uma, duas, me entusiasmava. Mas na hora de ir embora, a vitória era dele. Mas sempre explicando os lances e onde estavam meus erros. Aprendi! Não virei campeão como ele, mas sempre que jogava – e faz tempo que os tabuleiros sumiram até das lojas de brinquedos infantis – me lembrava das dicas de meu tio-padrinho.
Casei, nos afastamos, mesmo aposentado ele continuava a trabalhar, mas certa vez, quando publiquei um texto falando sobre o “dia da despesa”, ele se emocionou: recortou o jornal e levava consigo no bolso. E nas conversas com amigos não deixava de mostrar o escrito e completava: “este aí sou eu...”

Tio João partiu há alguns anos. Morava no alto da Vila Arens, exatamente por onde eu passava em minhas caminhadas matinais. Eram raras as vezes em que a gente se encontrava. Afinal ele sempre estava com pressa. Mesmo com 80 anos ainda trabalhava. “Aposentar pra que? Se Deus me deu saúde, vamos trabalhando”, dizia ele, sorrindo e se despedindo. E quando a saúde foi vencida ele partiu. Partiu certo de que a vida é bela e cheia de lindos e inesquecíveis momentos. Mesmo que um deles seja deixar o afilhado vencer no jogo de damas.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

PERSONAGENS (26) A seriedade do comendador Martinelli

Durante os anos de 1968 e 1969, período em que trabalhei na rádio Santos Dumont de Jundiaí, minha convivência com o comendador Hermenegildo Martinelli foi praticamente diária. Afinal, ele apresentava o programa “Sorrisos de Nossa Senhora”, às 18 horas, diariamente, e era neste horário que eu trabalhava. Meu programa diário era das 17 às 18 horas, depois, fazia a passagem para o programa religioso, assim que encerrava, fazia a passagem para o programa de esportes, das 18h20 às 18h30 e, em seguida, entrava o programa “Hora Nipônica”.
E o comendador chegava sempre cinco minutos antes do horário. Sentava no estúdio com seus livros de meditação e oração e aguardava pacientemente seu horário.  Como quase todos os dias havia um sacerdote para uma reflexão, Martinelli acompanhava este momento até o final, mesmo não intervindo mais ao microfone. Sua ação diária, quando havia o sacerdote – e muitas vezes era o bispo Dom Gabriel quem entrava ao vivo, mesmo que por telefone - , se resumia na oração do Angelus. Se sozinho, a reflexão se estendia até o final do horário.
Sempre de terno, gravata borboleta, o comendador, que também era vereador nesta época, esboçava um pequeno sorriso ao chegar, cumprimentando com seu “Boa tarde” e repetia a mesma postura ao se despedir, agora com o já “boa noite”. Por conta de ser vereador, nas noites de quarta-feira, quando havia sessão – e ela era sempre transmitida pela Santos Dumont – o comendador abandonava os livros de meditação e chegava ao plenário com pastas com documentos para saber o que falar e fazer nos momentos de votação ou de troca de informações entre os políticos. E quando chegava ao plenário, fazia questão de acenar para a equipe da rádio presente ao local. E a equipe era o técnico de som e eu.
Foi vereador entre 1948 e 1976, sendo secretário, vice-presidente e me lembro que certa vez – das poucas em que conversávamos no estúdio – comentou que a rádio Difusora de São Paulo fizera uma enquete e ele foi eleito o Vereador do Ano. Seu sorriso foi mais prolongado do relatar o fato. Digo que conversávamos pouco, primeiro porque, por conta de seus afazeres, o comendador chegava ao estúdio “em cima da hora” e eu não podia estender diálogos por conta do programa que comandava. E ao final do “Sorrisos de Nossa Senhora”, já estava eu novamente no estúdio anunciando o programa de esportes e o comendador já tinha ido embora.

O “sorriso sério” do comendador ficou marcante em minha vida. Quando deixou este mundo em agosto de 1979 eu já não estava nem na rádio e também nem no jornal. Desenvolvia minha empresa de prestação de serviços. E me lembro da multidão que foi dar seu adeus a um dos vereadores que mais vezes foi reeleito.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

PERSONAGENS (25) A rápida passagem de Marcelo Zeni

Existem pessoas que, não sabemos por que, passam por nossas vidas e deixam marcas profundas. E Marcelo Zeni é exemplo típico disso. Me lembro de sua alegria de viver e de sua luta para continuar. Uma luta que terminou cedo porque ele se foi bem antes dos 40 anos. Conheci Marcelo na década de 1970 na JCM – Juventude Cristã em Marcha – um grupo de crianças, jovens e adolescentes que existia na Paróquia de Vila Arens, em Jundiaí, e que substituiu a Cruzada Eucarística Infantil. Deveria me lembrar dele porque era mais um membro da família Zeni que passara pelo grupo: me lembro de Maria Angela, Adalberto, Maria Elídia, Afonso e depois ele, o mais novo da família de Pedro e Elídia Zeni. Ele, um homem de apenas um braço que perdera o outro num acidente, e que dirigia o caminhão da Vic Maltema, produto similar ao Toddy e Nescau.
Mas, disse que deveria lembrar-me dele, por conta da família, mas o que gravou Marcelo em minha vida foi sua vontade de viver, seu sorriso constante, seu olhar buscando sempre novos horizontes. Marcelo, quando o conheci, não tinha mais do que dez anos. Acho que nem chegara neles ainda! Deixei o grupo quando mudei para Campinas por conta da profissão e ele desapareceu da minha memória. Mas não foi para sempre!
Reencontrei Marcelo quando voltei a morar em Jundiaí, já na metade dos anos 1990. E ele era meu parente: casara com a filha de meu primo Norberto Perboni, mas o contato não passava de simples “olá, tudo bem?”, “abraços à família”. Até que um dia ele me descobriu no comando da redação do Jornal de Jundiaí e isso já estávamos neste milênio. Ligou para dizer que estava enviando uma carta para sair no espaço dos leitores e queria saber se poderia ser publicada. Me chamou de “tio”, rindo, como nos tempos da JCM, mas fui obrigado a corrigi-lo, dizendo que agora a gente era primo, muito mais parente do que o “tio” que ele dissera.
Carta publicada, telefonema de agradecimento e, uma semana depois, o fato se repete. Foram várias vezes que me enviou carta para publicar. Discutíamos o assunto, falávamos sobre política, sobre a cidade e sobre família. De repente, Marcelo sumiu: uma semana, duas sem ligar. E isso me fez lembrar dele. Foi então que soube que estava doente. Uma doença destas que não tem cura e que me fez meditar mais sobre o garoto e o agora homem casado e pai, Marcelo Zeni. E nesta lembrança, ele reaparece numa nova ligação: voz baixa, sorriso fechado, mas senti, mesmo sem vê-lo que havia uma vontade grande de viver: “to aqui ‘tio-primo’, to lutando, vencendo batalhas, perdendo outras, não sei até quando, mas a vida é assim, não é? Segue aí outra carta, veja se dá para publicar. Estou superando o tratamento, mas acho que vou longe ainda.”

A conversa não foi além, foi a última. A carta saiu no dia seguinte. Alguns dias depois quando chega a lista de necrologia à redação, meus olhos visualizam seu nome. Confesso que me emocionei. De novo me lembrei do garoto, agora jogando bola na quadra do “Dragão Mecânica”, depois o já homem casado e senti que a vida nos prepara peças incríveis, mas nos dá lições de pessoas maravilhosas e cheias de alegria e vontade de viver. Como Marcelo Zeni que já se foi há dez anos imagino eu.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

PERSONAGENS (24) A Hora Nipônica de Iwao Miyahara

Quando vi a programação da rádio, no meu primeiro dia de trabalho, me surpreendi: é que às 18h30 entrava no ar o programa “Hora Nipônica” e isso me mostrou algo que nunca tinha visto: um programa só para japoneses em Jundiaí. Mas antes mesmo de o programa entrar o no ar, já imaginei o lado positivo: toda a colônia estaria ligada na rádio. E assim que o programa de esportes saiu do ar, vi um senhor entrar na técnica com alguns discos, sorriso permanente nos lábios e seguir para o estúdio onde eu estava. Tudo isso no ano de 1968, na rádio Santos Dumont e convivi com este senhor até final de 1969.
Iwao Miyahara tinha esta rotina diária: passar pela técnica, deixar os discos, mostrar a sequencia musical e seguir para o estúdio. Era meia hora de programa, com músicas japonesas, duas, três no máximo, discos de 45 rpm. Nos intervalos entre uma e outra entravam propagandas lidas por mim. Ao término da leitura, Iwao anunciava outra melodia, e com o braço assinalava para a técnica soltar a melodia.
O sorriso permanente de Iwao é que me motivava a continuar a trabalhar na rádio. Afinal, não haviam folgas nem feridos: de segunda a segunda, tanto que decidi deixar a rádio e acabei me acertando no Jornal da Cidade.  Era comum ele chegar ao estúdio, me cumprimentar e, colocar sua mão sobre meu ombro para dizer que “temos que continuar”, no seu sotaque japonês. Certa vez, me esperou deixar a rádio. Ao chegar ao portão, ele me segurou pelo braço, atravessamos a rua Coronel Leme da Fonseca até a rua do Rosário e seguimos até a Barão do Triunfo. Logo na esquina, apontou com o dedo: “minha mercearia!” Entramos, me apresentou ao seu filho e preparou uma vitamina para mim. Me apoiei no balcão, como faziam todos os fregueses, saboreei a vitamina, agradeci e vi seu sorriso se perpetuar na minha memória.
No final de 1969 deixei a rádio e, no último dia, antes do programa começar avisei Iwao de que seria nosso último trabalho junto. Ele ficou sério o programa todo e, na hora de encerrar, olhou para mim e disse: “encerra você!” Olhei para ele assustado, fez sinal e lá fui eu: “A Rádio Santos Dumont encerra mais um programa Hora Nipônica. A todos os ouvintes ‘arigato’ e ‘sayonara’. A gargalhada dele só não foi ouvida por todos, porque a técnica de som cortou o microfone. Mas todos nós rimos desta despedida que se completou, pela última vez, em sua mercearia e com mais um copo de vitamina.

