terça-feira, 18 de novembro de 2014

A história de Pituca

Quando nos mudamos para Campinas, um ano após nosso casamento, decidimos que era necessário um animal para fazer companhia num tempo antes da chegada de Tiago. E a escolha foi por uma cachorrinha pequinês que demos o nome de Pituca. Companheira constante, não ficava em casa quando saíamos de carro, principalmente porque na primeira semana conosco, acabou saindo pelas grades do portão e ficou 12 horas desaparecida. Por conta de sua raça, Pituca vivia mais dentro de casa do que no quintal, mas quando caminhava por ele, acabava acompanhando o movimento na rua. E quando alguém chegava ao portão, nem precisava tocar a campainha ou bater palma. Pituca se encarregava disso, latindo do portão até a porta da cozinha onde encontra Rita ou eu. Uma invasão de Tico, um cachorro vira-lata que morava próximo a nós, pelo terreno baldio que havia ao lado de casa, acabou trazendo ao mundo Pingo, de uma ninhada de três cães, mas que só ele sobreviveu. E ele foi ficando com ela, conosco, mas chegou o dia em que tinham de se separar. E Maria Paula, vizinha, recebeu Pingo em sua casa. Mas uma semana depois, ele foi atropelado e acabamos pegando o pequeno cão novamente. Até que Cida, outra vizinha, pediu para ficar com ele, depois que se recuperara do atropelamento. E o cão, que não gostava de gatos, acabou indo morar numa casa onde havia meia dúzia deles. E se deram bem! Mas Pituca teve nova cria, desta feita não por conta de Tico, mas de um outro vira-lata que usou o mesmo procedimento e nasceram quatro cães que acabamos doando todos: dois machos e duas fêmeas. E Pituca ficou novamente só conosco. Eram poucas as vezes em que saia às ruas, tomávamos cuidado, pois haviam muitos gatos de muitos moradores que não apreciavam muito cães. Tanto que numa manhã a encontramos morta, perto do portão, porque alguém havia jogado carne envenenada para ela. Mas como existem situações como esta, passamos alguns anos sem um cão de companhia, até porque Tiago já estava crescendo e era importante nos dedicarmos a ele. Mas ainda vieram Tobby, um cão que demos embora porque batia no Puppy que já contei sua história aqui, veio Catucha, que desapareceu por encanto e hoje, com mais de 14 anos e com problemas terríveis de dores nas ancas, está conosco Django, um pastor alemão, quase cego, quase surdo, mas que vive dias de tranquilidade. Foram muitas as companhias com estes animais maravilhosos, mas nenhuma tão inesquecível como Pituca, a cachorrinha de uma raça que praticamente desapareceu não sei porque.

domingo, 19 de outubro de 2014

No curso de Datilografia

asdfg (espaço) asdfg (espaço) asdfg e assim por diante, mas sempre repetido! E no dia seguinte, a mesma coisa! Aula de datilografia com a professora Odete era assim: uma hora de aula por dia, todo final de tarde. Apenas dois alunos na sala: eu e minha irmã e as outras máquinas de datilografia vazias. Haviam quatro máquinas na sala. Nos primeiros dias, a professora ficava na sala, orientando, acompanhando, vendo se o aluno não olhava o teclado. Mesmo com um pedaço de papelão sobre ele! Com o passar dos dias, ela dava o exercício e ia preparar o jantar... Da sala, a gente sentia o cheiro de comida! E isso tudo no começo da década de 1960, pensando em trabalhar... Em Jundiaí haviam, com certeza, inúmeros cursos de datilografia. Era necessário! Afinal, quem não sabia datilografia, não arrumava emprego. Me lembro de um, em frente à igreja de Vila Arens, mas não sei mais o nome. Havia a escola Remington, entre o Centro e a Ponte São João. Mas pelo valor pago e pela quantidade de aulas, estava bom demais para a gente. E vamos lá: asdfg (espaço) asdfg (espaço). E muda a lição, vamos em frente: asdfg (espaço) hjklç (espaço) asdfg (espaço) hjklç... Lições se sucedendo, atenção nos detalhes para não perder uma informação e o teclado inteiro decorado... azsxdcfvgb... e assim vai... pulando teclas, misturando letras e formando palavras. Como se fosse no tempo do primário, onde se juntavam as letras e formávamos as palavras, aprendendo a ler e escrever... Mas aqui, a gente já sabia estas duas últimas etapas. Faltava saber tudo do teclado e pronto: papelão que cobria as teclas era retirado... E as lições vão se complicando: tabulador, tecla para marcar tabulação, com tecla vermelha para alertar seu uso. Fixador de maiúscula, tirar e colocar papel, utilizar carbono, digitar cartas, cartas comerciais, cartas comuns... as datas, os “Prezado senhor:” E assim vai... O gostoso mesmo do curso era o momento dos testes de rapidez. Dona Odete marcava um minuto e dava a largada... datilografa, datilografa, datilografa. “Pronto!” dizia ela. E não se podia mais mexer no teclado. “Um, dois, três, quatro... cento e vinte, cento e vinte e um... duzentos e trinta, duzentos e trinta e um... duzentos e setenta e sete, duzentos e setenta e oito... trezentos e um...” Era dona Odete contando quantos toques tinha o texto datilografado. Cheguei a passar dos trezentos e isso era recorde, dizia ela. Mas ficava brava quando apertava a tecla retrocesso para datilografar em cima! Dizia para não fazer isso, pois era importante não errar na hora de datilografar. Curso encerrado, diploma na mão e esperando os 14 anos para buscar um emprego num escritório. Só que meu primeiro trabalho foi atrás do balcão de uma farmácia. E tive mais um momento difícil: aprender a aplicar injeção. Mas isso é uma outra história!

domingo, 28 de setembro de 2014

Leite e leites

Ao ver hoje pessoas saindo de supermercados com caixas de leite longa vida, não posso deixar de me lembrar de quando este produto era vendido apenas nas padarias. Isso acontecia lá por volta dos anos 1950/1960. Supermercados não existiam, mas apenas armazéns. Algumas mercearias ou quitandas se aventuravam a vender o produto que chegava de madrugada aos pontos de venda e eram entregues em tonel ou barril. Acompanhava isso do portão de casa, mas muitas vezes me aproximava para ver de perto o descarregar do leite. Os leiteiros, que vendiam de porta em porta, também estavam ali, com suas carroças e os toneis vazios, esperando para serem trocados pelos cheios. Era leite mesmo. Puro! Produto descarregado corria para dentro da padaria com o pedido na ponta da língua: um litro de leite e um filão de meio quilo. O leite era colocado na vasilha que trazia de casa, mas com o passar do tempo compramos um litro e fazíamos a troca do vazio pelo cheio. Estes litros também estavam nas portas das casas de pessoas que esperavam pelo entregador passar e muitas vezes ele batia palmas para receber pelo produto. O leite e o pão eram marcados na caderneta que minha mãe conferia ao chegar em casa e guardada com carinho até o dia em que meu pai recebia o pagamento e a gente ia, feliz da vida, à padaria para pagar a conta. O pãozinho que hoje é o mais vendido tanto em supermercados como nas padarias a gente chamava de bisnaga, mas a procura por este era pequena até porque o filão era suficiente para famílias inteiras, pois tinha de três tamanhos: pequeno, médio e grande. O de meio quilo que a gente comprava era de tamanho médio. E ele vinha quentinho e a gente passava manteiga que estava embebida em água para conservar. E a gente nem tinha geladeira, pois era apenas para ricos. Televisão, na época em que falei acima, era coisa de poucos: um verdadeiro trambolho que tomava conta da metade da sala. Ideal mesmo, naquela época era o televizinho... Mas voltando ao presente sem esquecer do passado: existe muita diferença entre os leites aqui mencionados. Se naquele tempo havia apenas um tipo de leite, hoje as marcas chegam a centenas e vemos o desnatado, o integral, o semidesnatado e o leite em pó segue esta mesma quantidade de tipos, além das milhares de marcas. Tudo para o bem de sua saúde... Será?

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

No tempo da Admissão ao Ginásio

Quando chegava ao fim o primeiro semestre de aulas de minha quarta serie primária, imaginei que concluiria o curso e iniciaria minha vida profissional. Pensava em cursar o Senai e ir trabalhar numa indústria, talvez a Sifco que ficava perto de casa e “batia o martelo” dia e noite. Mas meu pai interrompeu este pensamento ao me informar que deveria fazer a Admissão ao Ginásio para continuar a estudar. Naquele momento, confesso, me senti frustrado. Não era este meu plano aos 11 anos de idade. O ano era 1961 e me lembro que os anúncios, no final do ano anterior diziam que “de cabeça para cima ou de cabeça para baixo, 1961 seria um grande ano”! Enfim, lá vou eu para o curso de Admissão ao Ginásio. A primeira reação, no primeiro dia de aula, foi encontrar duas professoras. Uma que lecionava Geografia e Português e a outra que ensinava Matemática e História. Achei que o curso era mais uma preparação para enfrentar mais do que um professor no Ginásio, totalmente diferente do que o Grupo Escolar ou curso Primário. É que no Primário, cada ano havia apenas um professor: no primeiro, dona Benedita, no segundo, dona Odete, no terceiro, dona Gemma e no quarto, dona Priscila. E no curso de Admissão, com dois professores, confesso que jamais guardei o nome das duas mulheres. E este curso era feito no período da tarde. De manhã, cursávamos o último semestre do quarto ano Primário, com dona Priscila, e à tarde, duas horas com as professoras de nomes esquecidos. O curso de Admissão desapareceu por completo de qualquer currículo escolar, mas é interessante lembrar sua existência, afinal era mesmo necessário? Jamais entendi sua existência, não me lembro de alguém que não o tenha feito e cursado o Ginásio. Mas como ocorrera em todo Primário, o curso era apenas para alunos, não havia mulheres na classe. Afinal, fiz tal curso no Ginásio Divino Salvador que, naquela época, não tinha alunas e, pelo que me recordo, nem professoras. Alguns anos depois tudo se transformou e as mulheres dominaram o, depois, Colégio, e o grande destaque foi a equipe feminina de basquete...

sábado, 13 de setembro de 2014

Meu pai era assim...

Alto, forte, cabelos pretos a vida toda, sem nunca ter usado produtos para manter a cor, olhos verdes, um sorriso constante nos lábios. Era difícil ouvir sua voz. Suas broncas ocorriam apenas com um olhar. Sabíamos o que meu pai dizia ou queria com um olhar apenas. Era assim quando jogávamos bola no quinta e era hora do banho. Ele saia na porta da cozinha, olhava para todos os filhos e entrava. Não precisava falar, o jogo acabava e formava-se fila para o banho. Até porque, ele esperava todos tomarem banho para depois ser sua vez. Em dias de jogo do Palmeiras, time do coração seu e que transferiu como herança aos filhos, não precisávamos ouvir o jogo. Ele fazia isso por todos. Sentado ao lado do rádio que funcionava com válvulas, acompanhava o jogo. Chegávamos à porta da cozinha para saber o resultado e isso a gente via no seu olhar. Se havia um sorriso, era certeza de que o Palmeiras ganhava, mas se estava com olhar “amarrado”, a derrota era certa! Era preciso coragem para perguntar o resultado se a reação dele era a segunda. Ele resmungava, a gente não entendia e nem insistia na pergunta, porque ali não haveria resposta... Era assim o domingo de jogo. Suas atitudes eram transferidas para os filhos, ríamos, brincávamos, mas até a forma de ouvir uma partida de futebol, a gente acabou herdando. Mas – e como em tudo há sempre um mas – jamais ouvi meu pai dizer um palavrão ou “nome feio” como a gente aprendera na época! Como disse, era difícil ouvir sua voz, mas se ele xingava, o fazia baixinho, para não ser ouvido. Mas o que ele murmurava, muita vezes, a gente conseguia entender: “Bola murcha” ou “Quinta coluna!” eram os “nomes feios” preferidos dele. Como se isso fosse nome feio! A gente não entendia muito o significado, mas sabíamos que o primeiro ele dizia quando o Palmeiras perdia e o “elogio” era para os jogadores. O segundo, a gente imaginava que fosse para políticos, mas nunca chegamos a perguntar o significado. Era bom vê-lo nas manhãs de domingo antes de sairmos para a missa. Ele colocava a mão no bolso e apanhava algumas notas de cruzeiro e distribuía aos filhos, na quantidade igual para cada um, não importando quem fosse mais velho. E sorria ao ver os filhos agradecerem, colocarem o dinheiro no bolso e ver todos saindo rumo à igreja e dizerem, um de cada vez, “Bença mãe, bença pai!”, exatamente deste jeito. Ele sorria apenas e todos ouvíamos apenas nossa mãe dizer “Deus te abençoe!” Olhávamos um para o outro e saíamos na certeza de que dentro de seu coração, ele havia feito eco às palavras de minha mãe!

