quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Treino de quarta-feira no estádio (No meu tempo de criança – XXI)

A poeira não ia mais levantar, o caminhão com água de piche acabou de passar, as ruas parecem asfaltadas, fica bom para andar de bicicleta. Do quintal vou até a cozinha, olho para o relógio prateado com ponteiros verdes, já são quase três e meia da tarde. Num grito, pergunto para minha mãe se já posso ir e do barracão onde fica o tanque, ela grita que sim, complementado com um “volta na hora combinada”. O ano é 1965, o destino é o campo do Paulista, no Jardim Pacaembu, onde morava. Fecho o portão de madeira, empurrando a bicicleta, subo a rua em direção ao sobradinho onde mora Ariovaldo, chegando e gritando seu nome. Entro no quintal e espero o final da partida de futebol de botão que estava jogando com o Dimas. Os três pedalando rapidamente, tomamos embalo para enfrentar a subida que culmina em frente ao estádio. O alambrado de madeira na entrada serve para passarmos um galho para fazer som de matraca, as bicicletas são deixadas na sombra embaixo da arquibancada. Os jogadores correm em volta do campo, o treino ainda não começou, e nem interessa começar. Apostar uma corrida em volta do estádio, subindo a cada distância não estabelecida um degrau com o objetivo de chegar ao final da volta no topo da arquibancada. Não interessa quem chega primeiro, os três param na parte alta para contemplar a vista do bairro, só isso. O treino dos jogadores começou. Pedalando rapidamente vamos até atrás do muro do campo, ver a lagoa. Todo verão alguém morre afogado nela, apenas olhamos, talvez com medo, talvez com vontade de entrar. Enfim, a última parte do passeio, na venda do Flávio, chicletes, paçoquinha e um saquinho de jujuba são o resultado da compra com as poucas moedas que se tinha no bolso. A volta inclui ruas com poeira fina, os pés e os chinelos ficam sujos, a parte final antes da chegada em casa é feita pelo caminho mais longo para na descida ver quem chega primeiro. Não tem vencedores. Despedidas e cada um vai para sua casa na hora combinada sem ter relógio, apenas orientados pelo apito final do treino no estádio. De volta para casa, banho, devidamente fiscalizado pela mãe, que já começou a fazer a sopa para a janta, roupa limpa, um copo de leite com Toddy acompanhado de bolacha Maria. Na mesma mesa da cozinha a tarefa da escola é feita, apenas uma cópia, com caneta, sem erro e letra bonita. Autorizado ligar a televisão, começa a sessão Zaz-Traz. O dia é de desenho do Plic e Ploc. Quando termina o programa, hora de ir ao portão esperar o pai chegar, sentado ao lado do cachorro, os dois felizes fazem a recepção. Logo depois da chegada dele, a buzina do carrinho do sorvete toca alto e insistente. O pai compra um sorvete de creme holandês, mas é para depois da janta. Oito horas da noite, já deitado na cama com pijama, a mãe dá um beijo de boa noite, o pai aparece na porta e deseja que eu durma bem complementado com a cobrança se a tarefa da escola foi feita. Na manhã seguinte, escola, na volta, quinta-feira, dia de jogar bola no campinho em frente à casa do Toninho e depois da partida, empinar papagaio. A vida segue assim, num turbilhão de felicidade sem consciência e que hoje são doces lembranças que se repetem em alguns momentos na observação do meu neto saindo de bicicleta para ir ao treino de futebol. (Uma história de Ernesto Zambon, texto; Ernesto Zambon)

domingo, 23 de fevereiro de 2014

O caçador de gamburrinos (No meu tempo de criança XX)

