quinta-feira, 31 de outubro de 2013

De como a pitanga se eterniza na memória de Ester - “No meu tempo de criança” (III)

Não tinha porque ser diferente: rua das Pitangueiras só podia ter este nome por causa da grande quantidade de pés da fruta. Mas antes que a rua fosse cortada por avenida, as crianças que moravam naquela região se divertiam saboreando a fruta. Isso acontecia lá pelo final da década de 1960, início da de 1970. E a diversão envolvia Ester e seu grupo de amigos e amigas. Para quem não conhece, a rua das Pitangueiras, em Jundiaí, está na região do Vianelo, bem no entorno do Hospital que leva o nome da fruta e que pertence ao grupo Sobam. A brincadeira era simples, mas muito saborosa: Uma das crianças do grupo era escolhida para fazer a parte ruim para ela da brincadeira: enquanto as outras se juntavam debaixo de uma das pitangueiras. Olhos fixos na árvore e boca aberta. O objetivo do jogo era um só: a criança que não se posicionara debaixo da pitangueira, chacoalhava a mesma e as outras crianças corriam em busca da fruta, mas deveriam pegá-la com a boca! Ganhava a brincadeira, quem conseguisse pegar mais pitangas com a boca. Quem pegasse a quantidade menor da fruta, chacoalhava a árvore na rodada seguinte... E haja pitangas para serem devoradas pelo bando de crianças felizes!!! Ester nasceu ali, cresceu ali, viveu nesta região uma das melhores fases de sua vida. Haviam dias de se curtir a natureza por parte destas crianças: sentavam na calçada e ficavam vendo os pássaros cantando nos galhos, atraídos pelas frutas. E eram estas crianças e estes mesmos pássaros que muitos dias disputavam as frutas no pé. Claro que sabemos que as árvores não são eternas, que os pássaros que pousam em seus galhos têm um tempo limitado de vida e que as crianças crescem, mudam, buscam outros ares e o local, por conta do progresso se transforma. E hoje, ao cruzar aquela rua, a mesma rua das brincadeiras de “cata pitanga” que Ester se depara com uma nova realidade: algumas destas árvores foram queimadas, outras arrancadas e outras, incrivelmente envenenadas. E a rua se transformou! Aquelas dezenas de pés de pitanga deixaram de existir. Somente uma está lá hoje, para fazer Ester se recordar de um passado maravilhoso. E toda vez que passa por ali parece que ainda sente o gosto das pitangas em sua boca. E se Ester pudesse resumir uma cor, um sabor, um aroma de infância, certamente isto tudo seria de pitanga! (Uma história de Ester Benessutti; Texto: Nelson Manzatto)

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Quando Tarzan enriquecia a vida de Josyanne! - “No meu tempo de criança” (II)

Brincar nas ruas do Umarizal, em Belém do Pará, era a realização de Josyanne. Para ela não importava quantas pessoas faziam parte de seu grupo de amigos na brincadeira. Podia até brincar sozinha! Afinal, ser criança é um sonho eterno de todos os humanos e crescer era tentar fazer o tempo voltar. Só pra brincar na rua outra vez... Num bairro onde o meio ambiente era parte da vida de todos, as árvores que floriam a rua onde a avó de Josyanne morava eram sua realização. Principalmente quando o caminhão da Prefeitura passava por ali e podava os galhos maiores, para deixar a rua mais limpa e as árvores mais frondosas. E era neste ponto que Josyanne se transformava! Árvores podadas, galhos deixados na calçada para outro grupo de funcionários fazer a limpeza, e Josyanne “virava Jane”, principalmente porque adorava os filmes de Tarzan e se metia no meio dos galhos e, “fazendo charminho” não escolhia ninguém para viver esta aventura com ela, brincando de “casinha” no meio dos galhos. As folhas das árvores eram como se fossem a cobertura de sua casinha e sua alegria era sonhar no meio de tanto verde. Mas... ah! Como existe sempre um mas... A brincadeira de Josyanne terminava e saia ela do meio dos galhos, com seus longos cabelos enfeitados de folhas... Podia até ser motivo de alegria estas folhas, mas não... não eram! Elas vinham enroscadas no cabelo e recheadas do inseto “maria-fedida”. Era a grande dor de Josyanne. As lágrimas rolavam por seus olhos por conta da gozação dos amiguinhos que se vingavam dela, já que não foram convidados para participar de sua “aventura” no meio dos galhos... Como se eles não fossem sair dali recheados de “maria-fedida”! Hoje, morando em Jundiaí, Josyanne pouco vai a Belém. Mas ela sabe que restam poucas das casas de seu tempo de criança. O local está cheio de prédios e mangueiras seculares tomando conta das grandes avenidas. Mas cada vez que alguém fala de Belém, de Pará ou de “maria-fedida”, os olhos de Josyanne se enchem de brilho. Um brilho úmido e cheio de saudade, transformando a doçura e a inocência de uma criança em um tempo que não volta mais. Apenas na doce lembrança de quem soube criar uma aventura num monte de galhos. Mesmo que isso lhe trouxesse uma marca triste, mas havia a esperança de que, em breve, o caminhão da Prefeitura estaria ali de novo, para cortar galhos e lhe permitir ser Jane outra vez. Só pra se aventurar no universo do faz de conta! (Uma história de Josyanne Rita de Arruda Franco; Texto: Nelson Manzatto)

