sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Conquista sem prova

Tem coisas na vida da gente que se eternizam em nossa memória, mas outras fazemos questão de ignorar. Literalmente, apagamos de nossa mente. As lembranças ruins fazemos questão de esquecer, mas as coisas boas, doces e belas, transformamos em quadro, penduramos na parede de nossa memória e mostramos ao mundo todo...
E lembranças da infância acabam sendo estes quadros que emoldurei acima. Comer jaboticaba no pé, fazer o mesmo com goiaba, laranja, manga. Realmente tudo isso tinha um sabor especial. Alguém me disse um dia que pessoas da cidade, hoje, imaginam, por exemplo, que goiaba é uma fruta que dá na feira, se surpreendem ao ver um pé de mamão...
Mas dizer que já apanhei o abacate do pé, cortei-o ao meio, joguei fora a semente e comi, ali mesmo, na casca, parece uma deslavada mentira, mas é a mais pura verdade. O sabor da fruta é outro... Imagino que seja por causa da alegria de poder saborear a fruta, colhida da árvore. Na hora!!!
Mas tem lembranças, como já disse, que o personagem não quer se lembrar mais, mesmo que, 30 ou 40 anos depois, isso ainda seja motivo de gozação. Mesmo que seja uma brincadeira entre irmãos, hoje todos de cabelos brancos.
Quem já comeu biju conhece seu gosto. E lá pelo início da década de 1960 do século passado (imagino que tenha que identificar isso assim, pois já mudamos de século e de milênio e muita gente não se deu conta disso ainda...), meus irmãos e eu fazíamos uma espécie de competição para ver quem tirava mais biju na roleta. E biju, para quem não viveu naquele tempo, era vendido por garotos na rua, com um assobio especial que conhecíamos de longe. O biju ficava dentro de um cone e a tampa era uma roleta que girávamos para ver quantos conseguiríamos comer ou ganhar, pagando apenas por uma “girada”.
Dizer que jamais tirei mais do que um biju, talvez ninguém acredite, mas dizer também que jamais ganhei uma rifa das milhares que comprava (com o dinheiro de meu pai) naquele tempo, talvez o leitor tenha certeza de que estou falando a verdade.
Mas o dia, a hora e o mês, com certeza não me lembro. O moço do biju assobiou na rua e lá foi Osmar correndo tentar a sorte. A roleta do cone tinha 50 números imagino, 40 eram o número 1, dois o número 2 e o restante um de cada, do 3 até o 9, número maior para quem conseguisse a “proeza” de fazer a roleta parar no número desejado.
Me lembro que brincava no quintal com Ademir, quando ouvimos o barulho do portão batendo e já tínhamos certeza que Osmar estava de volta com o único biju que ganhara. Mas o pequeno Osmar, com seus seis ou sete anos, entrou em casa chorando, com as mãos entrelaçadas, coladas no peito e algum fagulho de biju, grudados na camisa. Dona Angelina, antes de perguntar porque chorava o pequeno menino, o fez respirar fundo e parar de se lamentar.
Refeito da corrida da rua até dentro de casa, Osmar, entre novos soluços e frustração disse que havia tirado nove na roleta, com direito, claro, a nove bijus. De posse de todos, por ter mãos pequenas, resolveu aproximar a “fatura” do peito e correr, com um louco para casa, feliz da vida. A corrida, o vento e as mãos apertando o biju contra o peito, na ânsia de contar a todo mundo o que conseguira fazer, transformou tudo aquilo em fagulhos que o vento levou.
E os bijus desapareceram de suas mãos, de seus olhos. A alegria de querer contar o que fizera, se transformou em tristeza ao ver que o feito virou nada. E o sabor do biju foi amargo, ao sentir as lágrimas rolando pela face e passando pelos lábios infantis, que não entendiam porque aquilo acontecera daquele jeito.
Mesmo que não tenha conseguido provar o seu feito aos irmãos, acabou sendo consolado por Ademir que, rápido, correu à rua, rolou a roleta três vezes, pegou os três bijus que conseguira e os entregou ao pequeno irmão, que sufocou as lágrimas e engoliu a compra como se fosse uma medalha de ouro, conquistada numa olimpíada.

3 comentários:

  1. Abacate, descobri já bem velho, também pode ser comido com sal

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  2. E era tão importante como uma medalha de ouro com certeza.

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  3. ...eu tive esse privilégio...girar aquela roleta, ansiosamente, escutando a palheta avançar pelos números...Não me lembro de ter tirado mais de um...de uma vez...Belo texto Nelson!

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