quarta-feira, 27 de julho de 2011

Doces sabores!

Quantas vezes você já viu o sol nascer? Quantas luas cheias passaram pelas noites de sua vida? Quantas vezes você sorriu correndo na chuva repentina de verão? Já fez esta conta? Quantos verões atravessaram sua existência? Hoje senti que já vivi mais da metade dos verões de minha vida, que o mesmo sol que ainda vai nascer nos meus dias, será em número muito menor dos que já vi e sei que as luas cheias serão em quantidade também menor que as já vistas.
É isso que acontece em nossas vidas: vivemos intensamente muitos dias, corremos como loucos a maior parte da nossa existência e acabamos deixando a vida passar, sem saborearmos os mais doces momentos... Ah a entrega do certificado do primário, ignorada... A primeira comunhão, esquecida... O troféu de campeão conquistado no futebol de salão, onde está? Tudo isso nem faz mais parte da saudade... É que o mundo corre, o tempo corre, a hora corre e, no fundo, imaginamos que não se pode parar...
É como o pacote de bala que ganhamos quando criança e que devoramos de uma vez, ou melhor: mastigamos ou engolimos inteira. Algumas vezes até pedaço de papel grudado na bala devoramos. Talvez prá não dividir com ninguém. Puro egoismo! Pura gula! Depois, quando percebemos que o pacote está chegando ao fim, diminuímos a intensidade, tiramos o papel suavemente, chupamos a bala lentamente... prá que não termine... Assim vai indo a vida... Depois da metade tentamos aproveitar melhor o sabor dela. Mas muitas vezes ele é amargo, duro de engolir...
Já viu sua marca no tempo? Já imaginou quantas balas ainda lhe restam? Quando era pequeno gostava de balas de mel, mordia só para sentir o líquido saindo e tomando conta da boca. Hoje, os sabores são variados, surpreendentes. Alguém me disse um dia que somos como o sândalo que perfuma o machado que nos fere e isso fez brotar algumas lágrimas nos olhos que escorreram amargamente pelo rosto, roçaram os lábios e se misturaram no sabor de uma bala doce que estava perdendo o sabor...
E tomei, então, uma decisão na minha vida: saborear cada vez mais as balas que restam no meu pacote. Sentir o gosto, mesmo que amargo, mas que faz demorar o que resta de tudo que recebi quando deixei o ventre de minha mãe.
Mas doce disso tudo é dividir o pacote com outras pessoas. Sentir o sabor de outras balas, marcar com saudade nossas balas que se dividem neste mundo. Difícil é saborear sozinho o pacote, sem ninguém prá compartilhar... Difícil é não sentir o gosto das balas que vão terminando no fundo do pacote... Difícil é... difícil é esquecer a doçura da mais linda bala do pacote... E nada é mais doce do que uma bala compartilhada, dividida. O lindo e o belo da vida são o ‘carinhar’, o dividir sorriso, trocar carícias, dividir olhares, trocar sabores.
A doçura do sabor das balas está no eterno dividir. É por isso que quanto mais dividimos nossas balas, mais cheio volta a ficar nosso pacote e mais saborosa vai ficando nossa vida. Sem atropelos, sem debates, sem intrigas. O sentido da vida é este: todos de mãos dadas, sentindo os mesmos sabores, nem que seja prá brincar de roda... E nada é sonho, tudo é real: divida seu pacote! Não queira sentir sozinho o sabor do que tem aí: a divisão faz a vida mais feliz!!!

