segunda-feira, 19 de outubro de 2015

PERSONAGENS (26) A seriedade do comendador Martinelli

Durante os anos de 1968 e 1969, período em que trabalhei na rádio Santos Dumont de Jundiaí, minha convivência com o comendador Hermenegildo Martinelli foi praticamente diária. Afinal, ele apresentava o programa “Sorrisos de Nossa Senhora”, às 18 horas, diariamente, e era neste horário que eu trabalhava. Meu programa diário era das 17 às 18 horas, depois, fazia a passagem para o programa religioso, assim que encerrava, fazia a passagem para o programa de esportes, das 18h20 às 18h30 e, em seguida, entrava o programa “Hora Nipônica”.
E o comendador chegava sempre cinco minutos antes do horário. Sentava no estúdio com seus livros de meditação e oração e aguardava pacientemente seu horário.  Como quase todos os dias havia um sacerdote para uma reflexão, Martinelli acompanhava este momento até o final, mesmo não intervindo mais ao microfone. Sua ação diária, quando havia o sacerdote – e muitas vezes era o bispo Dom Gabriel quem entrava ao vivo, mesmo que por telefone - , se resumia na oração do Angelus. Se sozinho, a reflexão se estendia até o final do horário.
Sempre de terno, gravata borboleta, o comendador, que também era vereador nesta época, esboçava um pequeno sorriso ao chegar, cumprimentando com seu “Boa tarde” e repetia a mesma postura ao se despedir, agora com o já “boa noite”. Por conta de ser vereador, nas noites de quarta-feira, quando havia sessão – e ela era sempre transmitida pela Santos Dumont – o comendador abandonava os livros de meditação e chegava ao plenário com pastas com documentos para saber o que falar e fazer nos momentos de votação ou de troca de informações entre os políticos. E quando chegava ao plenário, fazia questão de acenar para a equipe da rádio presente ao local. E a equipe era o técnico de som e eu.
Foi vereador entre 1948 e 1976, sendo secretário, vice-presidente e me lembro que certa vez – das poucas em que conversávamos no estúdio – comentou que a rádio Difusora de São Paulo fizera uma enquete e ele foi eleito o Vereador do Ano. Seu sorriso foi mais prolongado do relatar o fato. Digo que conversávamos pouco, primeiro porque, por conta de seus afazeres, o comendador chegava ao estúdio “em cima da hora” e eu não podia estender diálogos por conta do programa que comandava. E ao final do “Sorrisos de Nossa Senhora”, já estava eu novamente no estúdio anunciando o programa de esportes e o comendador já tinha ido embora.

O “sorriso sério” do comendador ficou marcante em minha vida. Quando deixou este mundo em agosto de 1979 eu já não estava nem na rádio e também nem no jornal. Desenvolvia minha empresa de prestação de serviços. E me lembro da multidão que foi dar seu adeus a um dos vereadores que mais vezes foi reeleito.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

PERSONAGENS (25) A rápida passagem de Marcelo Zeni

Existem pessoas que, não sabemos por que, passam por nossas vidas e deixam marcas profundas. E Marcelo Zeni é exemplo típico disso. Me lembro de sua alegria de viver e de sua luta para continuar. Uma luta que terminou cedo porque ele se foi bem antes dos 40 anos. Conheci Marcelo na década de 1970 na JCM – Juventude Cristã em Marcha – um grupo de crianças, jovens e adolescentes que existia na Paróquia de Vila Arens, em Jundiaí, e que substituiu a Cruzada Eucarística Infantil. Deveria me lembrar dele porque era mais um membro da família Zeni que passara pelo grupo: me lembro de Maria Angela, Adalberto, Maria Elídia, Afonso e depois ele, o mais novo da família de Pedro e Elídia Zeni. Ele, um homem de apenas um braço que perdera o outro num acidente, e que dirigia o caminhão da Vic Maltema, produto similar ao Toddy e Nescau.
Mas, disse que deveria lembrar-me dele, por conta da família, mas o que gravou Marcelo em minha vida foi sua vontade de viver, seu sorriso constante, seu olhar buscando sempre novos horizontes. Marcelo, quando o conheci, não tinha mais do que dez anos. Acho que nem chegara neles ainda! Deixei o grupo quando mudei para Campinas por conta da profissão e ele desapareceu da minha memória. Mas não foi para sempre!
Reencontrei Marcelo quando voltei a morar em Jundiaí, já na metade dos anos 1990. E ele era meu parente: casara com a filha de meu primo Norberto Perboni, mas o contato não passava de simples “olá, tudo bem?”, “abraços à família”. Até que um dia ele me descobriu no comando da redação do Jornal de Jundiaí e isso já estávamos neste milênio. Ligou para dizer que estava enviando uma carta para sair no espaço dos leitores e queria saber se poderia ser publicada. Me chamou de “tio”, rindo, como nos tempos da JCM, mas fui obrigado a corrigi-lo, dizendo que agora a gente era primo, muito mais parente do que o “tio” que ele dissera.
Carta publicada, telefonema de agradecimento e, uma semana depois, o fato se repete. Foram várias vezes que me enviou carta para publicar. Discutíamos o assunto, falávamos sobre política, sobre a cidade e sobre família. De repente, Marcelo sumiu: uma semana, duas sem ligar. E isso me fez lembrar dele. Foi então que soube que estava doente. Uma doença destas que não tem cura e que me fez meditar mais sobre o garoto e o agora homem casado e pai, Marcelo Zeni. E nesta lembrança, ele reaparece numa nova ligação: voz baixa, sorriso fechado, mas senti, mesmo sem vê-lo que havia uma vontade grande de viver: “to aqui ‘tio-primo’, to lutando, vencendo batalhas, perdendo outras, não sei até quando, mas a vida é assim, não é? Segue aí outra carta, veja se dá para publicar. Estou superando o tratamento, mas acho que vou longe ainda.”

A conversa não foi além, foi a última. A carta saiu no dia seguinte. Alguns dias depois quando chega a lista de necrologia à redação, meus olhos visualizam seu nome. Confesso que me emocionei. De novo me lembrei do garoto, agora jogando bola na quadra do “Dragão Mecânica”, depois o já homem casado e senti que a vida nos prepara peças incríveis, mas nos dá lições de pessoas maravilhosas e cheias de alegria e vontade de viver. Como Marcelo Zeni que já se foi há dez anos imagino eu.