Foram muitas as vezes que deixava o jornal e subia até o Centro pela Barão do Triunfo, para cumprimentar Iwao. Depois de minhas férias, ainda na década de 1970, passei diante da mercearia para matar a saudade. A porta estava fechada e nunca mais a vi aberta. Não sei se fora vendida ou se mudara de local. Nunca mais ouvi o programa porque no horário estava trabalhando, mas confesso que o sorriso e a cordialidade de Iwao Miyahara estarão sempre presentes em minha memória.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

PERSONAGENS (23) A paz de Ida Lehner

Conheci Ida Lehner de Almeida Ramos em setembro de 2002, quando tomamos posse na Academia Jundiaiense de Letras. Na ocasião, tive só a oportunidade de cumprimentá-la, pois já a conhecia de nome: era colaboradora do caderno Estilo do Jornal de Jundiaí, onde eu era editor-chefe. Também já me conhecia do mesmo jeito – de nome – pois acompanhava minhas crônicas que eram publicadas no mesmo jornal, aos domingos, mesmo dia que seus textos saíam no caderno Estilo. Nesta apresentação, acabamos tendo a oportunidade de conhecer alguém que só imaginávamos pelas letras, pelos textos. Senti em Ida uma paz incrível, apesar de sua dificuldade de andar.
Foi exatamente por conta desta sua dificuldade, que poucas vezes esteve presente nas reuniões da Academia, mas sempre nos comunicávamos, por conta dos textos que publicávamos no mesmo jornal. Apesar desta “comunicação” eram poucas as vezes que nos falávamos ao telefone: ela enviava o texto e confirmava o recebimento com a editora do caderno, Luciana Alves, que sentava ao meu lado na redação. E Luciana acaba sendo, na maioria das vezes, a intermediária entre nós dois: ou Ida por estar com pressa ou eu por estar iniciando processo de fechamento da edição do dia. Mas Luciana dizia uma palavra a mim, que repetia a Ida o meu recado. E este recado era sempre um elogio ao texto publicado. Ou meu ou o dela. E a resposta era sempre um agradecimento.
Quando falávamos ao telefone – e foi no máximo duas vezes – sempre senti uma paz incrível nesta mulher. Apesar de seus textos serem publicados apenas uma vez por mês no jornal, parecia, a mim, que eram constantes, tal a calma de suas palavras, a leveza de seus poemas ou crônicas.

Como disse, foram poucos os contatos que tivemos. Deixei o jornal e só soube de sua partida no dia seguinte, quando fui dizer adeus a um amigo que também se fora. E no cemitério, percorri as ruas em busca de onde Ida Lehner estava sepultada. Vi ainda as flores sobre seu túmulo, mas senti, ao parar diante do mesmo, a paz que ela sempre me transmitiu todas as vezes que nos falamos, quer pessoalmente, quer por telefone. Uma paz tão grande que não consigo medir!

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

PERSONAGENS (22) Histórias de Padre Hugo

Alguns dias antes de minha Primeira Comunhão, em outubro de 1959, padre Alberto, o vigário de Vila Arens, chamou as crianças para os bancos da frente, na Igreja, e apresentou a todos um padre que eu ainda não conhecia e que tinha o nome de Hugo. Com um sorriso nos lábios, padre Hugo deixou a sacristia e apareceu diante do altar principal da igreja, para conversar com as crianças. E seu objetivo era um só: convidar a todos para participar da Cruzada Eucarística Infantil.
E a conversa foi tão produtiva, pelo menos para mim, que cheguei em casa anunciando que, feita a Primeira Comunhão, pertenceria à Cruzada. Falei com entusiasmo do padre que acabara de conhecer e da conversa que ouvira dele. E no primeiro domingo depois da Primeira Comunhão, lá estava eu de terno azul marinho, gravatinha borboleta, camisa branca, integrando o grupo de cruzados.
Padre Hugo comandava as reuniões dominicais após celebrar a missa das 7h30 que era a das Crianças e que tinha como orientador da celebração, o padre Alberto, já que as missas ainda eram em latim. Fazia o mesmo nas tardes de segunda-feira, quando os mais novos se reuniam para aprender mais sobre a Doutrina Cristã e incentivava a vocação sacerdotal.
Apesar do grupo de zeladoras – moças com mais tempo de Cruzada e que ajudavam a tomar conta das crianças durante a missa -, padre Hugo gostava de comandar tudo. Com o passar do tempo, comprou um aparelho de som, várias coleções de discos com aulas de catequese e fazia as reuniões de domingo. Abria a reunião com orientações básicas da semana, ligava a sonata, colocava o disco, verificando o tempo de duração do mesmo, deixava as zeladoras tomando conta e ia atender confissões. Jamais falhou: cinco minutos antes de terminar o lado A do disco, estava ele de volta à reunião para colocar o outro lado.
Mal respirávamos nas cadeiras! Era preciso atenção, pois não sabíamos o que ele iria perguntar ao final do outro lado do disco. Voltava, questionava e dispensava as crianças, sempre com a orientação de que era fundamental obedecer o pai, a mãe, a professora e as catequistas e jamais mentir para quem quer que fosse.
Sabíamos que nas primeiras sextas-feiras de cada mês, ele saia cedo, visitando os doentes da paróquia e levando comunhão a cada um deles. Isso se repetia muitas vezes aos domingos, quando não precisava ir, de bicicleta, até a então capela de Nossa Senhora Aparecida – hoje Santuário de Aparecida – na Vila Rami, para celebrar a missa das 10 horas.
Mas o tempo fez com que ele deixasse Jundiaí e fosse trabalhar em Machado, interior de Minas Gerais, sua cidade natal, isso já no início da década de 1970. Fui revê-lo em 1982, quando veio participar da celebração da primeira missa de meu irmão Antonio, que estava se ordenando padre.  E nesta época já era Padre José, retomando seu nome de batismo. Antigamente quando os padres se ordenavam, mudavam de nome para mostrar sua nova vida e a seguir os passos do Cristo. Hoje em dia, apenas o papa altera seu nome.
Nunca mais o vi! Mas no final da década de 1990, um grupo de criminosos o matou, quando atravessava um rio, de barco, em sua cidade natal, onde ia visitar doentes. Segundo os culpados pelo crime, o confundiram com outra pessoa.  O fato tomou conta de quem o conhecia...

Mas hoje, acabei me emocionando ao me lembrar deste homem e ao fazer uma busca na internet, descobri que sua cidade natal o homenageou, dando seu nome a uma escola municipal. E a escola faz exatamente como ele fazia: ensinava os outros...

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

PERSONAGENS (21) Dona Benedita, a primeira mestra a gente nunca esquece

Se é verdade que ninguém passa pela vida de outrem por acaso, é correto dizer que Dona Benedita Alzira de Moraes Camunhas foi uma das pessoas mais marcantes em minha vida. Afinal, foi com ela que aprendi a ler e escrever. Meu contato com ela durou todo ano de 1958, quando fiz o primeiro ano primário no Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, num prédio que não existe mais e que estava localizado na rua General Carneiro, esquina com a avenida Fernando Arens. E isto ocorreu numa época em que não existiam pré-escolas, jardins da infância ou qualquer outro tipo de ensino: entrávamos no primeiro ano primário e as classes eram separadas por sexo: primeiro ano primário masculinho e tinha a classe feminina. Depois de alguns anos surgiram as classes mistas.
Mas o importante é falar desta mulher que entrava na classe com um sorriso imperdível nos lábios, dirigia-se ao quadro negro e começava a ensinar, com um jeito de quem sabia tudo o que estava dizendo. E lá ia ela: b-a... ba, b-e... be... e assim por diante. E a classe repetia e quando o aluno conseguia ler sozinho, formar palavras e frases, o sorriso de dona Benedita dobrava de tamanho. E foram muitos os dias em que ela deixava a classe com um sorriso de orelha a orelha. Dona Benedita era assim: uma incentivadora constante aos alunos. Elogiava o caderno de Ocupação – que ficava na classe e era distribuído aos alunos nos momentos de exercício na classe ou nos ditados temidos – ou no caderno de Dever de Casa que tinha a função óbvia. Mas o que a gente mais gostava e recebia o elogio constante era o caderno de caligrafia: letras desenhadas no espaço determinado no caderno, atenção na hora de escrever e as palavras dela vinham escritas junto com as notas: 100 (naquele tempo a nota maior era 100...) “Parabéns!”, “Linda caligrafia!”, “Continue assim!”, “Você faz melhor!”
Muitas vezes, para completar o elogio, chamava a diretora que ficava na sala ao lado de nossa classe para dizer que os alunos eram ótimos. Mostrava para a diretoria os cadernos de caligrafia, mostrava os ditados bem feitos, e lá ia ela para sua casa, com nossos cadernos debaixo do braço, para trazer no dia seguinte, com mais uma infinidade de elogios. Era assim, com seu jeito doce de ensinar que saíamos da escola realizados. E no ano seguinte, quando minha professora passou a ser dona Odete, confesso que passava em frente à sala de Dona Benedita,  só para ouvir o que dizia aos alunos. E isso me dava ânimo para seguir em frente nos estudos.
Os anos passaram, a vida foi passando e fui revê-la em 1998, quando lancei meu primeiro livro e fiz questão de convidá-la. E ela se lembrava de mim, comentou de outros alunos da mesma classe que eu já não lembrava mais seus nomes, mas que ela me “refrescou” a memória. Rimos juntos de um tempo que não volta mais, mas que fica perpetuado em nossas memórias e a vi ir embora folheando o livro, imaginando que ela iria guardar junto ao meu caderno de caligrafia cujas letras eram totalmente diferentes da dedicatória deixada junto ao autógrafo.
Num dos meus aniversários, na redação do jornal, atendi uma ligação, uma voz me disse rapidamente: “parabéns, grande escritor”. Tive que perguntar: “quem é?” e, do outro lado, depois de um breve sorriso, ela respondeu: “sua primeira namorada, não lembra não?” Não tive dúvidas: “dona Benedita?”.  O sorriso dela confirmou e trocamos meia dúzia de palavras, para ela dizer, ao final, que mantinha meu livro guardado entre as relíquias de sua vida.