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O sempre útil mata-borrão

Coisa de primário e que chamava a atenção dos alunos era escrever com caneta. É, porque tudo era feito a lápis! A gente podia fazer o que queria na hora de escrever, desde que a borracha nos ajudasse a apagar. Mas escrever a tinta... Ihhhh! Isso era um sonho de toda criança no primário. Isso lá pelos idos de 1958, quando eu fazia o primeiro ano primário.
E escrever a tinta significava evoluir na escola. E isso só acontecia no segundo semestre, desde que o aluno cometesse poucos erros, ou seja: usasse menos a borracha. E era dia de comprar o material para começar a escrever a tinta: caneta de pau (um pedaço de madeira, estilo pena, com local na ponta para encaixar a pena), a pena de escrever, um tinteiro e um mata-borrão. E mata-borrão, prá quem não sabe, era uma tira de cartolina mais grossa, usada para absorver o excesso de tinta.
Isso significava aumento no material para se levar à escola: um caderno de caligrafia, um caderno brochura para dever de casa - havia outro que a gente chamava de “caderno de ocupação”, usado em classe -, um estojo, com lápis preto, lápis de cor, borracha, apontador, régua, livro de leitura, além da cartilha. E mais o material recém comprado. Importante era tomar cuidado com a pena, pois a gente tinha de escrever sem forçar, já que o excesso de força poderia fazer a pena “abrir” (separar as pontas) e aí ficaria horrível, pois a escrita sairia sombreada, mais parecendo coisa de fantasma!
O problema maior na hora de escrever era colocar toda aquela parafernália sobre a carteira e cujo espaço tinha que ser dividido com o colega, já que sentávamos em dois. E começava a aventura de escrever: tinteiro aberto, pena no tinteiro, pena no papel, mata-borrão para tirar o excesso de tinta e continuar escrevendo. Difícil era na hora do ditado – e professora sempre gosta de fazer ditado, principalmente quando percebe que os alunos ficam atrapalhados com todo material de trabalho. E dá-lhe palavras: “botão, bala, bolacha, batatinha, cebola, came...”
“Espera professora. Acabou a tinta!” E corre prá escrever, corre prá limpar, corre prá corrigir! E aluno bom não erra! Se errasse não podia borrar: tinha que passar um risco na palavra ou colocar entre parênteses e continuar a escrever. Drama maior era o excesso de tinta na pena que acaba pingando no papel. E folha borrada não tinha desculpa: nota baixa e bilhete para os pais.
Não tinha um dia que alguém na classe não derrubasse o tinteiro: chão manchado, roupa suja de tinta, corpo sujo de tinta e mata-borrão nenhum resolvia o problema!!! Quantas e quantas vezes a gente colocava a pena no tinteiro – e a gente fazia questão que ela fosse até o fundo, não se preocupando apenas em “molhar” a pena – e, na hora de escrever, ver que os dedos ficaram borrados de tinta. Pior que isso é perceber que esqueceu o mata-borrão em casa e o colega de lado não quer emprestar o dele. Descuidadamente, enfia-se a mão no bolso da calça, para limpar o dedo. E o fato só era denunciado quando a mãe ia lavar a calça e percebia que o bolso estava manchado. Para sempre!!!
A vantagem de não ser o primeiro de uma fila de seis irmãos é que os mais velhos já viveram esta experiência e ensinavam – e muito bem – para quem estava começando no aprendizado. Tudo bem que não ser o primeiro tem alguma desvantagem, ou seja a de usar um tinteiro pela metade, uma pena ou a caneta de pau também já gastas. Mas a vantagem é que a gente ia para a escola com algumas “dicas”: o tinteiro é bom não ir cheio, pois se derramar tinta, além de não perder muito, suja menos; não passar o dedo na folha, para não borrar; fechar sempre o tinteiro depois de molhar a pena, mesmo que isso retardasse o trabalho. Ideal era colocar o tinteiro dentro das caixas de pó de arroz, onde ele encaixava direitinho. E usar o mata-borrão sempre que necessário.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Pinga e cigarro

