domingo, 28 de abril de 2013

O segredo do vinho de laranja

Meu pai era uma pessoa sem muita conversa, talvez tenha aprendido com ele este jeito de ser. Observador, tinha a impressão que ele, antes de dizer algo, analisava quem falava com ele. Voz baixa, pausada, analisava antes de dizer o que imaginava. Era assim que fazia no seu dia a dia, sempre procurando ver se tinha algum filho por perto para acompanhar suas ações. E era assim que trabalhava suas atitudes: quando chegava do serviço sabia exatamente o que ia fazer em seguida. E fazia! Exatamente como pensou e planejou! Um dos planejamentos envolvia a elaboração do vinho de laranja, uma receita que nenhum dos filhos questionou de onde viera. E a colheita da laranja era feita no próprio quintal: a árvore do fruto, ele chamava de laranja caipira. A colheita era feita rapidamente: ele segurava duas ou três sacolas no chão e fazia um dos filhos subir na árvore para efetuar a colheita. Geralmente, o filho escolhido ou o que estava sempre mais perto dele era eu. E lá subia eu na laranjeira. Subia rapidamente em busca dos galhos mais altos. Parecia divertido isso, mas sempre ouvido as orientações dele: esta laranjeira tem espinhos, cuidado com eles. E a colheita começava. Ele abria a sacola, lá no chão e, do alto da árvore, lançava a fruta. Se fosse jogador de basquete, confesso que seria um ótimo profissional, pois não jogava uma laranja fora do alvo. Claro que ela estava bem abaixo de mim e era só soltar o fruto, mas isso requeria um certo treinamento intelectual: não errar o alvo para não ser chamado a atenção! Após um certo número de frutos jogados, meu pai começava a repassar as laranjas para uma caixa: a sacola servia apenas para receber o fruto: duas ou três laranjas se chocando poderiam sofrer ferimentos e isso afetar o sabor do produto final. Colheita concluída, começava o processo número dois que era o de tirar o suco da laranja, misturar com o açúcar e colocar para fermentar num garrafão de, imagino, trinta litros. E este processo era fiscalizado apenas por meu pai. Só ele sabia o tempo certo de fermentação, só ele sabia o certo como estava o andamento do preparo. Só ele sabia quando todo o processo estava concluído. Por curiosidade, às vezes eu controlava o tempo para saber quantos dias aquilo ficava fermentando. Mas segredo industrial é segredo industrial. Ele não falava para mim e eu não perguntava para ele. Concluído o processo de fermentação, meu pai engarrafava o vinho, lacrava a boca da garrafa com parafina e colocava num baú no barracão existente no quintal para “descansar”! Quando apareciam pessoas especiais – e isto só meu pai sabia quem era especial para ele – ganhava um litro do vinho. E haviam garrafas de vinho que ficavam anos estocadas no baú e quanto mais velhas – e isto é regra geral para os vinhos – a qualidade melhora. Às vezes, numa visita, ele chamava um dos filhos e dizia para ir ao baú e pegar a terceira garrafa da quarta fileira, por exemplo, pois ele sabia, exatamente, a data de produção de cada uma e porque o amigo que recebia tal brinde tinha este privilégio. E era assim que seu Alcindo, meu pai, curtia seu vinho, sempre atento, sempre cuidando das garrafas, sempre procurando presentear alguém em especial. E o vinho de laranja de meu pai era realmente especial, pois eram poucas pessoas que sabiam produzir um vinho de tal qualidade. Mas o melhor disso tudo era esperar meu pai chamar, abrir uma garrafa e nos fazer provar o novo vinho. E a gente saboreava com prazer, vivendo em cada gole o sabor de aventura de preparar tudo aquilo.

