quarta-feira, 22 de abril de 2015

PERSONAGENS (8) O “Nono” Arlindo Cardoso

Chamado carinhosamente de “Nono” por todos, Arlindo Cardoso circulava pela redação do Jornal da Cidade quando lá estive entre os anos de 1970 e 1976. Mesmo não sendo seu departamento, seu Arlindo passava muitas vezes, durante o dia, pela redação. Afinal, sua área era a publicidade, uma sala ao lado. E era ali que mantinha seus contatos, recebia clientes, fazia suas ligações telefônicas e escrevia. E como escrevia!!! Ferroviário aposentado, tinha apenas dois dedos numa das mãos, por conta de um acidente de trabalho, mas isso não o impedia de cumprimentar as pessoas e escrever, datilografar naquele tempo. E era mais rápido do que muitos que tinham todos os dedos disponíveis para este trabalho.
Na verdade, no tempo do jornal reencontrei seu Arlindo. Costumava vê-lo nas manhãs de domingo comentando futebol no campo do Dragão Mecânica, na Vila Progresso, em Jundiaí, onde hoje a Sifco tomou conta do lugar. O destaque das décadas de 1950 e 1960 era o Primavera, equipe do bairro que disputava o amador e, neste campo, recebia seus adversários.
Ele e Paes Neto eram os responsáveis pelas transmissões da rádio Difusora na época. Paes Neto era o locutor, transmitindo o jogo e “Nono” fazia os comentários. Eu ficava ao lado da mesa dos dois, olhando um gritar gols e o outro tecer comentários, contar histórias, fazer piadas. Cardoso era puro humor. Qualquer coisa, para ele, era motivo para virar piada! E quando o revi anos mais tarde, me lembrei de seu tempo de rádio e Paes Neto também estava no jornal, mas acabou saindo logo.
E foi neste tempo de jornal que o “Nono” desenvolveu suas histórias, criou seus cadernos, desenvolveu seus textos. Uma vez por semana mantinha uma página, onde divulgava empresas e era ali que tinha uma coluna chamada “Quintaferina”, exatamente porque este era o dia que divulgava seu trabalho, faturado arduamente durante muitos dias de pesquisa e negociações. Nesta coluna ele fazia humor, contava piadas e provocava a reação alegre de leitores que ligavam para a redação a fim de cumprimentá-lo.
O humor de “Nono” nunca desapareceu. Mesmo quando estava sério e alguém o provocava para saber o que se passava ele já tinha uma saída clássica: “estou pesquisando uma nova piada”. Mesmo estando ocupado, quando alguém passava e o convidava para um café, largava tudo para saborear aquele produto, sempre acompanhado por um cigarro.
Companheiro inseparável de Paulo Furuta, os dois sempre mantiveram uma grande carteira de clientes dentro do jornal. E nos espaços trabalhados por ambos era óbvio vermos textos de Arlindo Cardoso e fotos de Paulo Furuta. Mas era comum ver textos de um e fotos do outro em reportagens do dia a dia. Afinal, vagando pela cidade, o “faro” jornalístico de ambos trabalhava muito e aí chegavam com histórias e fotos de algo que virava destaque na edição do dia seguinte.

Não o vi partir. Afinal deixei o jornal bem antes disso! Não sei precisar quando ele deixou este mundo para escrever a história do paraíso celeste, mas se não foi, imagino que seja numa quinta-feira. Só para lembrar de suas histórias publicadas no jornal. E ao fazer uma pesquisa na internet para ver se encontrava algo relevante sobre o “Nono”, apenas descobri que virou nome de rua, como tantos outros jornalistas que viveram nesta cidade...