Se você não sabe o que é um gamburrino, somos dois. Até hoje, desde a infância me lembro das emocionantes caçadas de gamburrinos. Era mais ou menos assim: meus avós, espanhóis, costumavam levar vários netos para passar alguns dias na chácara, à beira do rio Atibaia. Já nos preparativos, na véspera, meu avô começava o planejamento da tal caça aos gamburrinos. Nós, ainda pequenos, entrávamos num clima de ansiedade, vivendo a expectativa de nos defrontarmos com tal criatura que cada neto imaginava de uma forma diferente. O tal do gamburrino agitava a nossa imaginação e ficávamos excitados só de pensar em enfrentar sabe-se lá o que... Quando chegava o dia de irmos para a chácara, a expectativa aumentava e mal podíamos esperar pelo cair da noite, momento este, segundo meu avô, em que os gamburrinos saíam da toca. O plano era o seguinte: meu avô preparava vários sacos de café em grãos, que recebia no seu armazém para que fossem moídos na hora da venda. Ele guardava essas embalagens e enrolava a boca do saco e dava um para cada neto. Quando a noite caía, meu avô nos colocava em posições “estratégicas”, ligeiramente distantes uns dos outros e dizia: “Fiquem abaixados e segurem o saco com a boca aberta que eu vou até o pomar procurar pelos gamburrinos e vou espantá-los na direção de vocês. Quando vocês virem os gamburrinos, peguem-nos com os sacos e fechem a boca e segurem firmes para que não escapem. Mais um detalhe... tem que ficar em total silêncio.” Aí meu avô se afastava, entrando no denso pomar e desaparecia da nossa visão. Aquele silêncio começava a ficar meio assustador, meus primos distantes uns dos outros, meu avô que começava a demorar, a tensão de saber o que iríamos enfrentar... já era possível ouvir as batidas do coração. E porque será que estava demorando tanto? Poxa, já estava muito escuro, o vento roçando o mato, será que é um animal muito grande? Não estou enxergando mais ninguém. Todo mundo num extremo silêncio... e o coração tum, tum, tum...e nada acontecia. Será que era uma boa? Depois de um bom tempo de expectativa, meu avô gritava lá do meio do pomar: “Está indo na direção de vocês, fiquem preparados, são vários...” Nesse momento ele atirava pedras na mata, próximo de nós, e o barulho era assustador... Até que o medo se tornava insuportável e bastava um sair correndo em direção à sede que todos corriam, sem olhar para trás. Quando entrávamos na casa, minha avó já estava com o jantar pronto e tratava de nos tranquilizar e sentávamos à mesa, ainda com os olhos arregalados. Em seguida, meu avô, com ar de riso, perguntava: “Pegaram algum? Se vocês quiserem, após o jantar poderemos tentar novamente.” Conclusão: ninguém tinha coragem de sair da casa e todos iam dormir. E mesmo nos dias a seguir, no cair da noite, todos os netos já estavam dentro de casa, prontos para jantar e dormir mais cedo. E o gamburrino? Sei lá que bicho é esse... é melhor nem saber. Talvez, pensando hoje, o avô do meu avô, naquela época, lá na Espanha, já usava essa mesma artimanha para colocar todos para dentro de casa, sem qualquer recusa. (Uma história de Marcos Antonio Fernandes Ferramola. Texto Marcos Antonio)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

O doce cantar de Suely (No meu tempo de criança – XIX)

Era um biquíni de bolinha amarelinha, tão pequenininho mal cabia na Ana Maria...” Esse era um dos trechos de uma das músicas que Suely, nos seus doces cinco anos de idade e com sua pronúncia de criança feliz, cantava no microfone da rádio Santos Dumont que, na década de 1960 tinha seu auditório na rua Barão de Jundiaí, bem em frente à rua Coronel Leme da Fonseca, onde hoje existe uma das lojas das Casas Bahia. E isso acontecia com frequencia: todo domingo lá estava ela, acompanhada pelo pai, Francisco Padovan que sentia orgulho ao ver e ouvir a filha cantando. Havia muitos programas de auditório na Santos Dumont. Muitos deles, na linha sertaneja, mas o destaque era nas manhãs de domingo, com o programa infantil. E Suely achava o máximo ser aplaudida pela plateia. O sorriso de Suely motivava a plateia que muitas vezes cantava junto, mas o refrão, e não importava qual música era, ou o “biquíni amarelinho” ou uma na linha infantil, principalmente do palhaço Carequinha, era sempre por conta dela. Mesmo que comendo letras ou palavras ou pronunciando palavra que não dava para entender. E hoje, mais de cinquenta anos depois, quando vai ao Centro e passa diante da loja, ela para, não para conferir preços e produtos, mas sua mente, seu coração, seus ouvidos retornam no tempo do auditório, da cadeira, do microfone e de seu corpo franzino, e tudo isso faz ecoar ainda hoje... “biquíni de bolinha amarelinha que na palma da mão se escondia...” (Uma história de Suely Padovan. Texto: Nelson Manzatto)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

O cuco que fazia Claudia sorrir (No meu tempo de criança – XVIII)