sábado, 20 de abril de 2013

As primeiras mestras

Com certeza, frequentar sala de aula hoje é algo totalmente diferente do que nos finais dos anos 1950 e início de 1960. Meus primeiros professores foram no Grupo Escolar. Hoje existe Berçário, Jardim, já ouvi falar em pré-primário e aí vão outros títulos criados para significar nível de instrução. E nos anos que citei existiam o Grupo Escolar, o Ginásio, o Colégio e a Faculdade que Jundiaí não conhecia ainda. Saía do Colégio e o destino era frequentar a faculdade “de Campinas para lá” ou na Capital Paulista. Mas o Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, as aulas aconteciam de segunda a sábado em três horários: das 8 às 11, das 11 às 14 e das 14 às 17 horas e não haviam classes mistas: eram Primeiro Ano Primário A, Masculino, o mesmo referente ao Feminino e assim por diante. Meninos e meninas só se encontravam na entrada da escola quando se formavam as filas ao toque da sineta ou na saída, quando as crianças se misturavam no pátio da escola ou na rua. E Paulo Mendes Silva, como disse aqui outro dia, era na rua General Carneiro, esquina com a Fernando Arens. E lá vinham as professoras: Primeiro Ano dona Benedita, segundo dona Odete, terceiro dona Gemma e quarto dona Priscila. Cada uma com sua característica, seu jeito especial de ensinar os alunos. Dona Benedita, por ser a primeira mestra de todos, era a mais paciente, menos exigente. Aquela que, se fosse preciso, sentava na carteira, colocava o aluno no colo, prá ensiná-lo a escrever corretamente. Se comparado com ela, dona Odete era o oposto: austera, rigorosa, que não permitia erros dos alunos e muito menos conversas em sala de aula. Mas sempre que possível, deixava a classe, colocava um aluno para marcar no quadro negro o nome dos conversadores e depois exigir de todos, silêncio na sala de aula. Dona Gemma era também especial, doce no jeito de ensinar e amiga de todos. Por ser sua classe fora do prédio da rua General Carneiro, mas numa sala na rua Moreira Cesar, imagino que se preocupasse mais em dar mais assistência aos alunos que sentiam isolados dos quase mil colegas que estavam a um quarteirão acima. Dona Priscila era uma dona Odete em tamanho menor. Pequena, mas brava como a outra e trabalhando com a mesma energia. Por serem alunos do quarto ano, sua exigência era ainda maior. Me lembro que à quartas-feiras havia aula de religião, na meia hora final. Quem não era católico deixava a sala e já podia ir para casa, mas os católicos eram obrigados a acompanhar a aula que era dada pelas próprias professoras. Como dona Priscila não era católica, se não viesse uma catequista, ela mesma continuava com a aula normal que vinha dando, geografia, história, matemática ou português. Numa quarta-feira, apareceu o padre Alberto, pároco da Vila Arens. Entrou na sala e só depois percebeu que a aula não era de religião. Dona Priscila deixou a classe e o padre continuou suas explicações religiosas. No dia seguinte, dona Priscila pediu desculpas aos alunos e sugeriu que quando não houvesse catequista, cada aluno falaria um pouco sobre religião. Foi difícil, mas os alunos gostaram da ideia. Bravas, rigorosas, brincalhonas, doces, sensíveis. Era assim que as professoras passavam conhecimento aos mais de 40 alunos da classe.

domingo, 14 de abril de 2013

João da madrugada!

Seu João sempre foi prestativo, atencioso, preocupado com todos. Foi não, é, continua sendo! Mantém contato com todos os vizinhos, sem restrições! A madrugada era destinada ao atendimento a Luky, um labrador cor de mel, que brincava com todo mundo da rua. Às vezes assustava alguns, por causa de seu tamanho, mas era só alegria e bondade. E era por conta deste cão, que seu João acordava de madrugada para levar o mesmo para as ruas, fazer suas necessidades. E Luky caminhava, chegava em casa cansado. Dava para ouvi-lo bebendo água e comendo ração. E isso, às vezes, ocorria duas vezes na madrugada. Bastava seu João perceber Luky choramingando na janela, e lá iam os dois para as ruas. Não faz muito, passou por uma cirurgia do coração. Dr Ligabó foi o responsável pela ação. Conta a lenda verdadeira que, ao final da cirurgia, no momento de a equipe começar a costurar os pontos, o coração de seu João resolveu dar trabalho e parou! O médico já se preparava para deixar o centro cirúrgico quando o alvoroço tomou conta de todos. Seu João conta que o dr. Ligabó reanimou seu coração nas mãos... fazendo massagens e, com certeza, dona Beverly, a esposa, e suas amigas de orações, também colaboraram para que isso ocorresse, com sucesso! E seu João voltou à vida normal. Por um tempo, Luky não teve a companhia do amigo nas madrugadas, mas era seu companheiro dentro de casa... Até que... até que um dia as pernas de Luky se enfraqueceram, o corpo cansado e ele se foi, e seu João abandonou as madrugadas, para não lembrar das alegrias que elas lhe proporcionavam: chuva, frio, vento eram personagens constantes nas madrugadas de Luky e seu João. Agora, seu João passa parte da manhã tratando de seus negócios ou fazendo a feira para ajudar dona Beverly, além de levar a neta Letícia para a escola. Ao completar neste dia 14 de abril, mais um ano de vida, seu João tem certeza de que tudo nesta vida vale a pena: entre tantas coisas boas que aconteceram em sua vida, inclusive passear de madrugada com o cão amigo ou relembrar a história de Ligabó ressuscitando seu coração!

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Os bares da minha vida!

