segunda-feira, 14 de março de 2016

O sorvete de abacate

Tem coisas que acontecem na vida da gente que não esquecemos. Por mais que o tempo passe, por mais distante que o fato fique da atualidade, não tem como: não dá para esquecer! E este fato ocorreu na metade do século passado, quase no final do milênio! Já contei aqui que o quintal de minha casa tinha um verdadeiro pomar e uma horta de dar água na boca em qualquer um. E era no fundo do quintal que existia um pé de abacate enorme. E carregava todo ano! Era tanto abacate que eu e meus irmãos saíamos vendendo na vizinhança! O pé era enorme: imagino que mais de dez metros de altura e difícil de alcançar os galhos mais altos. O galho mais baixo estava a mais de três metros do solo e era difícil subir por causa do tronco: ninguém conseguia abraçar o mesmo... Para colher a fruta, meu pai arranjou um bambu enorme, colocando na ponta do mesmo uma caçamba para segurar o abacate. Na hora da colheita, eu era um dos chamados por meu pai para ajudar. Sacola na mão e correndo para tirar o abacate colhido na caçamba. Sacola cheia, serviço feito! Agora era consumir ou vender até que... até que um belo dia chegaram em casa os irmãos Walter e Geni. Ele, mais velho, amigo de meu irmão mais velho, Ademir. Ela, um pouco mais nova, amigo da minha irmã, um pouco mais nova que Ademir, Ana Maria. E Geni se entusiasmou com o tamanho da fruta e a quantidade. Foi aí que ela teve a ideia e sugeriu: “por que vocês não fazem sorvete de abacate? Tenho geladeira em casa, posso fazer pra vocês!” Naquela época, final da década de 1950, geladeira e televisão eram raros nas casas das pessoas. Televisão virou televizinho e geladeira a gente trocava por refrigerantes gelados, no bar da esquina... Claro que a sugestão foi aprovada e aceita por todos. Manhã de sábado, pai e filhos no quintal colhendo abacate, colhendo abacate, colhendo abacate! Sacolas cheias e os irmãos que eram amigos levaram as sacolas com a fruta que se transformaria em sorvete! Walter e Geni moravam na mesma rua que nós, um quarteirão pra frente, vizinhos do açougue do Iotti que existe até hoje. Fruta entregue, os irmãos Walter e Geni convidam para saborear o sorvete na tarde de domingo, vendo televisão. E no dia e horário lá estávamos nós: eu e meus irmãos para saborear sorvete de abacate. O combinado era que traríamos um pouco para nossos pais. Para que ninguém ficasse sem. Sentados na sala, vendo televisão: não me lembro do programa, pois a atração era o sorvete que estava saindo do congelador! E lá vem Geni com o produto para ser distribuído para todos. E é aqui que veio minha decepção: sorvete feito nas formas de gelo e distribuído – dois ou três cubinhos numa tigela e uma colher. Era com a colher que levávamos o sorvete à boca para sentir o gosto, lamber ou chupar e devolver na tigela. Minha decepção não foi com o sabor do sorvete; viro para minha irmã e pergunto: “Por que não tem palito?” A pergunta tinha sua razão de ser, afinal, sorvete tinha que ser de palito, já que não existia, naquela época, receita de sorvete de massa. Ana Maria sorri e diz que era só ter colocado o palito que ficava sorvete de palito. Mas voltei a questionar, principalmente por conta do tamanho do mesmo, já que as formas de gelo eram de cinco centímetros de altura, pequeno para os palitos de sorvete. Saí dali decepcionado, querendo sorvete ‘de verdade’. Lembro que meus irmãos voltaram para casa comentando o sabor e este retorno tinha que ser rápido, para que os sorvetes de meus pais não derretessem. Foi só em casa que me conformei com a ausência do palito, ao ganhar mais dois cubinhos – um de meu pai e outro de minha mãe - de um sorvete incompleto!

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