sábado, 30 de junho de 2012

A comadre e o sacristão

Dona Josefa e seu Pedro tiveram uma vida muito próxima à de minha família. Seu Pedro, por ser o sacristão da igreja de Vila Arens, onde eu e meus irmãos frequentávamos as missas dominicais. Dona Josefa era sua esposa. Uma mulher meiga, religiosa acima de tudo. E ela e minha mãe se davam muito bem. As duas tinham algo em comum: filhos nos seminários, com o sonho de se ordenarem padres. Claro que tendo mães como dona Josefa e dona Angelina, estes sonhos se tornariam reais. E hoje, dona Angelina, lá do céu, inspira o filho Toninho durante as missas, e dona Josefa está ao lado dela, juntamente com padre Hélio. E dona Angelina e dona Josefa sempre se trataram po r “comadres”, mesmo antes de serem. Quanto meu irmão caçula, o Alberto, tinha ainda 2 ou 3 anos de vida e passava parte do dia brincando junto ao portão da casa, era por ali que, diariamente seu Pedro passava para ir à igreja. E era ali que conversavam – não sei se um entendia o que o outro dizia, mas conversavam... E esta amizade entre eles fez dona Josefa sonhar com seu Pedro sendo o padrinho de crisma de Alberto. E foi isso que aconteceu. E dona Josefa virou “comadre”, literalmente, de dona Angelina... Vi sempre seu Pedro como um homem sério, calado, trabalhador. E gostava de estar na sacristia, preferencialmente antes da missa, pois tinha oportunidade de subir até a torre da igreja e tocar o sino, pendurado numa corda. E seu Pedro se sentia feliz ao ver a gente feliz com o badalo do sino... Mas acompanhar conversas de dona Angelina com dona Josefa, a certeza era uma só: os filhos caminhando para o sacerdócio. Era tudo que elas sonhava m, era a oração diária delas. E Deus fez isso acontecer em suas vidas. Para a realização total. Padre Toninho, meu irmão, vive e trabalha em São Paulo. Padre Hélio teve a mesma rotina, mas faleceu no ano passado. Dois padres daqui trabalhando para Deus na Capital. Mas uma lembrança forte da grande amizade das duas comadres é o dia 20 de março de 1988. Foi neste dia que dona Angelina, vendo realizado todos seus sonhos, com filhos estudados, formados e um deles padre, que foi fazer companhia a Maria Santíssima. E neste dia, com nó na garganta, nenhum dos filhos tinha força para, em voz alta, conclamar os amigos a orarem pela alma de dona Angelina. E era dona Josefa que, com o mesmo nó na garganta, mas com uma força e coragem que ela sempre teve, que rezou o terço pela alma de dona Angelina. E a cada mistério, a cada invocação, ela fazia questão de dizer “para que a alma de comadre Angelina descanse em paz...” Quer uma certeza mais for te da união de duas comadres do que esta? Meus olhos procuraram por dona Josefa pelo velório para agradecer as orações. Não tive força nem voz para agradecer, mas senti, no seu olhar, que percebeu meu agradecimento. Lentamente, aproximou-se de mim, colocou a mão em meu ombro para me dizer, bem baixinho: “a comadre já está com Deus”. São estas coisas consideradas pequenas por nós, mas que são uma enormidade diante da grandeza de Deus que imagino aquele sorriso meigo e doce vendo, ainda hoje, padre Hélio celebrando suas missas no céu, com as participações das duas comadres e de seu Pedro, sacristão.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

E o balão não subiu...

