sexta-feira, 25 de maio de 2012

Tio João

À primeira vista, pode parecer propaganda de arroz, mas não é. Na verdade, é isso mesmo: meu tio João! E outra verdade é que tive dois tios com este nome e os dois foram meus padrinhos: um de batismo e outro de crisma. O de batismo era o mais velho e a madrinha era sua esposa, minha tia Maria. Uma verdadeira história infantil, olhando por este lado: João e Maria. Para identificar os dois, eu dizia tio João, o novo, ou tio João, o velho. Ou ainda, o de batismo ou o de crisma. João, o velho, era casado com a irmã de meu pai e João, o novo, era irmão de minha mãe. Convivi pouco com o mais velho, até porque morava mai s longe e, como condução era difícil, a gente só se via no final de ano, perto do Natal. Mas por estar sempre adoentado, era minha tia Maria que me visitava e trazia um presente. Como eu morava na Vila Progresso e ele no Anhangabaú, achava que era rico, principalmente por causa do bairro, não me incomodando com a casa velha, precisando de reforma. Quando ele morreu, eu cursava o primeiro ano primário e me lembro que, depois do enterro, voltamos para casa de ônibus. Me lembro de minha tia chorando, do velório em casa e, pouco antes do enterro, as pessoas rezando pela alma de meu tio João. Me lembro de seus poucos cabelos, sorriso constante nos lábios e um olhar triste, motivado, imaginava eu, por sua doença. Por não haver velório na cidade, os corpos eram velados nas casas e, após o sepultamento, durante três noites seguidas, rezava-se o terço na mesma casa, pela alma do falecido e todos participavam da missa de sétimo dia e recebiam uma lembrança com foto e datas de nascimento e morte da pessoa. Fui o primeiro de meus irmãos a perder um padrinho, mas sabia que me restava a madrinha Maria e ainda meu outro tio João, este mais novo e que morava mais perto, visitando a gente mais vezes com sua bicicleta, com um banquinho adaptado na frente, onde levava o filho Celso para passear e eu, como afilhado, aproveitava a situação e quase sempre ganhava carona. O tio João, mais novo, trabalhava num armazém, na Vila Arens, bem em frente à igreja e era lá que minha mãe fazia a despesa mensal e era lá que eu ganhava balas e doces, mas era em sua casa que terminávamos a tarde de domingo, já que morava perto de meu avô José. Meu avô morava no jardim Bonfiglioli, na rua Marrocos e meu tio quase sempre estava por lá.. Mas quando não estava, a gente passava em sua casa, na rua Pitangueiras, que deu lugar à avenida e que era caminho de volta para a Vila Progresso. Diria que os dois tios não eram de muita brincadeira! Mas gostavam de contar histórias e acho que é isso que cativava a criança: ouvir histórias! E tio João, o velho, era um típico contador de história... Fazia o ouvinte sentar em sua perna e gesticulava, contando detalhes. E tio João, o novo, não ficava atrás nessa de contar histórias. Tinha muito de meu avô, José, um descendente de italiano que adorava histórias, principalmente sobre sua infância. Mas seu filho João não contava histórias com ninguém sentado em sua perna. Fazia isso sentado no chão, no degrau da escada, para o “ouvinte” se sentir à vontade. Mas se colocasse um tabuleiro de dama em sua frente, mudava de fisionomia. Se concentrava no jogo e não permitia barulho, para não atrapalhar o raciocínio. E não gostava de perder, mas quando o adversário era uma criança, fazia questão de ensinar o lance certo, mesmo que isso provocasse sua derrota. Sua alegria era ver alguém que tivesse ensinado o jogo, vencendo outros adversários... Já fazem alguns anos que João, o novo, ou o padrinho de crisma se foi. Revi seu olhar sereno, seus cabelos brancos, o pequeno bigode da mesma cor e senti que este mundo acaba nos tirando pessoas de bem. Mas nos deixa a certeza de que, se alguém passou por aqui, e nos deixou marcas que não desaparecem é porque foram pessoas abençoadas. E ter tios com o nome João é uma dupla alegria. É a certeza de que seguindo seus passos a vida é carregada de êxitos e conquistas.

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