quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Mudança?

Os plásticos fornecidos pelos garotos, agora com comida foram entregues a eles, com a desculpa de que aquilo era tudo que havia e que ela precisava sair, pois estava atrasada. Os garotos agradeceram e caminharam até a esquina. Ela trancou a casa e, acompanhada pelos dois filhos, passou por eles, orientando para que comessem tudo e desapareceu na curva da avenida. Quando retornou para casa duas horas depois, um susto terrível. Imediatamente um volume incontável de lágrimas rolou de sua face. Quando virou o trinco da porta da sala, percebeu que o imóvel estava revirado, que ladrões tinham estado por ali. Na cozinha, nada fora mexido, mas em seu quarto as gavetas estavam reviradas. Um velho chapéu de seu falecido pai que ela guardava com carinho, sumira. No quarto dos filhos, shorts e camisetas também. O choro virou coro dos três e o filho mais velho levantou a suspeita: “foram aqueles dois meninos que você deu comida!” A mãe olhou assustada para ele. Neste instante, uma viatura da polícia estacionava em frente à casa, atendendo solicitação do filho mais novo. Uma olhada geral e suspeitas de quem poderia ter sido foram levantadas pela polícia: no banheiro social, um vitrô estava quebrado, sinalizando que ali era o caminho. Vidro quebrado e aberto mostrava que, por ali, uma criança – e só podia ser uma criança por conta do tamanho do vitrô – poderia passar por ali. A porta da cozinha fora aberta normalmente, o que significava que alguém entrara pelo vitrô e abrira a porta para outro. A polícia recebeu uma rápida descrição dos dois e saiu em busca dos mesmos. Meia hora depois, o retorno com os dois meninos. Um momento único! Os meninos chegaram chorando, talvez por medo, e ela começou a chorar, talvez por pena! Um respirar difícil, triste, com sentimento de não saber o que. Pediu o velho chapéu de volta e, com o consentimento dos policiais, saiu com os dois para conversar. Ao retornarem, ela disse que não registraria queixa, que os meninos iriam mudar de vida. Um silêncio profundo tomou conta de todos. Dois pedidos de desculpas encerraram o fato. E uma dúvida surgiu no ar: é possível ao ser humano perdoar tão fácil e mudar de vida tão de repente?

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Sol, chuva e lua

Quando caiu a tarde e as primeiras estrelas começaram a ser penduradas no céu pelas mãos divinas, o pequeno Cristiano imaginou que uma legião de anjos auxiliava nesta ação. Eram muitas, eram infinitas, eram incontáveis! Quando percebeu a lua se ajeitando e começou a aparecer grande e brilhante, imaginou que eram os arcanjos e santos que a empurravam para cima. Vermelha, redonda, completa! Cristiano olhava para o céu cheio de felicidade com tanto brilho e tanta luz. As estrelas piscavam para ele, uma a cada centésimo ou milésimo de segundo! Ele não tinha como contar tudo isso. A lua subia devagar em busca do ponto mais alto do céu. Cristiano se deliciava com tanta beleza. Procurava Deus em tudo isso. Sabia que estava ali, mas só via estrelas e lua. Forçava a vista, para saber se estava atrás das estrelas. Mas... e os anjos onde estavam? Sentou-se no beiral da porta, sem tirar os olhos da lua que subia lentamente. Ficou imaginando que um dia poderia estar ali, junto com os anjos, pendurando estrelas no céu. Sorriu com a ideia, pensou em carregar a lua junto com os arcanjos e de repente sentiu um calafrio na espinha, com sua imaginação: E se fosse escalado para fazer o sol subir? Como isso era feito? Se a lua já era pesada, pois demorava muito a subir, imagine o sol que, pelo tamanho e pelo brilho que estendia, deveria pesar não sabe ele quantas vezes mais. Seu pensamento estacionou agora no dia, pensando no trabalho que dava em carregar o sol sem queimar as mãos. E agora sente um outro arrepio e uma dúvida ainda maior: quem transportava as nuvens cheias de água para provocar a chuva? Será que os anjos do sol não brigariam com os da chuva? Quem tinha mais força? Onde Deus “entrava” para levar paz à situação? Pensou em perguntar para sua mãe, mas achou que iria atrapalhar a novela. Imaginou chamar o pai, mas ele estava lendo jornal, seu irmão Ricardo jogava no computador. E teve, enfim, uma ideia brilhante: perguntar a Deus como era tudo isso. Deu um beijo de boa noite na mãe, correu para o quarto e quis dormir, quis sonhar. E sonhou: um coro de anjos cantava para o sol subir. Quando cansavam vinham outros anjos cantar para a lua aparecer e esta legião era menor: tanto que a lua ficava menor, para um grupo descansar e tinha vez que todos descansavam e a lua não aparecia. E quando chovia, o grupo de anjos crescia de acordo com a necessidade de transportar nuvens. E sonhou se imaginando carregando nuvens de chuva no verão, só prá se refrescar...