Ele sempre foi um homem calado, alto, forte, rosto vermelho e um chapéu na cabeça. Este detalhe eu não esqueço: o chapéu na cabeça. Usava em toda parte: para trabalhar, para cuidar da horta e do jardim, para ir à missa aos domingos. Sempre e em todo lugar! Tirava na igreja, mas segurava na mão. Ninguém mexia em seu chapéu. Aliás, ele tinha vários: um para usar nos domingos, principalmente quando ia à missa ou passear com a família, outro para ir ao trabalho, este um pouco mais surrado, e um terceiro. Aquele de usar em casa, com aba caída, pequenos furos. Surrado, surrado. Muito surrado! Na verdade, meu pai gostava de usar as coisas até o último instante, quando não dava mais para aproveitar. Não que fosse pão duro, mas se gostava das coisas, curtia até o último instante.
E no final da tarde lá vinha ele do trabalho, com a marmita na mão. Ele sempre fazia a mesma coisa: deixava um pouco para os filhos... Em casa, eu e meus irmãos, corríamos em busca da marmita para ver quem conseguia comer mais. Não que estivéssemos passando fome, mas era gostoso – e até hoje nem eu nem meus irmãos conseguimos explicar o porquê – comer o que sobrava do almoço do “velho”.
Meia colherada de arroz, outra de feijão com farinha, às vezes um pedacinho do bife ou um pedaço do ovo frito. Era isso! Ou era por tudo isso que os seis filhos “brigavam”. Mas a divisão era justa: o que ele trazia na marmita era suficiente para todos. E a gente sentia que tudo isso era dado com muito amor. E era isso que a gente gostava no seu Alcindo...
A lembrança maior de todos os filhos, porém, está ligada a um dia da semana: a segunda-feira. Esse dia era sagrado. Seu Alcindo apanhava uma caneca que ficava escondida no armário da cozinha, com uns “trocados”, e chamava um dos filhos para ir ao “Armazém do Valentim”.
- Compra um litro de pinga do garrafão e um maço de cigarro Fulgor – dizia ele para o filho que estava mais perto. E lá ia eu ou um dos irmãos até a “venda da esquina” para a compra da semana.
Sempre que eu saía para as compras no armazém do seu Valentim, ia falando baixinho as coisas que minha mãe pedia para comprar: um quilo de feijão, um de arroz, um Extrato Elefante e um quilo de quirela. Mas a compra do seu Alcindo não precisava se repetir no caminho. Era só isso, uma vez por semana: a pinga, e tinha que ser do garrafão, e o cigarro que ele deixou de fumar, quando sentiu uma forte dor no peito, um dia. Aliás, nunca vi seu Alcindo doente. Nem para morrer deu trabalho à família: teve um infarto fulminante num frio final de tarde de julho e caiu no chão. Sem vida.
E lá voltava eu com a pinga, o cigarro e duas ou três moedas de troco. Entregava tudo para ele e saía. Ia para a sala ver, disfarçadamente, a ação do “velho”. O cigarro ele colocava no bolso da camisa – aliás, sempre camisa de manga comprida, pois tinha a pele fina e não podia sofrer o calor do sol -, e a pinga colocava dentro do armário.
O ritual era quase sempre o mesmo: apanhava o regador e ia aguar a horta: almeirão, alface, rúcula, repolho, cenoura e até morango; no jardim, as margaridas, as roseiras, os cravos. Terminado o serviço, sentava na cozinha, acendia um cigarro e acompanhava a fumaça subindo, como numa prece até o céu. Apanhava um copo, colocava o líquido que tinha vindo do garrafão e saboreava gole a gole os três dedos da pinga, que ele dizia ser pura. Da sala, eu “espionava” a ação dele. Era como se eu sentisse aquele gole amargo, batendo no estômago. E, mesmo sem nunca ter colocado um cigarro na boca, era como se eu sentisse o sabor do Fulgor. E não podia ser outra marca. Às vezes tínhamos que procurar em todos os pontos comerciais perto de casa se na prateleira do seu Valentim não tivesse o Fulgor. Em último caso, ele aceitava um Macedônia, mas no dia seguinte saíamos à procura do Fulgor. Questão de preferência!!!
Seu Alcindo ficava ali, sentado, olhando o movimento dos pássaros que vinham ver sua linda horta ou acompanhando o movimento de dona Angelina, preparando o jantar. E depois do jantar, quando todos já tinham se retirado da mesa, ele permanecia lá, sentado, olhando a noite.
Eu via ali um poeta sem palavras, sem versos, sem frases feitas, interpretando seu mais lindo poema. E quando o apresentador do “Repórter Esso” dizia “até amanhã ou quando um fato importante exigir uma extraordinária”, ele levantava da cadeira, dizia boa noite a todos e lá ia sonhar... saboreando as alegrias de mais um dia.
O momento mais triste que me lembro dele, foi numa manhã de verão, em março, quando chorou sobre o caixão de dona Angelina, se despedindo, mas avisando que iria procurá-la em breve. E foi o que fez, dois anos depois.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Devoradores de livros

