segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Depois da tempestade...

Dia de tempestade, temporal ou qualquer chuvinha que fazia a água correr pela rua era festa para a garotada da avenida São Paulo, na Vila Progresso, no final da década de 1950. Rua de terra motivava os garotos. E quantos garotos: Adilson, Luciano, Carlos Alberto (que todo mundo chamava de Berto), Cipó, Nê, os irmãos Iotti, Ademir e, claro, eu.
Dependendo do horário, cerca de 20 garotos se reuniam para se divertir depois que a água parava de descer do céu. Apesar de meus quase oito anos, me transformava na sombra de Ademir, meu irmão mais velho, e acompanhava as ações dos garotos, quando os últimos pingos da chuva chegavam ao solo.
A rua se enchia de garotos, correndo para a água que seguia, rumo à calçada que mais parecia um barranco já que rua de terra tinha, necessariamente, de ser acompanhada de calçada igual.
A idéia era fazer uma “mureta”, colada na calçada, construindo assim uma barragem para represar a água. E o trabalho tinha que ser rápido, preparar bem o barro e ir montando o muro. A água ia se acumulando, enquanto outros garotos, com folhas de caderno, “construíam” barcos para “navegarem” na represa. Apesar de existirem os relaxados – aqueles que, com um pulo ou um chute destruíam a barragem –, a brincadeira levava horas, deixando mães preocupadas, pois o passear pelas águas poderia representar um pé cortado num caco de vidro. E isso, por obra e arte de Deus e do Anjo da Guarda, não acontecia. E leptospirose era doença que ninguém tinha ouvido falar.
Enquanto os barquinhos flutuavam pelas águas, apareciam novos artistas para aperfeiçoar o trabalho. Dois metros à frente, com o local já seco, construía-se outra mureta. E aí chegava o artista principal para concluir a obra: com um palito de sorvete iniciava, no pé da primeira barragem, uma escavação, criando um buraco por onde um filete de água começava a correr, em direção à outra mureta. Rapidamente o local se enchia, transformando-se num lago, a garotada movimentando a água com as mãos para fazer “ondas”, num vai e vem interminável...
Água fazendo volume, novos barquinhos de papel sendo construídos e a garotada se divertindo. Com muita inocência...
O que mais me chamava a atenção e o que mais gostava de fazer eram os barquinhos cobertos: folha de papel dobrada ao meio, a hora de fazer a seta, dobrando as pontas para fazer uma espécie de chapéu de soldadinho de chumbo, em seguida a formação de um cone, dobrando as duas pontas para dentro. Novo chapéu, novo cone e dobrando as pontas para fora. De novo um chapéu... o cone...puxam-se as duas pontas, levanta-se as duas abas internas e... pronto! O barco está pronto para entrar na água.
Duas pedrinhas para sugerir os “passageiros” e lá vai o barquinho flutuando em busca de seu destino...
Outra brincadeira que atraía a garotada era a “guerra”. Bolinhas de gude serviam de balas de canhão. Os participantes jogavam bolinhas no barquinho adversário, tentando afundá-lo, já que o peso da bolinha no papel realmente era a “morte”.
É hora de terminar a brincadeira. É hora de deixar a água subir até o alto da mureta e começar a descer do outro lado. Como uma cascata!!! O buraco no meio da mureta precisava ficar maior, o volume de água crescer na outra mureta, a cascata quase virar cachoeira, o barro amolece e começa a ceder... Barragem destruída, barcos acelerando ao ritmo da água, enquanto garotos riem, chutando barcos ou destruindo a mureta rapidamente, o poeta vê, com a destruição, a certeza de que, num outro dia, após uma nova chuva, tudo será construído novamente. Só para mostrar que depois da tempestade vem a esperança, a vida, o sol, um novo recomeço...