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Os chapéus que meu pai usava

Preto ou marrom! E todo dia, toda hora, todo local. Era assim meu pai: sempre de chapéu na cabeça! Isso sempre aconteceu: sempre o vi assim, seja na década de 1950, 60, 70, 80... Chegou à década de 90, mas não avançou muito nela. E havia um chapéu para cada ocasião: um que o levava ao trabalho diário, na Estação da Santos-Jundiaí, outro para passeios, visitas a parentes e amigos ou missa dominical e um terceiro para usar em casa. Quando se aposentou, o que usava para ir ao trabalho, ficava para saídas rápidas, como ir à padaria, supermercado, farmácia ou uma “corridinha” da vila Progresso até o centro da cidade a pé... Quando ganhava um novo – e era sempre no Dia dos Pais (quer presente mais fácil para se comprar?), o mais velho era jogado fora, pois já estava muito usado e os outros desciam um degrau. E não tinha como: era só pensar em dar um passo fora de casa que suas pernas o levavam ao cabide para escolher o chapéu para aquele momento novo. Até para aguar plantas ele usava o chapéu. E neste uso constante de chapéu tinha um momento diferente, inesquecível! Era o dia de colocar ovos para serem chocados. Neste dia ele não estava com o chapéu na cabeça, mas o levava nas mãos: carregado de ovos! Era assim mesmo: os ovos tinham que ir para o ninho levados no chapéu! E meu pai separava todos: escolhia os mais bonitos, aqueles que tinha certeza que não iam falhar, contava 12 ou 15, dependendo dos tamanhos e do espaço preparado no ninho dentro do viveiro, colocava dentro do chapéu e ia até o galinheiro! A ação era feita com cuidado, pois os ovos não podiam se quebrar. A galinha choca já estava no viveiro e os ovos eram, então, colocados, um a um no local. Ninho pronto, galinha choca já iniciando seu trabalho e o chapéu que foi ao fundo do quintal na mão voltava para dentro da casa na cabeça. Na certeza de que, dali a 21 dias os pintinhos quebrariam as cascas para terem vida. E meu pai sorria diante de mais uma conquista. Graças à colaboração do chapéu! Aquele mesmo: de usar em casa!

domingo, 31 de agosto de 2014

O pão nosso do fim de semana

Fim de semana em casa, no meu tempo de criança, era assim: logo depois do almoço de sábado, minha mãe começava a preparar o domingo. E ele vinha recheado de coisas: frango assado, arroz de forno, pão alemão ou bolo de chocolate, macarrão e pão doce ou pão comum feito em casa. E qualquer que fosse deste pão, tinha algo especial! Os filhos de dona Angelina não tinham muito jeito para colocar as receitas em prática, até porque, ela sabia todas de cor! Assim, era comum vê-la pensar no pão ou bolo e fazer o preparo. E pão era diferenciado... Massa sendo preparada, farinha, ovo, água, açúcar e fermento... Massa pronta, pão “montado” e lá ia dona Angelina preparar o forno para assar. O cheirinho da massa já percorria a casa toda, mas... dona Angelina não esquecia de saber a hora de colocar o pão no forno. Ele precisava crescer e crescer muito para deixar os seis filhos satisfeitos! Massa pronta e os pães eram colocados em formas para assar e deixados sob uma toalha para crescer. E para saber o “ponto”, uma pequena bolota – do tamanho de uma bolinha de gude – era colocada dentro de um copo com água, esperando subir... Assim que colocada no copo, a bolota afundava e ali ficava por um tempo. Mas dona Angelina sabia e já ensinara aos filhos que era preciso a bolota subir. E quando ela estava no alto do copo, flutuando na água, a gente sabia que o pão estava pronto para assar, pois já tinha crescido. E dá-lhe forno! Dá-lhe pão assando!! E... o que fazer com a bolota de massa? Seria uma guerra se nossa mãe não nos ensinasse o caminho certo! Bolota retirada da água, repartida em pedaços e distribuída pelos filhos que queriam. Nem todos gostavam de uma bolota de massa fria e molhada. Algumas vezes a gente colocava na ponta da forma para assar, mas a gente gostava mesmo era de comer aquele pedaço de massa. Sonhando com o pão assado e pronto! Ah! Antes que me esqueça: quando a massa era de bolo, a divisão do que ficou na travessa que não ia ao forno era igual: todo mundo passava o dedo para lamber o que não seria assado. Afinal, nada melhor do que sentir o gosto de tudo que era preparado! Fim de semana em casa, no meu tempo de criança, era assim: partilha!

sábado, 23 de agosto de 2014

Terezinha

Meus olhos só cruzaram com os seus nos meus sonhos! Jamais a vi, jamais ouvi sua voz ou senti o seu perfume. Não consigo imaginar a cor de seus cabelos ou de seus olhos, mas percebo e sinto seu sorriso! Você chegou muito cedo, chegou antes da hora e, como um cometa passou... Se chegou muito cedo, partiu sem dizer adeus e nem esperou a chegada dos outros irmãos que viriam depois! Foi em setembro, foi há 70 anos. Imagino que a gente deveria estar se preparando para, ao redor de uma mesa,te ver cortando o bolo, seus filhos, seus netos ao redor, cantando o “parabéns”, mas.... Mas você partiu sem dizer uma palavra, afinal, 20 dias de vida não comportaram tempo para brincar, correr, rir, cantar, sonhar... Sua vida passageira deixou marcas em papai e mamãe. Afinal, era a primeira filha do casal. E uma passagem tão rápida, imagino que tenha deixado dores. Meus olhos só cruzaram com os seus nos meus sonhos. As primeiras vezes, na minha infância! Correndo pelo quintal, rindo, brincando, cantando e sua mão protetora a me conter, a me segurar de alguma queda. Queda de criança que tropeça no nada e se esparrama no chão. Mas sua mão estava sempre ali me protegendo. Meus olhos, se cruzaram com os seus nos meus sonhos de criança, voltaram a marcar presença nos últimos tempos. Não posso dizer que foram sonhos de saudade. Não se sente saudade de quem nunca se viu, mas sinto isso, sinto saudade dos sonhos de criança porque você estava neles! Sei que seus 20 dias por aqui foram recheados de saudade nos corações de papai e mamãe. Eles sempre falaram de você e sei que você sempre soube disso. Afinal, quem está aí olhando e vigiando todos nós? Primeiro você, depois mamãe e, em seguida papai. Engraçado eu dizer papai e mamãe, não apenas pai e mãe. Afinal, nos meus mais de 60 anos de idade, fica meio estranho dizer papai… mamãe… Mas… como me referir a eles falando com você? Com seus 20 dias vividos apenas? Sabe que tenho saudade dos tempos em que corria até a goiabeira, lá no fundo do quintal – e você conhece todas as minhas histórias de goiabeira não? – só para saborear a fruta, mas imaginar uma divisão contigo, de igual para igual? Mas eu sorria quando imaginava você me dizendo “come tudo, come minha parte, você gosta mais de goiaba do que eu…” E eu me divertia com o sabor da fruta e tentando imaginar seu olhar. Sei que se lembra das vezes que eu chorava lá na árvore, porque queria ver seus olhos, tocar sua mão, pedir que me carregasse no colo como – imagino – meus irmãos mais velhos gostaram de fazer quando eu era bem pequenininho. Talvez com a sua idade… Terezinha: mamãe sempre foi devota desta santa que está aí ao seu lado e que te fez anja protetora destes que vieram depois de você por aqui. Diga pra ela que hoje, pela manhã, quando passava pelo jardim, encontrei uma rosa que ontem não era nem botão e que floriu assim… na rapidez de sua existência… Diga pra ela que senti seu perfume, mesmo sem nunca ter abraçado você… Diga pra ela que o vermelho da cor desta rosa não é de sangue, nem de dor, mas de uma saudade gostosa de sentir, principalmente quando o coração bate no compasso de seu sorrir. Terezinha: deixa um abraço aí pros velhos. Claro que sei que eles estão vendo tudo e sabendo tudo daí de cima, mas diz que a saudade aqui embaixo faz brotar lágrimas nos olhos, mas que a gente vai se ajeitando por aqui. Sempre que possível, um mais perto do outro, outro mais perto do um. Só pra juntos somarmos aquilo que fomos e que buscamos ser.

sábado, 16 de agosto de 2014

As ondas curtas do rádio

Final da década de 1950, início da seguinte, ouvir rádio em ondas curtas era difícil. Primeiro porque o som era baixo e no vai e vem das ondas do rádio, não se ouvia o que se falava e difícil era tentar imaginar as palavras do locutor ou de quem quer que seja. Só sei que no momento mais importante, o som ia embora e quando voltava... o assunto já era outro. Ouvir futebol por ali era sofrer e chorar, principalmente porque quando o som voltava o gol já tinha saído... Mas a rádio preferida, em ondas curtas, para se ouvir, era a Aparecida. E quem mais ouvia era minha mãe até porque nesta época, meu pai ainda trabalhava na Estrada de Ferro. E a missão começava dez minutos antes do horário: sintonizar a rádio e rezar para o som permanecer limpo e claro. Claro que naquele tempo o rádio era a válvula... E como queimava a válvula do rádio... Quando estava perto do meio-dia, minha mãe já lembrava de que a rádio tinha de ser sintonizada. O programa era “Os ponteiros apontam para o infinito” com o padre Vitor Coelho de Almeida. Era um programa de oração de um padre que hoje tem processo de beatificação. Não mais do que quinze minutos de programa e depois era esperar 14 horas para ouvir “Marreta na bigorna” com Padre Rubem Galvão. A gente chamava de “padre bravo”, pois ele sempre tinha alguma coisa para criticar. Até por conta do nome do programa! Padre Vitor voltava às 15 horas, com “Consagração à Nossa Senhora Aparecida!” A rádio ainda tinha “Clube dos sócios” e uma rádio novela que não me recordo o nome, mas era baseada numa música. Sempre no dia 12 de outubro, o horário previsto para se ligar o rádio era de manhã, pois era importante, ao meio-dia, estar sintonizado para não perder a benção especial do Dia da Padroeira. Lá fora os rojões festejavam a data e padre Vitor, emocionado gritava “Viva Nossa Senhora Aparecida!”, “Viva a Padroeira do Brasil!”. Em casa, olhávamos um para outro e completávamos: “Viva!” E sempre, toda vez que a rádio estava sintonizada, era importante silêncio na sala! Às vezes o som sumia e vinha voltando bem baixinho e o silêncio ajudava a prestar atenção naquilo que o padre dizia. Hoje, pra sintonizar qualquer emissora de rádio, basta ter internet, entrar no site e ouvir o que deseja. Mas não há mais as orações de Padre Vitor nem as broncas do Padre Galvão!

sábado, 26 de julho de 2014

Brincadeiras de infância no sítio dos tios de Antonio Geraldo (No meu tempo de criança XXXVI)

Quando janeiro chegava e trazia em sua bagagem as férias sonhadas, a alegria e a felicidade tomavam conta de Antonio Geraldo. Afinal, era hora de transformar em realidade os momentos sonhados durante o ano todo e seguir para o sítio dos tios Nino e Isaura, no Caxambu, bairro da Roseira, em Jundiaí. Era ali que se podia brincar à vontade com o primo Nei que sempre estava ansioso esperando pela chegada de Antonio e desfrutar dos longos caminhos entre o pasto com os bois, no paiol, para debulhar milho ou se esconder entre as palhas secas e quebradiças do local. A cada dia que Antonio permanecia no sítio, surgiam novas brincadeiras, uma mais surpreendente que a outra e os animais ali existentes sempre fizeram parte de sua vida. Durante as tardes cheias de sol, os primos corriam pelo campo, junto com os cães viralata dos vizinhos e apostavam corrida com eles. Claro que a vitória era sempre do marronzinho Joli, mas era uma alegria brincar assim... sem compromissos! E ao final do dia, na hora do sol se por, eles chegavam na casa do sitio, completamente amarronzados, com capim espalhado pelo corpo e suados de tanto correr e brincar. Mas nada de broncas dos tios, afinal, as crianças chegavam felizes à casa do sítio e tia Izaura e tio Nino esperavam a todos com um pão caseiro fresquinho, feito no forno à lenha, e mortadela que perfumava a casa toda. Se não bastasse isso, lá vinha também o leite que acabara de ser tirado da vaca, com café coado na hora. O hummmmmmmmm que percorria os ares da casa, num eco de aprovação por tudo o que acontecia naquela hora! Não havia nada mais agradável para Antonio do que estas férias cheias de paz, alegria e muita, muita brincadeira: um primo Nei, muitas aventuras pelo sítio, tios inesquecíveis, uma produção de uva que perdura até hoje e uma saudade de tomar a máquina do tempo, marcar novamente os anos de 1970 e voar para o Caxambu. Só pra ser criança outra vez!!! (Uma história de Antonio Geraldo Marquesim. Texto: Nelson Manzatto)

sábado, 19 de julho de 2014

Junho transpira saudade na vida de Paulo Roberto (No meu tempo de criança XXXV)

