sábado, 28 de novembro de 2015

PERSONAGENS (30) A música de Áureo Cardoso

Minha convivência com Áureo Cardoso ocorreu durante as décadas de 1960 e 1970, na minha fase infantil e já adulta, mas tudo dentro da Igreja de Vila Arens. Neste período, fazíamos parte da Cruzada Eucarística Infantil que depois recebeu o nome de Juventude Cristã em Marcha. Comecei como criança, logo após a primeira comunhão, e Aureo já estava por lá, juntamente com sua esposa, dona Leonor. Ambos ligados à música, principalmente.
Aureo nunca frequentou uma escola de música, jamais conseguiu ler uma partitura por completo, mas tocava piano e acordeão como ninguém. Dentro de seu conhecimento musical, acabou sendo o responsável pela formação, já na segunda metade da década de 1970, do conhecido “G9”, grupo de cantores da paróquia e que cantavam em solenidades especiais. Era “Grupo Nove”, simplesmente porque cada horário de missa de final de semana, tinha um número: duas missas no sábado à noite (18 e 19horas), cinco nos domingos de manhã (5h30, 6h30, 7h30, 8h30, 9h30) e mais uma à noite (18 horas). O nove, portanto, era a escolha de integrantes de cada missa para compor o grupo especial. Chegamos a cantar até em latim, mas à custa de muitos ensaios e quatro vozes.
Aureo era dedicado e atencioso. Além disso, ouvia muito o que dona Leonor dizia, principalmente porque ele não tinha “leitura musical”, pois, como sempre dizia “tocava de ouvido”, mesmo que isso fosse com as mãos... Muitos ensaios ocorriam em sua casa, graças ao piano que tinha e depois as vozes se juntavam para ensaios na Igreja.
Foi ele que me ajudou na juventude, quando deixei de trabalhar na farmácia: uma vez por semana ia à sua casa, para aprender a encadernar livros, manualmente. Naquele tempo, vendiam-se muitos fascículos nas bancas e depois era necessário encadernar tudo isso. Pacientemente me ensinou todos os passos.  E acabei aprendendo este trabalho e que me rendeu alguns trocados.
Como presente de casamento de Aureo recebi, eu e minha esposa Rita, a missa cantada na cerimônia. O “G9” esteve presente e cantou as melodias que escolhemos, inclusive a Ave Maria.
Mas como a vida segue sempre em frente, acabamos nos separando quando me mudei para Campinas por conta de trabalho profissional e quando voltei, frequentamos paróquias diferentes, o que nos manteve distantes até o dia em que me despedi dele no velório municipal. Antes, falara com ele quando dona Leonor partiu.

Aureo, além de entender tudo de música também trabalhou na igreja como ministro da Eucaristia e era o locutor oficial da rádio Difusora, quando havia missas ou alguma outra celebração religiosa que tinha transmissão por esta emissora. Rezava, explicava, comentava. Aureo foi assim: um pouco de tudo, mas um conhecedor de muito!