E numa manhã, ao ler o jornal, me surpreendi com um comunicado de missa de sétimo dia. Era desta mulher incrível, que tinha partido em silêncio para deixar na minha memória uma lembrança doce e cheia de doces momentos. Dona Benedita era assim: cheia de vontade de viver e que não esquecia as alegrias que a vida nos proporciona. Mesmo que seja um simples caderno de caligrafia...

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

PERSONAGENS (20) A jornada de Ademir Fernandes

Conheci Ademir Fernandes na redação do Jornal da Cidade em 1970. Estava começando como revisor e ele já era repórter e editor de esportes, além de viajar todo dia para São Paulo, onde trabalhava no Jornal da Tarde. Alegre, didático, adorava trocadilhos e se divertia com o grande Palmeiras daquele início de década. Jamais deu bronca em alguém por conta do serviço. Fazia isso com humor e elegância que deixava o outro sem jeito de retrucar.
Num tempo que não havia internet, o radinho de pilha era uma de suas fontes de informação. Era por este meio que acompanhava os jogos do Paulista quando a partida era fora de Jundiaí. E naquele tempo, assim como o Palmeiras, o time da cidade não chegava a decepcionar. Mas por conta dos jogos serem à noite e meu trabalho ser à tarde, eram poucas as vezes que a gente se encontrava. Acontecia com mais frequência nas segundas-feiras, quando ele fazia um caderno de esportes, já que não havia edição do jornal nestes dias. E o caderno circulava na terça com grandes destaques para o Paulista, o Amador da cidade e os times que disputavam ou o Paulistão ou o Brasileiro.
Um envelope amarelo era seu companheiro de todas as horas. Chegava à redação com ele, ia para São Paulo e voltava no dia seguinte ao jornal sempre com ele nas mãos. Dentro dele, informações, assuntos ligados à sua área de trabalho. Nos separamos quando o trabalho cresceu em São Paulo, me mudei para Campinas e voltamos a nos ver mais de 20 anos depois, já na segunda metade de 1990. Claro que o envelope era outro, mas a cor era exatamente a mesma. E agora já havia internet, arquivos no computador, mas sua fonte estava ali, naquele envelope.

Já tinha os filhos crescidos e tanto Ellen como Elton seguiram os passos do pai e se tornaram jornalistas. E ele sempre “batalhou” para que os mesmos sempre estivessem bem empregados. E como a vida nos prega peças terríveis, Ademir partiu prematuramente já há 15 anos. Havia uma vontade de trabalhar incrível neste homem que jamais rejeitou uma pauta a mais em sua rotina. Tinha ainda uma vontade grande de ajudar os outros. Era comum vê-lo levar jornalistas de Jundiaí para trabalhar em São Paulo e quando sabia que algum deles estava desempregado, negociava com os colegas de profissão para contratar quem quer que seja. Sua partida deixou uma lacuna grande na imprensa da cidade e na Capital, mas deixou a certeza de que devemos batalhar sempre, até o fim, em busca de nossos objetivos. Ademir era assim: competente, alegre, um bom amigo, destes que, se for preciso tiram a blusa e entregam ao outro para que este não sinta frio.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

PERSONAGENS (19) A “Revolução” do Padre Vitor

Conheci Padre Silva quando ainda era Vitor no final da década de 1960, na paróquia de Vila Arens, em Jundiaí, onde ele criou a Revolução Jovem, a conhecida RJ. Conheci, mas não tinha contato com ele, já que participava de outro movimento religioso e os horários das nossas missas eram diferentes. Enquanto a minha era às 7h30 a dele era duas horas depois, o que significava que a gente nem na sacristia se cruzava. Mas o via celebrando quase todo domingo. Celebrando e cantando, que era o ele gostava de fazer. E fazia muito bem, exigindo o máximo do grupo de jovens, principalmente na hora de cantar.
Baixa estatura, mas austero, rigoroso. Mas isso tudo era uma “casca”, pois a doçura de seu jeito de ser fazia com que todos esquecessem este rigor. Rigor porque queria a missa sempre bem celebrada por todos, com boas leituras e cânticos muito bem afinados pelo coral dos jovens que existe até hoje. Claro que não mais jovens porque a idade nos faz mudar da juventude para a vida adulta. Mas a força deste padre faz com que estes agora senhores continuem a se encontrar sempre.
Recordo vagamente de sua ordenação, na mesma década de 1960 quando seis ou sete diáconos mudavam de fase e se ordenavam padre. Isso no seminário Salvatoriano, em Várzea Paulista. Mas como toda congregação religiosa, Padre Vitor acabou sendo transferido, a igreja liberou o nome assumido na ordenação e ele deixou de ser Vitor para ser Padre José Silva, seu nome de batismo. Silva ficou sendo mais fácil para todos e fui reencontrá-lo na Paróquia Divino Salvador, em Campinas, já na década de 1980, quando minha profissão me fez mudar de cidade. Assumi, eu, minha esposa e mais um outro casal, um grupo de adolescente nesta paróquia e padre Silva passava muitas vezes pela sala de reuniões, pelo menos para lembrar que no final da tarde – isso no sábado – era fundamental todos participarem da missa. E o grupo o fazia com muita alegria.
O agora Padre Silva comandava tudo na paróquia: as missas, os casais, os movimentos religiosos e o coral, claro. Estava envolvido também com o coral da Unicamp. Na paróquia, sempre, ao final das missas, os frequentadores passavam pelo salão ao lado da igreja para saborear um café, comer uma bolacha ou um pedaço de bolo e conversar com este padre que não se cansava nunca. Era comum, também, ver jovens de Jundiaí que pertenceram à RJ participando das missas em Campinas. Não tinha como não conviver com este padre, apaixonado pelo que fazia.

Mudamos de bairro, de paróquia, perdemos contato com ele, ficamos sabendo de sua doença repentina e de sua partida prematura. Tenho contato com muitos participantes da Revolução Jovem. E toda reunião, todo encontro quer seja um ensaio ou uma confraternização o nome do Padre Vitor é lembrando. Sempre com muita emoção e saudade por todos!

terça-feira, 28 de julho de 2015

PERSONAGENS (18) O bom humor de Arquimedes

Conheci Arquimedes, que nasceu Lázaro de Almeida, na rua Moreira César, Vila Arens, num local onde sempre foi farmácia, mesmo tendo mudado de nome algumas vezes e que naquele tempo se chamava Farmácia Progresso. E o tempo é antigo: década de 1950. Ele era o farmacêutico que todo mundo achava ser o médico do bairro. Atendia a todos com a mesma dedicação e sempre sorrindo. Ouvia com seriedade os relatos do paciente e sorria ao diagnosticar o problema e fazer a medicação. Mas não era só isso que ele fazia. Mas vale dizer que tudo que fazia, tinha a mesma atenção, dedicação e cuidados!
Foi ele quem cuidou de meu irmão mais velho, quando este se machucou, quando criança, num arame farpado e precisou dar um ponto no braço. Os farmacêuticos também faziam isso na metade do século passado!
Se sua farmácia estava sempre cheia de pessoas que buscavam seu diagnóstico, sua sala, na Câmara de Vereadores não era menor. Imagino que tenha sido o vereador que mais vezes ocupou a presidência da Casa. Era ali que eu também o via, nos tempos de rádio Santos Dumont e que acompanhava as sessões da Câmara. Chegava ao local sorrindo, sentava na cadeira da Presidência e se transformava no competente vereador que sabia comandar os colegas de parlamento. De sua cadeira, visualizava a equipe de jornalistas no local. Acenava para todos com seu sorriso para, no minuto seguinte, abrir pastas e mais pastas e dirigir os vereadores presentes, ler projetos, aprovar, interromper discussões, enfim faz o papel de presidente! E se foi o vereador que mais vezes foi presidente da entidade, com certeza Arquimedes está entre os mais vezes eleitos.
E se já cruzava com ele quer na farmácia, quer na Câmara, o via também no Salão Paroquial de Vila Arens. Afinal, era ele quem comandava as festas ali realizadas, principalmente de aniversários dos padres salvatorianos que dirigiam a igreja do bairro. O salão estava sempre lotado nestes dias e, entre uma apresentação e outra – quer pequenas peças de teatro, apresentações musicais ou declamações de poesias – Arquimedes se apossava do microfone e fazia a plateia rir com piadas e “causos” que sabia contar como ninguém.  Mas Arquimedes não foi só isso: chegou a ser presidente do Paulista, do Ipiranga, que era praticamente em frente à sua farmácia. Além disso, o projeto de criação da Guarda Municipal de Jundiaí é de sua autoria.

