sábado, 24 de março de 2012

A hora do esconde-esconde

“... dezenove, vinte, vinte e um. Lá vou eu, quem se escondeu, se escondeu, quem não se escondeu, não se esconde mais...” A metade da última frase indicava que deveríamos sair da vista do “pegador”. Ele deixava o pique, onde, de olhos fechados, contara até 21, tempo suficiente para todos se esconderem. Brincadeira de esconde-esconde era assim: o primeiro a ser descoberto era o “pegador” na próxima rodada. Dependendo de quem estava na brincadeira tinha “café com leite”, coisa que todo mundo odiava, mas que o irmão mais novo tinha este privilégio já que também deveria brincar. Privilégio ou desprezo, porque nem o “café com leite” gostava de brincar assim. Queria ser descoberto no esconderijo ou queria correr até o pique e bater “um, dois, três, salvo!” Como o quintal de minha casa era grande e cheio de árvores frutíferas, havia uma infinidade de lugares para nos escondermos. Até o galinheiro poderia ser um bom esconderijo, desde que galo e galinhas não nos denunciassem. Goiabeira, mangueira, abacateiro, jaboticabeira, laranjeira, ameixeira, jambeiro eram alguns dos lugares escolhidos como “esconderijo”. Gostoso mesmo era enganar o “pegador”. Dois minutos na goiabeira, observando o movimento, uma descida rápida e um novo esconderijo. Quem sabe o jambeiro? E lá corria eu para dificultar ainda mais a vida do “pegador”. O pé de manga era um dos meus esconderijos preferidos. Como ficava dentro do galinheiro, dependendo de quem fosse o “pegador”, jamais seria descoberto. Sempre havia alguém brincando e que tinha medo das galinhas. Claro que não eram meus irmãos, acostumados a, até, levar comida para elas ou ajudar minha mãe na hora de se escolher qual seria sacrificada para o almoço do domingo ou recolher os ovos diariamente. Confesso que fazia proezas nesta brincadeira: primeiro subia no pé de manga, cujas folhas ajudavam a me esconder. Subia até onde me era possível. O pegador sempre olhava até onde as folhas permitiam. Não sei porque, mas nenhum “pegador” chegava até debaixo da árvore para espiar se havia alguém sobre ela. Depois da primeira espiada, o “pegador” tomava outro rumo. Era ali que eu mudava de lugar: descia rapidamente e, já no chão, pé ante pé, para não assustar as galinhas, e subia na ameixeira. Ali não tinha jeito: ninguém me achava. Era a árvore mais alta do quintal que alguém conseguia subir. Era lá, também, que a gente fazia pique-nique no dia primeiro de maio, levando inclusive lanche e refrigerante para consumir. Por causa da altura, conseguíamos ter uma visão geral do quarteirão. Olhávamos os quintais do seu Zé Mota, de dona Carlota, de seu Morais, de seu Torelli e inventávamos histórias sobre estas pessoas. Era comum, na brincadeira, o “pegador” desistir de me procurar. Mas eu só saia de onde estava se ele voltasse ao pique e contasse até dez. Outro lugar interessante era um barracão, no meio do quintal, onde havia o tanque de lavar roupa, um enorme caixão onde meu pai deixava os litros de vinho de laranja que ele preparara durante o verão. Dali se tinha uma vista do pique e dos caminhos do “pegador”. Quando se percebia que o “pegador” subia até o fundo do quintal por um lado, corria-se do outro até o pique. Mas era difícil a vez que “pegador” e “caçado” não se digladiavam junto ao pique. “Bati primeiro” era a frase dos dois na chegada do pique. E aí, não tinha jeito: era hora de seu Alcindo ou dona Angelina entrar em ação e evitar que a brincadeira terminasse em briga. Mas mesmo sem briga, a discussão transcorria até depois do banho, mas sempre em voz baixa. Para que a brincadeira pudesse recomeçar no outro dia. Mesmo que fosse tentando descobrir um novo esconderijo...

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