Quando mês de junho chegava, os moradores da Vila Mecânica já sabiam que era tempo de festa. Principalmente quando era São João. Já de manhãzinha, a garotada se agitava. Era uma verdadeira maratona para arrumar lenha para a fogueira. Paulo Roberto Poli não esquece estas emoções! Ele se lembra que os maiores saiam à caça de tocos que manteriam a fogueira acesa por mais tempo. As mulheres se agitavam na cozinha, preparando guloseimas: eram doces, bolos, sucos e quentão. Vinho quente ainda não era tradição, lá pela metade da década de 1960, início da de 1970. Tudo isso era preparado ali, onde hoje tem a Sifco e o Sesi, onde os garotos jogavam bola e, nesta data ocorria a festa. E lá vem a noite caindo, lá vem o pessoal chegando, com sorriso nos lábios, prontos para as emoções que iriam acontecer em breve. A primeira ação era rezar diante das bandeiras dos santos. Paulo se lembra que era aquela, em forma de triângulo, com as figuras de Santo Antonio, São Pedro e São João. Tudo muito bem enfeitado, com flores e cipó de São João. Depois da reza, as bandeiras eram levantadas no mastro, debaixo de muitos fogos e aquela festa da criançada. Fogueira acesa! E começava a festança ao som dos Long Plays (saudade deles...) de Mário Zan e sua sanfona. E o garoto Paulo apreciava a noite fria caindo e a busca pelo aquecimento ao redor da fogueira, comendo amendoins, pipocas, arroz doce, canjica, pinhão e bolo de fubá. E Paulo se diverte ao se lembrar disso tudo, pois, como ele mesmo diz, “parece que não se faz mais frio como antigamente, pois a gente nem chega a bater o queixo...” E tinha agente que se arriscava a assar batatas na fogueira. Paulo diz que sente o sabor das batatas ate hoje e as queimadas na boca também... E dá-lhe fogos! Um verdadeiro show, um espetáculo, com fósforos coloridos, busca-pés, vulcões e bombinhas. Ah! Claro! Balões, muitos balões. Naquela época haviam muitos bolões no céu! E não eram pequenos. Chapéu de Padre, Nossa Senhora, Mexerica, Charuto, Zeppelin, Caixa, Estrela, tomavam conta do céu! Verdadeiras obras de arte. E todo mundo ajudando a segurar os balões, esperando até ficarem bem cheinhos de ar quente e aí... aí soltar e ver o balão subindo, subindo e passeando pelo céu. Era lindo ver aquela imagem majestosa e colorida, iluminado pela “tocha” de fogo. Tocha feita de estopa e tudo mais que era inflamável, como breu, parafina, cera e, por último o querosene... E depois que o balão subia, acompanhávamos até virar um pontinho luminoso no céu... E sempre que junho se diz presente no calendário, Paulo sonha, viaja. Sua mente flutua no espaço como os balões! E lhe vem a lembrança das alegrias de criança, de sentir o frio, o cheiro da lenha queimada, o gosto dos doces, o som das músicas e a devoção das rezas daquelas noites de junho... (Uma história de Paulo Roberto Poli. Texto: Nelson Manzatto)

sábado, 12 de julho de 2014

A benção do padre Donizete

Existem situações que se tornam marcantes em nossas vidas. E estas situações começam a fazer parte de nossas vidas quando se tornam constantes. E, religiosamente falando, isso começou a acontecer, lá pelas décadas de 1950/1960: quando o relógio marcava 18 horas, lá em casa,o rádio estava sintonizado na rádio Nacional, hoje Globo. Objetivo era acompanhar a palavra de Pedro Geraldo Costa e terminar com a benção do Padre Donizetti que trabalhava na igreja de Nossa Senhora Aparecida, em Tambaú, interior de São Paulo. Pedro Geraldo Costa fazia orações para Nossa Senhora, comentava fatos do cotidiano, graças recebidas e milagres feitos por padre Donizetti Tavares de Lima, ainda em vida. Ao final do programa, que não tinha mais do que dez minutos de duração, o apresentador abria espaço para, por telefone, ouvir as palavras de padre Donizetti. E o programa encerrava com sua benção: “Benedicat vos omnipotens Deus: Pater, et Filius, et Spiritus Sanctus.” E Pedro Geraldo Costa respondia “Amém!” Quando o padre faleceu, em 1961, a benção continuou sendo dada. Pedro Geraldo Costa colocava no ar a gravação da benção, pedia para as pessoas colocarem um copo com água ao lado do rádio e soltava a voz do padre. Romarias aconteciam e ainda acontecem a Tambaú, Pedro Geraldo Costa já faleceu em 1990, mas as lembranças de sua presença no rádio quando eu e meus irmãos eram ainda pequenos perduram até hoje. Claro que a noite não se resumia apenas ao programa “Hora da Ave Maria”, mas para as crianças, o que valia mesmo, depois da benção do padre Donizetti era mudar de estação, sintonizar a rádio Piratininga e ouvir o seriado “Juvêncio, o justiceiro do sertão”. Mas minha mãe já tinha passado o copo de água abençoada pelo padre Donizetti para que cada filho tomasse um gole.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Quando junho emocionava as crianças

Mês de junho, no início dos anos de 1960, participar da Cruzada Eucarística Infantil, na igreja de Vila Arens, era algo inesquecível. Tão inesquecível, que estou aqui para relembrar fatos deste tempo. Neste mês, toda sexta-feira, tinha Adoração ao Santíssimo e troca de espinhos do Sagrado Coração de Jesus. As crianças entrevam uniformizadas, seguindo a bandeira da comunidade. As meninas usavam vestidos brancos com boinas da mesma cor, enquanto os meninos usavam terno azul marinho – com calças curtas – e gravatinha borboleta. Fitas amarelas completavam o uniforme. Troca de espinhos emocionava os fiéis que participavam da celebração. Os espinhos estavam numa coroa fixada numa espécie de almofada em formato de coração. Uma das crianças da Cruzada tirava um dos espinhos e colocava uma rosa no lugar. Feitas de pano, as rosas tinham o poder de durar o mês todo. No último dia, não havia mais espinhos na coroa e o coração estava cheio de rosas brancas, “aliviando o sofrimento do Cristo”. Após o ato de troca de espinhos e da Adoração ao Santíssimo ocorria a procissão dentro da Igreja, terminando com a benção do Santíssimo. As crianças seguiam na frente da procissão, seguidas pelas senhoras do Apostolado da Oração, associação formada por senhoras que usavam como uniforme vestido preto e uma fita vermelha. Em seguida, vinha o padre com o Santíssimo Sacramento nas mãos e todos cantavam: “Cantemos ao amor dos amores, cantemos ao Senhor... Deus está aqui! Ó vinde adoradores, Adoremos a Cristo Redentor”. E aí as crianças elevavam a voz o máximo para cantar o refrão: “Glória a Cristo Jesus, Céus e Terra, bemdizei ao Senhor. Louvor e Glória a ti, ó Rei da Glória”... Encerrada a procissão, as crianças se colocavam de joelhos ao redor do altar, esperando a entrada do Santíssimo, nas mãos do padre. E o canto mudava... “Eu quisera Jesus adorado, teu sacrário de amor rodear, de almas puras, florinhas mimosas, perfumando o teu santo altar...!” A organista mudava as notas e as crianças já sabiam o tom e cantavam, de novo a todo pulmão: “Tantum ergo sacramentum, Veneremur ceernui, Et antiquum documentum Novo cedat ritui...” Mesmo sem saber a tradução, o cântico em latim também emocionava, tanto que terminada a cerimônia, as crianças se olhavam sorrindo, mas todas com lágrimas nos olhos. Era hora de deixar a Igreja e voltar para casa. Cheios de emoção e comentando a cerimônia, as crianças já contavam os dias que faltavam para outra celebração igual. Mesmo que ela fosse ocorrer apenas no mês de junho do ano seguinte.

terça-feira, 3 de junho de 2014

No meu tempo de criança!

No meu tempo de criança cozinhavam-se ovos numa lata de banha enquanto pescava na lagoa; havia ainda pescaria noturna no rio Jaguari, e os inesquecíveis passeios de trem de Jundiaí até Piracicaba. Até bonde fazia parte desta viagem! No meu tempo de criança aprendia a andar de bicicleta, sem ajuda de ninguém. E se a bicicleta fosse verdinha tinha um sabor especial! Tinha passeios de bicicleta ao redor do campo do Paulista, enquanto os jogadores treinavam. E, claro, ainda tinha tombos maravilhosos quando quatro amigos inseparáveis dividiam a mesma bicicleta. No meu tempo de criança cantava no coro da igreja da Vila Arens com os integrantes da Cruzada Eucarística Infantil, decorava o catecismo para fazer a primeira comunhão, tinha também coroinha graduado em turíbulo, só para ver a fumaça subir aos céus... No meu tempo de criança cantava no auditório da Rádio Santos Dumont, ouvia programa do Zé Bétio, trocava gibis na porta do cinema, quando um valia pelo preço de dois, ou curtia a tarde de domingo com as amigas. No meu tempo de criança tinha competição para ver quem comia mais pitangas. Ah! Claro! Tinha brincadeira de Mãe da Rua na escola, e acabava rasgando a blusa da amiga e tendo como castiço consertar... E na rua, ainda, brincava de Tarzan e Jane, mesmo que isso fosse em Belém do Pará.. No meu tempo de criança sonhava em cavar um buraco para tentar chegar ao Japão ou saía pelo mundo à procura da verdadeira família e descobrindo que já vivia com ela. E nesta história de família, nada mais doce do que dividir dois ovos de galinha em quatro irmãos. No meu tempo de criança fazia experiências pare recarregar pilhas, corria ao pronto socorro para tirar cisco do olho e ainda trabalhava de contrapeso na roda gigante do parque de diversões, sem esquecer do cuco que era o encanto da família. No meu tempo de criança ajudava o avô a caçar gamburrinos, e nas noites contemplava as estrelinha lá no céu, mas nada mais divertido do que reunir os 47 filhos de italianos que moravam no mesmo quarteirão e jogar pingue pongue. No meu tempo de criança a viagem de férias era de Salvador para Jundiaí, para visitar os parentes e amigos ou fazia a viagem de Jundiaí a Praia Grande e reencontrar o bicho preguiça, sem contar a realização do sonho de participar de um rodízio de pizza. No meu tempo de criança dava nome e batizava bonecas, pagava os alimentos da mulher, na fila do supermercado, já que ela não tinha dinheiro, mas precisava comer, e tinha também o doce sonho da menina que queria ser bailarina... No meu tempo de criança tinha festa junina inesquecível, com fogueira, balão de todos os tipos e até batata doce assada na fogueira e tinha ainda, nas férias de janeiro, passeio no sítio dos tios Nino e Isaura. No meu tempo de criança teve o porquinho que não morreu no Natal e nada mais lindo do que descobrir a identidade do Papai Noel. Afinal, ser criança é um sonho eterno de todos os humanos e crescer era tentar fazer o tempo voltar.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Decorando o catecismo da Primeira Comunhão (No meu tempo de Criança XXXIV)

- És cristão? - Sim, sou cristão pela graça de Deus. - Qual o sinal do cristão? - O sinal do cristão é o sinal da cruz. E lá ia a catequista perguntando e o aluno respondendo, exatamente como estava no catecismo da Primeira Comunhão. Decoradamente! E me lembro que, na primeira pergunta, alguém respondia... "És!" Certo ou não, a verdade é que terminávamos a catequese preparados para a Primeira Comunhão, que se realizaria no último domingo de outubro. Isso, claro, em 1959. O curioso, nisso tudo, é que tínhamos realmente que decorar a lição. E tínhamos uma semana para fazer isso e era como se fosse “chamada oral”. A catequista apanhava o catecismo da mão do aluno – que não podia esquecer em casa, pois tinha que ir buscar ou ficava com falta naquele dia. Fazia as perguntas e a resposta tinha que ser exatamente o que estava escrito no catecismo. Se respondesse tudo, corretamente, passava para a lição seguinte. Até terminar o catecismo. Naquele tempo, as aulas de catequese, na igreja de Vila Arens, ocorriam dentro do próprio templo, pois não existiam as enormes salas de hoje e, no porão, os espaços estavam tomados. A catequese era de segunda-feira à tarde e ia de agosto a outubro. Só “estava preparado” quem concluía o catecismo. Adilson Luis Colucci, que fazia o primário comigo, passou o catecismo inteiro umas cinco ou seis vezes: terminava e começava de novo. A catequista perguntava qual era a lição, se o aluno soubesse tudo, ela vinha com outra pergunta: “Sabe a lição seguinte?” Se soubesse ia em frente... - Quem é Deus? - Deus é um espírito perfeitíssimo, eterno e criador do céu e da terra. Pronto! Mais uma resposta certa, mais uma lição em frente... O curioso é que ficávamos atentos para decorar. E eu não era bom nisso. Foram inúmeras as vezes que saí frustrado da aula, tendo de estudar, de novo, para a próxima semana, enquanto via Adilson deslanchar lá na frente... Me lembro que consegui completar o catecismo no início de outubro. E ainda vi Adilson passar por ele inteiro, mais uma vez. Não consegui chegar, na segunda vez, aos Sacramentos, mas fui aprovado na escola de Deus, na base do “decoreba”. E o silêncio nas reuniões era total. Principalmente por quem ainda não tinha sido perguntado, pois aproveitava as perguntas dos outros, para continuar estudando, sem tempo para conversar com o colega do lado. E no domingo marcado, com jejum desde a noite anterior, suando frio e vestindo terno azul marinho de calças curtas e gravatinha borboleta, recebi, no meu coração, o corpo de Cristo que o padre não dizia como faz hoje, pois a missa era em latim e a gente não entendia uma palavra do que ele rezava. Mas a gente rezava o que sabia. (Uma história de Nelson Manzatto. Texto: Nelson Manzatto)

quarta-feira, 21 de maio de 2014

As lições de fraternidade que Ana Eulinda não esquece (no meu tempo de criança XXXIII)