terça-feira, 14 de abril de 2015

PERSONAGENS (7) O dono da Droga Orlando

Orlando Moreira foi uma das primeiras pessoas que conheci por conta de meu trabalho na Farmácia São Paulo. Localizada na Vila Progresso, em Jundiaí, a farmácia onde eu trabalhava me proporcionava ida à cidade, praticamente todos os dias, para buscar medicamentos. Farmácias de bairro, na década de 1960, quando comecei a ganhar dinheiro trabalhando, tinham, no proprietário, o médico da família. Era comum fazer-se filas em busca de uma palavra do farmacêutico. Via isso todos os dias com seu Moacyr, o proprietário da farmácia São Paulo, onde eu trabalhava. E na minha ida à cidade, o fato se repetia! Mesmo não sendo de bairro, a Droga Orlando, localizada na rua Barão de Jundiaí, próxima à Praça Ruy Barbosa, tinha no seu Orlando Moreira o médico da família.
Como disse, era quase diária minha passagem por esta drogaria para buscar medicamentos. Um dos balconistas era o que atendia funcionários de outras farmácias que por ali passavam para não atrapalhar os clientes ou pacientes que buscavam pela drogaria. E era lá no fundo, passando por todos os balconistas, por todas as prateleiras de medicamentos, pela escada que dava acesso ao mezanino onde também havia remédios, que seu Orlando Moreira conversava com os pacientes, desejosos de terem uma saúde melhor.
E seu Orlando ajudava a melhorar a saúde de todos apenas com seu olhar: o sorriso era constante nos lábios, a atenção ao ouvir os reclamos dolorosos dos atendidos já proporcionava uma melhora de 50% na saúde. Depois, o remédio e a explicação do funcionamento do mesmo completavam a recuperação. Do lado de fora do balcão enquanto esperava o “pacote” de remédios pedidos, eu visualizava tudo isso: seu Orlando cumprimentava a todos que estavam no balcão, mesmo que não fosse para falar com ele: sua atenção era igual para com todos. Me olhava, cumprimentava com um sorriso e já chamava o atendente das farmácias: “Já atendeu São Paulo?”, dizia ele, me olhando, sorrindo e dando uma leve piscada como se isso ajudasse a acelerar o atendimento. Às vezes a frase era outra, talvez para não ser tão repetitivo, mas já chamava o atendente: “Roberto, o Moacyrsinho já foi atendido?” Mesmo não sendo este meu nome, sabia que falava de mim. E ele, por conta do grande número de pacientes a serem atendidos, às vezes nem me olhava, mas me percebia e já chamava atenção de seu funcionário, que já respondia do mezanino: “pacote pronto!” Era a ‘deixa’ para seu Orlando me olhar, sorrir, sinalizar positivo e continuar – sem se distrair – a fazer seu atendimento.
Não foram mais do que dois anos desta rotina. Não porque eu tenha deixado o emprego e buscado outra profissão, mas sim porque seu Orlando Moreira decidiu parar. O motivo não sei ao certo até porque, nos meus 15 anos de idade e começando a conhecer o mundo e as pessoas, não imaginava o tempo de dedicação ao trabalho que cada pessoa deveria ter. E numa sexta-feira de manhã, seu Moacyr me chamou de lado para dizer que eu trabalharia – pela primeira vez – num sábado e num domingo e não seria com ele: deveria chegar bem cedo à Droga Orlando para ajudar na contagem do estoque de remédios. E o motivo era simples: Orlando Moreira estava vendendo sua drogaria para uma família de chineses que se estabelecia em Jundiaí.
O movimento nestes dois dias foi intenso: o tempo era curto para contar todo estoque e seu Orlando estava ali, o tempo todo, orientando, sorrindo, incentivando, agradecendo a todos a ajuda. No final dos dois dias, me lembro que colocou a mão no meu ombro, perguntou como me chamava, sorriu, disse que não ia esquecer o nome que nunca dissera e não conseguiu dizer o “obrigado” que imaginei fosse fazer isso. É que senti sua voz embargar e senti que algumas lágrimas iam rolar de seus olhos.

Nunca mais vi seu Orlando Moreira! A drogaria foi vendida para os chineses, com disse. Mas hoje, quando passo diante do prédio cuja drogaria não resistiu ao tempo, para diante da porta e ainda ouço o som dos pacientes pedindo remédio e de seu Orlando chamando atenção de seu funcionário: “Já atendeu São Paulo?”