terça-feira, 10 de abril de 2012

Jogo de botão

Jogo de botão em casa parecia dia de festa. E isso acontecia todo dia, toda hora. Quando não vinham amigos do Ademir, a competição era em família. O “campo” era sobre a mesa de jantar. Como a família era grande – seu Alcindo, dona Angelina e meia dúzia de filhos – a mesa tinha mais de dois metros de comprimento e foi sobre ela que Ademir, com réguas, esquadros e uma faca, literalmente riscou o campo. Convencer seu Alcindo de que aquela era a diversão do momento foi difícil, mas dona Angelina salvou a situação, alegando que era melhor ver os filhos brincando em casa do que na rua, sem saber com quem. Foi o suficiente para o “campo” ser desenhado onde Ademir imaginara. Mas os detalhes seguintes é que nem seu Alcindo nem dona Angelina imaginavam que fossem acontecer. Os botões eram vendidos em qualquer papelaria, com distintivo e tudo, todos da mesma cor, mas a gente gostava de inovar e ignorar esta parte. Tínhamos os nossos próprios botões, nossos próprios “craques”. A lojinha da dona Ludovica era visitada por nós para escolhermos botões de calças ou paletós que eram grandes para melhor jogar. De posse dos botões, precisávamos lixar a parte debaixo dos mesmos, para que não pulassem no campo, toda vez que a batedeira os empurrasse em direção à bolinha. E é aqui que entra a surpresa que a gente preparava para nossos pais. Era comum visualizarmos, numa calça ou num paletó, um botão especial. Aquele que considerávamos que poderia ser o craque do jogo. Pronto! Com a tesoura na mão, lá ia um de nós cortar as linhas que prendiam o botão à roupa. Uma lixadinha na parede, para o botão não pular e lá entrava ele em campo para participar do jogo. Muitas vezes usávamos o botão e Ana Maria – a única filha mulher de seu Alcindo e dona Angelina – o recolocava na roupa. Mas outras vezes recebíamos a grande bronca na hora de alguém vestir determinada roupa e a mesma estivesse sem um botão. Nenhum de nós assumia a responsabilidade pelo “desaparecimento” do craque... Mas muitas vezes ríamos ao ver um botão recolocado na roupa e com o verde da parede onde foi lixado aparecendo. Mas se dona Angelina percebesse isso era um “Deus nos acuda” para tirar o botão da roupa, lavar e recolocar. Os jogos eram sérios, tempo cronometrado, juiz para controlar a “violência” dos botões e a partida terminava, sempre com muita animação por parte do vencedor e frustração do perdedor. O tempo do jogo seguia “quase” a mesma linha de uma partida oficial. Eram quatro minutos e meio por quatro minutos e meio, como se fosse 45 minutosX45 minutos. Tudo dentro das mesmas regras. Havia impedimento, faltas e até disputa em pênalti se houvesse necessidade. Era comum, também, os “negócios” envolvendo os botões. Os melhores eram trocados por três ou quatro do interessado, outros não tinham preço no “mercado” e o “dono do time” não vendia. E depois dos jogos, os comentários eram sempre de um lance melhor trabalhado, de a bola entrando no ângulo do gol inimigo, de um gol perdido infantilmente... Enfim, eram vibrações de uma grande partida de futebol. Mesmo que fosse de botão. Mesmo que fosse uma brincadeira. Mesmo que fosse um sonho de um dia, alguém da família, se tornar jogador de futebol. Claro que isso nunca aconteceu. Ninguém virou craque. A mesa onde foi “construído” o campo, hoje não existe mais, mas o que existe são fotografias de lances gravadas em nossas memórias. Um tempo que permanece inesquecível em cada um de nós. Um tempo que o tempo não consegue apagar...

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