terça-feira, 4 de março de 2014

Uma infância nunca perdida (No meu tempo de criança – XXII)

Nasci numa cidade do interior do estado de São Paulo, onde todo mundo conhecia todo mundo, e também havia comadres e compadres em todas as esquinas a manterem as vidas uns dos outros sempre atualizadas. As casas não eram tão juntas umas das outras, não existiam prédios com seus andares intermináveis, mas a proximidade das pessoas não se media: éramos como uma grande família sempre disposta a cuidar dos filhos pequenos da vizinha numa qualquer necessidade. Toda mulher mais jovem era chamada, pelos pequenos, de "tia" e todas as senhoras idosas eram eternas "avós" de toda aquela prole de famílias que não se preocupavam com o número de filhos. Lembro-me, até hoje, acordávamos cedinho com o som do radinho de pilhas do meu avô que não perdia um programa do "Zé Bétio", e pela casa exalava aquele cheirinho de café moído na hora pela minha avó que sovava pão um dia sim outro não, com a própria força dos punhos para que pudéssemos tomar o café da manhã antes de começar a brincadeira, que por sinal nunca era dentro de casa que era eternamente limpa. Tínhamos um quintal que não era murado, mas o perigo aparentemente não existia, todos cuidavam das crianças. Sempre à tarde aparecia uma comadre, muitas vezes com uma tigela de doce de abóbora quentinho ainda. Era um comércio sem renda nenhuma: minha avó fazia pão e mandava embrulhado em pano de prato alvejado para a vizinha, a mesma que aparecia com o doce. Era um costume que não se perdia, pois eram muito comuns essas visitas que com o tempo se repetia na casa de meus pais. Essas lembranças se reavivam em minha memória, toda vez que sinto o cheirinho de pão caseiro ou vejo um delicioso doce de abóbora que muitas vezes eram saboreados juntos. Nossas brincadeiras, aquelas que as crianças de hoje desconhecem, eram na maioria das vezes realizadas sem brinquedo nenhum. Tinha muita correria! Subir em árvores era minha preferida, os meninos faziam bolas com meias velhas e as meninas brincavam de serem mães como se treinassem para um futuro próximo. As brincadeiras de roda, quase sempre, eram compartilhadas por alguma mocinha da família, que ainda era tratada como criança, mas já tinha suas responsabilidades domésticas. A saudade daquela época é iminente, mas tenho plena certeza de que vivi em tempo que enquanto se brincava criava lembranças inesquecíveis. Lembranças essas que poderão ser reativadas a qualquer momento. Basta ouvir o som do "Zé Bétio". (Uma história de Vânia Regina Correia. Texto: Vânia Regina Correia)

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