Não sou nem nunca fui, nem me imagino sendo frequentador de bares. Existem espaços na cidade onde as pessoas sentam nas calçadas, pois os bares não comportam mais que dois fregueses e me vejo na obrigação de ir pelas ruas nas minhas caminhadas, pois formam-se rodinhas, bate-papos e um grupo grande de homens bebericando que desvio disso. Sem discriminação, pois cada um leva a vida que bem quer! Mas me lembro de algumas situações visitas por mim em bares durante minha vida: a primeira delas foi na minha infância quando na rua debaixo onde morava existia o bar do pai de um grande amigo meu, agora já na idade madura. Digo isso, porque numa de nossas conversas, ele perguntou como ia meu irmão Ademir. Quis então saber como conhecia meu irmão, e ele disse que o pai dele era dono do bar na rua da Várzea, em frente ao campo das casas da vila Agrícola onde aconteciam alguns jogos “Rua debaixo contra rua de cima”. E foi então que me lembrei dele. Era neste bar que, religiosamente, todo domingo comprava uma garrafa de limonada Jun-Bra gelada para dividir com meus irmãos no almoço. Após o almoço, no verão, comprávamos sorvetes ali e foi ali que vi em 1959 o Palmeiras ser campeão paulista sobre o Santos, no chamado “Supercampeonato”, pois as duas equipes terminaram a competição com o mesmo número de pontos. Outro bar que passou em minha vida foi o do japonês, em frente à Sifco, na avenida São Paulo. Era ali que também religiosamente, todo domingo, comprávamos sorvetes de coco queimado. E isso já contei aqui. Enquanto estes dois bares passaram pela minha infância, teve um que existiu em minha vida, já no início da vida adulta. Fazia faculdade e todos os dias ia até o bar do Mário, saborear um lanche para poder frequentar a faculdade à noite, já que trabalhava o dia todo na antiga redação do Jornal da Cidade e tal bar ficava ao lado. Saboreava ali um cachorro quente ou um lanche de frios e um copo de leite para garantir até o final da noite. Mas houve um bar, ainda, que nunca coloquei o pé dentro dele e nunca cumprimentei seu proprietário: era o Bar do Bizuca, que ficava na avenida São Paulo, próximo à antiga escola do Sesi que a Sifco transformou em estacionamento da fábrica. Não era grande o movimento de fregueses ali, mas uma mesa de sinuca era ponto de encontro dos amigos que além de jogar, tomavam suas bebidas favoritas. Situações curiosas de nossas vidas que nos envolvem com pessoas e coisas que nos marcam na memória e ficam registradas para sempre no nosso existir!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Nos tempos da raspadinha

Se existem lembranças que sobrevivem ao tempo, o sabor de uma rapadinha é, com certeza, uma delas. Saída ou chegada ao Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, na rua General Carneiro, esquina com a Fernando Arens, num prédio que hoje não existe mais, tinha sempre um sabor diferente: encontrar o vendedor de raspadinha! Outras guloseimas estavam à venda no portão da escola: pipoca – que é uma das poucas coisas que sobrevive ao tempo, mesmo não sendo na lembrança –, quebra-queixo, algodão doce, e outras já esquecidas pelos mais de 50 anos passados. Biju também era especial, era diferenciado, pois havia uma roleta sobre o tambor que continha o produto a ser consumido com números. O comprador girava a roleta e levava o número de bijus apontado ali. A maioria ganhava apenas um, mas era o preço de cada rodada, mas o número mais alto era 9. E só conheço uma pessoa que conseguiu os 9, mas ao correr feliz para casa para mostrar aos irmãos, o vento havia levado tudo pelos ares. Esta história inclusive já contei aqui, mas é um fato inesquecível! E raspadinha era o carrinho mais procurado pela garotada: o gelo raspado e colocado no copo de papel e a garotada escolhendo o sabor: abacaxi, laranja, uva e o preferido por todos: groselha. Groselha era o preferido pela cor, mas tinha meninos ou meninas que pediam ao vendedor para colocar todos os sabores, mas “fechar” com groselha. E o sabor era diferenciado: a doçura da groselha, o gelado na boca... Claro que sempre vinha orientação de casa: não tomar muito gelado para não ficar resfriado, mas a gente tentava tomar cuidado: saboreava a groselha, sentindo o gelo descendo pela garganta e lembrando a orientação da mãe: tomar um gole de água para amenizar o gelo. Mas na escola, naquele tempo, não havia recreio, não se levava lanches, e os bebedouros eram, também, com água gelada, o que significava que nada reduziria o impacto da raspadinha que a gente não saboreava uma só. Resultado: no dia seguinte, garganta raspando – talvez para ser igual à “raspadinha...” - por conta do excesso de gelo e o “castigo” de ficar dois ou três dias sem o produto. Mas se até acabar a aula a garganta estivesse melhor, a alegria seria maior porque o carrinho da raspadinha estaria lá fora. Esperando pela gente...