Dia, mês e ano me lembro muito bem. A hora já nem imagino mais qual seria. Afinal, ninguém é perfeito!!! Mas posso dizer que foi no dia 29 de junho de 1958, quando o Brasil venceu a Suécia, por 5 a 2 e conquistou o primeiro título mundial de futebol. A outra certeza que tenho é de que o fato ocorreu após o final do jogo, quando o Brasil já comemorava a conquista. Mas tudo começou na manhã daquele domingo. Ademir, meu irmão mais velho, passou algumas horas trabalhando. E o trabalho era sério: confeccionar um “balão caixa de oito folhas”. Naquele tempo, soltar balão não era proibido. Eram balões pequenos... Só depois veio a orientação sobre os riscos dos balões na rede elétrica... Ademir comprou o papel, dividiu em duas cores: quatro amarelas e quatro verdes. Recortou, colou e montou o balão com carinho. No meio do mesmo escreveu “Brasil” e, em baixo “Suécia”. A idéia era colocar o placar e mandar o balão para o céu, assim que terminasse o jogo. Balão pronto, foi deixado sobre a cama de Ademir, com a orientação de ninguém mexer. Até a hora de o jogo acabar. E rola a bola... Suécia 1 a 0! Meu pai Alcindo levanta da cadeira, apanha um cigarro e dá a primeira tragada. Ademir coça a cabeça, talvez sonhando com o balão não subindo. Brasil 1 a 1. Brasil 2 a 1; Brasil 3 a 1... Brasil 5 a 2! E o jogo termina. Brasil campeão!!! Ademir recorta os números 5 e 2, cola no balão, na frente dos nomes dos países, apanha a tocha, feita com estopa, cera e parafina, embebida no querosene, prende com arame na “boca do balão” e chama todo mundo para ajudar a soltá-lo! Como os irmãos eram todos pequenos – eu tinha 7 anos e Osmar, abaixo de mim, tinha apenas 4. Ana Maria preferia olhar de longe, minha mãe Angelina pedia cuidado, seu Alcindo sorria feliz com a conquista e Ademir corre em busca de amigos na rua, para por o balão no céu. Aparecem rapidamente Adilson, Nê (irmão de Cipó) e Luciano, primo de Adilson. No portão aglomeram-se pessoas para assistir e isso deixa todo mundo concentrado no balão. Cada um segura em duas pontas. Osmar também quer segurar e isso me faz cuidar dele. Como somos pequenos, seguramos duas pontas debaixo, bem perto da boca. Ademir ajoelha-se, risca o fósforo e encosta na tocha. “Tem fogo!”, grita ele. E todo mundo se concentra mais ainda. O balão estufa, um calor enorme toma conta das pontas do balão. E Nê grita do outro lado “tem fogo no papel”. E sai correndo. Luciano solta a outra ponta, dona Angelina grita da porta da sala, Ademir rola pelo chão e se afasta do fogo que consome o balão. Me lembro de ter puxado Osmar pelo braço, que chora, reclamando que a perna estava ardendo. A tocha queima no chão. Sozinha! O balão não existe mais... Um ar de frustração toma conta do local. A solução foi continuar olhando para o céu e contando os balões que brilhavam no alto. Eram balões de muitas espécies: caixa, estrela, cruz, chapéu de padre, peão. Balão com bilhetinho pendurado e lá vou eu contando: 120, 130, 150 balões. E quando a noite já está avançada e é hora de dormir e contabilizo 225 balões durante todo o dia é que me lembro do balão do Ademir que não subiu. Já com a cabeça no travesseiro, olho para Ademir talvez pensando no balão subindo, subindo que faço a mesma coisa: olho para o teto de minha casa e fico vendo o balão verde e amarelo, subindo e indo cair bem longe, bem longe, na Suécia. E Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagalo comentando a beleza das cores, o resultado do jogo, aparecendo com destaque e imaginando quem teria tido tanta imaginação para fazer um balão tão bem feito... Viro de lado com um sorriso nos lábios e tendo a certeza de que a imaginação de uma criança vai muito mais longe do que um balão verde e amarelo.