Quando sentei diante do computador e comecei a devorar letras e palavras, senti um sabor diferente que mexeu com meu interior. Notei, em trecho de Murilo Mendes que “livros são feitos com a carne e o sangue dos que os escreveram”. Me ative a esta frase. Li, reli, reli, na verdade, umas duzentas vezes. E ela estava ali, diante de meus olhos, me mostrando que era isso mesmo, que eu não tinha lido errado. Mas era isso mesmo: nós devoramos livros! Saboreamos letras, formamos palavras, devoramos, sentimos o gosto, nos deliciamos com histórias, com poemas, com frases suaves ou trágicas, dependendo do tempero. E podemos sentir o mesmo sabor várias vezes, dependendo de quanto gostamos daquilo que acabamos de ler.
O mesmo poeta diz, em outro pedaço de sua vida, transformado em poema, que “ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho. Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio (porque as águas correm...), nem ama duas vezes a mesma mulher”, mas com certeza, Murilo Mendes sabe que muita gente lê duas vezes o mesmo livro, saboreia a mesma história e sente o gosto doce ou amargo de seu autor. E é comum conversarmos com pessoas que não dizem que lêem livros. Elas dizem “devoro livros”.
Sabemos, com certeza, que não arrancamos as páginas escritas e as jogamos goela abaixo. A arte de saborear livros passa primeiramente pelo olhar, depois pelo tato, com os dedos folheando o autor, depois vem o ato de devorar: transformar a ação dos olhos e dos dedos em leitura, em “refeição”. E muitas vezes – uma eternidade delas – passamos a receita desta alimentação a outros: ou emprestamos o livro – escrito com sangue – ou falamos de seu conteúdo, exatamente como a mulher da televisão passa a receita de bolo, que alguém presta atenção, mistura os ingredientes e transforma em alimento.
É assim que fazemos com os livros: quando contamos seu conteúdo a alguém – e só o fazemos quando gostamos – passamos a receita do autor, para que ele seja devorado. Mais uma vez. Por mais um apreciador da leitura.
Recentemente, num texto de Rubem Alves, a frase de Murilo Mendes é relembrada. E Rubem Alves se declara um antropófago, um devorador de livros. Claro que os dois são antropófagos e já me sinto assim também, e vejo vantagens neste ato de devorar livros. Mesmo o livro sendo feito de carne e sangue não engordam o corpo do leitor, apenas sua mente. Livros não têm contraindicação, não fazem mal à saúde e podem ser devorados por pessoas com qualquer enfermidade. Muitas vezes, eles ajudam na recuperação, tudo dependendo do tempero e do sabor dosados pelo autor. Não precisam ser devorados em doses homeopáticas, superdosagem não provocam morte, ou seja, ninguém comete o suicídio lendo, lendo, lendo. Não é preciso fazer regime quando se devora livros.
Importante, também, saber que escritores vítimas de doenças graves não atingem seus leitores. O livro, apesar de ser contagioso – pois provoca emoções e empolgações -, não transmite doenças, caso seus autores tenham algumas!
Enfim, sei que sou um devorador de livros limitado. Gostaria de ser um leitor mais assíduo, mais constante, para não morrer de fome de ler. Mas sei que devoro textos, mesmo que não estejam dentro de um livro, mas espalhados em páginas viajadas da internet. São como que aperitivos ou “lanches” saboreados durante o dia “prá não se morrer de fome”.
Para quem devora estas poucas linhas, saiba que foram escritas com sangue e suor. Um sangue quente, mas que não queima e um suor suave, que não tem odor. Esta também é uma vantagem para quem devora livros: os escritos não exalam cheiro! Apesar do sabor que tem seu conteúdo.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Um primeiro instante!

Fazer um blog, com certeza exige, acima de tudo, compromisso. A leitura do que é publicado aqui vai, com certeza, gerar comentários e opiniões. Todos têm espaço garantido. A opinião sua é fundamental na sequencia de textos. Leie, opine, critique. Você está aberto a isso!
Nelson