 Quando deixou o Legislativo de Jundiaí, imagino que no início da década de 1980, eu já não morava na cidade, pois me casara e mudara para Campinas. Não soube, também, de sua partida, mas quando retornei a Jundiaí, já na década seguinte, sua farmácia tinha fechado, mudado de nome e ele não estava mais por aqui. Apenas tivera, como homenagem, dado seu nome ao prédio da Câmara de Vereadores, perpetuando seu trabalho na cidade.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

PERSONAGENS (17) O comendador Gumercindo Barranqueiros

Conheci o comendador Gumercindo Barranqueiros quando consegui meu primeiro emprego com carteira assinada. Isso foi no ano de 1968, quando fui trabalhar na Rádio Santos Dumont de Jundiaí. Entrei para pedir emprego na técnica de som e o locutor do horário me colocou no estúdio. Li meu primeiro texto no ar e cinco minutos depois, um rosto apareceu do outro lado do estúdio, na técnica de som e desapareceu. Arrumei o emprego e o locutor me informou que o rosto que apareceu ali era do “dono da rádio”. Imaginei que fora aprovado por ele.
Alguns dias depois acabei cruzando com o comendador nos corredores da rádio que ficava na rua Barão de Jundiaí, em frente à rua Coronel Leme da Fonseca onde hoje tem uma loja da Casas Bahia. Na parte de frente do prédio havia um auditório onde aconteciam programas ao vivo e, ao lado, um portão que levava até os estúdios, subindo uma escada de sete ou oito degraus. Do lado direito, descendo três degraus era o acesso à casa dos Barranqueiros, donos da rádio. Eram poucas as vezes que o comendador subia até a rádio. E eram também poucas as vezes que o via nos corredores. Mas sempre tinha uma frase quando conversava com algum funcionário da emissora e sempre completava: “no meu tempo de rádio em Itu...”
Quando havia transmissão externa de jogo – e eu fazia o plantão esportivo – ficava observando, do estúdio, a correria para colocar os locutores no ar. Como o Paulista disputava, na época, o acesso à divisão principal, era fundamental a transmissão dos jogos. E quando se aproximava o horário do jogo e a ligação telefônica para a transmissão não se completava, via-se, entrando na técnica de som o comendador: tipo bonachão, simpático, sempre com um ar sério no rosto, mas um sorriso escondido para explodir na hora de o problema estar resolvido. Sentava na técnica, enquanto alguém seguia suas instruções. Plug daqui, plug dali e... “Boa tarde ouvintes da rádio Santos Dumont...” Quando o locutor iniciava a transmissão, o comendador se levantava sorrindo, acenava para o estúdio onde eu e seu filho Claudinê estávamos e descia para sua casa. Claudinê deixava o rádio de pilha comigo, sintonizado nas emissoras da Capital e também ia embora.
Ver o comendador nos estúdios era difícil, mas ouvi-lo falando em sua casa, na parte debaixo do prédio, não era. Ele estava sempre por ali. Voz forte, grave, era ouvida sempre com um comentário sobre alguma música que estava tocando ou sobre a notícia que acaba de ser lida no ar. Como eu tinha um programa que entrava no ar diariamente às 17 horas, mas chegava à emissora às 14, parte de meu tempo ficava na discoteca, selecionando os discos e as músicas para serem apresentadas depois, e era dali que se ouvia os comentários do comendador, principalmente com respostas de dona Paulina, sua esposa.

Não me despedi dele quando deixei a rádio no final de 1969, quando fui trabalhar como revisor no Jornal da Cidade, mas me lembro que alguns anos depois, seu filho Péricles me ligou para informar o falecimento de seu pai. E fui que publiquei nota, informando de seu repentino falecimento. Um enfarto fulminante levou o homem de voz forte, jeito bonachão e que gostava de contar histórias de seu tempo de trabalho na rádio de Itu.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

PERSONAGENS (16) A alegria interrompida de Fábio Pontes

Conheci Fábio Pontes de Oliveira em 1997, quando trabalhamos juntos na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Jundiaí. Fábio chegou como diretor, demonstrando competência e conquistou a equipe com seu sorriso permanente e uma alegria enorme de desenvolver projetos e trabalhar para que a ação de todos atingisse o objetivo maior que era atender bem os colegas de imprensa da cidade.
Sempre disposto a grandes ações, foi um dos organizadores e idealizadores de um encontro de comunicadores da cidade realizado um ou dois anos depois. Fez uma festa enorme na sala da Assessoria quando fui premiado no Primeiro Concurso de Romances da cidade. Exigiu matéria distribuída à imprensa com fotos, espalhou cartazes pelo local, me deixando inibido, diante de tanta felicidade. Ligou para os jornais para pedir destaque na reportagem, enfim festejou minha conquista.
Em 2000 deixei a Prefeitura para assumir a chefia de redação do Jornal de Jundiaí, houve nova eleição e Fábio foi elevado à função de Diretor de Cultura da cidade, mostrando, também ali, competência na realização de seu trabalho.
Perdemos o contato durante muito tempo e só fomos nos encontrar dez ou onze anos depois, quando Fábio foi morar perto de minha casa. Começamos a ir ao trabalho de ônibus e nos encontrávamos no ponto. Conversávamos sobre o final dos anos 90, imaginávamos o futuro. Mas o futuro não foi muito longo. Uma viagem sua à Fortaleza no final de 2011 para passar por lá o Reveillon não lhe permitiu chegar a 2012. Seus sonhos e projetos se afundaram numa onda qualquer que decidiu interromper sua caminhada e barrar sua alegria de viver.
Quando José Carlos Sacramoni me ligou na tarde do dia 27 de dezembro de 2011 para me dizer que você tinha partido, perguntei a ele se era você mesmo. Afinal, tinha te visto no dia 24, subindo a rua de sua casa, quase ao lado da minha. E me lembrei das manhãs em que nos víamos. Um dia desses passei diante da casa onde você morou. Senti um vazio enorme naquilo tudo. Percebi que faltava a presença de seus quase dois metros de alegria e sorriso. Senti que o sol, neste dia, não quis atrapalhar o momento de reflexão. Me lembrei de sua partida quando percebi que Deus, em sua infinita misericórdia, abria os braços pra te receber.

E me fiz calar e refletir sobre o tamanho deste mundo, a rapidez de nossas vidas e uma saudade muito grande bateu forte dentro do meu peito. Sei que aquele ponto de ônibus não vai ter mais sua presença nas manhãs diárias, quando buscávamos nossos trabalhos. Mas sei, também, que vou sentir sua presença e seu sorriso, toda vez que passar por ali. 

quinta-feira, 2 de julho de 2015

PERSONAGENS (15) Minha madrinha Olga Mathion

Olga Mathion apareceu em minha vida quando comecei a publicar minhas crônicas no Jornal de Jundiaí, no caderno Leitura de Domingo. Sempre que um texto meu saia publicado, ela aparecia na portaria do jornal, deixando um envelope, com um recado. E o recado era uma ou duas linhas de textos ou apenas uma pequena frase. Certa vez, quando o texto falava sobre “Bolinha de Gude”, o envelope continha uma, colada num folha de recados em branco. Olga sabia que o recado estava dado.
Escritora e integrante da Academia Jundiaiense de Letras, uma bela tarde me ligou para me convidar a fazer parte do grupo. Preocupada, disse que não precisava fazer nada especial, a não ser preparar um currículo e anexar obras publicadas. Ela mesma montou o processo e, dias depois, ligou para me informar a data de minha posse.
Agora minha ‘madrinha’ da Academia, Olga não perdia uma reunião mensal, na maioria das vezes acompanhada por sua irmã. Numa das reuniões, me lembro que um dos acadêmicos comentou sobre uma de minhas crônicas publicada no domingo anterior e lamentou que tal texto não poderia ser lido, pois não tinha o mesmo em mãos. Me pareceu que a informação foi a “deixa” para Olga. Ela levantou-se no meio da sala, abriu a bolsa e retirou a página de jornal. “O texto está aqui, trouxe comigo”, disse ela. Seu ato mereceu aplauso dos presentes e não vou comentar aqui a leitura feita pelo acadêmico que comentara o texto e as opiniões sobre isso. Apenas lembro que, ao final da reunião fui ao encontro de Olga para agradecer todas as gentilezas e o carinho que tinha para comigo.
Seu sorriso foi sua resposta!
Numa das reuniões me presenteou com um livro onde, em crônicas, o autor fazia referência à sua infância, numa forma parecida com meus textos que relembravam o passado. “Faça um livro com seus textos”, me disse ela. Foi o que fiz anos mais tarde!

Mas – e sempre surge um triste mas... - Olga Mathion partiu, deixando um vazio enorme dentro dos escritores da cidade. Com grandes obras publicadas, Olga passa todos os dias pela minha memória. E todo mês, na hora das reuniões dos acadêmicos, olho junto à porta da sala de reuniões do Museu Histórico e Cultural de Jundiaí, na primeira fileira, e vejo o lugar vazio onde Olga costumava sentar. E os bilhetes circulam por minha mente, lembrando o carinho e a doçura desta mulher que se imortalizou dentro do meu coração.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

PERSONAGENS (14) Os “causos” de Aparecida Mariano

Conheci Aparecida Mariano de Barros na Academia Jundiaiense de Letras onde entrei em 2002. Claro que demorou um tempo para a gente interagir, mas as conversas giravam em torno das crônicas que eu publicava no Jornal de Jundiaí, no caderno Leitura de Domingo que desapareceu com o tempo. Mas no início ela confundia as pessoas: achava que o autor era outro acadêmico. Até o dia em que nós três conversamos sobre o assunto. E aí, sempre que haviam reuniões ela se dirigia a mim, para comentar as crônicas publicadas desde a última vez que nos vimos.
A conversa de Aparecida girava sempre em torno dos “causos” vividos por ela, principalmente em Piracicaba, onde nasceu. Uma memória prodigiosa desta mulher que mantinha o sorriso nos lábios durante sua narrativa, cheia de interpretação. Mariana era uma das mais ativas acadêmicas: todo ano tinha um livro publicado, com poesias doces, assim como ela era. E neste seu jeito de ser, sempre que nos víamos, me puxava pelo braço e perguntava “quanta doce de formol tomou agora pra ficar assim tão jovem?” E mesmo dizendo que isso era delicadeza dela, trocávamos ideias sobre causos e histórias de nossas infâncias. Eu, nas registradas nas crônicas publicadas no jornal e ela rememorando “causos” que lhe provocavam risos.
Livros, trovas e poemas premiados, transformaram Aparecida numa personagem cheia de alegria nas reuniões acadêmicas. Não havia uma reunião que ela não se pusesse de pé para ler um poema, declamar uma poesia decorada ou contar um “causo” – num linguajar sertanejo – que provocava risos, mas muitos aplausos dos presentes.

