segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um doce presente!


Quando ergui o pano que circundava a mesa, sobre a qual estava montado o presépio, tive minha primeira frustração na vida: não havia presente ali, conforme tinha ouvido dizer um dia: os brinquedos ficam debaixo do presépio e a hora que acordar é só ir buscar... A vontade de chorar foi grande, me lembro até hoje, mesmo que este fato tenha acontecido há mais de 50 anos.
Ouvi meus pais conversando na cozinha, enquanto preparavam o almoço de Natal e procurei meus irmãos mais velhos para ver do que brincavam: eles também conversavam. Apenas Osmar, com pouco mais de um ano, brincava com um caminhãozinho, carregando e descarregando terra no quintal.
Me contive, mais uma vez, para segurar duas lágrimas que tentavam fugir dos meus olhos. Pensei em perguntar para os meus irmãos se a gente era muito pobre e não tinha presente. Se o que meu pai ganhava não dava para comprar brinquedos para a gente. Mas achei que esta não era uma pergunta boa para ser feita. Olhava pelo muro, lá na rua, crianças brincando com bicicleta, com triciclo, com boneca, com carrinho e pensei em ir fazer companhia a elas, mas achei que não era o certo deixar meus outros irmãos em casa, mesmo que fossem mais velhos do que eu, sem terem brinquedos para se divertir.
Percebi, mais uma vez, as lágrimas tentando fugir e tomei uma decisão: espiar de novo debaixo do presépio. Corri até lá, imaginei que tinha presente sim e levantei, mais uma vez, o pano. Nada!
Olhei para o pequeno menino Jesus no presépio e imaginei que ele talvez nunca tivesse tido um brinquedo ou nem tivesse tempo para brincar e me controlei. Mas não sei se vocês percebem, tem muitas vezes que não conseguimos controlar nossas emoções. Pois é, aquelas duas lágrimas escaparam dos olhos e percebi que atrás delas vinham mais...
Passei correndo pela cozinha para que meus pais não percebessem o que estava acontecendo comigo, quase trombei com Osmar que já estava cansado de brincar e vinha guardar o caminhãozinho e fui até o fundo do quintal. As lágrimas desciam em fila, parecia até que vinham de mãos dadas, tão próximas estavam umas das outras. Respirava fundo para segurar o choro, mas não conseguia. Olhei os galhos da goiabeira, passei debaixo da ameixeira, pensei em colher uma manga, mas achei que não devia.
As lágrimas se acabaram e comecei a sentir que estava voltando ao normal. Cantarolei alguma musiquinha para esquecer a frustração e fui para casa, imaginando que meus olhos não estavam mais vermelhos.
Quando chegava perto da porta da cozinha, minha mãe pediu para me sentar à mesa, pois o almoço de Natal seria servido. Vieram Ademir e Ana Maria, meus irmãos mais velhos, e nos sentamos para almoçar. Quando todos já estavam à mesa, meu pai se levantou e foi até seu quarto e voltou com duas caixas. Entregou uma a Ademir e outra para Ana Maria e disse que eram presentes de Natal. Os dois abriram rapidamente: Ademir ganhara um jogo de ludo, Ana Maria uma boneca nova. Nos meus cinco anos senti, mais uma vez, vontade de chorar. Virei o prato, disfarçadamente para esperar a comida, quando meu pai disse para eu até meu quarto, que meu presente estava lá.
Derrubei a cadeira na hora de deixar a mesa, quase pisei no caminhãozinho que Osmar deixara ao lado de seu cadeirão, e corri, corri, corri e não me contive: chorei, chorei e chorei! Ao lado de minha cama estava o triciclo de meus sonhos... Bati o joelho nos pés da cama, mas nem sentir a dor. Montei e já saí pedalando. Na mesa, meus irmãos e meus pais cantavam “Noite Feliz”, que virou tradição na família sempre antes da refeição de Natal. Parei ao lado da mesa para tentar cantar junto, mas como não sabia a letra, saí pedalando. Não me importava se aquele triciclo tinha sido de Ademir e já passado pelas mãos de Ana Maria. O que interessava é que agora era meu, mesmo que dali a dois anos, fosse dado de presente ao Osmar. O importante era aquele momento. Um presente só meu! A realização de um sonho. Mesmo que tivesse sido com tanto sofrimento, com uma frustração inicial que se transformou no meu primeiro Natal inesquecível.
Mesmo que fosse um presente que já passara por outras mãos. Mas sabia que meu pai havia pintado inteirinho, para mostrar que era novo. E presente é sempre presente! Principalmente para quem nunca tinha ganho um. E me lembro que, depois de várias voltas pelo quintal, voltei para almoçar. Mas antes de levar broncas, me atirei nos braços de meus pais que estavam sentados próximos na mesa. E não teve jeito: as lágrimas se deram as mãos e fugiram de meus olhos novamente.

4 comentários:

  1. Também já tive um Natal inesquecível... por isso me emocionei ao ler seu texto! abraços.

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  2. Que sensibilidade, professor! Linda história, me emocionei!

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  3. Nelson, gostei demais, devagarzinho vou ler todas. Grande abraço.
    Capitão

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  4. Legal Capitão. Pena que alguns comentários entram aqui como anônimos, mas o que vale é o comentário...

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