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Uma última vez!

Ao rever cenas preservadas em minha memória, percebi que o tempo passou rápido demais e que surgiram ações que não tive como controlar e senti vontade de viver mais uma vez. E senti saudade, recordações, senti que um nó forte se amarrou em minha garganta, que as lágrimas tentaram rolar pelos olhos e fiz deste sentimento ou destes sentimentos uma série de desejos. E queria, pelo menos mais uma vez, passar pela avenida São Paulo, rever o local em que nasci. Mesmo que não haja mais aquela velha casa, os pés de caqui, abacate, laranja, jabuticaba. Mesmo que a pequena gruta que construí ao lado da casa também não exista mais. Afinal, a velha casa deu lugar a um barracão, transformado em depósito de sei lá o quê. E queria, pelo menos mais uma vez, passar pela rua General Carneiro, onde existiu o prédio do velho Grupo Escolar Paulo Mendes Silva. Mesmo que hoje, ali, não exista nem menção do que foi, pois o local se transformou numa série de moradias. E queria descer, pelo menos mais uma vez, pela mesma rua, estacionar meus sonhos em frente à escola do Divino e perceber que o velho professor Daniel não está mais lá para dar aulas de educação física, que o professor Storani não está mais para contar histórias de sua vida, que padre Gabriel não está mais dirigindo o local que tem hoje um visual diferente da década de 1960. E queria, pelo menos mais uma vez, descer aos porões da igreja da Vila Arens, só para acompanhar as lições de religião dadas por padre Hugo nos tempos da Cruzada Eucarística Infantil. E recordar a fita amarela, igual à do Batista, do Max, da Vitória, do Vicente, das Marias irmãs, só prá lembrar da primeira Eucaristia, com celebração do padre Alberto, com foto tirada no estúdio ao lado do Empório Bizarro, onde minha mãe fazia a despesa mensal com seu irmão e meu padrinho João. E queria, pelo menos mais uma vez, transitar pelo prédio atual do Paulo Mendes Silva, agora na avenida Fernando Arens onde fiz o ginásio no local onde funcionava uma espécie de filial do Geva. E passar, pelo menos mais uma vez, por onde funcionava o armazém do seu Valentim, onde comprava a pinga do garrafão e o cigarro Fulgor para meu pai. E queria, pelo menos mais uma vez, rever o prédio onde funcionou o Seminário Jordanianum, em Várzea Paulista, onde pensei que poderia ser padre, mas o destino desta vocação era para meu irmão. E queria, mais uma vez, rever a velha pintura da igreja da Vila Arens onde eu disse meu sim à minha esposa, Rita de Cássia, e rever as casas onde moramos nestes quase 32 anos de paz, só prá reviver cada plano desejado, cada sonho sonhado, cada passo dado. E queria, mais uma vez, rever o salão da capela São Cristóvão, em Campinas, onde meu irmão presidiu a cerimônia de batismo de meu filho, Tiago Alexandre. E queria, mais uma vez, rever o prédio no trevo desta mesma cidade, onde funcionou o jornal, onde trabalhei por longos dez anos e, porque não, rever, mais uma vez, o prédio da rua Major Quedinho, em São Paulo onde a profissão continuou. E rever o trem do subúrbio que tantas vezes me encurtou o caminho até a capital só prá gastar menos com a passagem que de ônibus. E queria, mais uma vez, atualizar a memória e rever as viagens feitas nas férias de trabalho, as praias, os mares, mesmo que todos eles sejam um só. Rever, mais uma vez, as vitórias literárias, as conquistas profissionais, só prá sentir o gosto de ser feliz duas vezes. E queria, mais uma vez, viver de novo todos os sonhos, todos os desejos, todas as alegrias, nem que fosse uma última vez!