Aparecida era assim... Uma pessoa cheia de vontade de viver. Claro que vontade não se perpetua e todos fazem por este mundo uma passagem dentro de um período determinado. E Aparecida se foi não faz muito tempo. Deixou um vazio nas reuniões acadêmicas, mas aquele sorriso ao término de mais um “causo” registrado por ela, ainda é refletido na sala Professor Jahyr Accioly, no Museu Histórico e Cultural de Jundiaí onde ocorrem as reuniões acadêmicas, sempre nos segundos sábados de cada mês.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

PERSONAGENS (13) O dentista poeta Romão de Souza

Os primeiros versos me foram entregues por Nelson Cardin, um amigo de ambos. “Xará publica que é muito bonito”. Me disse ele. Depois de ler, perguntei se o poema era dele, mas com um sorriso disse que não, mas que eram do presidente. “Do doutor?” perguntei. E o sorriso do Xará confirmou minha suspeita. Li novamente os versos e no domingo lá estavam eles estampados na página do jornal. E na segunda de manhã atendi o telefonema do dentista poeta e presidente do Clube Jundiaiense, Romão de Souza. “Ei, quero agradecer isso aí, mas não fui eu quem enviei os versos, nem sabia que tinham sido roubados de minha mesa”, me disse ele às gargalhadas! O fato é que este foi nosso primeiro contato e a partir daí nossa amizade foi se consolidando. Tanto que meses depois lá estava eu em seu consultório discutindo a criação do Jornal do Clube Jundiaiense. Isso lá atrás, em 1976.
A partir da aprovação da criação do jornal e do início das publicações, as reuniões foram mais constantes, apesar de muitas delas serem por telefone, graças ao pouco tempo que o presidente dentista e poeta dispunha para deliberar sobre publicações. “Façam aí, o Cardin sabe do que gosto, então... podem publicar tudo. Só não falem mal de mim!” completava ele sempre às gargalhadas!
A alegria do dentista e sua disponibilidade eram constantes. Certa vez, numa manhã de sábado, mesmo estando ele no Clube e eu necessitando de seu serviço dentário, correu ao consultório para me atender. “Afinal – dizia ele – jornalista não pode ter dor de tente em dia de trabalho!” Claro que o sorriso voltou aos seus lábios mais uma vez, mas me lembro que na saída, depois que perguntei o preço dos serviços, ele colocou um papel dobrado em meu bolso e simplesmente disse: “se achar interessante, publique!” Agradeci, deixei o consultório, a gargalhada não se fez presente, mas no outro final de semana, lá estava estampado no jornal mais um poema do amigo.
Nunca o vi na redação. Afinal, como já disse acima, seu tempo era pouco. Mas sempre achava um jeito de fazer a notícia chegar ao jornal. Quer através de amigos, quer através de um telefonema.

Passou o tempo, deixei Jundiaí, Romão chegou à Academia Jundiaiense de Letras, mas um acidente o tirou do convívio. Fiquei sabendo de sua partida quando voltei a Jundiaí, depois de 15 anos em Campinas. Outro dia, folheando uma coletânea da Academia Jundiaiense de Letras encontrei um poema do dr. Romão. “Vi uma nuvem passando, pedi carona, ganhei e voei com ela por um tempo infinito!” dizia o primeiro verso. Me lembrei da gargalhada, do agradecimento. Coincidência ou não eram estes versos que anos atrás foram publicados no jornal onde trabalhava. Os mesmos que foram “roubados” de sua mesa de trabalho. E me veio à mente este homem forte, inteligente, responsável. Que fazia as coisas acontecerem. E sempre com aquele olhar bonachão e o sorriso nos lábios!

quarta-feira, 27 de maio de 2015

PERSONAGENS (12) A obra de Mariazinha Congílio

O título pode parecer estranho, já que Mariazinha Congílio não se restringiu a apenas uma obra. Ideal seria no plural, mas está como está porque foi por conta de uma obra que a conheci. Mas, pensando bem, todo o conjunto se transforma numa grande obra: a obra de Mariazinha Congílio. O ano era 1971 quando Mariazinha publicou o livro “Nem a favor nem contra, muito pelo contrário”. Foi o bastante para sugerir ao chefe de reportagem do Jornal da Cidade onde engatinhava como repórter, uma entrevista com ela. Entrevista aprovada e repórter escolhido: Eu!  Mariazinha morava na rua Senador Fonseca, o que significa que fui até sua casa, com fotógrafo, a pé, já que a redação ficava na Praça das Bandeiras, onde na época havia uma escolinha e uma praça com lindas árvores e muito bem cuidada!
O sorriso nos lábios da escritora durou toda a entrevista: o comentar da obra, os detalhes da inspiração, e o desejo de que seus textos atravessassem o oceano. Mariazinha era assim: simples e ousada: um sonho de ver o mundo lendo seus textos. Entrevista encerrada, a despedida e o sorriso em seus lábios se perpetuou na minha memória!
Meu contato com a escritora e jornalista foi pequeno: três, quatro, no máximo. O primeiro, um telefonema marcando a entrevista, o segundo, a realização da mesma, o terceiro o agradecimento dela, ligando à redação para dizer que gostou do que leu publicado e o quarto... mais de 30 anos depois, quando nos encontramos – na verdade uma vez – numa reunião da Academia Jundiaiense de Letras.
Entrei na Academia em 2002, mas nesta época Mariazinha vivia mais em São Paulo do que por aqui e me lembro dela apenas numa reunião, quando a cumprimentei. Sorriu quando falei da reportagem de tantos anos passados. O sorriso era o mesmo do dia da entrevista. E foi num dia da reunião da Academia, em agosto de 2004, quando surgiu a informação de seu falecimento que, mais uma vez, me recordei daquele sorriso.
Mariazinha teve mais de 50 livros publicados. Escreveu para o Jornal de Jundiaí, Correio Popular de Campinas, escreveu sobre televisão para uma revista especializada. Ah! Claro! Como sonhava, como desejava, seus textos se eternizaram em muitos países, principalmente Portugal. Mas ela chegou à Itália, avançou para a língua inglesa e conquistou o mundo! E teve, claro, muitos prêmios ganhos, graças à beleza de seus textos!

Falar de Mariazinha é não esquecer seu sorriso que hoje, com certeza, ilumina cada manhã de seus familiares e conhecidos, como o primeiro raio do sol e se eterniza no final da tarde, com o brilhar da primeira estrela no céu!

quarta-feira, 20 de maio de 2015

PERSONAGENS (11) Um mestre chamado Adelino Brandão

Quando vejo a biografia deste homem, sinto orgulho de ter sido seu amigo, seu colega de trabalho, seu aluno na questão de redação, na paciência, na ética. Conheci o professor Adelino Brandão na década de 1970 quando ele fazia os editoriais do Jornal da Cidade e eu era um mero repórter e diagramador. Por conta da função de diagramar as páginas internas do jornal, chegava à redação logo às 8 horas e já encontrava ali, trabalhando seu texto, o professor Brandão. Um rápido “bom dia” e ficava acompanhando com os olhos o datilografar do texto do professor que, no dia seguinte, era destaque na página 4 do jornal.
Algumas vezes ele não estava cedo na redação. No início, imaginei que fossem aulas no Instituto, mas um belo dia, por volta das 11 horas, chega ele sorrindo e vem até mim para dizer que “fui chamado lá em cima”, disse sorrindo. “No Cia.Com?” pergunto eu. “Não, no G.O.”, diz ele sorrindo. “Queriam saber o que quis dizer no editorial de hoje”, sorria mais uma vez e sentava para escrever. Cia.Com era a 2ª Companhia de Comunicações, o quartel, na rua do Rosário e G.O. era o quartel que foi para Santos e em seu lugar veio o 12º GAC. Vivíamos, na década citada com os militares no poder. E enquanto “Estadão” e “Jornal da Tarde” mostravam receitas de bolos ou poemas de Camões, Adelino Brandão era chamado para explicar o que escrevera. Afinal, a imprensa era a grande preocupação dos militares, tanto que a censura se fazia presente constantemente.
Nossas conversas não se limitavam a política – da qual nunca fomos fãs, mas aprendemos a conviver por necessidade – mas principalmente com o escrever. Euclides da Cunha sempre foi uma referência para Adelino Brandão. Era comum vê-lo entregar um texto sobre o autor de “Os sertões” e depois o Editorial. Quando me entregava o texto do dia, brincava com ele: “atrasado hoje professor?”. Rindo, Brandão completava: “Não! Euclides da Cunha hoje é mais importante!”.
Tivemos uma longa convivência nesta década. Deixei o jornal, me mudei para Campinas e fui reencontrá-lo já neste milênio. O professor me liga para me dar os parabéns ao ver meu nome no expediente do Jornal de Jundiaí. Relembramos épocas passadas no outro veículo de comunicação, falamos sobre os velhos militares e dos quartéis que deixaram a cidade e ele me pede um favor: publicar um texto sobre Semana Euclidiana. “Seu amigo Euclides professor?”, brinco, lembrando outros tempos. “Não consigo não falar sobre a obra deste homem”, completa Brandão.