Por um breve momento e por extrema necessidade, a menina que brinca na rua com os primos para e entra na casa com o objetivo de aliviar-se o mais depressa possível e voltar para seus afazeres infantis. Sobe a escada depressa e avança pelo corredor principal. Seus pés nus tocam o piso de madeira da casa do avô e, pela primeira vez uma suave badalada lhe desperta a atenção. Presa à parede, uma caixa de madeira esculpida em forma de ninho abriga dois pássaros. Em seu miolo, uma pequena porta. De duas correntes pendem pesos em forma de pinhas e um coração de madeira movimenta-se sozinho de um lado para o outro. A menina se aproxima, mas não os toca. Fascinada, detém-se mais um momento, mas a necessidade a chama. Em seu regresso, ainda fascinada pelo som da caixa, fica novamente paralisada a contemplar o balanço ritmado do pêndulo quando para sua surpresa a porta se abre e um passarinho grita ‘cuco’ por algumas vezes. Palmas para o passarinho. André, o avô que cochilava após o almoço a encontra e imediatamente após ser descoberto vê-se rodeado de perguntas. Paciente como era, exímio pescador e de imenso coração, a põe sentada no colo e lhe explica sobre o relógio, seu funcionamento, origem, e não bastando atender suas indagações, a ergue nos braços e movimentando suavemente com as pontas dos dedos, acelera os ponteiros e demonstra o que explicou para o deleite da neta. Mais gritos e palmas para o passarinho. A brincadeira foi esquecida, os primos abandonados e o som do relógio e da voz do avô foram o divisor de águas naquele universo. Cresceu ao som do cuco e muitas vezes esquecia de brincar apenas para ficar ali, na sala, olhando o objeto e aguardando o momento quando a hora completasse e o pequeno passarinho projetava-se para fora da caixa em um sonoro grito. Ainda hoje a caixa a fascina. Foi presente ainda em vida do avô. Veio todo embrulhado de Campinas para São Paulo onde ornamenta a parede da casa do pai. Ali, seus sobrinhos e filhos viveram as mesmas emoções da menina e seu pai, tal como seu avô, a explicar sobre o objeto, seu funcionamento e origem em um ciclo sem fim no pulsar das horas. Em meu tempo de criança, contemplar um simples relógio cuco era (e ainda é) motivo para sorrir. (Uma história de Claudia Hespanha. Texto: Claudia Hespanha)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

E Silvia não chegou ao Japão... (No meu tempo de criança - XVII)

Não tem como ficar analisando cabeça de criança, tentando descobrir o que se passa por ela e muito menos o que se pretende conseguir. Imaginação de criança é algo que nem ela sabe explicar. E Silvia gostava muito de desenhar, escrever e brincar. O quintal de sua casa, que era grande, quase uma chácara, era seu local preferido. E todo dia lá estava ela: chegava da escola, almoçava e ia para o quintal, cheio de árvores frutíferas, criação de aves e muito, muito espaço... Tudo isso nos seus doces nove anos de idade! E como sempre tem um belo dia na vida de todo mundo, Silvia ficou sabendo que o Japão ficava lá... do outro lado do mundo! E sua curiosidade a fez imaginar como seria este país, “bem atrás de onde ela estava!” E se tem um belo dia, depois dele vem outro e, apesar da rotina, a mente de Silvia já estava no Japão. E como mente de criança não fica parada, decidiu cavar um buraco e, assim, ver o país que sonhava. Com uma ferramenta de seu pai, uma alavanca no formato e tamanho de um cabo de vassoura, mas com pontas bem trabalhadas. E no quintal, num ponto escolhido por ela iniciou seu trabalho. O buraco não tinha mais do que 15 centímetros de diâmetro e cava, cava, cava... Ao final do dia, a terra que era retirada, voltava para o buraco. E era assim todo dia: agora a terra retirada, e cava, cava, cava e no final do dia a terra solta voltava para o buraco. E se teve um dia tão belo, veio um não tão belo assim... Foi quando ela não conseguiu mais alcançar o fundo da cova para retirar a terra. E neste dia, com ar de tristeza e dor no coração, Silvia desistiu de cavar a abertura na terra para alcançar o Japão... (Uma história de Silvia Siebert Vives, texto: Nelson Manzatto)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Férias inesquecíveis de Fabiane (No meu tempo de criança – XVI)

