sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Quando um gibi de Pedrão valia por dois! – No meu tempo de criança (VI)

Colecionar gibis, na década de 1960 era, para Pedrão que na época era Pedrinho, era “mil vezes melhor do que colecionar figurinhas...” Na verdade, não era bem colecionar gibis. O importante era a troca e o local onde isso acontecia. Pedrão sabia que valia a pena carregar dezenas de gibis, por quarteirões, sempre a pé, até chegar ao cinema. O saguão do cinema, uma hora antes do filme, repleto de meninos colecionadores, era o palco ideal para a troca de gibis. O filme era o menos importante. O que valia era a troca de gibis. E Pedrão já tinha lido, relido e até pintado as revistinhas em preto e branco que carregava. Flecha Ligeira, Roy Rogers, O Fantasma, Mandrake, Os sobrinhos do Capitão, Tio Patinhas, Pinduca, Recruta Zero, Popeye, Batman... ufa! Doado o que era seu e recebido o que não tinha lido. Claro que não havia preços, valores em dinheiro, mas havia fórmulas: um almanaque valia cinco, um extra ou bi valia dois. Ir ao cinema com trinta gibis e voltar com tantos outros diferentes era, realmente, uma aventura e tanto! E aquela troca fazia cosquinha! Claro que fazia... E entrar no cinema, ver o filme com as novidades debaixo do braço. Vontade de folhear, de ler, de ver, de sentir o novo... E isso só ia acontecer duas horas depois, chegando em casa, afinal as luzes do cinema se apagam, os gibis se amontoam colados no corpo e Pedrão suspira, transpira, nem percebe o que aparece na tela... Enfim, quanta alegria! Finalmente em casa!!! Estórias novas, personagens desconhecidos, mundos e situações estranhas e alucinantes. A leitura dos magazines ensina Pedrão que existe o bem contra o mal, a justiça contra a injustiça e que heróis não precisam ser espetaculares! E lá vem a noite e as emoções de nosso personagem se misturam com seus heróis, muitos deles apresentados no final da tarde, depois da matinê. As emoções surgem nos sonhos ao se deitar. E Pedrão sonha com ataques de índios, bala de prata do Zorro, a caixa-forte do Patinhas, a identidade secreta do Fantasma, a mala de detetive do Gilberto, sobrinho do Pateta, o quartel do Sargento Tainha... E tudo como num sonho, contar mais sete dias, ler as novas aventuras, reler as emoções... E como emoções em crianças são mais fortes. Pedrão, ainda Pedrinho, conta segunda, terça, quarta... e chega o novo final de semana, gibis separados, preparados, o caminho do cinema. De novo, sem viver as emoções da tela, mas na busca de outros gibis. O que importa é a emoção da troca, a sensação do novo, do diferente e o folhear de páginas desenhadas e desejadas. Como se o próprio Pedrão se transformasse em personagem. Só pra ser gibi uma vez! (Uma história de Pedro Luiz Oliveira. Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Pura e sua família certa - No meu tempo de criança (V)