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Bola de gude


Brincadeira de criança é algo que não deveria desaparecer. Mesmo quando a gente se tornasse adulto. Deveria fazer parte de um modismo, sei lá... Algo que ninguém sabe explicar, mas que toda criança gosta de brincar. Desde que tenha com quem fazer isso. Brincar sozinho é algo que não deve ter muita graça. Claro que já brinquei muito sozinho. Conversando com um amigo que ninguém via, mas com quem eu até brigava. Parecia um louco, mas brincava e brigava. Cheguei até a criar uma emissora de rádio, tanto que gostava de falar em microfone. Uma rádio minha, que só eu falava e ouvia. Ninguém jamais imaginou a existência dela...
Mas gostoso mesmo era brincar de bolinha de gude – bolinha de vidro – principalmente quando se jogava “às ganhas”. Jogar “às brincas” não tinha tanta graça, mas era preferível, principalmente se alguém quisesse me transformar em “café com leite.”
Jogar “às ganhas” era realmente perigoso. Principalmente se perdesse as bolinhas que tinha levado para a brincadeira. O jogo era “biroque” ou “triângulo”. No primeiro caso, fazíamos quatro buracos, num espaço de meio metro entre um e outro. Para vencer tinha que passar por todos os buracos e “matar” o adversário com uma “estecada” que mais tarde foi chamada de “fubecada”. Pronto! Se fosse “às ganhas”, levava a bolinha do adversário. Se fosse “às brincas”, começava de novo...
Jogar triângulo era mais perigoso, pois podia-se perder muitas bolinhas em pouco tempo. Riscava-se um triângulo no chão, colocando dentro dele um grande número de bolinhas, dependendo de quantos participassem do jogo. Ganharia as bolinhas, quem conseguisse retirá-las do triângulo. Mas se a bolinha do jogador parasse dentro do triângulo, “queimava” o jogo e começaria tudo de novo.
Tinham bolinhas que todo mundo queria ganhar. Sempre aparecia um jogador com uma bolinha de gesso ou de aço. As de gesso eram as mais sonhadas por todos. Terminada a partida, quem tinha uma bolinha de gesso corria para lavá-la, para não perder a cor. A de aço também era lavada, mas a gente enxugava direitinho, para mantê-la brilhando.
Briga mesmo sairia se alguém, ao dar uma “estecada” na bolinha adversária a quebrasse. Pronto! Era motivo de se chamar o irmão mais velho para brigar com o outro garoto, principalmente se fosse mais forte que a gente...
E Ademir era, irremediavelmente, chamado a me proteger, a me defender. Apesar de sua baixa estatura, ele era respeitado no bairro. Ninguém brigava com ele, até porque Ademir sabia conversar, trocar idéias, “convencer” os garotos sobre sua opinião.
Aliás, em toda discussão que acontecia entre dois garotos, a coisa só terminava quando alguém dizia: “vou chamar meu irmão”. Pronto! Terminava a discussão. E se não terminasse, o irmão chegava e podia até alguém sair machucado. E aí vinha a mãe discutir com a outra mãe e todo mundo na rua ficava sabendo que alguém tinha apanhado. Ninguém queria virar gozação, por isso o ideal era terminar a discussão na hora do: “vou chamar meu irmão”.
Mas até hoje, não sei porque, não conseguia ganhar esses jogos de bolinha de gude. Saía com a unha do dedão da mão direita suja e gasta, de tanto tentar jogar a bolinha mais longe. O que não conseguia mesmo era “estecar” a bolinha adversária. Além da falta de pontaria, se acertasse não conseguia atingir os quatro palmos determinados pela regra para poder jogar mais uma vez. E como eu não conseguia jogar a bolinha adversária longe, lá vinha ela atirando a minha do outro lado da rua. Pronto! Fim de jogo, fim de brincadeira. Ia para casa, cabeça baixa, xingando prá ninguém ouvir, mas realizado por ter me divertido com aquilo que eu mais gostava: jogar bolinha de gude!!!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Sei o que é felicidade!

