quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Alzheimer

No meu trabalho como ministro da Eucaristia na Paróquia do Cruzeiro, na Vila Progresso, acabei conhecendo dois idosos, portadores do mal de Alzheimer e sempre me sentia triste ao ver a situação de seu Pedro e dona Elídia. Ele com 88 anos e ela com 90, isso há quatro anos. Curioso é que percebia que não me conheciam toda vez que chegava às suas casas, mas na conversa com familiares, sabiam que toda semana o padre ia às suas casas. Dona Elídia jamais largava a pequena boneca nos braços, apenas a soltando no momento de receber o Corpo de Cristo. Seu Pedro estava mais debilitado, não saía da poltrona onde passava o dia vendo televisão ou apenas olhando para o aparelho ligado. Já dona Elídia era mais ativa: passeava pela casa, sempre observada pelos filhos e netos, mas mesmo assim era comum encontrar a chave do cadeado dentro da geladeira ou dinheiro escondido dentro de meias no guarda-roupa. Foi assim durante três, quatro anos: todos os domingos, tentando conversar, mas sem obter respostas. Foram poucas as vezes que ouvi “Amém!”. Os dois já estão no convívio de Deus. Algumas vezes voltei a rever os filhos de dona Elídia, mas depois que seu Pedro se foi, sua esposa, dona Maria, não resistiu à saudade e foi em busca do grande amor de sua vida. Se a doença proporciona esta “lavagem cerebral” não sei vislumbrar a intensidade disso, mas me lembro de um fato que entra neste contexto: um amigo, que era médico, visitava o pai, praticamente todos os dias em seu apartamento, onde morava com uma enfermeira. Numa dessas visitas, o pai chega na sala onde o filho acabara de entrar, os dois se cumprimentam, o doente sorri, algo que não fazia há muito tempo e diz ao filho que nem sempre sabe quem é: “Arrumei um amigo que acho muito simpático. Acabei de sorrir para ele e receber o sorriso de volta!”. O jovem quis saber onde o fato acontecia, onde estava o amigo, pois ali moravam apenas seu pai e a enfermeira. O velho sorriu e apontou uma porta no corredor: “Ali!” O rapaz seguiu pelo corredor, pensou em desistir quando sentiu onde estava chegando. Seus olhos ficaram cheios de lágrima, mas foi até o fim. A porta aberta denunciava que o local era o banheiro social do apartamento, o “amigo” estava no espelho, instalado no local.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A história de Sofia

Ela era assim... atabalhoada, agitada, preocupada. Sempre! Com uma pequena deficiência mental, Sofia vivia na igreja de Vila Arens. Aos domingos estava em todas as missas. Ora distribuindo folhetos na porta, ora na sacristia, esperando pelo padre. Quando Padre Arlindo foi vigário, na década de 1970, Sofia gostava muito de lhe dar presentes: meias, lenços e pentes, principalmente pentes, mesmo tendo o vigário poucos cabelos. “Ele disse que eu sou boazinha?” perguntava para as pessoas que ela via conversando com ele. Queria saber se gostara do presente, se gostava dela. Durante a semana passava pela Secretaria Paroquial só para recolher os papéis nas lixeiras, só para que o padre lhe dissesse “Bom dia Sofia!” E saia feliz, radiante... “ele falou comigo!” Interessante ver como agem as pessoas humildes, dóceis, prestativas, aquelas que são realmente bem aventuradas. E Sofia foi assim! Quando a missa terminava e o sacristão ia fechar as portas da igreja, lá ia ela, de banco em banco, para ver se não haviam sobrado folhetos de cânticos, deixados por algum fiel. Recolhia todos rapidamente e levava tudo para a sacristia. Deixava a igreja satisfeita com o dever cumprido. Conversava com todo mundo e se surgia o nome de algum padre, seu rosto brilhava de alegria e já queria saber se ele tinha dito algo a respeito dela. E se as pessoas são dóceis e humildes, nem sempre o destino corresponde a isso: um feio dia (porque belo seria se isso não acontecesse!), Sofia decidiu atravessar a rua atrás de um caminhão de concreto que ela imaginou estacionado junto à calçada. Mas ao colocar um dos pés na rua, o motorista engatou a ré e o que era dócil se acabou, se foi... E Sofia nunca mais apareceu na sacristia ou na Secretaria Paroquial. E na missa de sétimo dia, o padre fez questão de dizer a todos que Sofia tinha sido boazinha e que tinha garantido seu lugar no céu...

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

A arte de ensinar!