Premiado em vários concursos literários, autor de uma infinidade de livros, a maioria sobre Euclides da Cunha, Adelino Brandão também fez parte da Academia Jundiaiense de Letras. Não nos encontramos lá, mas nunca perguntei por que deixou sua cadeira. Uma noite de novembro de 2004 quando estou de folga do trabalho, numa noite de sábado, meu celular toca e o editor de plantão pergunta se poderia dar como manchete a morte de Adelino Brandão. Fico surpreso com a notícia. Na minha memória vem toda a história vivida com este homem. Não me lembro o que respondi ao editor, mas acabo vendo este homem andando pelos corredores do Jornal da Cidade com pastas debaixo do braço, muitas delas cheias provas de alunos que aproveitava para corrigir na redação e outras com material sobre Euclides da Cunha. Assim era o professor, historiador, folclorista, advogado Adelino Brandão. Ou simplesmente um amigo inesquecível!

quarta-feira, 13 de maio de 2015

PERSONAGENS (10) Os artigos de Aldo Cipolato

Conheci Aldo Cipolato em 1970. Tinha feito exame de seleção com outros dois candidatos a uma vaga no escritório da Ferráspari, na Vila Arens e fui aprovado! Assim, fui encaminhado a ele, que era chefe do setor, para me passar os documentos necessários para registro e início de trabalho. Trocamos duas palavras e marcamos o dia seguinte para entrega dos documentos e detalhamento do trabalho. Mas no mesmo dia recebi convite para trabalhar como revisor no Jornal da Cidade. Me senti tentado a ir para o jornal e, no outro dia, me desculpei com ele pela mudança de trabalho. Me olhou, convidou a sentar, perguntou minha idade e completou: “trabalhar em jornal é desgastante, já fiz muito isso, mas é uma profissão sensacional. Sou jornalista e, imagino, terá mais sucesso do que ficar aqui, datilografando cartas”, profetizou ele.
Pouco mais de um ano depois voltei a vê-lo. Tinha crescido no trabalho, já era repórter e diagramador e ele apareceu na redação, principalmente porque viu uma reportagem assinada por mim. Mas não veio só me abraçar. Queria falar, cumprimentar, contar histórias de redação e me deixou um texto seu. “Publique se achar interessante.” No dia seguinte estava na página 4 do Jornal da Cidade e às 8 horas em ponto o telefone toca na minha mesa e era ele agradecendo. O fato se tornou corriqueiro. Ele vinha, sorria, cumprimentava, perguntava sobre o jornal, sugeria uma pauta e entregava um envelope. “Publique se achar interessante”, repetia ele. E a ligação também se repetia no outro dia.
Cabelos brancos, voz forte e pausada, Cipolato não cansava de me convidar para visitá-lo em sua casa, na rua Moreira César, Vila Arens. Conversamos duas vezes no portão da mesma. A primeira, ele estava saindo, com pressa. Me convidou para entrar, mas achei melhor não atrapalhar seu compromisso. Trocamos duas palavras sobre os artigos. Na segunda vez, estava no carro de reportagem, indo fazer matéria e ele estava chegando em sua casa. O motorista parou, a pedido meu, o chamei de dentro do carro, cumprimentamos e seguimos nossa rotina do dia.
O tempo, o destino, as situações nos afastam. Me mudei para Campinas em 1980 e só voltei a Jundiaí em 1994. Não revi Cipolato, apesar de saber que continuava morando na mesma casa. O dia a dia acaba tirando oportunidades de encontrarmos pessoas e, quando entrei na Academia Jundiaiense de Letras e vi a lista dos integrantes da mesma, me lembrei dele, pois fazia parte da mesma. Mas não chegamos a nos ver. Ele não participava das reuniões nesta época, estava adoentado e faleceu pouco tempo depois.

Agora, ao procurar seu nome nas coletâneas da Academia duas coincidências: minha primeira participação foi a última dele. A segunda é que, se vivo estivesse, neste dia 24 de maio faria cem anos. Mas o destino o tirou de nossa presença. Ficaram os artigos, as lembranças e a casa na rua Moreira César,  hoje, não existe mais...

quarta-feira, 6 de maio de 2015

PERSONAGENS (9) O professor Nelson Cardin

“Fala Xará!” Não tinha outro jeito de Nelson Cardin me cumprimentar. E não faltava, claro, aquele sorriso nos lábios. Short, camiseta e tênis eram seus trajes diários a qualquer hora do dia. E isso tinha lógica: Nelson Cardin era professor de tênis no Clube Jundiaiense. E, na década de 1970, a quadra de trabalho de Cardin era na sede central. Hoje, ela não existe mais! Ao lado da quadra, uma sala onde ele ficava entre uma aula e outra e dali até a redação do Jornal da Cidade não lhe tomava muito tempo. E sempre com seu velho Fusca bege...
Além de professor de tênis, Nelson Cardin acabava sendo um assessor de imprensa do Clube, pois era comum vê-lo circulando pela redação do jornal. E não só com resultados de tênis, mas de todos os esportes e muitas vezes trazia consigo o diretor social para divulgar um próximo baile. Interessante era perceber sua rapidez ao resolver os assuntos: não se demorava muito para decidir: a situação acontecia na hora.
E foi nesta ida e vinda constante à redação que acabamos afinando nossa amizade até que ele teve a ideia de criar um jornal para o Clube. Afinal, dizia ele, seus amigos eram eu, Plínio Vicente e Aurélio Rodella, todos jornalistas, todos da redação, todos os dias juntos. E sua conversa com o presidente do Clube – o inesquecível Romão de Souza – acabou definindo a estreia do novo produto. E não era difícil fazer o jornal: Cardin colhia as informações, eu e Plínio – que deixou o grupo a partir da segunda edição – fazíamos os textos e Aurélio era o fotógrafo do grupo.  Mas entre idas e vindas, o grupo acabou se resumindo em Cardin e eu. E ficamos juntos até o início dos anos 80, quando me mudei para Campinas.
Mas no meu retorno a Jundiaí, quinze anos depois o reencontro, como sempre sorrindo e repetindo o “fala Xará!” E neste retorno ele fez questão de me presentear com uma encadernação completa das edições do jornal do Clube que fizemos juntos.
Se existem fatos inesquecíveis numa amizade, não posso deixar de citar algo curioso. Numa manhã quando Cardin passou pela redação, eu estava ao telefone, recebendo a informação de que minha carta de motorista estava pronta. E o “Xará” ouviu a conversa e foi rápido: “te levo lá, vamos”, disse ele. Apanho a carta e retorno ao Fusca bege, mas ele já está sentado no lugar do passageiro. “Senta aí Xará. Você agora pode dirigir!” Rindo e tremendo acabei apanhando o volante e retornando à redação.

Prestativo, cordial, alegre, atencioso. Assim era Nelson Cardin. Não faz muito que partiu. Mas deixou a certeza de que a vida é curta, que precisa ser aproveitada ao máximo e que as amizades se formam em pequenos gestos ou frases. Mesmo que seja um simples “Fala Xará!” que ficou gravada na minha memória, mas que será repetida por ele, com certeza, no nosso encontro na eternidade!

quarta-feira, 22 de abril de 2015

PERSONAGENS (8) O “Nono” Arlindo Cardoso

Chamado carinhosamente de “Nono” por todos, Arlindo Cardoso circulava pela redação do Jornal da Cidade quando lá estive entre os anos de 1970 e 1976. Mesmo não sendo seu departamento, seu Arlindo passava muitas vezes, durante o dia, pela redação. Afinal, sua área era a publicidade, uma sala ao lado. E era ali que mantinha seus contatos, recebia clientes, fazia suas ligações telefônicas e escrevia. E como escrevia!!! Ferroviário aposentado, tinha apenas dois dedos numa das mãos, por conta de um acidente de trabalho, mas isso não o impedia de cumprimentar as pessoas e escrever, datilografar naquele tempo. E era mais rápido do que muitos que tinham todos os dedos disponíveis para este trabalho.
Na verdade, no tempo do jornal reencontrei seu Arlindo. Costumava vê-lo nas manhãs de domingo comentando futebol no campo do Dragão Mecânica, na Vila Progresso, em Jundiaí, onde hoje a Sifco tomou conta do lugar. O destaque das décadas de 1950 e 1960 era o Primavera, equipe do bairro que disputava o amador e, neste campo, recebia seus adversários.
Ele e Paes Neto eram os responsáveis pelas transmissões da rádio Difusora na época. Paes Neto era o locutor, transmitindo o jogo e “Nono” fazia os comentários. Eu ficava ao lado da mesa dos dois, olhando um gritar gols e o outro tecer comentários, contar histórias, fazer piadas. Cardoso era puro humor. Qualquer coisa, para ele, era motivo para virar piada! E quando o revi anos mais tarde, me lembrei de seu tempo de rádio e Paes Neto também estava no jornal, mas acabou saindo logo.
E foi neste tempo de jornal que o “Nono” desenvolveu suas histórias, criou seus cadernos, desenvolveu seus textos. Uma vez por semana mantinha uma página, onde divulgava empresas e era ali que tinha uma coluna chamada “Quintaferina”, exatamente porque este era o dia que divulgava seu trabalho, faturado arduamente durante muitos dias de pesquisa e negociações. Nesta coluna ele fazia humor, contava piadas e provocava a reação alegre de leitores que ligavam para a redação a fim de cumprimentá-lo.
O humor de “Nono” nunca desapareceu. Mesmo quando estava sério e alguém o provocava para saber o que se passava ele já tinha uma saída clássica: “estou pesquisando uma nova piada”. Mesmo estando ocupado, quando alguém passava e o convidava para um café, largava tudo para saborear aquele produto, sempre acompanhado por um cigarro.
Companheiro inseparável de Paulo Furuta, os dois sempre mantiveram uma grande carteira de clientes dentro do jornal. E nos espaços trabalhados por ambos era óbvio vermos textos de Arlindo Cardoso e fotos de Paulo Furuta. Mas era comum ver textos de um e fotos do outro em reportagens do dia a dia. Afinal, vagando pela cidade, o “faro” jornalístico de ambos trabalhava muito e aí chegavam com histórias e fotos de algo que virava destaque na edição do dia seguinte.