domingo, 22 de novembro de 2015

PERSONAGENS (29) A manchete de Fernando Dias

Conheci Fernando Dias quando era editor-chefe do Jornal de Jundiaí e ele repórter policial do Jornal da Cidade. Tínhamos praticamente a mesma idade, os dois já cinquentões, mas já ouvira falar dele muitas vezes. Conhecia seu trabalho, mas nunca o vira pessoalmente. Só vim a conhecê-lo, a cumprimentá-lo, quando a direção do JJ decidiu que deveríamos contratá-lo e assim ele ocuparia, também, os microfones da rádio Difusora. Não tinha muito o que orientá-lo, afinal, ele sabia tudo sobre o seu trabalho e sobre jornal. Assim, ficou fácil trabalhar com ele.
Falávamos-nos todos os dias, muitas vezes me ligava em casa para relatar um crime ou uma prisão ou – principalmente – um assunto que era exclusivo nosso. Ou dele! Sim, afinal, ele “brigava” pela informação. Sentia que ele queria publicar tudo sozinho, mas lhe dava toda força necessária para que o jornal onde trabalhávamos continuasse a ir bem nas vendas. Certa vez já estava em casa, por volta da meia-noite, quando me ligou para informar sobre um crime. Voltei à redação, demos manchete sobre o caso – que só nós tínhamos – e no dia seguinte transferi a ele os elogios da direção.
Mas Fernando Dias tinha um problema sério: a Diabetes não o deixava em paz e ele não conseguia lutar contra ela. Aliás, aceitava-a com a maior tranquilidade. Tanto que começou a ficar difícil a passagem dele pela redação: foi operado dos dois calcanhares, fazendo com seus passos fossem transformados numa caminhada de cadeira de rodas. Depois, veio a cirurgia que lhe amputou parte de uma das pernas, mas isto não o impedia de dirigir e de ir em busca da informação. Fernando era assim: apaixonado pela notícia!
Quando deixei o jornal, em 2007, enviei um e-mail a toda a redação me despedindo e agradecendo o apoio durante o tempo em que fiquei à frente da equipe. Mas esqueci que, como não ficava no jornal, Fernando não recebeu tal e-mail. Surpreendi-me dias depois quando vejo na caixa de mensagens de meu e-mail, um texto dele e era Fernando quem agradecia o apoio. Liguei para ele, falamos sobre o futuro do jornal e de cada um de nós. Sugeri que diminuísse o cigarro e como resposta ouvi um sorriso e um “até breve!”

Fernando não conseguiu enfrentar por muito tempo a doença. No inverno de 2010, exatos três anos de minha saída do jornal, ele o fez também. Mas de uma forma mais triste, já que a Diabetes o venceu. O jornalismo da cidade perdeu, naquele ano, um dos nomes mais importantes desta área na cidade. E se durante muitos anos fez e divulgou notícias, neste dia, Fernando Dias foi a notícia, a manchete do jornal.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

PERSONAGENS (28) Alegria de viver de Norberto Perboni

Tive uma primeira fase de convivência com Norberto Perboni lá pelos anos de 1963 quando trabalhei dois meses na oficina mecânica de seu pai. Norberto estava fazendo ou tinha acabado de concluir o curso de mecânico no Senai e já passava parte de seu dia debaixo dos carros, procurando problemas e resolvendo os mesmos. Não havia um dia em que não estivesse cantando debaixo dos carros. Ou então contanto histórias ou piadas! Norberto era assim: um jovem cheio de alegria e uma vontade de fazer o que gostava. Sempre! Naquele tempo, o via debaixo dos carros, mas por conta de nossa diferença de idade – ele era cinco anos mais velho que eu – passados estes dois meses, nos afastamos. Apenas nos víamos e pouco falávamos quando nossos pais nos levavam à casa dos pais do outro para uma visita familiar. Afinal, meu pai era irmão da mãe de Norberto. Então, éramos primos de primeiro grau. Mas o contato maior de Norberto era com meu irmão mais velho, Ademir, que era alguns meses mais novo e que durante um bom tempo trabalhou na mesma oficina.
Lembro-me do casamento de Norberto, com festa no Colégio Divino Salvador, muita gente presente e muita alegria. E a partir de então, nos víamos bem menos. Depois que me casei e mudei para Campinas, perdemos o contato. Mas não nos esquecemos. Quando voltei para Jundiaí, voltei a ver Norberto nas ruas da cidade, durante minhas caminhadas, principalmente já neste milênio, com ele já aposentado e eu passando diante do prédio onde a oficina já não existia mais. E os papos giravam em torno, sempre, de família: lembrando de nossos pais e falando de nossas famílias atuais. Mas a maioria das vezes encontrava Norberto onde ele mais gostava de estar: na feira do Vianelo. Era ali que o encontrava saboreando o pastel. Comentava dos sabores e daqueles que mais gostava. E pastel era um dos “pratos” preferidos de Norberto.
Outro local onde encontrava Norberto era do lado de fora dos mercados. Era comum encontrar Lúcia, sua esposa, fazendo compras, cumprimentá-la e perguntar por ele. A resposta era simples: está lá fora me esperando... Norberto era assim: gostava de fazer amizades. Então, enquanto sua esposa fazia as compras, ele batia papo do lado de fora. E não tinha assunto que ele não gostasse de conversar: mas família era o primeiro, o melhor.  Gostava, principalmente de falar da Lúcia, sua esposa, das filhas, dos netos, mas ultimamente falava de sua mãe, minha tia Eliza, falecida há exatos dois anos.
Mas Norberto, imagino, sentiu saudades dela. Sim, porque agora em 2015, em abril último, ele se foi. Imaginava que conseguiria passar por uma cirurgia e voltar a viver normalmente. Mas não deu tempo. Norberto partiu deixando uma saudade grande de seu jeito bonachão de ser. Um riso permanente e uma vontade grande de curtir sua família.