Pura, que nasceu Purificacion, nasceu em Granada, na Espanha, na metade da década de 1940. Claro que veio morar no Brasil, que constituiu aqui sua família, hoje com filhos e netos, mas relembrar de Granada, dos pais, dos irmãos... E as lembranças da infância de Pura não inúmeras, principalmente porque eram em 11 irmãos e ela, por conta do destino, era a caçula. E como caçula tem mais histórias que os outros... E como criança acredita no que ouve... incrível!!! E a pureza se confunde com o nome e a delicadeza de Purificacion mexe com sua preocupação. E é lá nos anos da década de 1950 que suas irmãs começaram a dizer que ela não era filha de seus pais e sim de uma família de ciganos que morava perto deles. Elas diziam que Pura tinha sido abandonada na porta da casa e isto a fazia chorar, chorar e chorar. Afinal, como criança, ela acreditava naquilo que as irmãs contavam. Afinal... e Pura se lembra muito bem disso, era diferente de todos: loira de olhos verdes... Nada desta história de “raspa de tacho”, de ser a mais feinha. Nada disso: Pura era uma criança linda! E o nome justificava seu jeito de ser: pura. Sempre! Um dia... um belo e triste dia... Pura decide mudar o destino de sua vida. Achando que realmente não era filha dos pais com quem vivia, arrumou as roupas numa cesta e foi embora de casa, com as irmãs mais velhas dando a maior força. Esta foi a parte triste do dia, a parte bela começa quando o pai – este que convivia com ela, que a carregava no colo, que brincava com ela – fica sabendo da partida de Pura. E lá vai ele em busca da filha sumida! A encontra oito quilômetros longe de casa. Na volta ao lar, o velho Rueda reune os filhos, dá umas boas palpadas em todos, inclusive na caçula e pronto! Ah este sangue espanhol!!! O acreditar passa por isso: por conta da busca implacável daquele senhor e das boas palmadas, como chamando a atenção de todos. Nunca mais se falou sobre isso e Pura acreditou ser filha do casal Rueda que ela amava tanto e que a deixava preocupada em imaginar que não tivesse ligação com eles. E como são belas as recordações de família: das tristezas que viram alegrias, das dúvidas que viram certezas e da pureza que vira Pura! Sempre Pura! (Uma história de Purificacion Rueda Perboni. Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

As esperadas viagens de Juliana – (No meu tempo de criança (IV)

Morar em uma cidade e ter parentes em outra chega a se transformar num desejo constante de viajar. Mas quando a viagem ocorre, com certeza, uma vez por ano, a aproximação da data acaba criando uma sensação que vai da expectativa ao sonho do encontro. E Juliana não via a hora de tomar o avião e visitar avós, tios e primas. O curioso é que, morando em Salvador, Bahia, fazia, no final do ano, a viagem inversa de quem quer conhecer uma cidade turística e curtir praias e pontos curiosos: embarcava no aeroporto desta cidade e tinha como destino São Paulo e, em seguida, viajar até Jundiaí onde estavam os referidos parentes. E todo final de ano era parecido: ela e os irmãos começavam a contar os dias e as noites para chegar a data da viagem a Jundiaí. Ela se lembra que todos contavam mais as noites, pois ainda não tinham noção da duração de um dia e ficavam esperando a noite chegar para saber que já podia contar um dia a menos na nossa espera. E a conversa destas crianças, exatamente no final da década de 1970 e toda a década de 1980 era sempre assim: Falta dormir quantos dias para viajar? E era assim: toda vez que se fazia esta pergunta, a ansiedade aumentava. Afinal, ficar um ano sem ver parentes tão queridos, toda vez que o fim de ano se aproximava, a alegria do reencontro criava um clima cheio de sensações diferentes. E os irmãos faziam questão de planejar e organizar tudo com antecedência. E não eram poucos os irmãos: Fabiana, Juliana, Mariana, João Paulo e Tatiana. Claro que na década de 1970, eram apenas as duas primeiras a se empolgar com as viagens. Mariana chegou no final da década, enquanto João Paulo e Tatiana passaram a fazer parte do time nos anos de 1980. E Juliana se lembra de detalhes incríveis: ela fazia até uma lista de roupas e objetos que deveria levar na viagem. E tudo isso, claro, com antecedência, para não esquecer de nada. Para os irmãos este era o grande evento do ano: compravam roupas novas ou até contratavam uma costureira para fazer “sob medida”. Afinal, era tempo de férias, de rever avós, tios, amigos e os primos que vinham chegando e fazendo a família aumentar. Claro que Juliana tem muitas histórias pra contar destas viagens, das muitas brincadeiras, dos muitos passeios, mas a reunião em família, o abraço na chegada, a ansiedade em contar primeiro as novidades são lembranças que ela não esquece. Claro também que as viagens continuam ocorrendo apenas na memória de Juliana. Mas existe nela a certeza de que as coisas boas da vida são doces e se transformam em gosto de quero mais. Mesmo que seja em doces recordações! (Uma história de Juliana Manzatto, texto de Nelson Manzatto)