Não o vi partir. Afinal deixei o jornal bem antes disso! Não sei precisar quando ele deixou este mundo para escrever a história do paraíso celeste, mas se não foi, imagino que seja numa quinta-feira. Só para lembrar de suas histórias publicadas no jornal. E ao fazer uma pesquisa na internet para ver se encontrava algo relevante sobre o “Nono”, apenas descobri que virou nome de rua, como tantos outros jornalistas que viveram nesta cidade...

terça-feira, 14 de abril de 2015

PERSONAGENS (7) O dono da Droga Orlando

Orlando Moreira foi uma das primeiras pessoas que conheci por conta de meu trabalho na Farmácia São Paulo. Localizada na Vila Progresso, em Jundiaí, a farmácia onde eu trabalhava me proporcionava ida à cidade, praticamente todos os dias, para buscar medicamentos. Farmácias de bairro, na década de 1960, quando comecei a ganhar dinheiro trabalhando, tinham, no proprietário, o médico da família. Era comum fazer-se filas em busca de uma palavra do farmacêutico. Via isso todos os dias com seu Moacyr, o proprietário da farmácia São Paulo, onde eu trabalhava. E na minha ida à cidade, o fato se repetia! Mesmo não sendo de bairro, a Droga Orlando, localizada na rua Barão de Jundiaí, próxima à Praça Ruy Barbosa, tinha no seu Orlando Moreira o médico da família.
Como disse, era quase diária minha passagem por esta drogaria para buscar medicamentos. Um dos balconistas era o que atendia funcionários de outras farmácias que por ali passavam para não atrapalhar os clientes ou pacientes que buscavam pela drogaria. E era lá no fundo, passando por todos os balconistas, por todas as prateleiras de medicamentos, pela escada que dava acesso ao mezanino onde também havia remédios, que seu Orlando Moreira conversava com os pacientes, desejosos de terem uma saúde melhor.
E seu Orlando ajudava a melhorar a saúde de todos apenas com seu olhar: o sorriso era constante nos lábios, a atenção ao ouvir os reclamos dolorosos dos atendidos já proporcionava uma melhora de 50% na saúde. Depois, o remédio e a explicação do funcionamento do mesmo completavam a recuperação. Do lado de fora do balcão enquanto esperava o “pacote” de remédios pedidos, eu visualizava tudo isso: seu Orlando cumprimentava a todos que estavam no balcão, mesmo que não fosse para falar com ele: sua atenção era igual para com todos. Me olhava, cumprimentava com um sorriso e já chamava o atendente das farmácias: “Já atendeu São Paulo?”, dizia ele, me olhando, sorrindo e dando uma leve piscada como se isso ajudasse a acelerar o atendimento. Às vezes a frase era outra, talvez para não ser tão repetitivo, mas já chamava o atendente: “Roberto, o Moacyrsinho já foi atendido?” Mesmo não sendo este meu nome, sabia que falava de mim. E ele, por conta do grande número de pacientes a serem atendidos, às vezes nem me olhava, mas me percebia e já chamava atenção de seu funcionário, que já respondia do mezanino: “pacote pronto!” Era a ‘deixa’ para seu Orlando me olhar, sorrir, sinalizar positivo e continuar – sem se distrair – a fazer seu atendimento.
Não foram mais do que dois anos desta rotina. Não porque eu tenha deixado o emprego e buscado outra profissão, mas sim porque seu Orlando Moreira decidiu parar. O motivo não sei ao certo até porque, nos meus 15 anos de idade e começando a conhecer o mundo e as pessoas, não imaginava o tempo de dedicação ao trabalho que cada pessoa deveria ter. E numa sexta-feira de manhã, seu Moacyr me chamou de lado para dizer que eu trabalharia – pela primeira vez – num sábado e num domingo e não seria com ele: deveria chegar bem cedo à Droga Orlando para ajudar na contagem do estoque de remédios. E o motivo era simples: Orlando Moreira estava vendendo sua drogaria para uma família de chineses que se estabelecia em Jundiaí.
O movimento nestes dois dias foi intenso: o tempo era curto para contar todo estoque e seu Orlando estava ali, o tempo todo, orientando, sorrindo, incentivando, agradecendo a todos a ajuda. No final dos dois dias, me lembro que colocou a mão no meu ombro, perguntou como me chamava, sorriu, disse que não ia esquecer o nome que nunca dissera e não conseguiu dizer o “obrigado” que imaginei fosse fazer isso. É que senti sua voz embargar e senti que algumas lágrimas iam rolar de seus olhos.

Nunca mais vi seu Orlando Moreira! A drogaria foi vendida para os chineses, com disse. Mas hoje, quando passo diante do prédio cuja drogaria não resistiu ao tempo, para diante da porta e ainda ouço o som dos pacientes pedindo remédio e de seu Orlando chamando atenção de seu funcionário: “Já atendeu São Paulo?” 

segunda-feira, 16 de março de 2015

PERSONAGENS (6) As ações de Guinés Marcos Pantoja

Difícil falar de pessoas com que tive pouco contato. Mas falar de Guinés Marcos Pantoja, que conheci no meu tempo de Jornal da Cidade e início de carreira por volta de 1972 ou 1973, não é tão difícil assim. Até porque este homem, que era diretor da Câmara Municipal de Jundiaí, era fonte de informação para os jornalistas. Não me lembro da existência de assessoria de imprensa nesta época, até porque a profissão não era regulamentada, as faculdades de jornalismo estavam iniciando seu trabalho e eram poucas as pessoas disponíveis no mercado. Lembro que na década seguinte, imagino que entre 1984 e 1985, quando trabalhava já em Campinas que ouvi falar de Wilson Martins que nos tempos que contei no início deste texto, trabalhava na rádio Difusora, falando de futebol.
Mas se não havia assessoria, alguém tinha que desempenhar papel parecido e era Guinés Marcos Pantoja que, um dia antes das sessões, ligava para os jornais e rádios para passar a pauta da reunião. E sua passagem de pauta exigia, por parte dele, longos comentários do que iria acontecer. Uma verdadeira aula de política e jornalismo, mostrando que era um grande conhecedor destes assuntos e, claro, da importância da notícia para cidade.
E diante de sua competência e humildade, no dia da publicação ligava agradecendo o destaque e o repórter o questionava sobre o certo e o errado no texto. Pantoja agradecia e fazia breve comentário, lembrando que a função do jornalista era informar e isto estava sendo feito corretamente.
Por conta de seu trabalho eram poucas as vezes que deixava a Câmara para correr redações, mas o fazia com prazer e alegria, principalmente quando algum novo vereador assumiria rapidamente o cargo por conta de licença de alguém. E ele fazia questão de levar o personagem à redação e contar a novidade. Pantoja não abandonava o olhar de alegria, o sorriso nos lábios e a certeza de que fazia um trabalho bem feito.
Falei com ele três ou quatro vezes pessoalmente. Por telefone foram inúmeras. Afinal, como disse, ele fazia – e muito bem – seu trabalho  na Câmara. E o tratamento, nos encontros, sempre foi igual: com cordialidade, alegria e humildade. Procurando sempre mostrar a importância de um trabalho bem feito.

Deixei  o Jornal da Cidade em 1977 e soube de sua aposentadoria um tempo depois. Mudei para Campinas por conta de trabalho, mas sempre mantive raízes em Jundiaí. E foi na metade de 1990 que tive notícias de que Guinés Marcos Pantoja não estava mais neste mundo. O diretor da Câmara tinha ido encontrar vereadores amigos que estavam reunidos no céu...

terça-feira, 3 de março de 2015

PERSONAGENS (5) O mestre Fábio Rodrigues Mendes

Sempre o chamei de professor! Muitas vezes de professor poeta ou poeta professor. Com o passar do tempo e o crescimento da amizade, comecei a chamá-lo de grande mestre ou grande poeta. E ele era isso mesmo: um grande homem! O conheci na redação do Jornal da Cidade no início da década de 1970, quando comecei no jornalismo. O mestre Fábio Rodrigues Mendes, o poeta Fábio Rodrigues Mendes, o grande homem Fábio Rodrigues Mendes era visita constante na redação. Na maioria das vezes para levar um poema para publicação ou até mesmo um artigo escrito por ele. E muitas vezes sua esposa, a poetisa Ermínia Serafim Mendes, o acompanhava.
Mas o bom das visitas do poeta era que sempre trazia um livro. Mesmo que não fosse dele – e ele tinha vários publicados – fazia questão de presentear alguém com uma obra. Isso era um verdadeiro incentivo à leitura. Devoto de São Sebastião, o mestre sempre se despedia lembrando do santo: “Que São Sebastião o proteja!”, encerrava a visita.
Talvez tenha sido por causa dele que me enveredei pelas letras. Um livro dele aqui, outro ali e a estante foi se embelezando com letras e palavras e Fábio era um grande incentivador.  Não era difícil ele passar pela redação, me chamar à janela com um livro na mão – geralmente de sua autoria -, abrir em uma página qualquer e ler meia dúzia de versos. Sorrir, fechar o livro, me dar um abraço e se despedir. Era assim que não me esquecia do mestre, do poeta, do grande Fábio!
Quando me mudei para Campinas, o contato não desapareceu. O poeta ligava para saber como estava. Na última vez que nos falamos, eu estava desempregado. Perguntou o que ocorrera, o que pretendia fazer e me lembrou de seu protetor: “Reze para ele, São Sebastião não nega ajuda!” Atendi sua sugestão. Dez dias depois estava trabalhando. Escrevi a ele uma carta relatando o fato, sua resposta foi uma ligação e um desejo de felicidades. “Que São Sebastião o proteja”, encerrou o telefonema.

Quando voltei a morar em Jundiaí, o poeta, o professor não estava mais aqui. Tinha ido escrever poemas no céu!