Comentei aqui, uma vez, que uma das maiores diversões dos filhos de seu Alcindo, da qual eu era o terceiro de uma lista de seis, era comer os produtos da horta do seu Alcindo. Mas não poderia deixar de lembrar do pomar do seu Alcindo. Claro que falei dele, quando abordei o “Meu pé de goiaba vermelha”, mas não detalhei todas as árvores frutíferas que tínhamos no quintal. Um quintal de mil metros quadrados, onde, além da horta e pomar, sobrava espaço para um pequeno campo de futebol e um quarador, todo ele gramado que, quando não haviam roupas, servia para o “goleiro” do time, “voar” para defender as bolas, já que nosso campo normal era todo de terra.
E no pomar de seu Alcindo, tinha de tudo que se possa imaginar: goiaba vermelha, laranja lima, laranja pera, laranja baiana, caqui, jambo, abacate, manga coquinho, ameixa, pêssego, maçã, goiaba branca, banana, pera d’água e jabuticaba.
A alegria era saber que, durante o ano todo tínhamos alguma fruta para saborear. E quem mais gostava de subir nas árvores e fazer a “colheita” era eu. Com uma sacola subia na laranjeira e colhia as mais bonitas para o almoço, sempre com a aprovação de dona Angelina. Em tempo de manga, preferia escolher a mais bonita para mim, separava das demais e ninguém reclamava. Afinal, eu era o “responsável” pela colheita!
Pêra d’água nunca saboreamos. Nunca deu e jamais imaginei porque isso acontecia. Só mais adulto é que soube que eram necessários dois pés desta fruta para que ela produzisse normalmente. Um pé apenas da fruta não produz. Imaginei, então, que Deus deve ter planejado direitinho o paraíso com dois pés desta pêra. Pelo menos para Adão e Eva poderem saborear este fruto permitido!
Agora, a fruta que não poderia ser colocada em sacola era jabuticava. Esta, tinha que ser numa vasilha – eu pegava uma velha leiteira, guardada numa das prateleiras do barracão do quintal – e só descia do pé quando estava cheia.
Claro que jamais deixei de saborear esta fruta. Escolhia as melhores e as comia no pé. E não sabia porque jabuticaba me deixava feliz.
Um dia, e isso não faz muito tempo, li uma frase de Paulo Gaudêncio e que me fez entender esta história da jabuticaba. Ele disse que, um dia, num jogo de futebol, quando seu filho de cinco anos, correu para pegar a bola no jogo, já que era “gandula” e esqueceu deste “trabalho” quando deparou, pela primeira vez na vida, com um pé de jabuticaba. Jogou a bola no chão e começou a saborear a fruta. Foi aí que ele disse e me fez entender esta história: “felicidade é comer jabuticaba no pé!”
Curioso é que ele disse ainda que o garoto imaginava que jabuticaba era uma fruta que “dava na feira”. Aliás, ainda hoje conheço muita gente que não sabe como é a árvore de determinada fruta. Mas se comer jabuticaba no pé nos faz feliz, com certeza, sei  que é felicidade.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A velha mestra!

O sorriso sempre foi constante em seu rosto. Diariamente, durante todo o ano letivo, ela se manteve assim: sorridente. Ensinar, para ela, representava a necessidade de todos colocarem em prática aquilo que dizia. E assim ia: bê-a-bá; bê-e-bé; bê-i-bi; bê-o-bó; bê-u-buuuuuu! E os alunos repetiam, uma, duas, dez vezes. Cartilha na mão, giz na outra e lá ia ela para o quadro-negro explicar o assunto, tirar dúvidas dos alunos.
As tabuadas também eram importantes, tanto que, uma vez por semana, ela dedicava um bom tempo da aula para nos ensinar: dois vezes um, dois; dois vezes dois, quatro; dois vezes três, seis. E assim por diante...
Tudo sem complicações! Não tinha aluno que não gostasse dela. Tudo bem que era a primeira professora de nossas vidas, já que, no meu tempo, não existia Pré-Primário, creche ou qualquer outra denominação. No meu tempo o estudo começava, exatamente, no primeiro ano primário.
E meu primeiro presente na escola foi ter dona Benedita como mestra. As aulas começavam às 11 horas da manhã e se estendiam até as 14. Sem intervalo. Direto! Sem recreio que, aliás, nem sabíamos o que era isso. E as salas de aula eram formadas por alunos do mesmo sexo. Nada de classe mista, como surgiu depois. Era bem Primeiro Ano Masculino A, ou Primeiro Ano, Feminino B, e assim por diante. Meninas a gente só encontrava na hora da entrada ou da saída.
Mas quem tinha dona Benedita como professora recebia alguns privilégios: durante o ano, pelo menos duas vezes, ela levou suas duas filhas - apesar de já serem mocinhas e os alunos não terem mais do que oito anos - para ajudar a distribuir pedaços de bolo. Uma delas, se não me falha a memória, foi no Dia dos Professores. As duas moças chegaram com uma bandeja na mão, faca, pratinhos, guardanapos e garfinhos. Nada de cantar parabéns, para não alertar as outras classes. E lá íamos nós, comendo o bolo, lambuzando o rosto, limpando com o guardanapo de papel. Mas nada de alerta. Ninguém podia saber do que rolou. O problema é que nossa classe era vizinha da Diretoria. Mas a gente sabia que não podíamos prejudicar nossa mestra. Por isso, silêncio era lei nessa hora!
Ninguém sabe explicar porque, nesta vida, as coisas de nossa infância passam depressa demais. Sem nos dar chance de aproveitar ao máximo tudo de bom que nos acontece. E dona Benedita foi uma dessas coisas que a gente não esquece jamais.
A última vez que a vi foi há mais de dez anos. Numa noite de abril, no Museu Histórico e Cultural de Jundiaí, quando eu realizava uma noite de autógrafos de um romance que acabava de lançar. E a vi saindo dali, satisfeita com o exemplar debaixo do braço, levando uma lembrança de alguém que ela havia ensinado a ler e escrever. Me lembro dos elogios que me fazia ao ver meu caderno de caligrafia. Hoje, se visse minha letra, com certeza, não entenderia um "a" sequer! Um verdadeiro garrancho! Mas tenho certeza que saberia da necessidade que tem um jornalista de escrever rápido para não perder informações. Alguém pode estranhar chamá-la de velha mestra. Mas velha nada tem a ver com idade, tempo de vida, essas coisas. Velha mestra, prá mim, significa sabedoria, conhecimento, segurança, competência. E isso tudo sempre vi em dona Benedita.
(homenagem ao DIA DOS PROFESSORES)