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

O vendedor da revista Ave Maria

A visita acontecia apenas uma vez por ano e a gente sabia que ela seria entre setembro e outubro. E o visitante tinha um objetivo: vender assinaturas da revista “Ave Maria”. Vender não era bem o termo, mas renovar o que minha mãe já fazia há anos! E líamos seu conteúdo porque, no final da década de 1950 e início da de 1960 e igreja era totalmente fechada aos fiéis e as revistas religiosas seriam para contar histórias de santos, milagres acontecidos e fotos que era o que gostávamos de ver. Mas o que acabava sempre provocando alguma briga entre os filhos de dona Angelina eram as palavras cruzadas e piadas que vinham publicadas na penúltima página da revista. Quando ouvíamos o bater palmas no portão e, pela janela da sala, víamos que era o homem de barbas brancas, batina marrom e um cinto branco com uma pasta preta nas mãos, sabíamos que era o vendedor da assinatura. Era hora de correr ao portão, beijar a mão do frei e trazê-lo para dentro de casa. A partir daí, a conversa era entre ele e minha mãe. Não participávamos da “negociação”. Mas a gente sabia que dona Angelina pagava a assinatura à vista e em dinheiro, principalmente porque o pagamento de meu pai vinha no bolso da calça e, em casa, era guardado em uma cômoda, na sala, no meio de uma revista “O Cruzeiro” onde meu pai guardava também os documentos, principalmente as certidões de nascimento dos filhos. Outra parte do pagamento ficava no quarto, no criado-mudo. Nunca debaixo do colchão... Depois que minha mãe definia os valores da assinatura e a contribuição para os freis, ela chamava os filhos à sala. Um a um tomávamos a benção do mesmo que passava a mão sobre nossas cabeças, fazendo uma leve cruz. Em seguida, abria a pasta preta e, como num passe de mágica, tirava de dentro delas, santinhos, medalhinhas, terços, folhetos com orações e pequenas imagens de santos. “Um apenas cada um”, dizia minha mãe. O frei sorria e quem escolhia uma medalhinha, ganhava um santinho. Mas pequena imagem não tinha como: era uma apenas e para todos. Santinhos escolhidos, medalhinhas separadas, esperávamos a benção do frei que retirava da bolsa uma garrafinha com água benta e, além das figuras dos santos, todos nós éramos abençoados. Bolsa fechada era hora da partida! Acompanhávamos o frei até o portão que, mais uma vez abençoava a todos. Depois da despedida, corríamos para dentro e ver o que cada irmão tinha escolhido e já trocando ideias para o que pedir ao frei na próxima visita. Mesmo sabendo que ela aconteceria somente um ano depois...

