quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

A sesta de domingo

Conheci Francisco Dias quando ainda não era “Tio Chico”. E isso foi lá pelos anos de 1960, imagino. Data e fato, claro, minha memória não registra mais, mas sei que foi na rua Marrocos, onde passei muitas tardes de domingo quando meus pais iam visitar meu avô que morava ali. Lembro-me do ocorrido neste domingo, porque, como criança, ainda não tinha presenciado tal fato. Imagino que tenha sido o almoço de noivado de meu tio Geraldo e minha tia Edith. Acho que não era de minha tia Teresa e o tio Chico porque ele é o personagem central do que registro aqui. O fato é que após o almoço do domingo o futuro Tio Chico sumiu das rodinhas de bate-papo: uma formada pelas mulheres, outra pelos homens e, espalhados pela casa, pelo quintal e pela rua, estavam as crianças. Dei falta dele porque era a primeira vez que o via e como toda criança curiosa ou já com o “sangue” de jornalista nas veias, disposto a desvendar mistérios ou a registrar fatos, sai à sua procura. Como as rodinhas dos adultos eram na sala e na cozinha, já que não havia televisão, fui procurá-lo no quintal, receoso de que tivesse ido embora ou dar uma volta pelas ruas sem movimento. Encontrei-o deitado num banco, cochilando. Confesso que levei um susto, porque o tinha como um homem forte, saudável e, vendo-o cochilar ou dormir literalmente, pensei que não estivesse passando bem. Recuei até a cozinha – afinal cozinha é sempre o ponto de encontro de mulheres – e cochichei com minha mãe, perguntando se ele não estava bem de saúde. Minha mãe sorriu e, aproveitando que minha tia Teresa estava ao seu lado, “entregou” a ela o que lhe contara. Tia Teresa foi mais clara do que minha mãe: gargalhou e disse que ele estava só cochilando, descansando, “tirando uma sesta”. Não me lembrava de ter visto meu pai fazer isso, até porque durante a semana ele trabalhava e, geralmente aos domingos, acabávamos de almoçar e íamos para a rua Marrocos visitar o único avô vivo que tínhamos. Foram poucos os encontros de almoço como este na casa de meu avô, mas confesso que a sesta de meu tio Chico marcou minha memória de criança como um fato que nunca tinha presenciado. Hoje me lembrei dele, de meu tio Chico que partiu há alguns anos, assim como tia Teresa. Não sei por que, mas me lembrei dele, talvez porque, após o almoço tirei uma sesta, aproveitando a vida de aposentado. E ao me deitar passou pela minha memória o filme que acabei de relatar acima. Confesso que virei do outro lado e não consegui cochilar. Acho que era hora de retomar a vida...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

A matraca da praia

Você já deve ter ouvido falar em matraca: aquela pessoa que fala, fala, fala e fala! Fica “martelando” ao seu ouvido. Mas matraca também é uma peça de madeira com uma plaqueta que se agita fazendo barulho. Peça muito usada, para os católicos, nas cerimônias religiosas de quinta e sexta-feira santas. Agora, matraca na praia é... vamos dizer... um barulho infernal! Até porque, se não bastasse a gritaria dos ambulantes, lá vem a matraca, na base do tec-tec-tec-tec-tec... tec-tec-tec-tec-tec..., diferente do tec...tec...tec...tec... da matraca na procissão de Sexta-feira Santa, substituindo a sineta. E na praia, as coisas acontecem assim: vem o vendedor de sorvete, o da raspadinha, o garoto jogando amendoim em cima de você, além da família que monta uma barraca e traz um som com aquelas músicas que é uma falta de gosto total! E blá-blá-blá daqui, blá-blá-blá dali... Se o passeio pela praia ocorre na semana entre o Natal e o Ano Novo, dá-lhe vendedores dos cartões da Mega-Sena. O curioso é que cada vendedor oferece um valor para o prêmio. Basta escolher o que paga mais... E dá-lhe do tec-tec-tec-tec-tec... tec-tec-tec-tec-tec... É o garoto vendendo biju. Não diz uma palavra, mas a matraca mistura seu tec-tec com a música do som da família que, em meia hora já consumiu dez garrafinhas de cerveja e vai amontoando todas dentro da barraca. E aí... bem aí.... a maré sobe, como de costume, mas a impressão é que a família não sabia disso e desmonta a barraca ali para montar mais pra cima, tentando fugir da água – como se ir à praia significava não se molhar! O problema são as garrafas que se quebram com a mudança de local. Mulher reclama do marido e o garoto da matraca se oferece para ajudar, mas se afasta ao ver os cacos de vidro espalhados pelo chão. E lá vai o som da matraca se afastando. Mas o bom é enfrentar o sol, molhar o corpo e sentir o gosto da água salgada para depois saborear uma cerveja. Mesmo que por perto esteja a matraca da praia!