terça-feira, 19 de junho de 2012

A Quadrilha no Dragão Mecânica

Já disse aqui que o Dragão Mecânica fez parte importante na minha vida. Na minha infância, passava diante dela pelo menos duas vezes por semana ou quando fugia de um colega que classe ao manter seu nome na lousa quando a professora se ausentava da sala de aula. Além de assistir o futebol que era jogado todo domingo, uma vez por ano eu adentrava o outro portão do Dragão para assistir, no mês de junho, a festa junina que se resumia ao casamento caipira e a dança da quadrilha. Tinha gosto de assistir esta dança, pois a sanfona provocava as pessoas, fazia com que elas se movimentassem e o abre e fecha do instrumento me deixava “babando” ao ver a agilidade daquele senhor de quem sempre tive receio de me aproximar e pedir prá tocar uma musiquinha qualquer e ver o movimento dos dedos do músico. Nos meus tempos de infância, o calendário era motivo de alegria: os dias dos três santos – Antonio, João e Pedro – eram feriados em todo o país. E a noite anterior a festa acontecia em todos os cantos. Rojões, fogos, balões de todos os tamanhos invadiam os céus. Em 1958, por exemplo, quando o Brasil ganhou o primeiro mundial de futebol, os balões forraram o céu, mas ninguém disse que a Serra do Japi fora afetada. E era dia de festa na quadra de futebol de salão no interior do prédio do Dragão Mecânica... A gente sabia que isso ia acontecer, porque Edson Claudio Zeni e sua irmã Maria Angela, que moravam ao lado do Bar do Bizuca, na avenida São Paulo, chegavam na hora do almoço na casa dos avós Angelina e Antonio para se arrumarem para a quadrilha. E a presença dos dois no evento era fundamental: eles iam à casa dos avós para se vestirem de noivos, pois o casamento caipira abria o caminho para a grande roda, a grande dança. Como morava na casa ao lado dos Torelli, imaginava que alguma coisa estava por acontecer, quando seu Antonio, dona Angelina e dona Ana, a filha portadora de paralisia infantil, se acotovelavam no muro, olhando de um lado e do outro o movimento na avenida São Paulo. Morávamos a uns 400 metros da quadra, a rua ainda era de terra e o casal de irmão já vinha chegando para a quadrilha. Um silêncio toma conta da casa vizinha, durante pelo menos duas horas. Imaginava eu, sentado nos degraus do portão, que os “noivos” estivessem se preparando para o casamento. De repente, na esquina da Senador Bento Pereira Bueno, uma carroça aparece e, lentamente, vai parando em frente à casa dos Torelli. Imediatamente me coloco de pé, sem fazer grande barulho, chamo por meus irmãos. Todos correm para o muro. Seu Alcindo e dona Angelina acompanham da porta da cozinha. Os irmãos Zeni descem a escadaria da casa e sobem na carroça. Maria Angela chega vestida de noiva sobe em primeiro, auxiliada pelo carroceiro. Edson sobe em seguida, com remendos por todo o terno e o carroceiro parte para o Dragão Mecânica. Vontade de subir na carroça nunca me faltou, mas sempre cheguei primeiro ao portão do Dragão que a carroça. É que o carroceiro ia devagar, chamando atenção das pessoas que se acotovelavam nas janelas ou nos portões prá ver os noivos passando. Já no local do evento, os noivos descem e seguem até a quadra. As crianças que vão participar da quadrilha já estão prontas. Abrem espaço no meio por onde seguem os noivos. O velho Bizeto, ajeita o chapéu de palha na cabeça, liga o microfone e anuncia o início da festança. A cerimônia se realiza com risos na plateia. Os noivos são declarados casados e começa a quadrilha, com o sanfoneiro dando o tom da dança e o velho Bizeto cantando o “balance... tur... cavalheiro cumprimenta a dama... segue o caminho... a ponte caiu... é mentira...” a gente já sabia todas as falas da quadrilha, às vezes falava antes do Bizeto... Quando ele anuncia a grande dança para encerrar a festa, espero no meu canto por meus irmãos que “mergulharam” no meio da garotada para dançar. Em casa, vejo a noite chegando, e sinto o cheiro da pipoca preparada por minha mãe, sentindo o gosto da batata doce ainda não pronta e enquanto todos comentam a festa que o bairro inteiro acompanhou no Dragão Mecânica, ainda sinto forte em meu ouvido o som da sanfona e uma vontade de dançar, mas uma coragem que nunca tive nesta vida!

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Parque de Diversões Monte Castelo

Quando o primeiro caminhão chegava no terreno baldio da rua Miguel Basile, entre as ruas Santa Catarina e Senador Bento Pereira Bueno, a gente sabia que ficaria três meses sem jogar futebol ali. Mas sabia, também, que neste período o local ganharia o Parque de Diversões Monte Castelo. A garotada deixava o local, se posicionava no meio da rua e acompanhava a montagem do parque. A cada estrutura montada, um sonho passava por minha cabeça... E lá vinha o carrossel: base montada, estrutura sendo preparada, os cavalinhos amontoados no chão e eu me aproximava daquilo, olhando cada movimento dos homens que trabalhavam na montagem de tudo aquilo. E era um passe de mágica: claro que um passe lento, pois não terminava assim... como o condão da fada madrinha: “faça-se...” Às vezes o sonho continuava no dia seguinte, logo cedo, antes do início das aulas às 11 horas: cavalinhos sendo colocados no lugar e o sonho do galope, do pocotó pocotó pocotó. Olhava atendo o movimento dos montadores que juntavam as peças, testavam a energia elétrica e partiam para a montagem de um outro brinquedo. E eu ficava ali olhando, sonhando, galopando... Às vezes o dono do parque me apanhava no colo e levava para o carrossel, eu escolhia o melhor cavalo, sentava, fechava os sonhos e sonhava com um desejo louco de não acordar... Hora da aula, falta de atenção nas palavras da professora, volta para casa e uma corrida até o outro quarteirão para ver como estava a montagem do parque. Carrossel pronto, carrinhos perfilados no outro tablado, roda gigante sendo montada, barraca de tiro ao alvo finalizada e mais dois dias o parque estaria pronto. Mais uma noite de sonhos, mais um dia de trabalho e de aula sem interesse e quando a tarde de sábado começa a dar lugar à noite, sentado no portão de casa à espera de não sei o que, quando ouço uma música vindo do outro quarteirão e o locutor anunciando: “Este é o serviço de alto falante do Parque de Diversões Monte Castelo. Estamos iniciando, mais uma vez, nossas atividades. Alô alô garotada! É hora de diversão...” Esta última frase eu já ouvia debruçado nas grades que envolviam o carrossel. Roda Gigante me metia medo. Não tinha uma vez que não passava mal. Por mais que meus irmãos insistissem, por mais que me prometessem me proteger, temia cair de lá de cima... principalmente quando a roda parava no ponto mais alto. Era ali que a garotada se divertia, olhando para todos lááááá do alto. E era ali que eu fechava os olhos, segurava onde podia e rezava para o manobrista colocar a roda em movimento. Mais meia volta e lá estava eu, fora do medo e de volta ao sonho do carrossel. Um saquinho de pipoca na mão, um milhão de histórias contadas e que não terminavam antes de chegar em casa, o relato de tudo aos nossos pais e, na hora de dormir, mais um sonho, uma imaginação fértil percorrendo a mente ainda ouvindo o locutor informando “Este é o serviço de alto falante do Parque de Diversões Monte Castelo. Venham se divertir no carrossel”. Parece que ele falava aqui só prá mim...