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

PERSONAGENS (27) Meu padrinho João Munarolo

Além de padrinho de Crisma, João Munarolo era meu tio: irmão de minha mãe! Sorriso constante nos lábios e seu jeito de trabalhar me deixava orgulhoso de ser seu parente. Parecido com meu avô José, João era mais alto, como a maioria da família. Imagino que minha mãe e meu tio Waldemar eram os únicos a seguirem meu avô na altura. E se quase todos os domingos à tarde, meus pais fossem visitar meu avô José, na rua Marrocos, ali no Jardim Bonfiglioli, a volta dificilmente era feita por outro caminho a não ser passar pela casa de meu tio João. Claro que a maioria das vezes eu o encontrava na casa de meu avô.
Por sermos crianças, nossa presença acabava sendo envolvida por brincadeiras, enquanto os adultos conversavam na sala, tomavam café na cozinha e, quando a tarde começava a cair, cada um tomava o rumo de sua casa. E era bom não existir televisão – claro que já existia, mas era cara demais nas décadas de 1950 e início da seguinte – afinal, o bate-papo era fundamental. E não se conversava até acabar o assunto, conversava até acabar o tempo de ir para casa. Como telefone também era raridade, as conversas eram assim: olho no olho, cumprimentos, abraços, apertos de mão.
Mas o que me chamava a atenção em meu tio João era sua cordialidade, seu jeito de me colocar no assento extra de sua bicicleta e me levar para dar uma volta. Sabia que aquele banquinho estava ali para meu primo passear, mas nada impedia meu tio de me levar dar uma volta. Mesmo que fosse apenas no quarteirão. Gostava de acompanhar minha mãe quando ela ia fazer a despesa do mês. Afinal, a compra era feita no Empório Bizzarro, localizado em frente à Igreja de Vila Arens. E era ali que ele trabalhava: lápis atrás da orelha, bloco de nota fiscal no balcão e lá ia ele, lendo os produtos e minha mãe confirmando quantidades. De vez em quando ele ia até o outro lado do balcão, apanhava duas ou três balas e me entregava. Sabia que gostava de bala de mel e era esta que me trazia sorrindo.
João gostava de jogar damas. Era um verdadeiro “campeão”. Conhecia todas as jogadas. E quando ia à minha casa, lá aparecia eu com o tabuleiro para “desafiá-lo”. Claro que criança tem preferência. Estas coisas de “café com leite”, que se dizia na época, e aí eu ganhava uma, duas, me entusiasmava. Mas na hora de ir embora, a vitória era dele. Mas sempre explicando os lances e onde estavam meus erros. Aprendi! Não virei campeão como ele, mas sempre que jogava – e faz tempo que os tabuleiros sumiram até das lojas de brinquedos infantis – me lembrava das dicas de meu tio-padrinho.
Casei, nos afastamos, mesmo aposentado ele continuava a trabalhar, mas certa vez, quando publiquei um texto falando sobre o “dia da despesa”, ele se emocionou: recortou o jornal e levava consigo no bolso. E nas conversas com amigos não deixava de mostrar o escrito e completava: “este aí sou eu...”

Tio João partiu há alguns anos. Morava no alto da Vila Arens, exatamente por onde eu passava em minhas caminhadas matinais. Eram raras as vezes em que a gente se encontrava. Afinal ele sempre estava com pressa. Mesmo com 80 anos ainda trabalhava. “Aposentar pra que? Se Deus me deu saúde, vamos trabalhando”, dizia ele, sorrindo e se despedindo. E quando a saúde foi vencida ele partiu. Partiu certo de que a vida é bela e cheia de lindos e inesquecíveis momentos. Mesmo que um deles seja deixar o afilhado vencer no jogo de damas.