sexta-feira, 30 de março de 2012

A mulher que fabricava hóstias

O termo pode parecer estranho, mas não deixa de ser verdadeiro. Talvez pudesse ser “fabricante de hóstias”. Assim era dona Brasília, uma nortista que morava a menos de cem metros da Igreja da Vila Arens, exatamente onde hoje existe o prédio da Telefônica, na rua General Carneiro. E esta proximidade da igreja a transformou naquela que “fabricava” as hóstias que seriam consumidas das missas da igreja. E a produção começava logo na segunda-feira. Me lembro disso, pois neste dia tínhamos reunião da Cruzada Eucarística Infantil, da qual fazia parte. Não me recordo exatamente o horário das reuniões, mas sei que os pequenos se encontravam com Padre Hugo nas segundas-feiras, no final da tarde, médios e grandes em outros dias e nos víamos todos no domingo, na missa das crianças. Sempre no primeiro domingo tinha a reunião geral e éramos obrigados a comparecer com uniforme. O uniforme era usado, também, nas primeiras quintas-feiras do mês, quando havia a Adoração ao Santíssimo Sacramento. Mas sempre que chegávamos para a reunião semanal, víamos dona Brasília. Pequena, falante, ensinava como devíamos fabricar as hóstias que seriam consagradas na missa: água e farinha de trigo eram os ingredientes usados por ela. Misturava bem os dois produtos e, quando viravam uma pequena pasta, com o auxílio de uma colher, espalhava sobre uma máquina, igual a uma sanduicheira. Pressionada e aquecida, a pasta se espalhava pela “plataforma” da máquina, endurecia e ficava pronta uma folha que seria recortada exatamente no formato da hóstia. Os retalhos eram, então, distribuídos por ela para as crianças que mais se comportavam durante a “fabricação” das hóstias. Pequenos sacos plásticos eram transformados em recipientes dos retalhos de hóstia. Saímos dali comendo e acompanhando a reunião de Padre Hugo que aproveitava a ocasião para explicar com detalhes o momento da transformação de pão no corpo de Jesus Cristo, na hora da consagração. Para explicar a presença do Cristo na hóstia, ele a partia ao meio e dizia que ele estava presente em cada pedaço. “Quando se quebra um espelho, nos vemos refletidos em cada pedadinho dele, assim acontece com a hóstia: parte-se o pão, mas não o corpo de Cristo”, nos ensinava. Uma lição para não ser esquecida e isso era motivo para aumentar nossa fé. Mas dona Brasília era especial, uma mulher diferente de tantas que víamos na igreja. Tanto que era comum encontrarmos no meio dos retalhos das hóstias, partículas inteiras que ela nos presenteava. E na semana seguinte, quando agradecíamos o que nos fizera, ria feliz, dizendo que tínhamos ganho aquilo porque “fizemos por merecer”. Infância tem situações inesquecíveis, que acontecem porque não sabemos dizer como, mas servem para mostrar que existem pessoas especiais, diferentes, dóceis, singelas. Assim era dona Brasília. Sua casa ficava no fundo do terreno. Havia um corredor enorme para se chegar até a porta de entrada. Enormes coqueiros faziam sobra ao corredor que levava até a porta de entrada. Uma tarde, ela não apareceu e nos informaram que adoecera. Imaginávamos quem iria fazer as hóstias para o final de semana. O quartinho onde ela fazia as hóstias e que ficava no porão da Igreja nunca mais se abriu. Nossas imaginações infantis percorreram toda a cidade em busca de dona Brasília. Mas ficamos na certeza de que a produção de hóstias estava sendo feita, desde então, no céu!

Um comentário:

  1. Lia (liazeni@hotmail.com31 de março de 2012 às 17:27

    Ah! D. Brasilia, me lembro bem dela....mas não pela fabricação das hóstias, mas sim pela Romaria a Aparecida. Quando anunciava a Romaria nos avisos das missas, já no primeiro dia ela batia lá em casa para ter informações de dia, valor..etc...
    E eu ficava imaginando como que alguém poderia se chamar Brasilia rsrsrsrs... mas Uma Doçura de pessoa D. Brasilia.

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