sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Tempo de inocência!

A porta do quarto se abre e dona Angelina me chama suavemente, como não querendo me acordar, mas tendo de fazer isso. O dia é 25 de outubro de 1959, um domingo, e são 6 horas da manhã. Acordar neste horário hoje é fundamental. É o dia de minha primeira comunhão.
Percebo a alegria estampada no rosto desta mulher, com seus lindos cabelos brancos. É o primeiro domingo em que ela não vai à missa das cinco e meia – e por minha causa! É o terceiro filho que ela vê receber Jesus no coração!
Me ajuda a colocar a roupa. A acertar o suspensório na calça curta do terno azul marinho, a arrumar a gravata borboleta, a abotoar o colarinho. O cabelo é um detalhe: o corte é topete (meia dúzia de fios de cabelo na cabeça) e já estou pronto!
Pronto, não! Falta arrumar as meias três-quartos e amarrar o sapato – e isso Dona Angelina faz rapidamente, lembrando que já estava na hora de eu aprender a dar o laço no cadarço dos sapatos.
Correria na rua, a caminho da igreja da Vila Arens, e lá vai a família toda para a missa das sete e meia. Café, antes de ir à missa, nem pensar: o jejum era de três horas antes da comunhão, o que significava que eu iria sentir fome na igreja.
E lá está padre Alberto no púlpito que, hoje, não existe mais. “Chegou a hora da querida festa, chegou a hora em que vamos comungar...” cantava ele, com seu português arranhado, já que era alemão. “Cantem todos”, dizia ele, obedecido imediatamente pelas mais de cem crianças que entravam na igreja para participar da missa.
A fila é formada na praça, em frente à escadaria da igreja. Os meninos, todos de terno azul marinho e camisa branca entram na frente, e as meninas – todas de branco com véu na cabeça – vêm logo atrás. Na hora de sair, ao contrário: primeiro saem as meninas e os meninos depois.
A entrada é triunfal! A gente consegue visualizar os parentes acenando no meio de uma multidão. E todos cantando, acompanhando o “maestro” padre Alberto: “Senhor Jesus, nós crianças vos amamos, com todo nosso pequeno coração...”
Já no banco, livro próprio da Primeira Comunhão na mão, terço no meio dele, acompanhando os cânticos e as explicações do padre. A missa, em latim, era difícil de ser acompanhada. O padre, de costas para os fiéis, só se voltava para dizer “Dominus vobiscum” e os coroinhas respondiam: “et cum spíritu tuuuuuooooo.”
Chega a hora de receber a hóstia consagrada! Em fila, nos aproximamos da mesa da comunhão. Dona Nair, minha catequista, com uma caixinha na mão, dá o sinal para um grupo se levantar e outro se ajoelhar. E o padre coloca a hóstia em minha boca. Cabeça baixa, concentrado, conversando com Jesus, volto para o banco.
O calor é forte! Duas ou três crianças passam mal, precisam ser socorridas, mas a missa termina, com o cântico final e todas as crianças saindo da igreja.
É hora da fotografia!
Na porta da igreja, recebemos o certificado das mãos da catequista e nos dirigimos ao fotógrafo, que fica bem em frente à igreja. Uma hora na fila e a foto tradicional: em pé, sorrindo, com o livreto na mão e o terço colocado no meio, ao lado de uma imagem de Jesus Cristo.
Já em casa, tomando café com leite e refeito do desgaste físico, lá vou eu jogar bola com os irmãos mas, na cabeça, a cena do dia não desaparece: a fila, as mãos postas, o corpo de Cristo entregue pelas mãos do padre e a igreja, lotada, cantando “chegou o dia da querida festa...”

Nenhum comentário:

Postar um comentário