Há aproximadamente 17 anos, no auge dos meus tempos de criança saudável e peralta, meus pais costumavam levar o meu irmão caçula e a minha pequena pessoa à famosa e muito procurada Praia Grande. Naquela época, costumávamos nos hospedar na Colônia de Férias dos Servidores Públicos. Íamos tanto para lá que praticamente todos os funcionários do lugar nos conheciam, portanto, meu irmão e eu tínhamos certos privilégios de ir e vir maiores do que as demais crianças. Na Colônia, na área do portão dos fundos, por onde se costumava entrar com o carro para descarregar e carregar as malas, havia uma árvore singela, porém, cheia de galhos – um tanto descobertos e pelados por sinal – onde se encontravam, acreditem se quiser, uma família de bichos-preguiça! Aqueles animais pertenciam à filha do responsável pela Colônia. Ela, se não me engano, era bióloga e em um de seus trabalhos de campo, havia encontrado um casal de preguiças machucado e debilitado, provavelmente vítimas de alguma armadilha de caçador ou qualquer outra artimanha maldosa dos seres humanos. Ela os curou, criou e quando começaram a dar cria, os levou para um ambiente mais arejado e aberto do que a casa dela. Assim sendo, em um belo dia de férias da escola, eu me deparei com uma gangue de bicho-preguiça pendurada nos galhos nus dessa tal árvore. Não preciso nem dizer que para uma criança que se fascinava facilmente com qualquer tipo de animal, aquela família era a coisa mais mágica e incrível que já havia acontecido e, todo o próprio histórico de férias escolares envolvendo animais! Mais do que depressa, pedi para a mulher me deixar carregar um dos filhotes. Como já era conhecida por todos, ela cedeu ao meu pedido. Colocaram panos em meus ombros para as garras não me machucarem e me preparam psicologicamente para o provável peso que iria sentir. Abracei o bichinho sem problemas, me encantando com a maciez do pelo e com o jeito delicado como ele se encaixava em meu colo. Sempre me disseram, desde pequenina, que eu tinha jeito para ser mãe... Não se isso é verdade, pois, por enquanto, não tive o privilégio da maternidade, mas, ainda continuo a ouvir tal comentário! Dessa forma, com todo esse provável instinto materno precocemente aflorado, o momento se tornou algo incrível e indescritível para mim, principalmente depois que o filhote adormeceu em meu colo. Aquilo foi o ápice das minhas férias! Não queria mais larga-lo! Todos os dias repetia o pedido e todos os dias, por duas horas, eu o carregava para cima e para baixo da Colônia. Repeti o procedimento todas as vezes em que fui para a Praia Grande, até que num triste dia, a dona dos bichos-preguiça resolveu leva-los até uma reserva ambiental, a fim de fazer os bichinhos se readaptarem à vida selvagem e serem, com o tempo, reinseridos no seu habitat natural. O acontecimento foi algo bem triste para uma criança de oito anos, porém me despedi consciente de que aquilo era o certo a fazer, pois, já que eu estava tão apaixonada por eles, desejava-lhes apenas o bem e o bem era devolvê-los à vida que nunca deveriam ter saído, se não fosse pelo egoísmo do ser humano. É irônico saber que uma das minhas melhores memórias de infância começou técnica e indiretamente, com uma atitude cruel do homem... Mas, continuar a sentir raiva pelo mal que haviam feito ao tirar aquelas pobres criaturinhas indefesas de suas casas... (Uma história de Fabiane Zambelli de Pontes. Texto: Fabiane Zambelli de Pontes)

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Doces tardes de domingo (No meu tempo de criança XV)