sábado, 8 de outubro de 2011

A missa das crianças

Missa das crianças na igreja da Vila Arens era assim: padre Hugo celebrando de costas para os fiéis, rezando em latim e padre Alberto, no púlpito, explicando as orações. A celebração, no final da década de 50 – seria errado dizer do século passado? ou tem que ser década de 1950? – começava exatamente às 7h30.
Padre no altar, acompanhado de dois coroinhas que liam as respostas, em latim, num papel plastificado que ficava nos degraus do altar. Claro que não entendíamos uma palavra das orações, mas eu tentava prestar atenção no “Dominus vobiscum...” com o coroinha respondendo “Et cum espiritu tuo”. De lá do alto, padre Alberto, um alemão simpático e agradável, que arranhava o português, mas que as crianças entendiam melhor que o latim rezado no altar, explicava o que significavam aquelas frases.
O celebrante não fazia sermão. O tempo era curto, pois a igreja ficava lotada e, logo em seguida, tinha outra missa. As missas eram de hora em hora e começavam às 5h30. Era exatamente neste horário que minha mãe participava da cerimônia. Depois vinha a das 6h30, com os Congregados Marianos; a seguinte era a nossa missa.
O que deixava as crianças arrepiadas e cheias de fé, era a forma com que o padre pedia para as crianças cantarem: “agora o refrão, todos juntos: Eu confio em Nosso Senhor, com fé, esperança e amor...” As crianças cantavam com toda força do pulmão, a igreja parece que tremia. Eu ficava vermelho – se bem que ainda fico por qualquer coisa... – para gritar a letra da melodia, sem me preocupar muito em cantar dentro do ritmo. Queria ouvir minha voz no meio das 200 ou 300 crianças que lotavam os bancos da igreja. E este era o detalhe que me fazia gostar de padre Alberto: como a missa era das crianças, ele fazia os adultos deixarem lugar para a gente. E os bancos ficavam lotados. Os primeiros eram reservados para as crianças da Cruzada Eucarística Infantil, da qual eu fazia parte. Depois vinham as crianças que estavam se preparando para a Primeira Comunhão e, mais atrás, aquelas que já comungavam normalmente, mas que não faziam parte de nenhum movimento religioso.
Contrariava um pouco aquilo que minha mãe sempre dizia – deixar o lugar para os mais velhos, onde quer que esteja... – mas eu entendia o que o padre queria dizer: se a missa era das crianças, os lugares eram delas! Só não podia chegar atrasado na igreja. Aí, o padre não perdoava a gente: os adultos tomavam conta dos lugares vazios e as crianças atrasadas ficavam em pé. Mas no domingo seguinte, a gente aprendia a lição e chegava mais cedo...
Quando o padre Hugo dizia: “ite missa est” e os coroinhas respondiam: “Deo gratia”, eu já me punha em pé, pois sabia que a cerimônia tinha terminado. Era hora de acompanhar a reunião da Cruzada e, em seguida, passar pela feira à procura de alguma novidade. Passava pela banca de doces, onde meu tio Waldemar era dono. Meu irmão Ademir trabalhava com ele e ganhava um Sonho de Valsa como salário todo domingo. Minha irmã Ana Maria já passara alguns domingos fazendo isso na mesma banca, mas não por muito tempo, pois decidiu me acompanhar na “Cruzadinha”.
Claro que as palavras em Latim sempre foram difíceis de serem entendidas e pronunciadas, mas ver padre Alberto – cujo sobrenome não sei escrever – no púlpito, como um maestro ou caminhando entre os bancos, incentivando as crianças a cantar, sempre me deram a certeza de que Deus sabe escolher as pessoas para o sacerdócio. E padre Alberto tinha um dom especial em dizer as coisas de Deus. Padre Hugo, nas reuniões da Cruzada, explicava o Evangelho, mais uma vez, para que a gente não esquecesse do que Jesus queria nos ensinar.
Foram estas pessoas que me mostraram o caminho e minha mãe, Angelina, sempre me fez caminhar por ele...