Brincadeiras, aniversários, jogos e, claro, algumas briguinhas fizeram parte da infância de Ana Eulinda. Claro que tudo isso envolvia ela e seus três irmãos e eles se chamavam assim: Rita, Linda, To e Ma. E sempre com lembranças inesquecíveis! E como lembra Ana Eulinda, tudo coisa boba, mas que fizeram parte de sua linda infância. E as brincadeiras no quintal da casa, na rua Emile Pilon, na Vila Arens, nunca serão esquecidas. E o galinheiro que era o xodó da “nona” Eulinda e do vô Tercílio, era alvo diário de conversas. Três galinhas e um galo povoavam o local e era ali que os quatro irmãos passavam dia sim dia não para procurar ovos para que a mãe Durva fizesse para o almoço. Mas havia um problema: para tristeza das crianças que sonhavam com pelo menos quatro ovos, encontravam apenas dois. Afinal, quem ficaria com os ovos de ouro? Para Linda, para Rita, para To ou para Ma? E mãe Durva já tinha a resposta: “...pra todos, pois os quatro são meus lindos e maravilhosos filhos e devem aprender a dividir o que Deus nos deu, principalmente amor e solidariedade...” A lição é inesquecível, claro! O galinheiro ficava no mesmo quintal que tinha uma grande horta com várias hortaliças e alguns pés de frutas. O canteiro de couve era o mais procurado e a “nona” sempre colhia para colocar no refogado do feijão. O pé de figo era o querido de seu pai Onivaldo, tanto que até hoje, a mãe Durva faz doce; E ela mantém até hoje a doce divisão, pois o pé de carambola tem tanta fruta que seu suco é distribuído para os amigos e vizinhos. Para Ana Eulinda todos estes são momentos de amor, de ternura e de união e uma saudade grande de uma infância doce. Como diz Ana Eulinda: “Simples assim!” (Uma história de Ana Eulinda Marquesim Nóbrega. Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 16 de maio de 2014

O “batizado” das bonecas da Rita (No meu tempo de criança XXXII)

Tardes de domingo de Rita de Cássia, na década de 1960, eram em família, mas tem uma especial que marca e deixa uma saudade. Foi assim naquele dia quando ela e sua irmã, Márcia, pegaram suas bonecas, tomaram a mãe Graciosa pelo braço e seguiram para a casa da Tia Cida preparar o momento especial. E este momento era o “batizado” das bonecas. A tia Cida, toda alegre, proporcionou a festa com muita guloseima, envolvendo lanchinhos de pão Pulmann e muito, mas muito brigadeiro, sem esquecer o tradicional bolo de batizado. As duas irmãs deram banho, pentearam e arrumaram suas bonecas que, apesar de simples, ficaram lindas com roupinhas que mãe Graciosa e as tias Cida e Gina prepararam. Duas bonecas em especial eram novas e tinham nomes: Jaqueline da Rita e Monique de Márcia. A espera ansiosa pela irmã mais velha, Virgínia, que morava em São Paulo, não foi tão longa. E ela chegou com o marido, Décio, que seria o “padre” na cerimônia de batizado. Uma capa preta de chuva serviu de batina e um livro antigo de orações completou a indumentária para a celebração. No quintal, ao lado do tanque, foi colocada uma mesa com as guloseimas e aconteceu o “batizado” de cada uma das bonecas. Madrinhas escolhidas com carinho: tia Gina, tia Cida, a irmã Virgínia, a mãe Graciosa além de Márcia e da própria Rita. O “padre” Décio, com aquela voz de locutor de rádio, parecia mesmo um religioso, falando em latim e brincando ao jogar água na cabeça das bonecas, dizendo a frase “eu te batizo...” Uma diversão inesquecível, com muita alegria e os olhos de Rita voltados para as bonecas batizadas e, claro, para os docinhos feitos com tanto carinho pela tia Cida. Sem dúvida uma tarde de domingo cheia de doces recordações e o coração de Rita, hoje, relembra, com saudade as tias inesquecíveis e que lhe proporcionaram sempre bons momentos, que até hoje vive agradecendo. O agradecimento ocorre numa comida diferente que faz, com receitas de tia Cida, ou até mesmo nos momentos de lembranças de família quando tia Gina aparece, trazendo pão com mortadela e turbaina. Estas mulheres estão sempre presentes na vida de Rita de Cássia e ela, cheia de saudade, não esquece de dizer... “obrigado tias queridas”. (Uma história de Rita de Cássia Crivelaro Manzatto. Texto: Nelson Manzatto)

segunda-feira, 5 de maio de 2014

As pescarias noturnas de Marlon (No meu tempo de criança XXXI)

Era divertido pescar. Pelo menos era isso que Marlon achava, apesar de ser um pretexto para ficar próximo ao rio e à natureza. Além, claro, de atirar pedras n’água. Tudo começou em um camping, onde seus pais os levava para passear nos finais de semana. Com eles, passeavam sempre um casal de tios que por sinal se misturam bem entre as historias. O Camping era o “El Sombrero” em Bragança Paulista. Os acampamentos da família começaram com a barraca Capri para 5 pessoas com avancê de estilo canadense. Depois, evoluiu para uma carreta barraca que era mais prática. Anos mais tarde, foi a conquista de possuir um pequeno lote para construir um chalé de alvenaria. Marlon lembra ainda hoje das tardes investidas para montar os inúmeros encaixes das armações. Esticar a lona, observar o melhor local pensando no escoamento da água, caso chovesse. Incidência do sol. Próximo ao vestiário porque naquela época naturalmente eles eram coletivos. O Camping era perfeito: piscina, campo de futebol, espaço para correr e brincar descalço de pega-pega ou esconde-esconde, parquinho trivial: balança, gira-gira, macaco. Mas havia uma atividade que particularmente atraiu Marlon: pescar. Junto com o tio saia à tardinha para encontrar um local e montar as tralhas para permanecer pescando até cansar. E as tralhas eram formadas por minhocas, miúdos de frango, varas, lampião de carboreto, banquinhos e alimentação, formada principalmente por frutas, pão, frios e água. E o carboreto do lampião tinha um sentido especial: Segundo seu tio e seu avô, o cheiro do carboreto espantava os bichos e Marlon acreditava que isso significava proteção. E era ali, ao seu lado, em meio à expectativa de um peixe ser fisgado, num cenário onde só se conseguia enxergar os contornos das árvores e o brilho da lua refletindo rio Jaguari, ele ouve um barulho alto de algo caindo sobre as águas. O que poderia ser? Procura o lampião que estava apagado, o fósforo sumira e a busca da lanterna que seu tio achava desnecessária! Ele nascera em Ipeúna, interior de São Paulo e adaptado ao espaço rural, enquanto Marlon vivia acostumado à luz artificial. Afinal, a vida é um querer ver coisas, enxergar tudo, ter a certeza do que existe. Talvez os olhos verdes claros do tio substituíssem qualquer lanterna. A busca por uma luz lhe pareceu uma eternidade, mas já com a lanterna na mão, clareou o rio, ainda com mais medo. Enfim, a descoberta, muitas vezes é mais assustadora do que qualquer coisa, pois o ser humano é criado a uma falsa segurança. E o barulho instigante e que proporciona pânico foi embora da mesma forma que surgiu. Ao iluminar o rio, o pequeno Marlon percebeu as águas calmas do rio descendo suavemente. Sua mente imaginou uma capivara, uma cobra, um animal terrestre qualquer, pois o barulho lhe pareceu um mergulho. Estranho tudo isso! Mas ali estavam as águas calmas do rio Jaguari. Tempo bom, enquanto existiu! Tempo bom mesmo agora como flashes de memórias. Para ele, o que é mais maravilhoso é lembrar-se de sua ingenuidade e alegria. (Uma história de Marlon Beisiegel. Texto: Nelson Manzatto)

quinta-feira, 24 de abril de 2014

O quarteirão da infância de Márcia Maria (No meu tempo de criança XXX)

Imagine numa rua, um quarteirão cheio de crianças das mais variadas idades. Quarenta e sete crianças exatamente. Este número permanece, até hoje, na mente de Márcia Maria. Nascida em Jundiaí, morava na vila de Vecchi, na rua Antonio Melato, região que está até hoje. Ela se lembra que os primeiros moradores desta rua foram imigrantes italianos e, pelo seu sobrenome, Mastrangelo, fica fácil deduzir que ela também era e ainda é, claro! E ela se lembra que o quarteirão era conhecido como “o pedaço onde residiam os italianos”. Como as famílias eram numerosas, dá para imaginar a bagunça (no bom sentido...) no fala fala (também no bom sentido) e um movimento do amanhecer até bem além do anoitecer. E as 47 crianças eram dali, daquele trecho quarteirão e ainda de ruas paralelas e amigos dos amigos. Fácil imaginar todas brincando, mas... naquele tempo meninos só brincavam com meninos e meninas com meninas. Era futebol, taco, bolinha de gude, esconde-esconde do lado dos meninos e casinha, desfiles (em suposta passarela na rua) e até mesmo andar de bicicleta... E como em tudo há um porém... Alguém teve a brilhando ideia de sugerir a compra, em conjunto, de uma mesa de pingue-pongue. Além da compra em sociedade, cada um tinha sua raquete e uma bolinha. E a mesa, em comum acordo, ficaria guardada de um dia para outro na garagem de um dos integrantes do grupo. A decisão foi a maior alegria para todos, principalmente porque meninos e meninas começaram a brincar juntos e isso virou festa. Foram campeonatos e mais campeonatos, quando jogavam apenas as meninas, as jogadas eram delicadas, mas quando chegavam os meninos, era sempre: “cortou, então dormiu!” E quem dormia saía do jogo... Para Márcia, a maior tristeza era levar uma cortada e... “dormir”, saindo do jogo. E agora Márcia se lembra com alegria deste tempo que não volta mais, mas se sente feliz ao ver que teve oportunidade de crescer junto com a maioria destas crianças, descendentes de italianos e se emocionar toda vez que caminha pelas ruas do bairro e cruza com uma daquelas crianças já adulta, como ela. (Uma história de Márcia Maria Mastrangelo, texto: Nelson Manzatto)

sábado, 19 de abril de 2014

Seguindo a procissão do Senhor Morto!

Nesta Sexta-feira Santa, ao sair a procissão de enterro do Cristo Morto, percorrendo as ruas da Vila Arens, me recordei do final da década de 1950 ou início da seguinte, quando, ainda criança e com meus irmãos, seguíamos esta mesma ação religiosa. Naquela época, a procissão saía pela rua Emile Pilon, subia a Fernando Arens, tendo à frente os integrantes da Irmandade do Santíssimo, vestidos com jaleco vermelho, carregando velas, enquanto seu Vicente Rossi, o velho foieiro, pai do futuro cardeal Agnelo Rossi, levava a cruz. As crianças seguiam à frente da procissão, do início até o andor do Senhor Morto, sempre com duas filas, no canto das ruas. À frente do andor, que era carregado também pelos Irmãos do Santíssimo, auxiliados por Congregados Marianos, seguiam três moças vestidas de preto e com véus da mesma cor, cobrindo o rosto e representando Maria, mãe de Jesus, Maria de Cléofas e Maria Madalena. Ao lado, seguia João Evangelista, um rapaz que levava em suas mãos uma pena de escrever e uma tabuleta. Ainda tinha Verônica que, naquela época cantava em latim... “O vos omnes qui transitis per viam... attendite ET videte si est dolor sicut dolor meus”. Nós, crianças, acompanhávamos atentos ao cântico, enquanto ela desenrolava o pano, mostrando o rosto ensanguentado de Jesus e que ficara marcado ali. A procissão seguia pela Fernando Arens, com dois senhores da Congregação Mariana, na frente, interrompendo o trânsito para que pudéssemos seguir em frente. A procissão passava pelas casas do Japi e ia descer a rua senador Bento Pereira Bueno, próximo à minha casa e um quilômetro longe da igreja da Vila Arens. Ali, por conta do horário e do frio que chega a fazer na Semana Santa, deixávamos a procissão, corríamos colocar calça de pijama por baixo da roupa de missa – quando não tínhamos saído de casa com ela – voltamos até a esquina e esperávamos passar o corpo do Senhor Morto e o andor de Nossa Senhora das Dores. Nesta rua, já na esquina com a avenida São Paulo, víamos a Verônica cantar mais uma vez e íamos dormir felizes, apesar da recomendação de nossa mãe que o momento era de tristeza e dor.Mas criança é sempre criança!!!

sexta-feira, 11 de abril de 2014

A primeira pizza Adriana nunca esquece (No meu tempo de criança – XXIX)

Sendo verídica a propaganda que o primeiro sutiã a mulher nunca esquece, com certeza Adriana Vitor jamais viveu esta situação com a primeira pizza que saboreou! E isso foi lá em 1988, quando começou a fazer parte de um grupo de jovens na Capela de São Cristóvão, no Jardim Pacaembu, em Campinas. O grupo, criado alguns anos antes, era destinado aos jovens, mas crianças e adolescentes lá estavam, engrossando o ambiente. E um dia antes do aniversário de Adriana, após a reunião e a missa no sábado e os cumprimentos, já que o grupo ficou sabendo que seu aniversário era no dia seguinte, todos seguiram para uma pizzaria da cidade, para comemorar a data: 14 anos de idade! Adriana se lembra que ela, Cristina e Alessandra eram as mais jovens, ainda adolescentes e se assustou ao ver que seu pai, José Vitor, permitiu que saísse com o grupo. Afinal, ela sempre percebeu que seu pai não tinha muita paixão pela vida social. Como Sandro e Sueli, que faziam parte do grupo, já namoravam, ela acabou ganhando carona no carro dos dois e o grupo partiu para uma pizzaria no bairro Castelo. Com uma memória fabulosa, Adriana se lembra que estavam ali 18 pessoas... E foi no restaurante, num rodízio de pizza, numa explosão de sabores que ela ouviu, pela primeira vez, o grupo cantando parabéns para ela numa mesa que não fosse a de sua casa. Uma emoção inesquecível! E se este fato foi inesquecível, imagine reunir 14 pessoas, entre jovens e crianças num Fiat 147, ano 1978, branco, e seguir, do Jardim Pacaembu até o clube da Bosch, que ficava a dois ou três quilômetros da capela. O piquenique serviu para divertir a todos e, no retorno, novamente os 14 se amontoam no Fiat e a diversão é ainda maior do que o lanche e as brincadeiras do dia. E agora, cada vez que Adriana se dirige a uma pizzaria com sua família, a festa que viveu há quase 30 anos, volta à sua memória, com uma saudade e uma vontade de comemorar novamente... (Uma história de Adriana Vitor. Texto: Nelson Manzatto)