Fim de semana se aproximando e todas as quintas-feiras eu e minhas amiguinhas fazíamos planos, combinando como seria nossos domingos. Tínhamos várias opções de passeios: Fazer um pic-nic, ir às matinês num cinema próximo de casa, ao parque de diversões ou ao circo quando este se instalava na cidade. Chegando domingo nossos pais nos liberavam somente após o almoço, e quando era 13 horas eu começava a me aprontar para ir ao cine República, cuja sessão se iniciava às 14horas. Não fazíamos questão quanto ao filme a ser exibido, qualquer que fosse estava ótimo, mesmo os de “bang-bang” que eu detestava, não reclamava porque o que valia mesmo era estarmos juntos. As fileiras de poltronas lotavam só com amigos. Quando anunciavam o seriado após o filme ter terminado, a plateia vinha abaixo ao apresentarem acompanhado com música chinesa “Os tambores de Fú Manchú“. Assobios, palmas, pés batendo no assoalho de madeira velha, produziam um barulho ensurdecedor. Depois reinava silêncio completo durante o seriado, que acabava sempre com finais intrigantes, o que fazia as crianças voltar no próximo domingo. Era muito divertida a volta para casa, os comentários uns querendo opinar mais que os outros. Com isso nossa semana se encerrava com alegria. Outras vezes era o circo, que naquela época havia dramatizações na arena. Sempre histórias que comoviam e no final entrava o palhaço para animar os rostinhos emocionados. Uma vez as arquibancadas estavam lotadas, com dificuldade subimos na mais alta das tábuas pedindo licença e nos equilibrando, até sentarmos tranquilos assistindo aos melodramas. Foi quando a lona já gasta começou a balançar fortemente pela ventania do temporal que se formava. De repente escureceu, virou noite literalmente, as luzes dos postes se acenderam e os trovões impediam que ouvíssemos os atores.E a chuva veio forte ,muito forte começando a formar um rio de água barrenta impedindo o fim da peça. Foi formando uma lagoa dentro do circo, ficamos apavorados, porque as goteiras nos molhavam, pingando das velhas lonas. Quando o tempo se acalmou saímos todos sem graça, pois estava encerrado o espetáculo. Era reservada também as tardes de domingo para visitar os parentes mais próximos. Íamos à casa da minha avó, onde moravam tios e primos no centro da cidade. Saíamos após o almoço, do bairro de Vila Arens, e caminhávamos cerca de uma hora sem pressa, observando casas, jardins e quando atravessávamos a ponte do rio Guapeva, metade do caminho estava feito. Por fim éramos recebidos com o carinho de todos, principalmente da vó Delphina que nos servia café com pastel frito na hora. Após a conversa em dia ,e brincarmos com os primos, despedíamos com: “bença vó, bença tio”. Era um tal de beijar a mão de todos... Ao retornarmos para casa, meu pai nos levava em frente a matriz Nossa Senhora do Desterro, onde funcionava uma fonte iluminada, cujas águas dançavam coloridas, e muita gente sentava nos bancos do jardim conversando, namorando, enquanto crianças corriam sem preocupação. Dai papai nos convidava para jantarmos num restaurante assobradado ao lado da igreja. Tudo era festa, voltávamos de táxi. Outras vezes fazíamos o caminho de volta a pé, e quando estava chegando perto da fábrica Argos,um imenso parque de diversões ali se encontrava,e resolvemos parar. Meu irmão ficava na barraca de pesca, eu na de argolas, a mamãe e o papai na de tiro ao alvo, todos perto uns dos outros. Acontece que numa noite o parque estava lotado e era fila para a roda gigante, para o carrossel e outros brinquedos.Como nos movíamos rápidos para pegar os lugares, de repente percebi que não encontrava meu irmão, nem meus pais. O desespero bateu, comecei a andar sem rumo, olhando para todos os lados, eu era muito pequena no meio daquele pessoal alto. Com frio na barriga tomei a decisão de voltar sozinha até minha casa. Sai da multidão e comecei andar rápido, o ar me faltava ,foi quando avistei a torre da igreja da Vila Arens, que meu coração desacelerou,e caminhando até a esquina da rua da estação ferroviária, contemplei a igreja em todo seu esplendor me parecia mais linda ainda. Ufa! Estava salva, pois, eu morava ao lado da mesma. Cheguei em frente ao enorme portão de ferro trabalhado em desenhos de arabesco e não consegui abrí-lo. Chamei primeiro em voz fraca: “Nona, noona...” Depois gritei “noonaaa”, e as luzes do sobrado se acenderam. Alívio, estava salva. Ela me acolheu assustada. “Ma dove sta tuo papa?” “Não sei ,eu me perdi.” “Quello stupido!”. Ela estava muito nervosa mesmo. “Veni qui povereta, bere questa acqua con zucchero.” Logo em seguida meus pais chegaram. Houve pequena discussão e fomos todos dormir. Então eu me senti leve como uma pluma, toda angústia passou e desfrutei do aconchego com meus pais. (Uma história de Marly Pirani da Costa. Texto: Marly Pirani da Costa