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Troféus e medalhas

Quem não te m um troféu ou uma medalha ganho na infância, me desculpe: não passou por ela. Troféu e medalha que quero dizer são marcas no corpo, provocadas por ferimentos: um tombo, um arranhão mais profundo ou até mes mo a marca da vacina no braço. Esta, acredito, a maioria das pessoas possui. Mas infância traz sempre marcas que ficam para sempre e são ações inesquecíveis de um tempo que não volta mais, apesar de a gente insistir em ligar a máquina do tempo do cérebro para rever mais uma vez aquela cena. Lá em casa, só o Toninho teve um braço quebrado: caiu do pé de goiaba vermelha e, de medo de levar uma bronca, continuou brincando no quintal, apesar da forte dor. Nossa mãe só ficou sabendo quando o chamou para almoçar e ele chegou à mesa com o braço inchado. Foi uma correria até o Pronto Socorro! A maioria das marcas da infância está em nossos joelhos: sempre era ele que chegava primeiro ao chão. Já Ademir, além da marca da vacina no braço direito, tem no braço esquerdo dois pontos que levou quando caiu do quarador quando fazia bolinha de sabão. A minha medalha, e esta é inesquecível, está no lado esquerdo da barriga: foi um tombo num jogo de futebol, quando eu atuava como goleiro. Por ser o jogador mais novo e não ter espaço para sair driblando os outros, minha posição acabou sendo no gol. E, quando a bola passou entre os dois tijolos que demarcavam o espaço do gol, lá fui eu correndo atrás. Me lembro como se fosse hoje: a bola correndo e eu, tentando alcançá-la Primeiro ela passou por uma calçada de terra, mas com muito mato; fiquei feliz pois, isso reduziu a velocidade da bola. Quando ela atingiu a parte cimentada veio a tragédia: tinha sido feita há poucos dias e ainda estava cheia de areia espalhada. Por ser calçada nova, apresentava um degrau mais alto do que a calçada de terra e foi um tropeção terrível: caí inteiro no chão. Quando me levantei senti dores no corpo: vi o joelho sangrando e pensei em chorar, mas senti a camiseta grudada no corpo. Ademir veio correndo em minha direção. Meus olhos já estavam cheios de lágrimas quando ele começou a levantar minha camiseta que estava grudada na barriga e cheia de sangue. Para não esticar muito o assunto, diria apenas que o jogo acabou. Ademir teve que me levar para casa e o medo foi maior que a dor: o que meu pai e minha mãe diriam disso? Surra? Bronca? Nada disso!!! Dois olhares de preocupação e a hora do curativo: água oxigenada e mais lágrimas, mercúrio cromo e mais lágrimas. A cena continua viva na memória e a marca, o troféu, continua no corpo. Mas a maior de todas as marcas surgiu quando passei da infância para a adolescência e comecei a trabalhar: dois meses de trabalho e levei um tombo inesquecível. Caí de um ônibus em movimento e dei com a boca no chão. Resultado: três dentes quebrados e uma marca no lábio superior que resiste ao tempo. Trabalhava em uma farmácia e era meu último trabalho daquele dia. Por ser segunda-feira de Carnaval, ganharia o resto do dia livre. Tinha ido à Droga Orlando, no Centro, para comprar remédios e, ao descer o degrau com o pacote na mão, o motorista deu um tranco no veículo, me desequilibrei. Acabei ficando uma semana em casa, depois de passar por uma cirurgia na boca, para extração dos dentes e de um pedaço de osso que trincou com o impacto da boca contra o solo. Enfim, são recordações que não esquecemos, que ficam na memória e registram marcas no corpo. Para sempre!!!