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Maria José canta como anjo de Deus (No meu tempo de criança – XXVIII)

A pequena Maria José, nos seus 9 anos de idade, na década de 1960, chegou a se sentir um anjo de Deus! É doce dizer isso para uma menina que, pela primeira vez, foi convidada a cantar no coral da Cruzada Eucarística Infantil de Vila Arens. Claro que já tinha cantado outras vezes no coral, claro também que não fazia uma estreia naquele dia, mas... era uma estreia: os cantores, naquele dia, iam fazer parte do casamento de uma das dirigentes da comunidade e o grupo estaria no coro da igreja, um local visitado por poucos – como hoje ainda é – pois quase ninguém conseguia tocar no órgão ali instalado. Apenas o casal Aureo e Leonor Cardoso e a professora Florisa Volpe. E Maria José nunca tinha estado ali, nunca tinha subido aquelas escadas, por isso a estreia! A emoção chegou junto com o primeiro degrau da escada que leva ao coro. Um frio na barriga ao pisar num lugar tão especial. Imaginem uma menina de nove anos diante daqueles maravilhosos sons emitidos pelo órgão. E foi ali que Maria José visualizou a igreja toda, de um ângulo diferente e isso a fez sentir um “anjo” pairando nas alturas, num canto cheio de sentimento. E a menina se emocionou ao cantar a Ave Maria, viajou para lugares mágicos que ainda hoje existem em seus sonhos de mulher. Eram vozes infantis, repletas de pureza e sensibilidade... E a emoção foi forte num dia desses. Não faz muito, foi nestes primeiros meses do ano. Morando em Porto Alegre há muito tempo, Maria José voltou a Jundiaí para ajudar a cuidar do pai enfermo e ao passar diante da igreja da Vila Arens, sua mente viajou para anos passados. Entrou na igreja, como que atraída por um som diferente. O mesmo som infantil de 40 anos atrás e a emoção tomou conta de sua mente e coração. E foi como se vivesse novamente o mesmo momento mágico que viveu naquele casamento. Uma emoção que a fez cantarolar baixinho, mais uma vez, a Ave Maria... (Uma história de Maria José Brombal Canova. Texto: Nelson Manzatto)

terça-feira, 1 de abril de 2014

O cisco no olho de Edison que assustou a família (No meu tempo de criança XXVII)

Edison não tinha mais do que oito anos em 1955 e lá estava ele no porão da casa, na avenida São Paulo, em Jundiaí, brincando com um martelo e batendo com ele numa chapa de aço que estava presa numa morsa. Não era água mole, não era pedra dura, tanto que de repente um cisco da chapa quente, por conta à quantidade de marteladas, escapou e foi parar dentro do olho do garoto. Se o menino entrou em desespero, imagine sua mãe que o apanhou pela mão e correu até a farmácia do Moacir, que ficava há uns 200 metros de sua casa. Com uma agulha de injeção, envolvida com algodão ele tentou retirar o cisco, mas o menino entrou em estado de choque, tanto que quatro adultos não conseguiam segurá-lo. Nem a avó do garoto e muito menos sua tia Ana tentavam convencer Edison de que aquele era o melhor remédio. Nada! Em casa, uma nova tentativa, agora por parte do pai de Edison, Pedro Zeni. E o homem que dirigia, com um braço só o caminhão do Vic Maltema, orientado pela avó de Edison, arrumou um imã para ver se este atraía o cisco. A avó de Edison, com muito carinho e cuidado, passeou com o imã pelo rosto de Edison, perto do olho. Nada! Angustiados, cansados, desanimados. Este foi o saldo do dia! A solução foi esperar a manhã seguinte quando todos seguiram até o Instituto Penido Burnier, em Campinas. Um especialista atendeu o pequeno Edison que, depois de anestesiado, dormiu e quando acordou percebeu que havia um tampão em seu olho e não sentia mais a presença do cisco. Depois de três dias o tampão foi retirado e a vida retomou sua rotina, mas Edison jamais esqueceu o fato e suas mãos nunca mais utilizaram um martelo para bater numa chapa de aço. (Uma história de Edison Claudio Zeni. Texto: Nelson Manzatto)

quarta-feira, 26 de março de 2014

As viagens de sonhos de Maria Josefina (No meu tempo de criança – XXVI)

Passeio de Jundiaí a Piracicaba, no trem da Sorocabana, era algo inesquecível. Principalmente porque o objetivo era visitar a avó de Maria Josefina. Ela se sentia uma privilegiada com relação às irmãs, pois nascera lá, enquanto estes eram naturais de Jundiaí e aqui não tinha aquele rio que ela achava maravilhoso e enorme, com queda d’água e o engenho de cana de açúcar ao lado. Por tudo isso, Maria, que era Josefina, poias as irmãs também eram Maria - a de Lourdes e a Teresa - considerava Piracicaba a cidade mais linda do mundo. Na noite anterior ela quase não dormia de tanta ansiedade. Maria Josefina se lembra de sua mãe, insistindo para tomar café antes de saírem para pegar o trem, mas nem ela, nem as irmãs queriam se alimentar. O desejo era pegar o trem. E dentro do trem, a família abria as cestas com lanches – pão com mortadela – e tudo era devorado. Da estação de trem até a casa de sua avó, a família ia de bonde – “coisa que Jundiaí não tinha”, lembra Maria Josefina – achando esta nova etapa da viagem uma maravilha! De dentro do trem, de dentro do bonde, ela ia vendo tudo, apreciando as paisagens! Na casa de sua avó tinha uma cadeira de balanço e era uma boa disputa ver quem conseguia cumprimentar todos os parentes, o mais rápido possível, e correr para a cadeira. E as lembranças na casa da avó são muitas: a mesa enorme e cheia de balas de noiva – feitas pela tia para vender. E o rosto de Maria, agora brilha, lembrando: “Tinha ainda o abacateiro... e o açúcar cristal! Tudo na casa de minha avó era uma grande festa”. Seus olhos brilham com as lembranças, seus lábios sorriem, sua mente voa! É Por isso que hoje o que Maria Josefina mais gosta de fazer é viajar... (Uma história de Maria Josefina Rodrigues Gaspar. Texto: Nelson Manzatto)

quinta-feira, 20 de março de 2014

O grande coração do pequeno Adenilson (No meu tempo de criança XXV)

Por morar na rua Emile Pilon, o pequeno Adenilson muitas vezes fazia pequenas compras para sua mãe no Russi da Vila Arens. E o caminho de ida e o de volta eram um lazer para o garoto que não tinha mais que 12 anos. E é comum, na hora de preparar o almoço, a dona de casa perceber que faltou algum ingrediente... E Adenilson, sempre prestativo, jamais negou esta ajuda à sua mãe. E na manhã de um lindo dia de sol, lá vai o garoto para mais uma compra para o almoço. E é na fila do caixa que a história se faz e se torna inesquecível. Enquanto espera para passar seus produtos, o garoto percebe que a mulher – “muito simples”, como ele diz – que está na sua frente devolve um pacote de feijão, porque o dinheiro que tinha não era suficiente para pagá-lo. E os olhos do garoto brilham! Colocou a mão no bolso, conferiu o que tinha e se propôs a pagar o feijão da senhora. Claro que ela agradeceu, claro também que prometeu lhe pagar, mesmo ele tendo dito que não precisava, que estava tudo certo. O garoto passou seus produtos e... ufa! O dinheiro que lhe sobrou no bolso foi exatamente igual ao valor da compra. Não tinha troco! Mas Adenilson voltou para casa feliz por ter ajudado alguém. Claro que ele contou em casa o que ocorrera, claro que a mãe não deixou de lhe dar uma bronca, mas... Nada iria estragar, naquele dia, a alegria do menino. E se o mundo dá muitas voltas, numa delas, num belo dia, a campainha da casa da família Perboni toca e o pequeno Adenilson vai atender. Por feliz coincidência, ao abrir a porta, ele se depara com aquela senhora que descobriu – e ele não sabe como – seu endereço. Disse que estava ali para agradecer mais uma vez a ajuda de dias passados e lhe devolveu o dinheiro. Os olhos dos dois brilharam de satisfação, os lábios sorriram, as mãos agradeceram. Um não perguntou o nome do outro, mas a lembrança deste fato marcou profundamente a vida de Adenilson. (Uma história de Adenilson Perboni. Texto: Nelson Manzatto)

sábado, 15 de março de 2014

Ana Maria comanda a bicicletinha verde! (No meu tempo de criança! XXIV)

Nem sempre dores e doenças podem ser motivos para tristeza eterna. Principalmente quando se é criança. E esta é a infância de Ana Maria Panzoldo, hoje Imperato. Terceira e última filha do casal, ela lembra que, ainda na barriga de sua mãe, seu pai ficou tetraplégico, prenúncio de dificuldades. Mas Ana Maria garante que teve uma infância muito feliz. Seu avô tinha um sitio em Cabreúva e ali havia um alambique e, por conta disso, ele estava toda semana fazendo entregas de pinga em Jundiaí. E a alegria de Ana Maria subia no caminhão e seguia para o sitio para curtir momentos de criança feliz. A convivência com primos que moravam naquela cidade e de alguns amigos era grande, pois toda semana ela estava ali. As brincadeiras entre todos envolviam, além da inocência de criança alegre, envolvia cantar, dançar, correr pelas terras do sítio e isso enchia a pequena menina de felicidade. Foi no campo de futebol que havia ali que Ana Maria viveu a maior realização de qualquer criança. Claro que não foi jogar futebol, que na década de 1960 não era coisa de mulher ainda, mas foi ali, no campo, que Auro Malvezi, seu amigo, lhe proporcionou um momento inusitado: Ele tinha uma bicicletinha verde e colocou a pequena Ana Maria no comando da mesma. Ela se sentiu segura com as mãos de Auro a apoiando e, de repente, por alguns metros a soltou e ela pedalou sozinha, com o vento batendo em seu rosto. No início, uma reação de medo, mas depois!. Ah! Depois... uma sensação de alegria, de paz, de liberdade, de vitória! E hoje, a lembrança da bicicletinha verde é comum em sua memória e Ana Maria sente um carinho enorme pelo amigo que lhe mostrou o caminho da alegria... (Uma história de Ana Maria Panzoldo Imperato. Texto: Nelson Manzatto)

segunda-feira, 10 de março de 2014

E Angélica sonhava ser bailarina...(No meu tempo de criança – XXIII)

Criança comum é criança comum. Igual a tantas outras, com brincadeiras, sonhos, sonhos e, claro, muitos sonhos! Angélica era assim: uma menina como as outras, brincava de bonecas, de casinha, frequentava a escola... Mas seu interior era cheio de sonhos. Sonhos grandiosos... Sonhos de dança, de ser uma grande bailarina! As aulas de balé não eram simplesmente aulas: eram para ela verdadeiros espetáculos! A menina que sonhava, imaginava-se num grande palco, voando em seus passos e piruetas... Pisava em nuvens quando estava na ponta dos pés, se sentia leve, flutuava... A sala de aula se transformava, o cenário se formava e a menina se sentia como se estivesse no céu, bailando e brilhando. Voando em sua imaginação. Passos leves, pontinhas dos pés... mãos sobre a cabeça... como que... como que tentando voar, bater asas! Tocar o céu com as mãos. E hoje tudo se transformou... O sonho da doce menina de bailar, ficou guardado na memória, na lembrança. Angélica, hoje, deixou o bailar na lembrança. A vida mudou, se transformou. O sonho de menina deixou de existir e sua vida, hoje, é a dedicação ao trabalho, ao cuidar dos enfermos em hospitais... E quando o dia passa e a noite chega, a memória de Angélica, hoje, viaja para o passado, para os tempos de criança e lhe surge o sentimento de felicidade e sua mente brinca e sonha e o traje do bailado lhe vem à memória, o sorriso de criança surge em seu rosto, e o palco se enche de luzes, a plateia silencia, a orquestra inicia os acordes e a menina baila, flutua, busca o céu com as mãos no doce passo, no caminhar seguro para a felicidade. E a menina que sonhava ser bailarina esquece o dia, o trabalho e sorri segura de que o bailado em sua mente é a certeza de um tempo que não volta mais, mas permanece doce e suave em sua memória!(Uma história de Angélica Barboza. Texto: Nelson Manzatto)

terça-feira, 4 de março de 2014

Uma infância nunca perdida (No meu tempo de criança – XXII)