domingo, 2 de outubro de 2011

Crescer é bom?

Criança, quando é criança mesmo não tem jeito: não quer crescer. Crescer prá que? Prá ter que trabalhar, ganhar dinheiro, pagar aluguel, prestação do carro, mensalidade da escola do filho? Crescer pra que? Pra ter dor de cabeça em administrar o dinheiro que antes do final do mês acaba?
Criança mesmo, de verdade, não quer crescer! Mas se crescer, se virar adulto, e continuar com os pensamentos na infância, aí sim é felicidade em dobro! Isto porque se vive grandes momentos duas vezes: quando eles acontecem e, depois, na memória. É como se fosse uma reapresentação, repetindo, relembrando, rindo, sonhando. Quer coisa melhor nesta vida?
E tem coisas na nossa vida que só acontecem na infância! Aquela esfolada no joelho, aquela pipa perdida, aquela bola na vidraça do vizinho. Mas quebrar vidro da casa onde se mora... ihhhhhhhh. Aí vem confusão na certa. E isso já aconteceu na minha infância.
Quintal grande, espaço para um campo de futebol e lá estavam os craques da família: eu, Osmar, Antonio e Alberto, - Ademir já trabalhava para ajudar a pagar sua escola – jogando no campo de casa. Uma das traves era montada em frente à porta da cozinha, a outra no fim da rampa do portão. Bola rolando, toque daqui, toque dali e um chute mais forte faz a bola ir de encontro à vidraça do quarto de meu pai Alcindo e minha mãe Angelina.
Estilhaços voam para dentro do quarto. Um vulto aparece na porta mais assustado do que todos os craques. Dona Angelina fica agitada, nervosa! Os quatro irmãos jogadores apavorados. Mas é dona Angelina, como um verdadeiro anjo que resolve o problema: os craques tiram a medida, correm até o vidraceiro, compram o vidro, a massa e voltam para casa. Falta uma hora para seu Alcindo retornar do trabalho e o vidro precisa ser recolocado sem deixar vestígios!
Na volta do vidraceiro, dona Angelina já limpou os cacos que haviam se espalhado pelo quarto. Os quatro craques, agora transformados em vidraceiros, tentam corrigir o erro, pois ninguém quis assumir quem cometeu.
Alberto não tinha mais do que três anos, nem tinha noção do que estava acontecendo. Mas os outros três, com mais de dez, precisam aprender a lição!
E lá vão todos trabalhando: vidro colocado, um pequeno martelo para colocar os preguinhos no lugar certo e espalha-se a massa de vidraceiro para acabar com o problema. Uma faca velha serve de auxílio na colocação da massa e pronto! Serviço concluído. Agora só falta recolher a massa que caiu no chão, limpar tudo direitinho e voltar a brincar até o dia acabar.
Quando seu Alcindo chega, a conversa na cozinha, com dona Angelina, parece tranquila. Até parece que os jogadores-vidraceiros sabem que são o assunto do papo, mas ninguém põe a cara na porta...
Seu Alcindo, discretamente supervisiona a colocação do vidro. Os ”craques” se entreolham como que desconfiados de que foram dedurados.
E são chamados para uma conversa séria! Sem bronca. Apenas um aviso: a mesada do domingo seguinte está cortada para pagar o vidro quebrado. Ninguém reclama. Afinal, erro é erro e tem que ser assumido.
Mas no domingo, lá estava seu Alcindo com o trocadinho na mão, distribuindo aos filhos para comprar o que quisessem na feira. Nem que fosse para guardar e comprar vidro quebrado numa nova partida de futebol...