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

PERSONAGENS (4) Guilherme Enfeldt e a AJPAE

Dizer AJPAE hoje parece estranho! Ninguém mais diz deste jeito, mas todos dizem APAE de Jundiaí. Mas quem conheceu Guilherme Enfeldt como eu, jamais estranharia isso: era AJPAE para dizer que era de Jundiaí. E como este homem era jornalista, imagino que a ideia de AJPAE representava a facilidade para se fazer o título da notícia. Difícil era ver Guilherme na redação desacompanhado de Ignez. O casal sempre este junto em todas as ações ligadas à entidade que hoje tem um prédio enorme na Vila Arens e recebe crianças portadoras de deficiência de toda a cidade e, imagino, da região.
Toda semana este homem passava pela redação. Isso no início dos anos de 1970 quando eu começava na profissão e engatinhava como repórter. Ele chegava, cumprimentava a todos, olhava para cada um e procurava aquele que, na sua visão, estava menos ocupado para falar sobre a entidade que fundara em 1957 ao lado da esposa. Conversava, contava a história da entidade e pedia divulgação para algum evento que estava organizando para ajudar a AJPAE crescer. Terminada a entrevista, sua última fala era sempre a de lembrar que o nome tinha que ser este. “Com o ‘J’ porque significa Jundiaí. Sem esta letra pode ser de qualquer cidade”, ensinava o homem que, com um sorriso nos lábios, cumprimentava a todos também na hora de sair.
Coadjuvante nesta história, mas tão protagonista como ele, Ignez sorria ao ver cada passo do marido pela redação, conversando desenvolto com todos. Falando mais baixo, mas com um jeito cativante de ser, ela completava as informações com outros repórteres, imaginando que um auxiliasse o outro na hora de se fazer o texto final. E isto acontecia sempre: quem colhera as informações passava o texto para outro conferir.
No dia seguinte após a publicação, e passando pela redação ou ligando, Guilherme agradecia sensibilizado a publicação. Afinal não tinha como dizer não a um homem tão disponível para atender as necessidades da entidade que ele fazia questão de, toda vez, dizer o nome completo: Associação Jundiaiense de Pais e Amigos dos Excepcionais. Sempre, toda vez, sorrindo e ensinando: não esqueça do J na sigla. Não tinha como não lembrar sua fala: a simpatia e o jeito educado deste homem e do sorriso permanente nos lábios fazia Jundiaí aparecer automaticamente no texto. Era como se o repórter presenciasse este homem escrevendo na lauda o nome da cidade.

E se a APAE de Jundiaí chegou ao que é hoje, Guilherme tem uma porcentagem muito grande neste trabalho. E sem querer fazer frases prontas: se atrás de um grande homem existe uma grande mulher, dona Ignez deve estar sorrindo ao ver lembrada um pouco desta linda história que os dois criaram em Jundiaí.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

PERSONAGENS (3) Dona Leonor e a Cruzada

Pastas contendo partituras e textos de peças teatrais e, na outra mão, sua bolsa pessoal. Sempre, todo dia, toda hora, em qualquer lugar que fosse: era assim que dona Leonor percorria sua casa, localizada nas proximidades da Rua das Pitangueiras e que já não existe mais, até a Igreja de Vila Arens. Claro que domingo de manhã isso era sagrado! Mas tardes de sábado e as de domingo também faziam parte de seu calendário. E ela participava destas missas onde era a responsável pelo grupo de cantores. Casada com Aureo Cardoso, que aprendera música de ouvido e não sabia ler partituras, dona Leonor cuidava do pequeno coral de crianças da Cruzada Eucarística Infantil de Vila Arens e era uma das poucas pessoas que subia até o órgão de tubos instalado na parte superior da nave principal da igreja, bem lá no fundo. Me lembro que apenas ela e dona Florisa se aventuravam a tocar naquele órgão que hoje, imagino, esteja esquecido.
E dona Leonor era quase sempre a primeira pessoa a chegar para a missa: ajeitar as partituras de acordo com o domingo litúrgico, verificar a afinação do equipamento, orientar as crianças e fazer com que tudo corresse perfeito. E era assim que acontecia! Dona Leonor não era muito de ir à frente durante as reuniões para dar uma aula de catequese ou explicar o evangelho. Entrava e se diria ao fundo da sala, sempre esperando ser convocada a falar. E quando isso acontecia, era perfeita no que fazia e dizia.
Mas dona Leonor gostava mesmo era de ensaiar com as crianças. Um dia para ensaios de cânticos – e geralmente levava as crianças até o coro junto ao grande órgão para que todos pudessem apreciar a beleza da igreja que hoje não tem mais a pintura inicial. Outro dia o ensaio era para festas de aniversários dos padres: e os ensaios eram de peças teatrais – pequenas, é verdade! – mas ela exigia o máximo de todos: E o espetáculo acontecia no salão paroquial de Vila Arens, que depois virou Cine Vila Arens e que desapareceu quando os cinemas sucumbiram ao aparecimento dos shoppings...

Geralmente o salão ficava lotado, com discursos, apresentações de todas as pastorais e as crianças da Cruzada faziam sucesso. Primeiro porque eram crianças e segundo porque dona Leonor havia exigido o máximo nos ensaios. E ainda ficava escondida atrás da cortina para “soprar” palavras que as crianças esqueciam. As crianças ficavam com o sucesso, mas dona Leonor ficava com os abraços, os agradecimentos, o carinho dos “atores”. Simples assim: porque dona Leonor era a segurança e o alicerce de todos!

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

PERSONAGENS (2) Quando Segundo foi o primeiro!

Meu primeiro emprego não durou mais que dois meses, mas foi uma experiência interessante, tanto que não fui procurar, ele apareceu para mim e nem idade pra isso tinha ainda. Ademir, meu irmão mais velho, no começo de 1964 resolveu, de uma hora para outra, fazer vestibular em Piracicaba. Trabalhava na oficina mecânica de meu tio e de meu primo: “Perboni & Marquezim” e, pela decisão repentina, pediu que eu fosse até lá para avisar que, por três dias não iria trabalhar, por conta do vestibular. E lá fui eu, nos meus 13 anos, informar os donos da oficina que meu irmão ficaria ausente. O trabalho dele era simples: atender telefone, anotar nas fichas dos clientes o serviço executado e peças colocadas ou ir às autopeças comprar o que era necessário.
Secondo Perboni ou Segundo Perboni era meu tio. Onivaldo Marquezim, meu primo. Entrei na oficina e informei meu tio do acontecido. Ele me olhou e simplesmente me disse: “então senta aqui e vai atendendo ao telefone e o que os mecânicos querem. Me ajude que tenho o que fazer.”  No fundo da oficina ouvi meu tio informando meu primo da minha presença. E meu primeiro emprego acabou sendo na oficina de meu tio Segundo.
Atender telefone representava ter que gritar da mesa da recepção até o fundo da oficina, para quem era a ligação e eu morria de vergonha de fazer isso. Tanto que preferia levantar e ir até a pessoa que deveria atender ao telefone e avisar da ligação. E muitas vezes o mecânico estava debaixo do caminhão, cantando ou reclamando do vazamento de óleo ou da porca que tinha se perdido do parafuso. E eu tinha que gritar para avisar do telefone.
Mas tio Segundo era rápido em resolver as coisas, em ver as fichas e conferir o que estava ali anotado. Isso ele fazia todo dia, controlando entrada e saída de dinheiro e vendo meu trabalho. Mas Ademir voltou do vestibular e a primeira coisa que fez foi conversar com Segundo sobre o que fizera, se desculpar pela situação criada e dizer que eu já podia ficar em casa. Meu tio olhou para mim, sorriu e simplesmente disse: “ele dá conta do recado, deixa ficar por aí até que a gente tem dinheiro paga pagar”. E fui ficando um mês, dois meses, três meses. Mas este trabalho me proporcionou o conhecimento de outras pessoas e a ver como meu tio trabalhava.
Foi pouco o tempo ali trabalhado, mas aprendi a admirar este homem simples, de macacão sujo de graxa, mas que tinha um cuidado especial em sempre manter limpas as mãos, porque sempre aparecia um cliente. E ele gostava de cumprimentar a todos.

Mas 25 anos depois disso, depois de visitas, agora não mais como patrão e empregado, mas como tio e sobrinho, Segundo Perboni deixou este mundo, como tudo em sua vida: de um jeito muito simples e rápido, mas que deixou uma saudade imensa em todo mundo!

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

PERSONAGENS Um pouco de Waldemar Gonçalves

Quando o conheci, no início da década de 1970, era chefe de gabinete do prefeito Walmor Barbosa Martins e trabalhava, também, no jornal concorrente: eu, começando como repórter no Jornal da Cidade e ele com redator-chefe no Jornal de Jundiaí. Quando ele se transferiu para o Jornal da Cidade é que vi seu jeito de trabalhar. Se na Prefeitura buscava orientar repórteres para as entrevistas, no jornal a situação era melhor: não dizia, fazia! E todos aprendiam sua maneira de agir. Ver Waldemar Gonçalves trabalhar era diferenciado. Ninguém fazia como ele: máquina de escrever, rádio de pilha ao lado da mesma, televisão ligada para “ouvir” os telejornais, pois não tinha tempo para ver, e muitas vezes – a maioria delas – com o telefone no ouvido. E fazia as quatro ações ao mesmo tempo, além de cobrar serviços, silêncio e soluções para os jornalistas. Conhecia com ninguém os políticos da cidade. Sabia o que pretendiam, orientava quem o buscava e dava dicas de ações para os repórteres quando iam entrevistar um destes homens. Fazia coluna social se o responsável não aparecesse, escrevia sobre polícia, fazia coluna política, definia a manchete, comentava sobre futebol, enfim entendia de todos os assuntos. Nesta época eu fazia a faculdade e deixava a redação por volta das 18h30, pois viajava para Campinas. Deixava a capa diagramada para ele definir os textos. No dia seguinte, me surpreendia com as mudanças que fazia. Não havia destruição de torre gêmeas que abalasse sua estrutura: se preciso fosse mudava o jornal inteiro. E num minuto! Imagino, agora, 40 anos depois, como seria seu trabalho com as ferramentas mais fáceis, como internet, celular, e a agilidade do volume de veículos e de pessoas que fazem os jornais escritos de hoje. No período em que trabalhamos juntos nunca teve dificuldade em fazer jornal. Mas tenho certeza que, com toda esta evolução só não faria o jornal sozinho porque, como ele dizia: “Precisamos um do outro. Sempre!”