Nasci numa cidade do interior do estado de São Paulo, onde todo mundo conhecia todo mundo, e também havia comadres e compadres em todas as esquinas a manterem as vidas uns dos outros sempre atualizadas. As casas não eram tão juntas umas das outras, não existiam prédios com seus andares intermináveis, mas a proximidade das pessoas não se media: éramos como uma grande família sempre disposta a cuidar dos filhos pequenos da vizinha numa qualquer necessidade. Toda mulher mais jovem era chamada, pelos pequenos, de "tia" e todas as senhoras idosas eram eternas "avós" de toda aquela prole de famílias que não se preocupavam com o número de filhos. Lembro-me, até hoje, acordávamos cedinho com o som do radinho de pilhas do meu avô que não perdia um programa do "Zé Bétio", e pela casa exalava aquele cheirinho de café moído na hora pela minha avó que sovava pão um dia sim outro não, com a própria força dos punhos para que pudéssemos tomar o café da manhã antes de começar a brincadeira, que por sinal nunca era dentro de casa que era eternamente limpa. Tínhamos um quintal que não era murado, mas o perigo aparentemente não existia, todos cuidavam das crianças. Sempre à tarde aparecia uma comadre, muitas vezes com uma tigela de doce de abóbora quentinho ainda. Era um comércio sem renda nenhuma: minha avó fazia pão e mandava embrulhado em pano de prato alvejado para a vizinha, a mesma que aparecia com o doce. Era um costume que não se perdia, pois eram muito comuns essas visitas que com o tempo se repetia na casa de meus pais. Essas lembranças se reavivam em minha memória, toda vez que sinto o cheirinho de pão caseiro ou vejo um delicioso doce de abóbora que muitas vezes eram saboreados juntos. Nossas brincadeiras, aquelas que as crianças de hoje desconhecem, eram na maioria das vezes realizadas sem brinquedo nenhum. Tinha muita correria! Subir em árvores era minha preferida, os meninos faziam bolas com meias velhas e as meninas brincavam de serem mães como se treinassem para um futuro próximo. As brincadeiras de roda, quase sempre, eram compartilhadas por alguma mocinha da família, que ainda era tratada como criança, mas já tinha suas responsabilidades domésticas. A saudade daquela época é iminente, mas tenho plena certeza de que vivi em tempo que enquanto se brincava criava lembranças inesquecíveis. Lembranças essas que poderão ser reativadas a qualquer momento. Basta ouvir o som do "Zé Bétio". (Uma história de Vânia Regina Correia. Texto: Vânia Regina Correia)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Treino de quarta-feira no estádio (No meu tempo de criança – XXI)

A poeira não ia mais levantar, o caminhão com água de piche acabou de passar, as ruas parecem asfaltadas, fica bom para andar de bicicleta. Do quintal vou até a cozinha, olho para o relógio prateado com ponteiros verdes, já são quase três e meia da tarde. Num grito, pergunto para minha mãe se já posso ir e do barracão onde fica o tanque, ela grita que sim, complementado com um “volta na hora combinada”. O ano é 1965, o destino é o campo do Paulista, no Jardim Pacaembu, onde morava. Fecho o portão de madeira, empurrando a bicicleta, subo a rua em direção ao sobradinho onde mora Ariovaldo, chegando e gritando seu nome. Entro no quintal e espero o final da partida de futebol de botão que estava jogando com o Dimas. Os três pedalando rapidamente, tomamos embalo para enfrentar a subida que culmina em frente ao estádio. O alambrado de madeira na entrada serve para passarmos um galho para fazer som de matraca, as bicicletas são deixadas na sombra embaixo da arquibancada. Os jogadores correm em volta do campo, o treino ainda não começou, e nem interessa começar. Apostar uma corrida em volta do estádio, subindo a cada distância não estabelecida um degrau com o objetivo de chegar ao final da volta no topo da arquibancada. Não interessa quem chega primeiro, os três param na parte alta para contemplar a vista do bairro, só isso. O treino dos jogadores começou. Pedalando rapidamente vamos até atrás do muro do campo, ver a lagoa. Todo verão alguém morre afogado nela, apenas olhamos, talvez com medo, talvez com vontade de entrar. Enfim, a última parte do passeio, na venda do Flávio, chicletes, paçoquinha e um saquinho de jujuba são o resultado da compra com as poucas moedas que se tinha no bolso. A volta inclui ruas com poeira fina, os pés e os chinelos ficam sujos, a parte final antes da chegada em casa é feita pelo caminho mais longo para na descida ver quem chega primeiro. Não tem vencedores. Despedidas e cada um vai para sua casa na hora combinada sem ter relógio, apenas orientados pelo apito final do treino no estádio. De volta para casa, banho, devidamente fiscalizado pela mãe, que já começou a fazer a sopa para a janta, roupa limpa, um copo de leite com Toddy acompanhado de bolacha Maria. Na mesma mesa da cozinha a tarefa da escola é feita, apenas uma cópia, com caneta, sem erro e letra bonita. Autorizado ligar a televisão, começa a sessão Zaz-Traz. O dia é de desenho do Plic e Ploc. Quando termina o programa, hora de ir ao portão esperar o pai chegar, sentado ao lado do cachorro, os dois felizes fazem a recepção. Logo depois da chegada dele, a buzina do carrinho do sorvete toca alto e insistente. O pai compra um sorvete de creme holandês, mas é para depois da janta. Oito horas da noite, já deitado na cama com pijama, a mãe dá um beijo de boa noite, o pai aparece na porta e deseja que eu durma bem complementado com a cobrança se a tarefa da escola foi feita. Na manhã seguinte, escola, na volta, quinta-feira, dia de jogar bola no campinho em frente à casa do Toninho e depois da partida, empinar papagaio. A vida segue assim, num turbilhão de felicidade sem consciência e que hoje são doces lembranças que se repetem em alguns momentos na observação do meu neto saindo de bicicleta para ir ao treino de futebol. (Uma história de Ernesto Zambon, texto; Ernesto Zambon)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

O caçador de gamburrinos (No meu tempo de criança XX)

Se você não sabe o que é um gamburrino, somos dois. Até hoje, desde a infância me lembro das emocionantes caçadas de gamburrinos. Era mais ou menos assim: meus avós, espanhóis, costumavam levar vários netos para passar alguns dias na chácara, à beira do rio Atibaia. Já nos preparativos, na véspera, meu avô começava o planejamento da tal caça aos gamburrinos. Nós, ainda pequenos, entrávamos num clima de ansiedade, vivendo a expectativa de nos defrontarmos com tal criatura que cada neto imaginava de uma forma diferente. O tal do gamburrino agitava a nossa imaginação e ficávamos excitados só de pensar em enfrentar sabe-se lá o que... Quando chegava o dia de irmos para a chácara, a expectativa aumentava e mal podíamos esperar pelo cair da noite, momento este, segundo meu avô, em que os gamburrinos saíam da toca. O plano era o seguinte: meu avô preparava vários sacos de café em grãos, que recebia no seu armazém para que fossem moídos na hora da venda. Ele guardava essas embalagens e enrolava a boca do saco e dava um para cada neto. Quando a noite caía, meu avô nos colocava em posições “estratégicas”, ligeiramente distantes uns dos outros e dizia: “Fiquem abaixados e segurem o saco com a boca aberta que eu vou até o pomar procurar pelos gamburrinos e vou espantá-los na direção de vocês. Quando vocês virem os gamburrinos, peguem-nos com os sacos e fechem a boca e segurem firmes para que não escapem. Mais um detalhe... tem que ficar em total silêncio.” Aí meu avô se afastava, entrando no denso pomar e desaparecia da nossa visão. Aquele silêncio começava a ficar meio assustador, meus primos distantes uns dos outros, meu avô que começava a demorar, a tensão de saber o que iríamos enfrentar... já era possível ouvir as batidas do coração. E porque será que estava demorando tanto? Poxa, já estava muito escuro, o vento roçando o mato, será que é um animal muito grande? Não estou enxergando mais ninguém. Todo mundo num extremo silêncio... e o coração tum, tum, tum...e nada acontecia. Será que era uma boa? Depois de um bom tempo de expectativa, meu avô gritava lá do meio do pomar: “Está indo na direção de vocês, fiquem preparados, são vários...” Nesse momento ele atirava pedras na mata, próximo de nós, e o barulho era assustador... Até que o medo se tornava insuportável e bastava um sair correndo em direção à sede que todos corriam, sem olhar para trás. Quando entrávamos na casa, minha avó já estava com o jantar pronto e tratava de nos tranquilizar e sentávamos à mesa, ainda com os olhos arregalados. Em seguida, meu avô, com ar de riso, perguntava: “Pegaram algum? Se vocês quiserem, após o jantar poderemos tentar novamente.” Conclusão: ninguém tinha coragem de sair da casa e todos iam dormir. E mesmo nos dias a seguir, no cair da noite, todos os netos já estavam dentro de casa, prontos para jantar e dormir mais cedo. E o gamburrino? Sei lá que bicho é esse... é melhor nem saber. Talvez, pensando hoje, o avô do meu avô, naquela época, lá na Espanha, já usava essa mesma artimanha para colocar todos para dentro de casa, sem qualquer recusa. (Uma história de Marcos Antonio Fernandes Ferramola. Texto Marcos Antonio)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O doce cantar de Suely (No meu tempo de criança – XIX)

Era um biquíni de bolinha amarelinha, tão pequenininho mal cabia na Ana Maria...” Esse era um dos trechos de uma das músicas que Suely, nos seus doces cinco anos de idade e com sua pronúncia de criança feliz, cantava no microfone da rádio Santos Dumont que, na década de 1960 tinha seu auditório na rua Barão de Jundiaí, bem em frente à rua Coronel Leme da Fonseca, onde hoje existe uma das lojas das Casas Bahia. E isso acontecia com frequencia: todo domingo lá estava ela, acompanhada pelo pai, Francisco Padovan que sentia orgulho ao ver e ouvir a filha cantando. Havia muitos programas de auditório na Santos Dumont. Muitos deles, na linha sertaneja, mas o destaque era nas manhãs de domingo, com o programa infantil. E Suely achava o máximo ser aplaudida pela plateia. O sorriso de Suely motivava a plateia que muitas vezes cantava junto, mas o refrão, e não importava qual música era, ou o “biquíni amarelinho” ou uma na linha infantil, principalmente do palhaço Carequinha, era sempre por conta dela. Mesmo que comendo letras ou palavras ou pronunciando palavra que não dava para entender. E hoje, mais de cinquenta anos depois, quando vai ao Centro e passa diante da loja, ela para, não para conferir preços e produtos, mas sua mente, seu coração, seus ouvidos retornam no tempo do auditório, da cadeira, do microfone e de seu corpo franzino, e tudo isso faz ecoar ainda hoje... “biquíni de bolinha amarelinha que na palma da mão se escondia...” (Uma história de Suely Padovan. Texto: Nelson Manzatto)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O cuco que fazia Claudia sorrir (No meu tempo de criança – XVIII)

Por um breve momento e por extrema necessidade, a menina que brinca na rua com os primos para e entra na casa com o objetivo de aliviar-se o mais depressa possível e voltar para seus afazeres infantis. Sobe a escada depressa e avança pelo corredor principal. Seus pés nus tocam o piso de madeira da casa do avô e, pela primeira vez uma suave badalada lhe desperta a atenção. Presa à parede, uma caixa de madeira esculpida em forma de ninho abriga dois pássaros. Em seu miolo, uma pequena porta. De duas correntes pendem pesos em forma de pinhas e um coração de madeira movimenta-se sozinho de um lado para o outro. A menina se aproxima, mas não os toca. Fascinada, detém-se mais um momento, mas a necessidade a chama. Em seu regresso, ainda fascinada pelo som da caixa, fica novamente paralisada a contemplar o balanço ritmado do pêndulo quando para sua surpresa a porta se abre e um passarinho grita ‘cuco’ por algumas vezes. Palmas para o passarinho. André, o avô que cochilava após o almoço a encontra e imediatamente após ser descoberto vê-se rodeado de perguntas. Paciente como era, exímio pescador e de imenso coração, a põe sentada no colo e lhe explica sobre o relógio, seu funcionamento, origem, e não bastando atender suas indagações, a ergue nos braços e movimentando suavemente com as pontas dos dedos, acelera os ponteiros e demonstra o que explicou para o deleite da neta. Mais gritos e palmas para o passarinho. A brincadeira foi esquecida, os primos abandonados e o som do relógio e da voz do avô foram o divisor de águas naquele universo. Cresceu ao som do cuco e muitas vezes esquecia de brincar apenas para ficar ali, na sala, olhando o objeto e aguardando o momento quando a hora completasse e o pequeno passarinho projetava-se para fora da caixa em um sonoro grito. Ainda hoje a caixa a fascina. Foi presente ainda em vida do avô. Veio todo embrulhado de Campinas para São Paulo onde ornamenta a parede da casa do pai. Ali, seus sobrinhos e filhos viveram as mesmas emoções da menina e seu pai, tal como seu avô, a explicar sobre o objeto, seu funcionamento e origem em um ciclo sem fim no pulsar das horas. Em meu tempo de criança, contemplar um simples relógio cuco era (e ainda é) motivo para sorrir. (Uma história de Claudia Hespanha. Texto: Claudia Hespanha)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

E Silvia não chegou ao Japão... (No meu tempo de criança - XVII)

