domingo, 23 de fevereiro de 2014

O caçador de gamburrinos (No meu tempo de criança XX)

Se você não sabe o que é um gamburrino, somos dois. Até hoje, desde a infância me lembro das emocionantes caçadas de gamburrinos. Era mais ou menos assim: meus avós, espanhóis, costumavam levar vários netos para passar alguns dias na chácara, à beira do rio Atibaia. Já nos preparativos, na véspera, meu avô começava o planejamento da tal caça aos gamburrinos. Nós, ainda pequenos, entrávamos num clima de ansiedade, vivendo a expectativa de nos defrontarmos com tal criatura que cada neto imaginava de uma forma diferente. O tal do gamburrino agitava a nossa imaginação e ficávamos excitados só de pensar em enfrentar sabe-se lá o que... Quando chegava o dia de irmos para a chácara, a expectativa aumentava e mal podíamos esperar pelo cair da noite, momento este, segundo meu avô, em que os gamburrinos saíam da toca. O plano era o seguinte: meu avô preparava vários sacos de café em grãos, que recebia no seu armazém para que fossem moídos na hora da venda. Ele guardava essas embalagens e enrolava a boca do saco e dava um para cada neto. Quando a noite caía, meu avô nos colocava em posições “estratégicas”, ligeiramente distantes uns dos outros e dizia: “Fiquem abaixados e segurem o saco com a boca aberta que eu vou até o pomar procurar pelos gamburrinos e vou espantá-los na direção de vocês. Quando vocês virem os gamburrinos, peguem-nos com os sacos e fechem a boca e segurem firmes para que não escapem. Mais um detalhe... tem que ficar em total silêncio.” Aí meu avô se afastava, entrando no denso pomar e desaparecia da nossa visão. Aquele silêncio começava a ficar meio assustador, meus primos distantes uns dos outros, meu avô que começava a demorar, a tensão de saber o que iríamos enfrentar... já era possível ouvir as batidas do coração. E porque será que estava demorando tanto? Poxa, já estava muito escuro, o vento roçando o mato, será que é um animal muito grande? Não estou enxergando mais ninguém. Todo mundo num extremo silêncio... e o coração tum, tum, tum...e nada acontecia. Será que era uma boa? Depois de um bom tempo de expectativa, meu avô gritava lá do meio do pomar: “Está indo na direção de vocês, fiquem preparados, são vários...” Nesse momento ele atirava pedras na mata, próximo de nós, e o barulho era assustador... Até que o medo se tornava insuportável e bastava um sair correndo em direção à sede que todos corriam, sem olhar para trás. Quando entrávamos na casa, minha avó já estava com o jantar pronto e tratava de nos tranquilizar e sentávamos à mesa, ainda com os olhos arregalados. Em seguida, meu avô, com ar de riso, perguntava: “Pegaram algum? Se vocês quiserem, após o jantar poderemos tentar novamente.” Conclusão: ninguém tinha coragem de sair da casa e todos iam dormir. E mesmo nos dias a seguir, no cair da noite, todos os netos já estavam dentro de casa, prontos para jantar e dormir mais cedo. E o gamburrino? Sei lá que bicho é esse... é melhor nem saber. Talvez, pensando hoje, o avô do meu avô, naquela época, lá na Espanha, já usava essa mesma artimanha para colocar todos para dentro de casa, sem qualquer recusa. (Uma história de Marcos Antonio Fernandes Ferramola. Texto Marcos Antonio)

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