segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Rua de baixo contra rua de cima

Gostava de ver meu irmão jogando bola e ele sabia que era bom! Tocava a bola com tranqüilidade, corria, chutava e vibrava com os gols que fazia. Assim era Ademir. Tinha quatro anos a mais do que eu, mas me protegia nas partidas. Na verdade, eu era péssimo jogando bola. Mas ele garantia o jogo sempre que entrávamos em campo. Em campo não, pois naquele tempo jogávamos futebol no meio da rua.
As partidas eram perto de casa, mais precisamente em frente! Vila Progresso, final da década de 50, avenida São Paulo. Rua de terra, com as partidas sendo interrompidas apenas quando passava uma carroça ou algumas bicicletas. E lá vinham os jogadores: a turma do Iotti, o craque Cipó e o pessoal da rua da Várzea, a rua de baixo. Isso, quando o jogo era no nosso “campo”. Se fosse na casa do adversário era num terreno baldio, defronte às casas da Agrícola, na rua da Várzea.
Tinha jogo sem a menor graça: meu irmão e Cipó davam show com a bola e o adversário nem conseguia jogar. A vitória era sempre nossa: do time da rua de cima...
Me lembro que, por perderem quase todas, o pessoal da rua de baixo não aparecia todos os dias para jogar. Então, Ademir contava os jogadores: oito ao todo, olhava para mim, sorrindo e já tomava conta da partida: “eu, meu irmão e o Cipócontra o resto." Eu ficava no gol, mais para não atrapalhar o jogo e isso me deixava satisfeito. Ademir e Cipó tocavam a bola, davam show e marcavam os gols quando queriam. Eu, na posição em que estava, era um privilegiado espectador. Meu irmão fazia os gols, olhava para mim, sorrindo, e já saía roubando a bola e tocando para Cipó fazer mais um...
Uma vez Cipó não apareceu para jogar e lá estavam eu e ele apenas. Como as traves dos gols eram feitas com duas pedras, meu irmão resolveu fazer um desafio. Contou os adversários: seis e já foi ditando as regras do jogo: “eu e meu irmão contra o resto, a saída é nossa, mas nosso gol terá meio metro e o de vocês um metro e meio, mas não tem goleiro, ok?”
Me chamou num canto, deu as instruções e o jogo começou: toquei a bola para ele e, do meio-campo chutou: um a zero! Passou a mão na minha cabeça, fechamos o meio-campo, enquanto eles davam a saída. Um toque e meu irmão já roubou a bola. “Corre”, gritou ele, e lá fui pra perto do gol. Ele driblou dois e tocou no meio da perna de outro para mim. Errei o chute, mas a bola entrou no gol. “Gol dele, gol do Nelson”, gritou ele, correndo em minha direção.
Me carregou no colo – eu não tinha mais do que seis anos, enquanto a maioria já tinha onze, doze. “eu errei o chute”, falei para ele. Mas ele não quis saber. Bola no meio de campo, nova saída e ele me mandou correr. Saí como um jato em direção ao gol. Ele parou a bola, deu um toque por baixo e ela caiu na minha frente. Enchi o pé. Não teve jeito: três a zero. Meu pai vinha chegando do serviço naquela hora e já me chamou para dentro. “Goleada, goleada”, gritava Ademir, gargalhando e realizado. E lá fui eu comemorar com meu pai a conquista e a marcação do meu primeiro gol na vida. Pulei no seu colo, satisfeito e ele fez ginástica para me segurar, pois carregava sua marmita, junto com uma blusa de frio.
Dentro de casa, ele repetia para meu pai e minha mãe a vitória sobre seis adversários. Eu ficava olhando pra ele, admirado, sem palavras, imaginando, sonhando. Talvez pensando na frase “quando crescer quero ser igual a ele...” Mas ele era único. Era não, é! Vivo, firme e forte. Mas foi o único dos seis irmãos que puxou minha mãe no tamanho: não tem mais do que um metro e sessenta e cinco de altura. Eu, como os outros, puxamos meu pai, e tenho um metro e setenta e oito.
Muito tempo depois, quando vi a propaganda de um sutiã na tevê, entendi porque a coisa que fazemos pela primeira vez dificilmente esquecemos.

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