Não tem como ficar analisando cabeça de criança, tentando descobrir o que se passa por ela e muito menos o que se pretende conseguir. Imaginação de criança é algo que nem ela sabe explicar. E Silvia gostava muito de desenhar, escrever e brincar. O quintal de sua casa, que era grande, quase uma chácara, era seu local preferido. E todo dia lá estava ela: chegava da escola, almoçava e ia para o quintal, cheio de árvores frutíferas, criação de aves e muito, muito espaço... Tudo isso nos seus doces nove anos de idade! E como sempre tem um belo dia na vida de todo mundo, Silvia ficou sabendo que o Japão ficava lá... do outro lado do mundo! E sua curiosidade a fez imaginar como seria este país, “bem atrás de onde ela estava!” E se tem um belo dia, depois dele vem outro e, apesar da rotina, a mente de Silvia já estava no Japão. E como mente de criança não fica parada, decidiu cavar um buraco e, assim, ver o país que sonhava. Com uma ferramenta de seu pai, uma alavanca no formato e tamanho de um cabo de vassoura, mas com pontas bem trabalhadas. E no quintal, num ponto escolhido por ela iniciou seu trabalho. O buraco não tinha mais do que 15 centímetros de diâmetro e cava, cava, cava... Ao final do dia, a terra que era retirada, voltava para o buraco. E era assim todo dia: agora a terra retirada, e cava, cava, cava e no final do dia a terra solta voltava para o buraco. E se teve um dia tão belo, veio um não tão belo assim... Foi quando ela não conseguiu mais alcançar o fundo da cova para retirar a terra. E neste dia, com ar de tristeza e dor no coração, Silvia desistiu de cavar a abertura na terra para alcançar o Japão... (Uma história de Silvia Siebert Vives, texto: Nelson Manzatto)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Férias inesquecíveis de Fabiane (No meu tempo de criança – XVI)

Há aproximadamente 17 anos, no auge dos meus tempos de criança saudável e peralta, meus pais costumavam levar o meu irmão caçula e a minha pequena pessoa à famosa e muito procurada Praia Grande. Naquela época, costumávamos nos hospedar na Colônia de Férias dos Servidores Públicos. Íamos tanto para lá que praticamente todos os funcionários do lugar nos conheciam, portanto, meu irmão e eu tínhamos certos privilégios de ir e vir maiores do que as demais crianças. Na Colônia, na área do portão dos fundos, por onde se costumava entrar com o carro para descarregar e carregar as malas, havia uma árvore singela, porém, cheia de galhos – um tanto descobertos e pelados por sinal – onde se encontravam, acreditem se quiser, uma família de bichos-preguiça! Aqueles animais pertenciam à filha do responsável pela Colônia. Ela, se não me engano, era bióloga e em um de seus trabalhos de campo, havia encontrado um casal de preguiças machucado e debilitado, provavelmente vítimas de alguma armadilha de caçador ou qualquer outra artimanha maldosa dos seres humanos. Ela os curou, criou e quando começaram a dar cria, os levou para um ambiente mais arejado e aberto do que a casa dela. Assim sendo, em um belo dia de férias da escola, eu me deparei com uma gangue de bicho-preguiça pendurada nos galhos nus dessa tal árvore. Não preciso nem dizer que para uma criança que se fascinava facilmente com qualquer tipo de animal, aquela família era a coisa mais mágica e incrível que já havia acontecido e, todo o próprio histórico de férias escolares envolvendo animais! Mais do que depressa, pedi para a mulher me deixar carregar um dos filhotes. Como já era conhecida por todos, ela cedeu ao meu pedido. Colocaram panos em meus ombros para as garras não me machucarem e me preparam psicologicamente para o provável peso que iria sentir. Abracei o bichinho sem problemas, me encantando com a maciez do pelo e com o jeito delicado como ele se encaixava em meu colo. Sempre me disseram, desde pequenina, que eu tinha jeito para ser mãe... Não se isso é verdade, pois, por enquanto, não tive o privilégio da maternidade, mas, ainda continuo a ouvir tal comentário! Dessa forma, com todo esse provável instinto materno precocemente aflorado, o momento se tornou algo incrível e indescritível para mim, principalmente depois que o filhote adormeceu em meu colo. Aquilo foi o ápice das minhas férias! Não queria mais larga-lo! Todos os dias repetia o pedido e todos os dias, por duas horas, eu o carregava para cima e para baixo da Colônia. Repeti o procedimento todas as vezes em que fui para a Praia Grande, até que num triste dia, a dona dos bichos-preguiça resolveu leva-los até uma reserva ambiental, a fim de fazer os bichinhos se readaptarem à vida selvagem e serem, com o tempo, reinseridos no seu habitat natural. O acontecimento foi algo bem triste para uma criança de oito anos, porém me despedi consciente de que aquilo era o certo a fazer, pois, já que eu estava tão apaixonada por eles, desejava-lhes apenas o bem e o bem era devolvê-los à vida que nunca deveriam ter saído, se não fosse pelo egoísmo do ser humano. É irônico saber que uma das minhas melhores memórias de infância começou técnica e indiretamente, com uma atitude cruel do homem... Mas, continuar a sentir raiva pelo mal que haviam feito ao tirar aquelas pobres criaturinhas indefesas de suas casas... (Uma história de Fabiane Zambelli de Pontes. Texto: Fabiane Zambelli de Pontes)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Doces tardes de domingo (No meu tempo de criança XV)

Fim de semana se aproximando e todas as quintas-feiras eu e minhas amiguinhas fazíamos planos, combinando como seria nossos domingos. Tínhamos várias opções de passeios: Fazer um pic-nic, ir às matinês num cinema próximo de casa, ao parque de diversões ou ao circo quando este se instalava na cidade. Chegando domingo nossos pais nos liberavam somente após o almoço, e quando era 13 horas eu começava a me aprontar para ir ao cine República, cuja sessão se iniciava às 14horas. Não fazíamos questão quanto ao filme a ser exibido, qualquer que fosse estava ótimo, mesmo os de “bang-bang” que eu detestava, não reclamava porque o que valia mesmo era estarmos juntos. As fileiras de poltronas lotavam só com amigos. Quando anunciavam o seriado após o filme ter terminado, a plateia vinha abaixo ao apresentarem acompanhado com música chinesa “Os tambores de Fú Manchú“. Assobios, palmas, pés batendo no assoalho de madeira velha, produziam um barulho ensurdecedor. Depois reinava silêncio completo durante o seriado, que acabava sempre com finais intrigantes, o que fazia as crianças voltar no próximo domingo. Era muito divertida a volta para casa, os comentários uns querendo opinar mais que os outros. Com isso nossa semana se encerrava com alegria. Outras vezes era o circo, que naquela época havia dramatizações na arena. Sempre histórias que comoviam e no final entrava o palhaço para animar os rostinhos emocionados. Uma vez as arquibancadas estavam lotadas, com dificuldade subimos na mais alta das tábuas pedindo licença e nos equilibrando, até sentarmos tranquilos assistindo aos melodramas. Foi quando a lona já gasta começou a balançar fortemente pela ventania do temporal que se formava. De repente escureceu, virou noite literalmente, as luzes dos postes se acenderam e os trovões impediam que ouvíssemos os atores.E a chuva veio forte ,muito forte começando a formar um rio de água barrenta impedindo o fim da peça. Foi formando uma lagoa dentro do circo, ficamos apavorados, porque as goteiras nos molhavam, pingando das velhas lonas. Quando o tempo se acalmou saímos todos sem graça, pois estava encerrado o espetáculo. Era reservada também as tardes de domingo para visitar os parentes mais próximos. Íamos à casa da minha avó, onde moravam tios e primos no centro da cidade. Saíamos após o almoço, do bairro de Vila Arens, e caminhávamos cerca de uma hora sem pressa, observando casas, jardins e quando atravessávamos a ponte do rio Guapeva, metade do caminho estava feito. Por fim éramos recebidos com o carinho de todos, principalmente da vó Delphina que nos servia café com pastel frito na hora. Após a conversa em dia ,e brincarmos com os primos, despedíamos com: “bença vó, bença tio”. Era um tal de beijar a mão de todos... Ao retornarmos para casa, meu pai nos levava em frente a matriz Nossa Senhora do Desterro, onde funcionava uma fonte iluminada, cujas águas dançavam coloridas, e muita gente sentava nos bancos do jardim conversando, namorando, enquanto crianças corriam sem preocupação. Dai papai nos convidava para jantarmos num restaurante assobradado ao lado da igreja. Tudo era festa, voltávamos de táxi. Outras vezes fazíamos o caminho de volta a pé, e quando estava chegando perto da fábrica Argos,um imenso parque de diversões ali se encontrava,e resolvemos parar. Meu irmão ficava na barraca de pesca, eu na de argolas, a mamãe e o papai na de tiro ao alvo, todos perto uns dos outros. Acontece que numa noite o parque estava lotado e era fila para a roda gigante, para o carrossel e outros brinquedos.Como nos movíamos rápidos para pegar os lugares, de repente percebi que não encontrava meu irmão, nem meus pais. O desespero bateu, comecei a andar sem rumo, olhando para todos os lados, eu era muito pequena no meio daquele pessoal alto. Com frio na barriga tomei a decisão de voltar sozinha até minha casa. Sai da multidão e comecei andar rápido, o ar me faltava ,foi quando avistei a torre da igreja da Vila Arens, que meu coração desacelerou,e caminhando até a esquina da rua da estação ferroviária, contemplei a igreja em todo seu esplendor me parecia mais linda ainda. Ufa! Estava salva, pois, eu morava ao lado da mesma. Cheguei em frente ao enorme portão de ferro trabalhado em desenhos de arabesco e não consegui abrí-lo. Chamei primeiro em voz fraca: “Nona, noona...” Depois gritei “noonaaa”, e as luzes do sobrado se acenderam. Alívio, estava salva. Ela me acolheu assustada. “Ma dove sta tuo papa?” “Não sei ,eu me perdi.” “Quello stupido!”. Ela estava muito nervosa mesmo. “Veni qui povereta, bere questa acqua con zucchero.” Logo em seguida meus pais chegaram. Houve pequena discussão e fomos todos dormir. Então eu me senti leve como uma pluma, toda angústia passou e desfrutei do aconchego com meus pais. (Uma história de Marly Pirani da Costa. Texto: Marly Pirani da Costa

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Tudo a seu tempo... (No meu tempo de criança XIV)

No meu tempo de criança, não estávamos preocupados com marcas, modismos, grifes, aliás, eu particularmente, usei durante muito tempo uma bota de napa branca com uma jaqueta também de napa branca que fazia um conjunto. Lembro-me até hoje. Muitas das nossas brincadeiras infantis eram compartilhadas com nossos irmãos, vizinhos e amiguinhos. Lembro-me, quando meu irmão tentou me ensinar a andar de bicicleta. Cada tombo! Desisti! Maior frustração: nunca aprendi. Uma das minhas maiores alegrias foi quando meu pai comprou um carro e levava a família para passear. Eu ficava olhando para o céu, contemplando aquelas estrelinhas, contando uma por uma, me distraindo com aquilo. Coisa tão simples mas que dava um enorme prazer e uma grande satisfação. Hoje, não sei se as crianças têm tempo de contar as estrelinhas... No meu tempo, as famílias se visitavam mais. A minha casa estava sempre cheia de parentes. Eu adorava minhas tias. Disso, até hoje, sinto muita falta. As pessoas quase não se visitam, pouco se falam, e então, muito pouco ou quase nada sabem a respeito umas das outras. Então... (de volta ao passado) o melhor a fazer, é pegar o copinho de plástico com sabão, o canudo de mamona e ir sentar no muro para fazer bolinhas de sabão. Tudo a seu tempo ou quem sabe tomar aquele sol de quintal com o radinho de pilhas e um casal de cachorrinho. "Quer coisa Melhor?" Também é bom continuar vendo as estrelas, elas nos fazem sonhar! Muito! Sempre! (Uma história de Nadia Angela Congilio Martins. Texto: Nadia Angela Congilio Martins)

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Um porquinho bem diferente (No meu tempo de criança XIII)

Era para ser um leitãozinho que seria saboreado no Natal. Nem nome foi dado a ele, mas isso não impediu que sua história fosse completamente diferente daquela que havia sido planejada. Meu pai o comprou não me recordo exatamente em que mês, mas foi por volta do meio do ano, com a intenção de que participasse do nosso Natal como prato principal. Nos primeiros dias de sua chegada a nossa casa, todos estranharam a sua presença, inclusive nossos outros animais (gato, cachorro e galinhas). Mas, como nosso quintal era suficientemente grande, arranjou-se um cantinho para ele morar. Ele foi crescendo e também o nosso carinho por ele. Eu e meus irmãos fomos nos apegando cada vez mais ao simpático porquinho sem nome. Também o gato e o cachorro passaram a vê-lo não mais como um intruso estranho, mas como um novo companheiro. Os três tornaram-se amigos e estavam quase sempre juntos. No interior de nossa casa havia uma escada de aproximadamente 20 degraus e era muito divertido ver o porquinho deslizar por ela abaixo, tentando acompanhar o gato, mas não conseguindo devido às suas pernas curtas e corpo roliço. Nessa altura ele já não ficava preso, mas corria livremente pelo quintal. Sua diversão preferida era grunhir, juntamente com nosso cachorro - os dois em pé no portão, quando o caminhão de coleta de lixo passava. Assim, nosso amor por ele foi crescendo dia após dia, enquanto se aproximava o Natal daquele ano. Não queríamos mais que ele fosse abatido, mas meu pai achava que não haveria outro jeito, pois ele já estava ficando grande demais para nossa casa. Quando chegou a véspera do Natal, meu pai, sem qualquer experiência no abate de porcos ou de qualquer outro animal, não deu ouvidos a nossos chorosos pedidos de clemência para o porquinho e preparou-se para executar o seu propósito. Porém, como tudo que envolvia o nosso amiguinho era inusitado, a forma que meu pai escolheu para dar cabo dele foi utilizando uma arma de fogo. Chegada a hora, meus irmãos e eu chorando muito, meu pai, com seu revólver em punho, trancou-se com o porquinho em um pequeno quarto que ficava no quintal e, passados alguns intermináveis segundos, ouvimos o disparo. Choramos ainda mais copiosamente e ficamos esperando a saída de meu pai com nosso amiguinho morto. Porém, ao abrir-se a porta do quartinho, quem saiu primeiro foi o porquinho. Meu pai não teve coragem de matá-lo e acabamos comendo mesmo um frango assado na ceia do Natal. Assim, passaram-se mais alguns meses, até que o porquinho já não era mais porquinho. Não era tão gordo como se esperaria de um porco adulto – graças às suas constantes corridas pelo quintal. Mas já não era possível mantê-lo em nossa casa, pois mesmo para ele já não estava sendo confortável. Meu pai resolveu doá-lo a um conhecido médico de Jundiaí, que possuía um chácara na zona rural da cidade. Aí, houve mais peripécias envolvendo o transporte do porquinho – já não tão porquinho assim – para a tal chácara. Mas isso é outra história! (Uma história de Aldo de Lucca Júnior. Texto: Aldo de Lucca Júnior)