Para explicar o movimento de rotação, a professora, dona Gemma, reuniu alguns alunos na frente do quadro negro, colocou um no meio da roda e os outros girando ao redor dele. Era uma explicação simples, sem pesquisas em livros. Quando a aula terminou, os alunos deixam a sala de aula indo para casa e comentando no caminho a facilidade da explicação. Todos tinham entendido. Em casa, os alunos comentavam com os pais e se mostravam felizes com que dona Gemma dizia. No outro dia, alguns alunos – pois na década de 1950, as classes não eram mistas, ou seja, meninas não se misturavam com meninos – levavam flores ou Sonho de Valsa – único tipo de bombom existente na época – para a professora. Ela se sentia envaidecida, mas os que não levaram acabaram chamando os outros de “puxa sacos”. E aí, bem aí a professora não chamou nenhum grupo na frente para explicar a situação. Para ela, o mais importante era o aprendizado. Para alunos do terceiro ano primário entenderem o significado do movimento de rotação era mais importante do que flores e bombons. Mas servia para mostrar o reconhecimento dos pais ao ensinamento dado na sala de aula. A gente via no semblante da professora a satisfação do dever cumprido. E a reação de todos a levou às lágrimas, pois quando terminou de falar, os alunos, sem combinar, mas por instinto inexplicável, se puseram de pé e aplaudiram a mestra. O Grupo Escolar Paulo Mendes Silva, na rua General Carneiro, esquina com a rua Fernando Arens, funcionava com alunos em três horários: das 8 às 11, das 11 às 14 e das 14 às 17 horas. E isso, de segunda a sábado. Por conta do grande número de alunos, uma classe funcionava em outro local: na rua Moreira César, num pequeno salão, próximo à farmácia do Arquimedes. E neste ano, a minha turma tinha aula neste prédio: um pequeno salão, com cerca de 30 carteiras duplas, abrigando os alunos. Sentíamos isolados e sempre que terminava a aula, os garotos subiam até o prédio principal apenas para rever colegas que haviam mudado de classe ou apreciar as meninas que entravam e saiam do prédio. Carrinhos de pipoca, de raspadinha ou de biju nunca desciam a Moreira César para satisfazer um grupo de alunos. Por isso – e este também é outro motivo – nos levava até o prédio central da escola. Lembrar de lágrimas de professoras significa perceber a sensibilidade das mesmas. Nem sempre havia vaso de flores sobre a mesa das professoras, até porque saía uma e entrava outra. Quando o sinal tocava para uma turma sair, a outra já estava no pátio pronta para seguir o caminho das salas de aula. E a gente via a professora saindo com o vaso com meia dúzia de flores. Feliz por ter certeza de que tinha cumprido seu dever: o de ensinar e educar as crianças... Os bombons, curiosamente, Dona Gemma repassava para alguns alunos que se destacavam durante a aula.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Mudança de vida!

Sentiu uma dor forte no peito. Apoiou-se no encosto da cadeira para se manter em pé. Quis gritar por socorro, mas o grito de dor foi maior e seu corpo deslizou, num pouso forçado no chão. A noite caia lá fora e a chuva forte avisava que não iria parar tão já. Relâmpagos e trovões misturaram-se ao grito de dor, enquanto a energia elétrica deixou o ambiente na escuridão. O gerador demorou ainda cinco minutos para ser ligado na empresa e, como ninguém podia ir embora, mesmo com o expediente encerrado, por causa da chuva, o corpo estendido no chão, na sala da presidência, acabou sendo descoberto pela secretária de diretoria e o ambiente mudou de preocupação com a chuva, com o que teria acontecido no local. Quando o médico da empresa, chamado às pressas e que por sorte estava ali por causa da chuva, constatou o infarto, o chamado da ambulância se fez necessário. Mas não se pode dizer que o destino prega peças às pessoas, pois, por causa da chuva, as principais ruas da cidade estavam congestionadas, dois acidentes, na avenida de acesso à empresa atrapalhavam qualquer solução para a chega de socorro. Uma maca do ambulatório ajudou a ajeitar o corpo do diretor infartado e havia a certeza de que não era fatal! Mas havia o alerta de que o fato poderia se repetir e isso preocupava as poucas pessoas ali presentes. Nos corredores e no pátio da empresa, o movimento já era grande, com funcionários indo em busca de seus lares, ignorando o que acontecia no prédio da administração. Encaminhado ao hospital e tendo recebido atendimento, chamou o médico da empresa para saber como repercutira entre os funcionários o que lhe acontecera. Após saber que os 200 funcionários em serviço na hora tiveram a informação e que apenas o médico, sua secretária e mais um diretor aguardaram notícias sentiu que era hora de mudar de postura. Refeito da enfermidade e tendo retomado o trabalho, logo no primeiro dia deixou sua sala e percorreu todas as repartições cumprimentando cada um dos funcionários e se desculpando por não prestar atenção na existência deles. Ao refletir que a vida era curta e que podia se acabar de repente, sentiu que a fraternidade e a partilha são essenciais para um mundo melhor. E mudou! As portas de sua sala passaram a ficar abertas a todos os trabalhadores e os finais de semana se transformaram em encontro de amigos, cada um dividindo a alegria de viver com outro.