terça-feira, 19 de março de 2013

Vinte e cinco anos se passaram

Falar de minha mãe pode ser repetitivo, mas sempre há alguma coisa a mais, alguma coisa nova que ainda não fez parte de nenhum outro texto sobre ela. Mas é curioso lembrar de seu carinho e de sua atenção ao tomar uma atitude ou a resolver algum problema. Cuidar dos seis filhos era sua principal preocupação. E não tinha um que fosse mais privilegiado que o outro. Todos eram iguais. Mesmo que um fosse o mais velho ou o outro mais novo. Mesmo que uma fosse a única mulher ou o outro se tornou padre e dizia isso desde pequeno. Mesmo que outro fosse trabalhar em rádio e jornal e outro mudasse para Louveira ou Praia Grande. Não importa: todos eram especiais. Todos eram seus filhos! Era comum vê-la varrendo a casa com o terço entre os dedos. Também era comum – mas era preciso presta muita atenção – ouvi-la cantando enquanto preparava o almoço. Digo que era preciso prestar muita atenção, pois ela fazia isso baixinho para talvez não atrapalhar aquele filho ainda criança que preparava o dever ou aquele que queria conversar com o outro sobre alguma nova brincadeira. Dona Angelina – este era seu nome, ligado a anjos – era um sorriso constante. Com seus olhos azuis concentrados naquilo que fazia, mas atentos ao que os filhos estavam aprontando, dona Angelina era obrigada a madrugar todos os dias. Num período porque seu Alcindo – meu pai – entrava antes do sol nascer na Estrada de Ferro e em outro porque o filho mais velho precisava viajar para São Paulo e nos anos 60 o trem era o melhor transporte e a viagem começava às 6 horas. E o ato de acordar cedo representava preparar almoço. Afinal, um filho estudava cedo outro no início da tarde, enfim era um dia de intenso movimento. E dona Angelina cantava baixinho, para não atrapalhar ninguém! Assim foram os anos, assim cresceram os filhos, assim se formaram novas famílias e na manhã de 19 de março de 1988, dona Angelina teve complicações na saúde. E na madrugada do dia 20 levou com ela a voz baixa de suas canções. Não há eco ressoando, o silêncio se faz presente no dia a dia da vida de quem ficou. Seu Alcindo partiu dois anos depois, cheio de saudade. No dia a dia ainda percebo a pequena cozinha de casa, com dona Angelina lavando verdura colhida do quintal. O som baixo e suave das canções ainda percorrem os corredores da casa em minha mente, pois ela não existe mais. “Certa manhã destas manhãs cheias de luz, por entre as rosas do jardim eu vi passar gentil borboleta de asas azuis e o seu voo incerto me fez pensar” ou ainda “Maringá, Maringá depois que tu partiste tudo aqui ficou tão triste que eu garrei a imaginar”... algumas frases de canções que, mesmo cantadas para não atrapalhar ninguém ecoam no fundo de meu coração. E como tudo ficou tão triste, e como tudo passa tão depressa, 25 anos depois, ainda percebo dona Angelina sorrindo nos corredores de casa, a varrer, a cantar, a rezar... Do jeito que, tenho certeza, só ela sabia fazer!

Um comentário:

  1. Lindo Texto Nelson, daqueles que nos fazem retornar ao mesmo seu passado, um pouco nosso agora.
    Parabéns Dona Angelina seu legado ainda reina.
    Bjs!

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