sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Café com leite

Brincadeira de infância nem sempre tem o gostinho que a gente gostaria  que tivesse. Brincar de “queimada”, “mãe da rua”, “pega-pega”, “pega- esconde”, “batatinha frita” é uma coisa que requeria, nos meus tempos de infância, uma atenção especial, principalmente para quem não tinha ainda idade para participar das mesmas, mas queria, porque queria se envolver com os mais velhos.  E era só o pessoal se encontrar no meio da rua que lá ia eu, protegido  por meu irmão mais velho. E eu sentia que, discretamente, cochichava alguma coisa para os outros participantes da brincadeira. Nas primeiras  vezes não entendia direito o significado de “café com leite”, mas depois  fui me acostumando com o termo. Tanto que, quando começava uma brincadeira, eu percebia que ninguém vinha em minha direção. Se fosse “mãe da rua”, lá ia eu, com um pé só, atravessando sossegado. Às vezes até provocava o “pegador”, mas ele fazia de conta que não me via.
E lá ia reclamar para minha mãe, que ninguém queria que eu participasse normalmente da brincadeira. A reclamação era rapidamente repassada para Ademir, o irmão mais velho, e voltava eu para a rua, tentando ver o que  acontecia. E não acontecia nada!!! “Café com leite” era uma coisa que eu odiava. E com razão: sabia que tinha condições de brincar “de igual para igual” com os mais velhos. E os mais velhos tinham 11, 12, 13 anos e lá estava eu com meus seis, sete anos. Brincando como gente grande!!!
Até que um dia cansei de reclamar, de pedir, de implorar para não ser mais “café com leite”. Era hora de eles arrumarem outro para este papel! E me dei por feliz:, lá estava ele: Fernando, com pouco mais de quatro anos, querendo brincar junto com seu irmão Adilson.
Com um novo “café com leite” na brincadeira me dei por muito feliz. Era hora de mostrar que era capaz de brincar direito. E era dia de “pega-esconde”! Como Adilson foi o último a chegar, já que Fernando era “café com leite”, saí como louco, em busca de meu esconderijo favorito. A brincadeira era assim: por ser rua de terra, haviam muitos barrancos e mato alto, já que só bicicletas ou carroças passavam por ali nos finais dos anos da década de 1950. Por ser pequeno e não gostar de ficar parado num local só, me movimentava bastante. Começava escondido atrás de um poste, corria para um matagal e, em seguida, voava para o pique. “Salvo um, dois, três”. Pronto! Ficava lá, sentado no chão, esperando até o último ser encontrado.
Quando outro virava “pegador”, olhava para meu irmão e percebia um sorriso de orgulho no rosto dele. Só não gostava de brincar de “mãe da rua”, por ser pequeno e sem muita força. Era só alguém tocar, de leve, que lá ia para o chão. E pronto: lá estava eu correndo atrás de alguém para fazê-lo colocar os dois pés no chão. Empurrão, puxão ou qualquer outro “ão” não resolvia, pois meu corpo franzino não me ajudava nesta hora. Mas o que me irritava e me dava forças para reagir era só ouvir alguém gritar “põe ele de café com leite”. Pronto! Eu me transformava.
Primeiro ficava vermelho como um pimentão e, em seguida, escolhia uma “vítima”, corria em sua direção e dava um leve toque no pé que estava no chão. Era fácil fazer a pessoa perder o controle e bater o outro pé na rua. E lá ia eu vibrando para a calçada.
Mas infância é isso: um tempo que passa depressa, pois a gente não vê hora de crescer e quando cresce... ah, quando cresce! Bate forte a saudade, bate forte uma vontade louca de ser criança outra vez. Nem que fosse prá brincar tudo de novo. Nem que fosse prá ser “café com leite” outra vez!...

Um comentário:

  1. Ai Nelson, acho que vou parar de ler suas crônicas por hoje. Já estou quase chorando. Essa leitura fez vir à tona lembranças adormecidas. Não sou dos anos finais da década de 50... mas 20 anos depois não era muito diferente. Lendo sua crônica me fez lembrar de amigos que nunca mais vi, de outros que infelizmente já não existem mais... saudades.
    Abraços.

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