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Contrapeso: o primeiro trabalho de Zezé (No meu tempo de criança XII)

Nos idos de 1960, aos meus 4 anos de idade, já estava desvendando a Vila Progresso em Jundiaí. Tudo era interessante. Meus irmãos Osni e Pedro, com 7 e 5 anos respectivamente, já bem articulados, faziam amizades com a vizinhança. Lembro-me da família Manzatto, sempre gentil e preocupada com as pessoas. Da Dona Hermínia, que certa vez me ofereceu ervilhas no molho de tomate e pão (ainda aprecio esse prato, agora com vinho). Vi a pavimentação da Avenida São Paulo, com a movimentação dos tratores que dava medo. Porém, uma novidade se instalou a 100 metros da minha casa: um Parque de Diversões. Que alegria! O parque tinha o carrossel, a barquinha de puxa-puxa, onde duas pessoas ficavam frente a frente, puxando a corda com as duas mãos para a barca subir de frente e de trás. Também tinha a barraquinha de derrubar latas, carrinho de pipoca, algodão doce e a temida roda gigante. Fizemos a nossa estreia na barquinha, onde o Osni ficou de um lado, eu e o Pedro no outro. Logicamente, o Osni, já experiente, queria fortes emoções. A barca subia pra cá e pra lá, cada vez mais alto e eu apavorado. Pedia para parar e, quanto mais pedia, mais força fazia pra barca voar. Ufa! Que tortura. Acabou?!... Não!!! Fomos à roda gigante. Sentamos na cadeirinha, Osni na esquerda, eu no meio e o Pedro à direita. Estava seguro? Que nada! A roda girou, girou, girou... e parou para pegar outro passageiro. Ficamos no topo. A cadeira começou a balançar cada vez mais forte e a guarda da cadeira se abriu projetando o Pedro para fora. Por Deus ele não se precipitou ao chão. Foi um susto inesquecível. Passado os traumas e inebriado pela novidade, no dia seguinte voltei ao parque sozinho. Fiquei hipnotizado diante a roda gigante. Observava o mecanismo da roda, o trabalho do operador, tudo me agradava. Perdi a noção de tempo, fiquei absorvido. De repente, o operador me perguntou: Você quer ir? Mesmo com medo falei: Quero! Algumas crianças também queriam ir à roda gigante, porém o operador não permitia, pois elas eram muito leves para irem sozinhas, então fui contratado como contrapeso. Foram várias “viagens” assim. E, depois das minhas experiências com os meus irmãos, ser contrapeso era um prazer indescritível. No dia seguinte, minha mãe (Roberta) sentiu a minha falta: Onde está o Zezé? Ora bolas, eu estava trabalhando! O meu pai (José Toledo) já desconfiava. Eu estava na roda gigante. De lá de cima fiz um “tchauzinho” pro pai e ele respondeu com reprovação sacudindo com a cabeça de um lado pra outro. (Uma história de José Roberto Oliveira. Texto: Zezé Oliveira)

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O pecado da inveja (No meu tempo de criança XI)

No meu tempo de criança, acho que posso dizer, sem muito exagero, que eu vivia mais ou menos em odor de santidade. Viciado em hóstia e traficante de água benta. Os pecados vieram mais tarde, com a testosterona, e, bem por isso, foram pecados de fraqueza, não foram pecados de maldade, se é que a teologia permite essa distinção. Mas não pense você, leitor amigo, que coroinha não se diverte. Eu era coroinha graduado. Turiferário, para ser exato. Turiferário é aquele coroinha que fica fumigando a igreja com fumaça de incenso. Pois bem, havia uma competição clandestina, entre os turiferários do colégio, para ver quem era capaz de criar a maior nuvem de fumaça. Eu era bom nisso. Meu fumaçalelê era um verdadeiro nevoeiro litúrgico. Assim mesmo, sou obrigado a confessar o pecado da inveja. Inveja daqueles coroinhas cuja função era cuidar das galhetas. Galhetas, para quem não sabe, são aquelas duas garrafinhas, com vinho e com água, usadas na consagração. Havia, entre aqueles coroinhas privilegiados, uma competição clandestina para ver quem conseguia derramar mais vinho no cálice do padre. O padre levantava um pouco a cálice, para sinalizar que bastava, e o coroinha levantava a galheta, para continuar derramando. O campeão, que tinha o apelido de Quico, conseguiu, uma vez, esvaziar a galheta. Agora que estou velho, com a testosterona já no tanque de reserva, acho que vou me candidatar a diácono, para um pouco de divertimento inocente. (história de Luiz Haroldo Gomes de Soutello. Texto: Luiz Haroldo)

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

As pilhas que Ana Maria não esquece! (No meu tempo de criança X)

Histórias sempre têm personagens principais e coadjuvantes. Nesta história de Ana Maria, ela e o irmão mais velho, Ademir, são personagens centrais. Nelson, mais novo que eles e a mãe de todos, dona Angelina, são os coadjuvantes, lembrando que mãe participa, sempre, para salvar a situação. E os fatos ocorreram na década de 1950 quando Ana Maria não tinha mais do que oito anos, Ademir tinha dois a mais e Nelson dois a menos. E a vida de crianças é sempre fascinante! Principalmente quando envolve experiência... E que experiência!!! E a experiência é anunciada por Ademir que chega da rua com a notícia: recarregar pilhas que não funcionavam mais! Naquela época as pilhas eram novidade: serviam para rádios e lanternas. E lá vão Ana e Ademir fazer a experiência! Segundo o aprendiz, as pilhas se recarregam aquecendo no fogo. E os personagens principais foram até o barracão que havia na casa de Ana Maria. Improvisaram o fogareiro: alguns tijolos sobre o fogão a lenha, com pedaços de madeira entre eles, uma tampa de panela velha com quatro pilhas e... fogo!!! O pequeno Nelson assistia à distância enquanto a mãe, confiante que a brincadeira era segura, preparava o almoço na cozinha, no fogão a gás... E a experiência dá resultado: Diferente do esperado, claro! Uma das pilhas explode, Nelson começa a gritar e perde o fôlego e a mãe de todos corre para acudir o pequeno assustado. E o resultado da experiência acontece de novo: Ana corre para apagar o fogo e as outras pilhas estouram no seu rosto. Ademir pega uma toalha e corre para limpar o rosto da irmã que, gritava apavorada, que não estava enxergando. O ato de passar a toalha, sujava ainda mais o rosto de Ana Maria de preto. Nelson socorrido e a mãe do trio vem acudir Ana Maria. Esta, ainda assustada, percebe que está enxergando, mas os olhos ardem. O destino, então, é levá-la à Farmácia do Moacyr, há dois quarteirões de casa. Este, ao ver Ana Maria com os olhos vermelhos, pergunta se estava resfriada de novo. Explicado o ocorrido e receitado um colírio, alguns dias depois, Ana não sentia mais nada. E ainda hoje, quando o fato é lembrado, risos tomam conta do ambiente, mas nem Ana, nem Ademir se permitiram fazer novas experiências... (Uma história de Ana Maria Manzatto. Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Doces recordações de Renata (No meu tempo de criança IX)

Você já imaginou quatro crianças cada um com sua bicicleta pedalando para cima e para baixo até que o desejo de aventura fala mais alto? Mas dá para imaginar uma aventura com todas estas crianças numa só bicicleta? E lá vão os quatro: Renata, Mingo (apelido de Domingos, nome herdado de seu avô paterno), e os primos Ernandinho e Piquena (escrito e falado deste jeito mesmo, com i, pois ninguém a chamava de Rosa Maria). Moradores da Chácara das Flores, o quarteto fantástico escolhe uma rua de terra, cheia de irregularidades e sai pedalando: Ernandinho no banco principal, Mingo sentado no guidão, Renata e Piquena na garupa. Renata lembra de detalhes interessantes: Ela e Piquena não tinham mais que 9 anos, Mingo 10 e Ernandinho 11. Juízo, garante Renata, ninguém tinha, pois o tombo ocorreu nem cinco metros após a “largada” e todos, literalmente, se esborracharam no chão. O levantar foi rápido, alguns arranhões pelo corpo, para engrossar a coleção, mas... Ah este mas... É que o pequeno Mingo ficou no chão, chorando. Exatamente como criança!!! E criança ri, brinca, se diverte, tira sarro e aí reina um silêncio preocupante: Mingo continua no chão. Um grito de socorro ecoa na Chácara das Flores. O resultado é inesquecível: Mingo foi levado ao hospital, com uma clavícula quebrada. E pela segunda vez! Mingo tinha este privilégio: ele foi o único a quebrar as duas clavículas e repetir uma delas, em três ocasiões diferentes. Aliás, ele conhecia o antigo Hospital e Maternidade, na Avenida Jundiaí, como a palma da mão. Já em casa, Mingo participa da diversão: ver a família assinar e desenhar no gesso e sentar para comentar a aventura e até já planejar a próxima “loucura” a ser praticada. Afinal, criança saudável era isso: sem parada! E isso deixa na memória de Renata uma lembrança doce de sua infância. E essas lembranças vieram ainda mais à tona quando teve que acompanhar Mingo, por várias vezes, em seu tratamento de leucemia no Hospital Pitangueiras. Isto ocorreu há 14 anos e, para Renata, parece que foi ontem. Neste período tínhamos a necessidade de recordar da infância, dos bons momentos. Foram quatro meses de tratamento que pareceram uma eternidade. Depois Mingo se foi, foi em busca de seu descanso e deixou para ela a oportunidade de poder relembrar passagens doces de suas infâncias e que marcaram profundamente em suas vidas. A lembrança de doces momentos vividos juntos, a certeza de uma vida bem vivida e a dor da separação se misturam na mente de Renata, mas ela jamais deixa de agradecer a Deus pela infância vivida ao lado de um irmão maravilhoso! (Uma história de Renata Taffarello. Texto: Nelson Manzatto)

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Como Luiza descobriu o verdadeiro Papai Noel! (No meu tempo de criança VIII)

Quando se aproxima o tempo de Natal, não tem como Luiza não se lembrar de sua infância… A lembrança remonta aos seus seis anos e, como toda criança, adorava e sonhava com Papai Noel: o velhinho de barba branca, gordo, vestido de roupa vermelha, e um saco bem grande, cheio de brinquedos, que carregava nas costas. Ela se lembra que ele tinha uma voz mansa e, por conta deste perfil passava o ano inteiro sonhando com o Natal, pois sabia que seu velhinho só aparecia na noite de Natal, para deixar o meu presente debaixo de sua rede. Na véspera do Natal, Luiza fazia questão de ir dormir mais cedo para o Papai Noel deixar seu brinquedo no lugar imaginado. A infância de Luiza foi muito pobre sem muitos sonhos, já que a vida não lhe dava tudo o que sonhava por ser de origem humilde. Ela era assim... apaixonada pelo seu Papai Noel e, como toda criança, sonhava em conhecê-lo pessoalmente. E como criança inteligente que era, teve uma doce ideia: fez um buraco na rede onde dormia e passou a noite inteira esperando seu tão querido Papai Noel. E quando sono e sonho de criança se misturam... ah... a resistência estava prestes a chegar ao fim. Ela já estava cansada com aquela espera, que parecia ser a mais longa de sua vida. De repente, ela ouve uns passos. O local estava muito escuro e, com os olhos grudados no buraco feito na rede, viu seu Papai Noel colocar seu sonhado brinquedo: uma boneca de pano! A alegria foi tanta, a emoção foi tão forte que a pequena menina não resistiu: deu um pulo da rede e abraçou e beijou o seu velhinho, o seu Papai Noel. Os olhos de Luiza estavam cheios de brilho, sua emoção era forte demais. O bom velhinho sorriu para ela, retribuiu o abraço, o beijo. As lágrimas encheram os olhos de Luiza e ela percebeu que seu Papai Noel estava sempre com ela: era o seu pai que ela tanto amava! Depois dos abraços, beijos, lágrimas e sorrisos, ele tinha um pedido a fazer a ela: que não contasse aos irmãos, quem era o verdadeiro Papai Noel e a convidou para ser Papai Noel junto com ele. E a partir daquele ano, todo Natal ela passou a ser o Papai Noel da família. Com certeza, ela garante que foi uma criança pobre e feliz, mas criada com muito amor e seu maior desejo é que todas as crianças pobres, moradoras de rua, negras ou brancas tenham sempre um Natal com um Papai Noel cheio de amor em seus corações! (História de Luiza Freitas, texto: Nelson Manzatto)