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Levando a vida!

Quando vi Valdir entrando na igreja e percebi sua cabeça totalmente branca, sentindo que seus cabelos haviam sido dominados pelo tempo e perdido a cor original, vi que o tempo tinha passado. Claro que havia anos que não o via, mas ver que todos os cabelos estavam brancos, senti que os meus seguiam o mesmo caminho. A surpresa foi igual quando encontrei com João, no centro da cidade e o percebi totalmente calvo. Me aproximei calmamente e o questionei se “se lembrava de mim”. A resposta veio rápida: “amigo, o tempo me fez perder os cabelos e voce ‘grisalhou’, como vou me lembrar quem é?” Claro que a conversa terminou em riso, lágrimas de saudade de um tempo que nos foge das mãos. Mas ficou um misto de tempo perdido nestas coisas da vida que passam como se imaginássemos importantes e não deixaram marcas imagináveis. E o papo girou em torno dos anos que as pessoas perdem longe umas das outras, envolvidas em situações que não se explicam. E não se explicam porque temos que trabalhar, ganhar o sustento, correr para não ser vencido pelo tempo, mas que, de repente, percebemos que perdemos para ele. Mas ver os cabelos tingidos de vermelho da morena Beatriz me fez ter certeza de que o tempo passou não só para os homens calvos ou grisalhos, mas para as mulheres que tentam esconder o que não volta mais. E se houvesse um debate para saber quem envelhece mais rápido, se homem ou mulher, diria que é a cabeça – não os cabelos – que definem a idade do ser humano. Não importa se 30, 60 ou 90 anos, o que vale, o que faz a pessoa viver é a mente. Rugas podem mostrar o desgaste do corpo, mas é a mente que define o tempo de vida que teremos pela frente. Mas é claro que isso não tem lógica. Percebemos que tempo passa para nós, quando nos deparamos na frente do espelho ou no visual do amigo ou da amiga, mas não podemos, nunca, definir o tempo que cada um tem para viver. Pode parecer incoerência o que acabei de dizer, mas a lógica do mundo faz-nos prever que nascemos, crescemos e, depois de muitos anos, deixamos este mundo de Deus para, dependendo da crença de cada um, passar para uma outra dimensão Mas a realidade nos mostra uma infinidade de diferenças. Às vezes ficamos sabendo que, há anos, um amigo se foi e só soubemos disso quando resolvemos marcar um encontro dos formandos do curso X. Definida a lista dos 40, descobrimos que parte deles já chegou à outra dimensão. E isso nos frustra, nos decepciona, nos mostra que passamos junto com o tempo. Refletimos sobre a vida que é só uma, que não há máquina do tempo que nos faça voltar para realizar o sonho que nos fugiu por entre os dedos. Percebemos que o dia de hoje rapidamente será ontem e que o amanhã já está batendo na porta, querendo entrar e passar. E passa, sem perguntar se pode ou se queremos que assim seja e desaparece deixando lembranças ou marcas que não se apagam jamais. Sem querer copiar Vinícius de Morais que dizia que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”, lutamos para levar esta empreitada até o fim, mesmo que tenhamos que perder os cabelos ou deixá-los brancos. Mesmo que tenhamos que olhar no espelho e nos imaginarmos vencedores da batalha, sem que o juiz tenha dado o apito final.