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

“No meu tempo de criança” (I) As conquistas de Alcides

Quem ouvia Alcides contar histórias, sabia que tudo era verdade, pois ele fazia questão de dar detalhes, de explicar a rua, as pessoas envolvidas, até as roupas que usava. E olha que as histórias não aconteceram ontem ou anteontem. Claro que Alcides se foi, não está mais aqui, mas foram quase 94 anos de muitas histórias, muitas delas recheadas de humor! Estudar teve pouca oportunidade, tanto que só fez o primário. “Estudei até o quarto ano”, costumava dizer. Seu primeiro trabalho foi ser barbeiro, mas a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí o chamou e foi ser guarda trem. Mas suas histórias de infância jamais serão esquecidas e se o título deste texto fosse “Peralcides”, podem ter certeza de que era isso mesmo: “Peraltices de Alcides”, tantas foram as artes que fazia. “Bater o pé da aula” era comum no seu tempo, assim como no tempo de todos nós. Mas as peraltices eram muitas quando ele e os amigos decidiam faltar da escola. Coisa de criança nem sempre é feita com maldade... mas para os envolvidos, “era maldade pura”, no modo de agir e pensar. E o grupo de amigos que decidia faltar à aula não tinha duas ou três pessoas. Eram oito, nove, dez. A classe, neste dia, ficava praticamente vazia. Morador da rua Regente Feijó, na Vila Arens, passou a infância neste bairro. Aliás, casou e viveu no bairro até mais de 60 anos e seu lazer favorito, quando pequeno era nadar! Junto com os amigos lá ia ele em busca da lagoa, perto da Vulcabrás que, imagino, nem existia na década de 1930. Perto da escola, já passava em algumas casas do bairro, roubava frutas das árvores e saía correndo, pois percebia a presença de alguém no local. E iam rindo da conquista. Não foram poucas as vezes que foi flagrado pela dona da casa na árvore colhendo frutas. Os amigos já tinham conseguido fugir, mas ele – sempre ele – ficava para trás. Não por ser o menor da turma, mas por querer mais... Apanhava da professora por faltar à aula e, depois, a mãe lhe puxava a orelha, pois ficava sabendo do fato. Certa vez o apagador “voou” da mão da professora, lhe atingindo a cabeça, assustando a todos, pois provocou um ferimento, chegando a sangrar. E outras vezes, ao invés de fruta, a ação a ser desenvolvida era outra: invadir o galinheiro e roubar ovos... E aí, o grupo atravessava a linha – e talvez isso o fez gostar tanto de trens... – e se dirigia para a lagoa. Mas quem acha que a ação terminava com o banho apenas, está enganado. No caminho para o local do banho o grupo encontrava latas – a maioria de banha, produto muito comum na época – e ali eram colocados os ovos. O grupo abastecia a lata com água, improvisava uma fogueira e colocavam os ovos para cozinhar. Enquanto isso, o grupo se divertia na lagoa. Banho tomado, rumo da casa... Mas antes, todos sentados ao redor da fogueira, comiam os ovos cozidos. Ao chegar em casa, sua mãe, ao perceber os cabelos despenteados e molhados lhe dava outra surra. Mas como ele dizia, apanhar da mãe não doía, o importante eram as conquistas daquele dia. (história vivida por Alcides Crivelaro “in memorian”. Homenagem especial na estreia do projeto)

domingo, 6 de outubro de 2013

A visita dos “Capuchinhos”

Posso estar equivocado, mas foi em 1961 que os missionários “Capuchinhos” estiveram em Jundiaí, mais precisamente na Igreja da Vila Arens, para uma visita. Claro que ela só podia ser de missões... E me lembrei disso porque estamos em outubro, o chamado “Mês das missões”. O movimento na Paróquia foi enorme. Visitas às casas, às escolas e celebrações todos os dias, além de reuniões e encontros com os missionários. Hábito marrom, cinto branco, prá realçar, na cintura e sandálias nos pés. Maioria deles com barba e sempre um sorriso permanente nos lábios. Antes da missa das crianças, no domingo, lá estava um deles no púlpito, ensaiando com todos. Objetivo era tornar a celebração mais alegre! E sempre um cântico novo. Mas desde o primeiro ensaio até o dia de irem embora, a música que mais marcou minha vida foi “Mãezinha do céu”. Claro que não me lembro os nomes dos missionários, mas o que ensaiava já chegava, da Sacristia, com o microfone na mão cantando “Mãezinha do céu eu não sei rezar, eu só sei dizer quero te amar, azul é teu manto, branco é teu véu, mãezinha eu quero te ver lá no céu...” e o coro de crianças arrepiava a igreja. Literalmente! Quando terminávamos de cantar e olhávamos um para outro haviam lágrimas nos olhos, os rostos estavam vermelhos, haviam crianças soluçando de emoção... E vinha a celebração, mais cânticos e a Paróquia ganhou de presente uma imagem de Jesus Crucificado que desceria da cruz na Semana Santa. Esta imagem fora colocada na porta central da igreja, com uma placa impressa, informando a época da visita. E outro dia, quando me lembrei das missões, corri até a Igreja à procura da imagem. Como não frequento mais esta igreja, já que morro em outro bairro, imaginei que a imagem estivesse ali, ainda. Mas não estava mais. Mas me lembrei da visita dos capuchinhos, da visita à escola, ao Grupo Escolar Paulo Mendes Silva. Na hora das classes formarem fila antes de seguir para a sala de aulas, à espera das professoras, o que vimos foi um grupo de capuchinhos seguindo em fila e puxando o cântico “Mãezinha do céu eu não sei rezar...” Confesso que até hoje talvez não tenha aprendido a rezar direito, divagando nos meus pedidos, nas minhas lamentações. Mas toda vez que ouço este cântico, toda vez que a Igreja fala em missões, me lembro do trabalho destes homens de Deus, pregando a palavra e deixando uma mensagem especial nos nossos corações...